Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Opera de Sydney. Foto A.A.Bispo ©

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 136/1 (2012:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2861


A.B.E.



Iconic places with iconic events: Rio 92-Sydney 2012

Brasil e Pacífico Sul descobrindo-se e revelando-se
Diálogos culturais com a Nova Caledônia, Fiji e Vanuatu


Ciclo de estudos da A.B.E. na Austrália e Oceania pelos 20 anos do Congresso Internacional do Rio de Janeiro sôbre questões de fundamentos nos estudos culturais (1992). Sydney-Festival 2012

 
A.A.Bispo
A Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira publica nesta edição relatos de trabalhos referentes à Austrália e à Oceania desenvolvidos em vários países do Pacífico Sul em janeiro de 2012.

Esses ciclos, que focalizaram sobretudo a Melanésia, são pioneiros sob vários aspectos nos estudos de culturais, uma vez que relacionam esferas do globo tão distantes entre si. Puderam, porém, basear-se em resultados de vários anos de estudos, em particular em trabalhos anteriores da A.B.E. realizados na Austrália, Nova Zelândia e Polinésia Francesa, cujos relatos foram publicados em números anteriores desta revista. (http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Polinesia.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/119/Indice119.html)

Opera de Sydney

De 92 a 2012: do contexto americano ao oceânico

Os estudos tiveram como motivo condutor as expressões "descobrindo e revelando", um escopo que apenas pode ser entendido à luz da razão pela qual foram realizados: o da passagem de 20 anos do congresso internacional levado a efeito no Rio de Janeiro pelos 500 anos do Descobrimento da América e dedicado a questões de fundamentos de processos culturais desencadeados pelos Descobrimentos europeus e às bases epistemológicas de seus estudos. Nesse congresso teve início um projeto de grandes dimensões dedicado a culturas indígenas sob a direção do editor desta revista, patrocinado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.

Decorridas duas décadas do evento de 92, pareceu ser necessário retomar alguns de seus questionamentos, relacionando preocupações que há 20 anos determinaram perspectivas com aquelas atuais, em parte resultados de debates desde então desenvolvidos.

O projeto referente à atualização teórica e de perspectivas nos estudos das culturas indígenas, sendo voltado à análise de processos, exigiu desde o início extrapolar os limites do Brasil e ser conduzido em contextos internacionais adequados à problemática indígena no seu todo continental. Essa exigência levou à realização de estudos e encontros em vários países das Américas, considerando-se em particular a situação e as tendências do movimento de conscientização de identidade indígena nos Estados Unidos (e.o. http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Abbe-Museum.html).

Esses trabalhos, dirigindo a atenção a processos, levaram ao reconhecimento da conveniência e mesmo necessidade de uma ampliação ainda maior do campo de estudos, englobando também povos de outras regiões do mundo que também passaram por impactos e mudanças culturais causadas pelo contato com o europeu e pelo empreendimento colonizatório e de cristianização.

Opera de Sydney
Processos culturais nas Américas e na Oceania

A Austrália e a Oceania oferecem condições favoráveis para a continuidade, em contextos globais, dos estudos relacionados com a problemática indígena nas Américas. Essa região do globo conta com populações de aborígenes, kanaks e outros grupos que passaram e passam por experiências que, nos seus problemas e anelos, apresentam sob vários aspectos similaridades com aqueles constatados no continente americano.

Reconheceu-se como oportuno e necessário desenvolver in loco observações e diálogos com grupos populacionais inseridos nesses complexos processos de transformação e identificação cultural, assim como com pesquisadores, intelectuais e instituições.

Esse intento pôde basear-se em trabalhos anteriores realizados na Austrália e no Pacífico e em resultados de cursos e seminários, entre êles a série de aulas proferidas pelo editor deste órgão sobre a Cultura Musical da Oceania em universidade alemã, em 2008/9.


Rio 92 - Sydney 2012. Ópera como ícone

Assim como o projeto voltado às culturas indígenas partiu do evento do Rio de Janeiro, os trabalhos que focalizaram sobretudo as ilhas da Melanésia partiram de Sydney.

Assim como a escolha do Rio de Janeiro para sede do congresso internacional dedicado a questões culturais pelos 500 anos da América justificou-se, em 1992, pelo fato de possuir importantes instituições dedicadas aos estudos indígenas, a metrópole australiana abriga institutos, museus, bibliotecas e arquivos de primordial significado não apenas para o estudo dos aborígenes e de sua situação na atualidade, mas sim para toda a esfera do Pacífico.
A ponte Rio 1992-Sydney 2012 como empreendimento de estudos culturais deve ser vista também sob o aspecto da internacionalidade que caracteriza ambas as metrópoles.

Grandes portos, portões de relações com outras regiões dos respectivos países e do Exterior, verdadeiras capitais culturais, cosmopolitas e reconhecidas em todo o globo pelas suas qualidades naturais e paisagísticas, apresentam atmosferas culturais e intelectuais marcadas por abertura, favoráveis a eventos internacionais e ao tratamento de questões que exigem capacidade de distância do observador relativamente a seus próprios contextos culturais.

Rio de Janeiro e Sydney propiciam assim a superação de uma estreiteza de visões, de regionalismos, bairrismos, regiocentrismos, nacionalismos e chauvinismos que ainda prejudicam certas esferas dos estudos culturais.

Se o monumento emblemático do Rio de Janeiro é o Cristo Redentor, o de Sydney é a sua Ópera, mundialmente reconhecida por arquitetos, artistas, intelectuais e público como ícone de um mundo aberto e criativo, progressista nas questões que levanta e nos caminhos que procura.

Eixo internacional das relações do Ocidente com o Pacífico - Festival de 2012

A internacionalidade no pensamento e nas artes representada pela Ópera de Sydney manifesta-se no Festival Sydney 2012.

As programações culturais e artísticas da cidade salientam sobretudo o papel desempenhado por Sydney como eixo de relações do Ocidente com o universo do Pacífico, com a Ásia e mesmo com o Índico. Significativo, nesse sentido, é o fato da Ópera de Sydney contar com o patrocínio de grande empresa automobilística do Extremo Oriente.

Cultura/Natureza no Rio e em Sydney

Ambas as cidades se distinguem pela sua privilegiada localização, pelas suas qualidades quanto à inserção no meio ambiente, pela sua vegetação, parques e jardins, o que as tornam centros importantes de impulsos a reflexões no âmbito do binômio Cultura/Natureza, escopo de programa específico da A.B.E. (http://www.akademie-brasil-europa.org/Cultura-Natureza-Musica/index.html)

Se o Rio de Janeiro foi sede de conferência internacional do meio ambiente, em 1992, e se a cidade e sua região deram ensejo a encontros voltados às múltiplas relações
expressas no binômio Cultura/Natureza da A.B.E., por último os colóquios levados a efeito em Parati e no Sítio Burle Marx, em Guaratiba (2004), Sydney celebra na atualidade sobretudo o seu Jardim Botânico, instituição não apenas de excepcional significado para a história das preocupações botânicas nessa esfera do globo, mas também como elemento configurador do panorama e do centro da metrópole australiana.

Sydney não é apenas um exemplo de cidade verde pelos seus muitos e bem cuidados parques e jardins, mas sim pelo fato de ser rodeada por parques nacionais, salientando-se as florestas das Blue Mountains. Ali se encontra um dos significativos monumentos da memória dos povos aborígenes, ponto de partida simbólico para o desenvolvimento dos trabalhos.

Centro Tjibaou na Nova Caledônia: diálogo cultural na arquitetura e o Vegetal no processo criador

A atenção dada às relações entre Cultura e Natureza levou a visitas a instituições de relevância para esses estudos na Oceania, entre elas ao Jardim Botânico de Fiji, ao museu ecológico-cultural de Vanuatu e, sobretudo, ao Centro Cultural Tjibaou na Nova Caledônia. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Tjibaou-Vegetais-e-Cultura.html)

A atenção voltada a relações entre a Cultura e Natureza sensibiliza sob diferentes aspectos a valorização de modos de vida, de concepções e expressões do universo daques que sofreram o impacto da vinda dos europeus.

O Centro Cultural Tjibaou representa uma das mais importantes obras da arquitetura contemporânea de todo o globo.

Projeto de Renzo Piano, arquiteto de renome internacional, resultado de muitos anos de movimento de revalorização da cultura indígena da Melanésia, acompanhado por antropólogos, o Centro Tjibaou insere-se não apenas no rol dos mais significativos edifícios de museus e centros culturais do mundo, mas sim também no de exemplos de uma arquitetura e paisagismo que procuram não subjugar a natureza, não projetar insensivelmente planos abstratos no meio, mas sim o diálogo com o ambiente e a vida circundante.

Esse diálogo é marcado pelo respeito à visão das relações Cultura/Natureza na própria cultura dos povos oceânicos.

O Centro Cultural Tjibaou surge assim como um símbolo
também para aqueles que, nas Américas, se esforçam em estudar e reconhecer os valores indígenas. Para além de centro de estudos culturais, é, com as suas exposições e cursos, centro de artes e criatividade.

Do estudo do significado recôndito dos vegetais revelado na cultura kanak procura-se caminhos não apenas para uma melhor compreensão do mundo indígena neo-caledoniano, como também impulsos criadores para a arte contemporânea e mesmo para uma nova atitude mental com relação a modos alimentícios em respeito à vida animal.

Estabelece-se aqui uma ponte para além das distâncias com o Brasil, uma vez que há muito tem-se constatado o significado de movimentos relacionados com o Vegetal, em especial no Acre e na Amazônia em geral, para visões e para a criação artística (J.de Andrade, "Música e dança na Miração do Santo Dai-Me", A.A.Bispo et alii, Collectanea Musicae Sacrae Brasiliensis, Roma: Urbaniana 1981, 299-316)

Justamente em região que ainda se encontra sob égide européia do Pacífico - a Nova Caledônia como território francês do ultramar - levanta-se assim um símbolo arquitetônico-cultural de respeito e abertura ao diálogo criativo com as culturas indígenas e de reconhecimento pelo patrimônio cultural que representam - um quase que paradoxo considerando-se que muitas nações emancipadas continuam a permitir a continuidade de um processo colonial de devastação de patrimônio natural e de destruição de patrimônio humano e cultural em nome do desenvolvimento e do progresso.

Paralelos quanto a problemas de consciência e perspectiva histórica

Há, ainda, um outro aspecto, antes teórico-cultural, que faz com Sydney surja como ponto de partida particularmente favorável ao desenvolvimento de debates iniciados no Congresso Internacional do Rio de Janeiro de 1992. Trata-se do significado que cabe à cidade na discussão historiográfica relativa a descobrimentos e às perspectivas européias e indígenas de processos por êles desencadeados.

O congresso do Rio teve um escopo duplo, dirigido que foi aos fundamentos de processos postos em vigência e às bases epistemologicas da própria pesquisa, relacionando assim os estudos culturais (cultural studies) com os estudos da própria ciência (science studies), como é escopo da A.B.E.

Esse motivo condutor do evento foi visto como uma exigência imposta pelo ano de 1992, quando em vários páises e por diferentes instituições comemorou-se o feito e o nome de Cristóvão Colombo. Essas comemorações foram por muitos sentidas como questionáveis, uma vez que a valorização da data representava antes expressão de uma visão dos acontecimentos históricos e de suas consequências da perspectiva dos descobridores, colonizadores e missionários, não dos descobertos e missionados.

Reconheceu-se, então, que um congresso de estudos culturais, afastando-se de intenções comemorativas, apenas tinha a sua razão de ser se dirigisse a sua atenção a questões de base, em particular do próprio pensamento historiográfico, refletindo sôbre o processo posto em vigência com a chegada dos europeus.

Papel da religião na historiografia: o descobridor português da Oceania

A convicção missionária do Cristianismo foi de fundamental significado para a justificação de atos, glorificação de nomes e determinação da perspectiva histórica. A ação cristianizadora, compreendida como de mandato divino e mesmo suposta ser a da retomada de evangelização de tempos apostólicos, justificou o processo posto em vigência, tornando-o inquestionável.

Esse significado fundamental da Cristianização para questões que se levantam na ciência da história e na historiografia, tematizado na edição do Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira levado a efeito no Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro no âmbito do Congresso de 1992, pode ser documentado de forma exemplar em Sydney.

No contexto australiano e oceânico manifesta-se mais intensamente do que no Brasil os elos diferenciadores determinados pelas dissensões confessionais internas do próprio Cristianismo e pelas suas inserções em contextos político-culturais.

O papel concedido a Colombo na historiografia das Américas discutido em 92 é ali representado ou pelos descobridores britânicos, em particular James Cook (1728-1779), ou pelo português Pedro Fernandes de Queirós (1565-1614), que muito antes descobriu Espírito Santo, ilha das posteriores Novas Hébridas, hoje Vanuatu.

O principal promotor da valorização de Queirós foi o arcebispo de Sydney, D. Francis Moran (1884-1911), que procurou fundamentar e difundir uma visão católica dos descobrimentos das terras austrais.

Pareceu ser importante, no âmbito dos estudos realizados, considerar essa perspectiva historiográfica católica na esfera colonial britânica e anglicana da Austrália e Pacífico Sul no contexto da história das idéias e da restauração católica na própria Europa (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Oceania-Descobrimento-Portugues.html).

Procurou-se trazer à consciência que a colonização dessa parte do globo deu-se não apenas em época marcada nas ciências pela teoria da Evolução, expressa sobretudo pelo nome de Charles Darwin (1809-1882), um nome que une o Brasil à Austrália e Oceânia na história do pensamento científico (http://www.revista.brasil-europa.eu/119/Expo-Sydney.html).

A colonização dessa região deu-se não apenas em século marcado pela síndrome de progresso - e de ordem - (http://www.revista.brasil-europa.eu/120/OrdemProgresso.html), mas sim também de um movimento de restauração religiosa de dimensões globais, estreitamente relacionado com a valorização idealizadora e romântica do passado medieval na Europa. A Europa que se fêz presente em muitas regiões do globo colonizadas no século XIX foi aquela do neogótico e de uma arquitetura emblemática de unidade com Roma (http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Ultramontanismo-e-arquitetura.html).

Essa atenção dada ao movimento restaurador nas suas diferentes inserções em contextos nacionais na própria Europa abriu portas para o tratamento de questões historiográficas que se colocam na esfera francesa da Oceania, em particular na Nova Caledônia.

História missionária, consciência histórica e identidade galicana: 600 anos de Joana d'Arc

No território francês da Nova Caledônia, marcado na sua história sobretudo pelo Catolicismo de colonos e pela ação de missionários franceses, torna-se particularmente manifesto o estreito relacionamento entre a história eclesiástica e a consciência histórica e identidade cultural dos colonizadores.

Esses elos se manifestam sobretudo na veneração da santificada heroína francesa, Joana d'Arc (1412-1431), significativamente presente em monumento junto à catedral de Nouméa. A atualidade da consideração do significado dessas relações entre hagiografia e perspectiva histórica dos colonizadores evidencia-se sobretudo pelas comemorações, em 2012, dos 600 anos de Joana d'Arc na França e em regiões do mundo marcadas pela presença francesa.

Como a história colonial da Oceania foi determinada pelo confronto e interrelacionamento de esferas de influência britânica e francesa, constantam-se complexas situações quanto a sistemas de referências histórico-culturais nas diferentes regiões, salientando-se aqui o caso de Vanuatu, até há poucas décadas caso singular de Condomínio da Grã-Bretanha e da França.

Atenção dirigida a descobrimentos, descobertas e ao descobrir: Discover the stories - Découvrez!

Os estudos culturais em contextos globais dos anos de 80 e 90 foram marcados pela passagem dos 500 anos  não apenas da viagem de Colombo, motivo do Congresso do Rio de 92, mas sim também daquelas de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral e que deram ensejo a eventos vários e ciclos de estudos da A.B.E..

O direcionamento da atenção aos descobrimentos, aos descobridores e aos descobertos suscitou e suscita reflexões acerca do descobrir, em particular de atos recíprocos do descobrir em encontros e confrontos de culturas.

O descobrir surge hoje sobretudo como imperativo no âmbito do próprio contexto cultural, convidando aqueles nele inseridos a descobrir o próprio patrimônio cultural. A Nova Caledônia oferece aqui exemplos significativos do fato de que essa convocação pode ser dirigida tanto ao patrimônio colonial ou dele derivado como àquele das culturas indígenas.

No primeiro caso, museus e instituições históricas, por exemplo de Nouméa, preocupam-se pela história e pela memória da comunidade resultante da colonização, convocando os cidadãos a descobrir as suas riquezas; no segundo, museus etnológicos promovem a redescoberta da cultura indígena, fomentando sobretudo projetos culturais e artísticos nas escolas.

Do descobrir ao revelar: intuitos e significados do "revelando..."

Há, porém, um conceito que adquire maior atualidade no presente: o do revelar. Ainda que próximo áquele do descobrir, dele se difere, suscitando reflexões que podem aprofundar o debate teórico.

A sua atualidade pode ser constatada no Brasil, salientando-se, pelas suas singulares dimensões, o empreendimento "Revelando São Paulo".

Os significados e as conotações do termo descobrir, que indicam um ato daquele que descobre, e aqueles do revelar, que dizem respeito antes a uma ação daquele que revela ou se revela a outro, constituiram preocupações do projeto dedicado às culturas indígenas iniciado em 92.

Assim, os estudiosos que se dedicaram a questões indígenas do Amapá procuraram salientar que eram os próprios indígenas que tinham a palavra e se revelavam. (J. de Andrade et alii. "Karipuna e Galibi-Marworno contam quem e como são/ Karipuna und Galibi-Marworno erzählen, wer und wie sie sind", in Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens I, um projeto sob a direção de A. A. Bispo, Musices Aptatio Liber Annuarius - 1994/95 - Jahrbuch, Roma 1997, 427-584).

As diferenças que podem ser constatadas nesses dois casos de intenções reveladoras podem ser registradas e estudadas com mais pormenores no exemplo dos contextos insulares da Oceania.

Expressões culturais que representam auto-revelações e portam Revelação

Entre as principais manifestações culturais da região contam-se aquelas que denotam impulsos reveladores. É compreensível de imediato que, tratando-se de ilhas, a vinda de visitantes de fora constitui motivo particularmente significativo para a ações festivas de manifestação de boas vindas e de revelação da própria cultura e identidade.

Dependentemente do estágio ou da configuração atual dos processos de transformação cultural, integração e de afirmação de identidade e diferenciação em cada contexto, esses intuitos de revelação adquirem diferentes formas de expressão e mesmo significados.

Em observações e em diálogos, procurou-se reconhecer e discutir mecanismos na permanência ou resignificação de imagens e sentidos, tendo sido possível tematizar vários significados do revelar.

Alguns deles permitem reconhecer formas de expressão que remontam a procedimentos implantados ou desenvolvidos no início da ação missionária de conversão e transformação cultural dos indígenas, chegando-se aqui à constatação de singulares similaridades entre folguedos da Oceania e do Brasil, por exemplo entre os meninos guerreiros da Île des Pins e os Cabocolinhos ou entre as lutas dançadas, com morte e ressurreição nas ilhas Fiji e o Caiapó praticado em algumas regiões brasileiras. (http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dancas-dramaticas-Pacifico-Brasil.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Caboclinhos-Pacifico-Brasil.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dancas-de-Fiji-e-Caiapo.html)

A orientação teórico-cultural dos estudos leva, assim, a novas possibilidades de estabelecimento de análises relacionadas e que se difereciam dos antigos intentos comparativos: trata-se aqui não de comparações injustificáveis de elementos sonoros e visuais de contextos incomparáveis entre si por não possuirem laços em comum, mas sim comparações entre resultados de processos globais desencadeados em diferentes contextos por agentes comuns, no caso sobretudo por missionários.

Como constatado em diálogos nas ilhas da Lealdade, os participantes dessas expressões festivas revelam os seus sentimentos de amizade e de paz demonstrando compartilhar do mesmo universo dos visitantes. Uma das questões que aqui se levantam diz respeito à possível resignificação de antigas práticas e a seu interrelacionamento com formas de expressão européias.

A consideração de contextos oceânicos abre aqui novas perspectivas para a discussão teórica de expressões tradicionais brasileiras e de suas menções na literatura missionária. A atenção passa a ser dirigida a reorientações quanto a referenciações histórico-culturais de expressões. Assim como salientou-se no encerramento do triênio pelos 500 anos do Brasil, coloca-se hoje para alguns pesquisadores a questão de possíveis resignificações de expressões brasileiras recebidas do populário medieval europeu. (A.A.Bispo, "Musik bei der Umformung von Mentalitäten nach den Normen des Anti-Typischen. Resignifikation tradierter Kulturpraktiken als Querstrategie der Veränderung", Musik, Projekte und Perspektiven, Colonia 2003, 261-266)

Se muitos dos folguedos brasileiros remontam ao populário medieval de festas do calendário religioso, e essas a tradições ainda muito mais remotas, resultados de resignificações de expressões da Antiguidade pré-cristã nos primeiros séculos do Cristianismo, esse não é o caso da Oceania. Missionadas apenas no século XIX, essa ilhas não receberam expressões festivas da Europa na intensidade do ocorrido no Brasil. Tudo indica que foram antes expressões da própria cultura que passaram a ser resignificadas e ter uma referenciação histórico-cultural correspondente àquela dos colonizadores.

Os diálogos com jovens neocaledonianos que realizaram estudos e vivenciaram discriminações e marginalizações devido a preconceitos na França revelaram a existência de impulsos resignificadores de resignificações, questionando-se referenciações históricas transmitidas pelo Colonialismo. (http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dialogo-Brasil-Ilhas-Lealdade.html)

Do revelando no descobrir a própria cultura à museologia e representação

O revelar a própria cultura pode assumir o cunho de atividade dirigida por instituições, como pode ser observado exemplarmente em Vanuatu, as antigas Nova Hébridas. Neste caso, o revelar a outros relaciona-se com a representação cultural do país e o descobrir da própria cultura pela sua população.

Tendo sido alvo de intensa ação missionária e caracterizando-se por um predomínio de expressões da cultura popular internacional, a promoção do descobrimento de expressões tradicionais adquire um significado educativo nas escolas e de formação de pesquisadores em Vanuatu.

Em floresta transfigurada em museu ao ar livre encenam-se expressões de revelação da cultura kanak, representando-a a observadores da própria cultura e àqueles de fora, sendo estas conduzidas e elucidadas por especialistas dedicados a descobrir a própria cultura. (http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Floresta-e-museu.html)

Esse empreendimento de Vanuatu surge como relevante para a sensibilização dos visitantes para com as relações entre o patrimônio cultural e o ecológico. Aqui não se trata de obra exponencial e exemplar de arquitetura de arquiteto francês como no caso da Nova Caledônia, mas sim da valorização da própria floresta, da celebração do espaço florestal como ambiente cultural por excelência. Nesse sentido, Vanuatu oferece uma significativa contribuição ao estudo dos museus culturais ao ar-livre, o que vem sendo desenvolvido pela A.B.E. em vários países do mundo. (Vide e.o.http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Skogar.html)

De expressões do auto-revelar-se ao revelando para "inglês ver": revista e show

No caso de centros maiores e cosmopolitas, como é o caso de Nouméa, visitada por grande número de estrangeiros, em particular australianos, observa-se que o revelar passa a tomar características de mostrar-se, de show. (http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Pilu-Pilu-e-show.html)

Também essas expressões, porém, não podem ser menosprezadas nos estudos culturais. Elas permitem sob diferentes aspectos, a análise de permanências e transformações de sentidos e expressões, revelando situações atuais de processos há muito iniciados, de passagem de ações tradicionais à formas de comunicação internacionalizadas, abrindo perspectivas para estudos de desenvolvimentos similares em outras regiões do Pacífico e também nas Américas, inclusive no Brasil.

A A.B.E. deu continuidade aqui, sob a perspectiva dos "Cultural Studies", a observações de expressões levadas a efeito em outros contextos, por exemplo no Tahiti e no Havaí. (http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Espetaculos_taitianos.html)

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Brasil e Pacífico Sul descobrindo-se e revelando-se
Diálogos culturais com a Nova Caledônia, Fiji e Vanuatu
". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 136/1 (2012:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Australia-Melanesia-Brasil.html