Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

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Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

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Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

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Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

Música de Fiji. Foto A.A.Bispo ©

Igreja Catolica de Lautoka. Foto A.A.Bispo ©

Fiji.Foto A.A.Bispo ©

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 136/16 (2012:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2876


A.B.E.


Acordai!: cultura metodista revelando-se?
Wesleyanismo no Pacífico Sul e o entusiasmo nas manifestações musicais em Fiji

Ciclo de estudos Rio 92-Sydney 2012 da A.B.E. no Pacífico Sul. Lautoka, Viti Levu, Fiji

 
Fiji.Foto A.A.Bispo ©

O ano de 2012 foi aberto pela A.B.E. com estudos realizados na Austrália e na Melanésia, entre outros países, também em Fiji. Esses trabalhos inseriram-se no empreendimento Rio 92-Sydney 2012, no qual procura-se retomar, passados 20 anos, questões relativas a fundamentos de processos culturais e de bases epistemológicas de seus próprios estudos que determinaram o congresso internacional pelos 500 anos do Descobrimento da América e pela conferência do meio-ambiente.

No centro das atenções de 1992 esteve a questão da perspectiva européia de uma historiografia comemorativa dos Descobrimentos e dos processos por êles desencadeados, e que ignora a visão indígena dos acontecimentos. (Veja Tema em Debate, nesta edição: http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Australia-Melanesia-Brasil.html)

Nos projetos então iniciados, procurou-se privilegiadamente dar voz aos próprios indígenas, redirecionando a atenção do descobrir por parte do pesquisador ao revelar da própria cultura. Essas relações de múltiplos significados entre descobrimentos e revelações foram consideradas em outros contextos do continente americano e, agora, reconsideradas no Pacífico, uma vez que ambos os conceitos ali adquirem particular relevância em projetos culturais da atualidade.

Significado de Fiji para a pesquisa de processos musicais em contextos globais

Assim como no congresso internacional de 92, as reflexões sobre processos culturais e os fundamentos teóricos de seu tratamento foram também na Melanésia voltadas primordialmente às suas expressões músico-culturais, vistas como privilegiadas para a análise de mecanismos e significados.

Os trabalhos puderam basear-se aqui em muitas décadas de estudos relativos à Oceania, remontantes na sua orientação teórica a trabalhos iniciados na disciplina Etnomusicologia, como pioneiramente introduzida na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972; esses estudos foram desenvolvidos pelo editor desta revista em cooperação com pesquisadores do Pacifico em instituto internacional de pesquisas etnomusicológicas desde 1977, em cursos e seminários universitários dedicadosa Austrália e Oceania e em empreendimentos de pesquisas da A.B.E. no Pacífico, em particular na Austrália/Nova Zelândia e Polinésia (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/119/Indice119.html e http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Polinesia.html).

Fiji assume um papel de particular relevância para os estudos etnomusicológicos e de sua renovação no sentido de estudos de processos culturais em contextos globais por várias razões.

Uma delas reside no fato de, como arquipélago de numerosas ilhas marcadas por encontros, confrontos e interações culturais de diferentes proveniências, nos quais todos os continentes e, em especial, todas as regiões do Pacífico, sobretudo também nas suas relações com o Índico estão representados, Fiji abriga a Universidade do Pacífico Sul (University of the South Pacific, USP), fundada em 1968 e que é o principal centro de ensino superior e de estudos interregionais e internacionais dessa região do globo. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Universidade-Sul-Pacifico.html)

Nas condições especiais de Fiji como centro de interações particularmente intensas de processos culturais, a questão da perspectiva na análise dos fatores que se interagem adquirem particular relevância. Compreende-se, assim, que argumentos concernentes a origens, prioridades e legitimidades em consciência histórica e sentido de identidade baseados em determinadas compreensões da história desempenhem papel significativo também do ponto de vista político-cultural.

Fuji apresenta-se hoje como uma nação que se confronta com tensões marcadas por movimentos nacionalistas baseados em concepções de identidade etno-cultural fijiana e por aqueles de descendendentes de imigrados, o que tem até mesmo levado a emigrações em massa desses últimos. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Universidade-de-Fiji.html)

Perspectivas eurocêntricas da História do Pacífico Sul: Descobrimentos

O complexo panorama musical de Fiji traz à consciência ainda mais do que Nova Caledônia e Vanuatu a necessidade de uma orientação da pesquisa dirigida a processos culturais e político-culturais desencadeados pelo contato com os europeus, com a missionação cristã e com a história colonial.

A questão que se levanta não é a da relevância do processo transformatório assim desencadeado, mas sim a perspectiva na sua consideração e apreciação.

Uma aproximação etnológica convencional dirige a atenção à presença de grupos culturais de diferentes regiões do Pacífico em Fiji. Assim, se Fiji, pertencente à Melanésia, possui sobretudo representantes dessa esfera insular, apresente na unidade na diversidade de suas centenas de ilhas também aquelas com predominância da presença polinésica; assim, a ilha de Rotuma é inserida culturalmente na Polinésia.

Em textos de referência lexicográfica etnomusicológica, seria essa mistura étnica que explicaria o fato de estilos fijianos apresentarem elementos tanto da música polinésica e melanésica (Chris Thompson Saumaiwai, "2. Fiji", em "Melanesia", The New Grove Dictionary of Music and Musicians 12, London 1980, 82).

Essa explicação, porém, evidencia antes a dificuldade resultante da divisão convencional desse mundo oceânico insular em Melanésia, Micronésia e Polinésia, resultado de uma tentativa de sistematização nascida da necessidade de compreensão européia dessa imensa região do globo no século XIX .

Na realidade, o complexo musical de Fiji manifesta não a mistura de esferas categorizadas como polinésicas, micronésicas e melanésicas, mas sim a força de processos colocados em ação com o contato com os comerciantes europeus e, sobretudo com os missionários de diversas confissões e de sua inserção na política colonial européia.

Independente desde 1970, a história de Fiji foi marcada sobretudo pelo fato de ter feito parte do império colonial britânico; foi essa inserção que explica a transplantação de milhares de trabalhadores vindos da Índia, então também parte desse império. Assim como Maurício, Fiji transformou-se num dos centros de uma extensão cultural indiana no Grande Oceano. Também aqui poder-se-ia levantar a questão de uma "hinduização" da Oceania, como, relativamente a Maurício, se coloca a questão de uma "hinduização do Índico" (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/123/Expansao_do_Hinduismo.html).

O estudo do início do desencadeamento de processos históricos de transformação cultural a partir do contato com europeus confronta-se com a dificuldade de determinação da intensidade dos contatos mais remotos dos habitantes dessas muitas ilhas com navegadores e comerciantes.

A descoberta de Fiji é atribuída ao holandês Abel Tasman (1603-1659), que ali aportou em 1643. Situa-se assim em estreito relacionamento com a história da Nova Zelândia e outras regiões atingidas por esse navegador numaé´poca de conflitos entre potências européias no domínio do comércio mundial. Fiji foi, assim, alcançado no período de estabelecimento neerlandês nas várias partes do globo, também no Brasil.

Outro marco histórico na história dos descobrimentos de Fiji é a passagem do Bounty pela ilha, comandado por William Bligh, em 1789, após o motim. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Taiti_e_Caribe.html)

Do ponto de vista ambiental: destruição natural, madeiras e canaviais

Para além dessas passagens e contatos esporádicos, a transformação cultural de Fiji procedeu-se em estreito relacionamento com o processo de delapidação natural das ilhas pelos comerciantes de madeira de sândalo no início do século XIX. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Gigante-Adormecido.html)

Como algumas outras ilhas do Pacífico (http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Pau-Brasil-e-Sandalo.html), essa destruição do meio ambiente pelo comércio de madeira, paralelamente à expansão da cultura canavieira, traz à consciência do binômio Cultura/Natureza no estudo dos processos culturais, como salientado pela A.B.E. (Vide programa http://www.akademie-brasil-europa.org/Cultura-Natureza-Musica/index.html) Como o Brasil e, entre outros, o Havai, Fiji tem a sua história marcada por uma destruição do patrimônio natural de grandes dimensões e, assim como o Brasil e, entre outros, Maurício, pelo cultivo da cana de açúcar, o que até hoje determina sobretudo a fisionomia de sua principal ilha, Viti Livu.

Ações missionárias, domínio anglofone e americanização. Metodismo e música

Como também em outras regiões, o fator fundamental no processo de transformação cultural foi a atividade missionária.

Sob esse aspecto, Fiji apresenta uma história ainda mais complexa do que outras ilhas. Como em várias outras regiões do Pacífico, a história da cristianização foi marcada sobretudo pela vinda de missionários protestantes; Fiji insere-se aqui, porém, diferentemente da Nova Caledônia e aproximando-se antes do desenvolvimento polinésico, na expansão missionária americana.

O Metodismo ali teve o seu início em 1835; cinco anos depois, as ilhas foram visitadas por uma expedição americana. Com o Metodismo, a cristianização de Fiji inseriu-se em movimento que teve as suas raízes na Inglaterra no século XVIII e que experimentou extraordinária expansão nos Estados Unidos no século XIX; é, assim, ela própria parte de um desenvolvimento inserido em contextos histórico-culturais e no qual justamente questões culturais e sociais desempenham papel de maior relevância do que debates doutrinários.

A influência de impulsos de uma orientação de vida segundo concepções metodistas nas expressões músico-culturais de Fiji não tem sido consideradas à altura. Ela não pode ser vista apenas sob a perspectiva de um distanciamento relativamente a tradições culturais, em particular à dança e a festas com o consumo de álcool, mas sim e sobretudo na implantação de uma atitude voltada à renovação interior e ao amor, o que marca a expressão quase que entusiástica de sentimentos e de impulsos de "despertar" que se constata em práticas musicais fijianas, assim como no papel relevante ocupado por mulheres na vida religiosa e nas expressões culturais.

Também como em outras ilhas, a cristianização, com a criação de comunidades que se separavam das antigas tradições e modos de vida, levou a conflitos intergrupais de natureza religiosa e que conturbou por décadas a história das ilhas. Assim, em 1854, um dos mais importantes chefes de Fiji, Cakobau, converteu-se ao Cristianismo para poder receber o apoio em lutas tribais dos habitantes de Tonga, cristãos também profundamente influenciados pelo movimento metodista vinculado ao nome de John Wesley (1703-1791). Em 1855, tornou-se chefe supremo, dominando Fiji ocidental, enquanto que o rei de Tonga passou a controlar a parte oriental, o que levou à expansão e ao enraizamento do Cristianismo em Fiji, fundamentalmente marcado assim pelo movimento wesleyano.

Fiji.Centro Cultural da Polinesia, Havai. Foto A.A.Bispo ©
Como em outras ilhas do Pacífico, a Igreja Católica, constatando a intensidade da missionação protestante, passou a dar maior atenção ao Pacífico. Os missionários católicos chegados em 1844 eram Irmãos Maristas, como na Nova Caledônia, ou seja, profundamente enraizados na cultura francesa e no movimento de restauração católica marcado pelo contexto político-cultural francês. (Vide texto sobre Le Pins, nesta edição)

No solo das ilhas Fiji ocorreu assim um confronto não apenas confessional, protestante e católico, como também de esferas culturais anglofones e francofones. Essas diferentes missões cristãs introduziram também diferentes práticas de culto e músico-culturais, assim como distintos repertórios de hinos.

Inserções de Fiji em esferas globais não-francesas

Essas distinções religioso-culturais na cultura dos europeus que atuaram nas ilhas, e que refletiam também dinâmicas culturais nos seus respectivos países de origens, foram acentuadas com a intensificação da vida de europeus e americanos em meados do século XIX. Uma divisão etno-cultural processou-se no seio das igrejas reformadas quando, em 1860, a Igreja Anglicana e os Metodistas passaram a concentrar as suas atividades nos europeus que ali viviam.

Numa história cultural a ser mais aprofundadamente desenvolvida, o vulto do rei Cakobau mereceria tanta atenção como a de chefes de várias outras ilhas que tiveram que experimentar as dificuldades múltiplas das intensas transformações por que Fiji passou na segunda metade do século XIX. Bastaria aqui lembrar que, como também no Havaí, Cakobau chegou a voltar-se ao Império Alemão à época do fim da Guerra Franco-Prussiana, em 1871. Nesse ato de intendida aproximação àqueles vistos pelos franceses como inimigos pode-se constatar o significado da inserção de Fiji em constelações político-culturais internas da Europa. Sob esse aspecto, constata-se a diferenciação cultural relevante de Fiji relativamente à Nova Caledônia, esta, na mesma época, marcada pelo galicismo e Catolicismo restaurador francês.

Essa orientação político-cultural internacional manifestou-se também no fato de Cakobau e outros chefes terem levado, em 1874, a que Fiji se tornasse parte do império britânico como colonia da Coroa. Esse passo representou o ponto de partida de um processo de mudanças demográficas de amplas consequências, uma vez que a população nativa, fortemente diminuída por uma epidemia em 1875/76, passou receber muitos milhares de trabalhadores trazidos da Índia para as plantações de açúcar.

A expansão de igrejas protestantes de diferentes denominações acentuou-se desde fins do século XIX. Em 1889 chegaram os Adventistas; a partir dos anos 20, expandiram-se movimentos pentecostalistas, mais recentemente sobretudo as "Assembléias de Deus". A americanização de Fiji, preparada pelas missões desde o século XIX, alcançou o seu ponto culminante com o início da missão dos mórmons, da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e que estabelece um referencial religioso-cultural explicitamente americano na cultura cristã, como foi tratado nos relatos de estudos desenvolvidos no Havaí (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Mormons.html)

A história mais recente de Fiji, marcada por conflitos políticos, conheceu também a emigracão de grande número de fijianos de ascendência indiana (1989), um fato que mereceria ser considerado do ponto de vista cultural. Esses fijianos de ascendência indiana levaram consigo para a emigração resultados de processos de identificação que decorreram em Fiji. Recuperando direitos posteriormente e mesmo levando a uma Primeiro Ministro de ascendência indiana, a golpe de Estado e a novas emigrações, o campo de tensões que aqui se manifesta no presente parece ser antes apto a ser elucidado a partir de perspectivas dirigidas a processos históricos do que a questões propriamente étnicas.


De descobrimentos à construções míticas de chegadas

A história assim considerada reflete a perspectiva sobretudo dos descobridores e colonizadores.

Retomando preocupações tematizadas no congresso do Rio, em 1992, procurou-se detectar a visão das decorrências históricas dos fijianos que se identificam com a população anterior à chegada dos europeus.

Um marco nessa visão histórica é o da chegada à ilha da "grande canoa" Kaunitoni, que, segundo a narrativa mítica vinda do Ocidente, ali deixou os primeiros fijianos, há ca. de 3000 anos. Essa narrativa deve ser entendida no sentido simbólico de uma grande viagem ao Oriente, no decorrer da qual Fiji foi alcançado.

O local onde essa grande canoa teria aportado, é celebrado em Vuda Point, localidade situada entre as cidades de Lautoka e Nadi na ilha Viti Levu. Ali, o temido chefe Lutunasobasoba Degei teria fundado uma povoação da qual os fijianos ter-se-iam difundido por toda a ilha.


A aldeia mantém até hoje um alto valor simbólico para a nação, sempre salientando-se a casa do presidente Ratu Joseph Elo Elo no centro da praça, o que indica a sua ascendência real.

Apesar das casas tradicionais e de forte conteúdo simbólico que ali se conservam, as demais moradias da aldeia são constituidas por edificações simples, próprias a uma estação missionária. Significativamente, o edifício mais representativo do conjunto é a Igreja Metodista, a ela pertencendo grande parte dos habitantes. A força do Metodismo e de um modo de vida marcado por impulsos wesleyanos manifesta-se nessa aldeia de forma emblemática. Assim, os católicos que ali vivem, para ir à missa, precisam sair do povoado, procurando uma igreja de outra localidade.

Diálogo intercultural: o revelar-se no meke e o impulso ao "Acordai!"

Também entre os Fijianos constata-se o extraordinário significado de expressões de boas-vindas e de despedidas considerado no contexto da Nova Caledônia e Vanuatu (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dialogo-Brasil-Ilhas-Lealdade.html).

Entretanto, no diálogo intercultural ali desenvolvido, constatou-se a complexidade de referenciações histórico-culturais das concepções subjacentes às danças e manifestações musicais. Como em outras ilhas, o cerne das expressões festivas é a dança-combate, o que poderia ser compreendido como uma permanência de tradições próprias do complexo amplo do puli-puli. A representação dessas cenas de combate são até mesmo executadas com mais intensidade e destreza física do que em outras regiões.

O que foi em Île de Pins apenas sugerido (http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dancas-dramaticas-Pacifico-Brasil.html), aqui a representação de lutas foi elucidada como referência histórica às dificuldades e aos riscos da viagem pelo mar da "grande canoa" que teria trazido os primeiros fijianos em remotas eras. O complexo da viagem e de chegada do próprio povo é aqui relacionado com o da viagem e chegada (ou partida) dos visitantes que são bem-vindos.

Essas danças de guerra, acompanhadas por instrumentos e vozes, são formas modificadas da meke a valu,a tradicional dança de guerra, incluindo cenas de com entrechoques de lanças (meke moto). Entretanto, ela surge inserida em quadro musical que é movimento pelo espírito entusiástico de impulsos ao Acordai! de inspiração bíblica ("Erweckungsbewegung").


Assim como na Nova Caledônia, as encenações são acompanhadas por um coro constituido sobretudo por mulheres de mais idade, mas também por homens, que, em vez de se acompanharem com o Pé, como na Nova Caledônia, batem palmas. Esse coro, à parte, que comenta ou contraponteia em sentidos as cenas de luta com cantos que exprimem alegria, é acompanhado por músicos que executam diferentes instrumentos.


Esses incluem instrumentos de conotações locais, como o derua, tubos de madeira afunilados nas pontas, tocados com duas baquetas, que desempenha papel importante na manutenção do acompanhamento rítmico. Tudo indica que os antigos tambores canoa (lali) passam, aos poucos, a ter as suas funções reduzidas a sinalizações, tomando a si funções de sino nas comunidades, assim como desempenhando um papel de símbolo.


Fundamental nesses conjuntos instrumentais é o violão e outros instrumentos similares de cordas dedilhadas, entre outros o cavaquinho. Pode-se perceber o uso de vários violões, cabendo a condução ao derua, mantenedor do padrão rítmico.


Esse conjunto instrumental, porém, é resultado de ensino sistematizado e do cultivo consciente e exercitado da música. Assim, constata-se que em muitos casos a execução se faz por partituras, comentadas antes do início da peça, e o conjunto vocal-instrumental é dirigido por um regente.

Hinologia de orientação culturológica

Pode-se perceber aqui as repercussões de uma atividade musical de igreja, extendida agora a manifestações festivas não religiosas. Muitas das peças executadas revelam claramente a tradição hinológica. Segundo o informante no diálogo, algumas dessas melodias são provenientes do ensino catequético e denominadas significativamente de taro, refletindo o ensino missionário na colocação de perguntas e respostas, o que leva a um peso maior de práticas de execução responsoriais nas apresentações.

Outras peças do repertório apresentam conteúdo e configurações melódicas de natureza claramente salmódica, trazem até mesmo a designação correspondente a salmo (same). Esses cantos religiosos são entoados sobretudo pelo coro de mulheres de mais idade, percebendo-se que uma delas assume a direção, fato que pode ser identificado também como resultado da ação wesleyana.

Uma significativa prática musical que parece refletir também a recepção de modos improvisados de canto comunitário em igrejas é aquela da entoação de textos bíblicos mais longos a três vozes. Essa prática, conhecida de meios populares da Grã-Bretanha, expandiu-se nos Estados Unidos, sendo um dos objetos de pesquisa de uma Hinologia de orientação teórico-cultural, como tratada no simpósio realizado em São Leopoldo pela A.B.E., em 2002. (Musik, Projekte und Perspektiven, Köln: A.B.E./I.S.M.P.S./I.-B.E.M. 2003)

Em Fiji, a recepção dessa prática, que pode ter resignificado procedimentos já existentes, evidencia-se no fato de que, à voz que conduz o canto, uma espécie de tenor (laga), se ajuntam uma voz mais aguda (tagica)  e o baixo (druku). Essa prática lembra aquela que pode ser constatada em algumas tradições brasileiras, na qual a tagica corresponde ao tiple.

Essa similaridade de processos pode levar a questionamentos mais amplos. Se a prática constatada em Fiji manifesta a recepção de um tipo de improvisação a várias vozes expandido em determinas comundidades - sobretudo afro-americanas - dos Estados Unidos e remontantes a práticas tradicionais em comunidades mais modestas de regiões retiradas da Grã-Bretanha, a sua ocorrência no Brasil chama a atenção às origens mais remotas, medievais desse tipo de execução, que teria permanecido vivo em regiões mais isoladas da Europa, em particular na insularidade britânica.

Retomou-se, aqui, assim, no contexto de Fiji, uma questão considerada na sessão internacional de Estudos Culturais levada a efeito na Sala J. Ribeiro do Museu de Folclore da Associação Brasileira de Folclore, em 1987, no âmbito do Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia.

Entusiasmo e a imagem de Fiji


O entusiasmo que pôde ser constatado em expressões culturais de Fiji, e que parece poder ser explicado como resultado da ação missionária no espírito do movimento do „Acordai“ marca a imagem do país no Exterior.


Em apresentações estilizadas do Centro das Culturas da Polinésia no Havaí, realizadas por estudantes, a presença de Fiji é marcada por expressões particularmente entusiásticas. Entre as representações das várias culturas do Pacífico, as de Fiji se distinguem por expressões extrabordantes de alegria e amplos gestos. (http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Nobre_selvagem.html)



O entusiasmo tornou-se assim um elemento distintivo de Fiji também em apresentações com natureza de espetáculo. Tratando-se nesse centro de apresentações que relacionam pesquisa, ensino, atividades estudantis, entretenimento e difusão cultural, o estado de espírito marcado pelo imperativo do despertar determina atmosferas universitárias e de representação.


Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Acordai!: cultura metodista revelando-se? Wesleyanismo no Pacífico Sul e o entusiasmo nas manifestações musicais em Fiji". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 136/16 (2012:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Entusiasmo-em-Fiji.html


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.