Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Ile des Pins.Foto A.A.Bispo ©

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Dança de guerreiros. Ile des Pins. Foto A.A.Bispo ©

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Dança de guerreiros. Ile des Pins. Foto A.A.Bispo ©

Dança de guerreiros. Ile des Pins. Foto A.A.Bispo ©

Dança de guerreiros. Ile des Pins. Foto A.A.Bispo ©

Dança de guerreiros. Ile des Pins. Foto A.A.Bispo ©

Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 136/13 (2012:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2873


A.B.E.



Os guerreiros da Île de Pins e as danças de Tapuios e Caboclos no Brasil
Nova Caledônia-Brasil na Etnomusicologia
e no estudo de processos músico-culturais em contextos globais II


Ciclo de estudos Rio 92-Sydney 2012 da A.B.E. no Pacífico Sul. Île des Pins, Nova Caledônia

 
Ile des Pins.Foto A.A.Bispo ©

Por motivo da passagem dos 20 anos do Congresso Internacional do Rio de Janeiro dedicado a questões de fundamentos da cultura musical no Brasil e das bases epistemológicas de seus estudos, realizaram-se, em janeiro de 2011, observações e estudos em várias ilhas do Sul do Pacífico. (Veja Tema em Debate, nesta edição: http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Australia-Melanesia-Brasil.html)

Com essa iniciativa, procurou-se retomar questões fundamentais tratadas no ano da passagem dos 500 anos do Descobrimento da América em contexto totalmente distinto, distante sob o ponto de vista geográfico e histórico daquele do Brasil e de complexos temáticos considerados nos estudos concernentes à América Latina e mesmo ao continente americano em geral.

Esse intento foi resultado da preocupação em dirigir a atenção dos estudos culturais sobretudo a processos, o que caracteriza desde 1968 a tradição à qual se vincula a A.B.E. (http://akademiebrasileuropa.de/Chroniken/1968-Neue-Diffusion.html). Neste sentido, no congresso de 1992, focalizou-se privilegiadamente o processo de transformação cultural das populações indígenas com a chegada dos europeus e com a ação dos missionários.

Expressões culturais ainda hoje mantidas na tradição brasileira foram então consideradas sob diferentes aspectos, em particular da transmissão e adaptação de folguedos da lúdica européia do calendário religioso católico medieval na implantação do Cristianismo no Novo Mundo.

Uma particular atenção mereceram tradições de conotação indígena, evidenciada na aparência dos participantes, nos trajes, movimentos, instrumentos e no emprego de outros atributos identificadores. Este foi o caso, entre outros, dos "Cabocolinhos" (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Caboclinhos-Pacifico-Brasil.html), dos "Caipós" (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dancas-de-Fiji-e-Caiapo.html) e dos "Tapuias", "Tapuiadas", "Caboclos" ou similares.

A interpretação desses folguedos constituiu foco importante das preocupações, uma vez que, na literatura, são elucidados de forma contraditória.

Para alguns estudiosos, essas expressões seriam permanências ou resíduos culturais indígenas, representando uma contribuição ameríndia para o Folclore brasileiro. Essa hipótese, correspondendo à primeira vista a evidências, levanta, porém, muitas questões.

Inseridas em contextos lúdicos do ciclo de festas católicas, essas expressões evidenciam pelo menos que teriam sido sujeitas a resignificações. Estas precisariam ter sido fundamentais, uma vez que essas encenações com música e dança têm a sua razão de ser como parte do repertório lúdico de dias de festas religiosas, destinado à alegria e no qual as representações servem à folgança, utilizando-se assim frequentemente do grotesco, o que implica na negativização do representado.

Essa resignificação apenas poderia ser compreendida se as expressões correspondessem a imagens já existentes no sistema de concepções e visões do mundo e do homem de tradição cristã.

Assim como em muitos outros casos de folguedos da tradição brasileira, poderia ter havido aqui também apenas uma transplantação adaptada de expressões do populário europeu nas quais indígenas e seus descendentes teriam sido integrados e, com isso, inseridos em processo de transformação cultural e de identidade, uma vez que atributos do mundo de seus antepassados passaram a ser motivo de brinquedo.

Os tipos dos representados já deviam estar presentes no repertório das expressões dos colonizadores, levantando-se para a pesquisa o estudo de referências documentais relativas ao indígena, ao selvagem ou concepções similares do homem na cultura européia anterior ao Descobrimento.

Há a possibilidade, também, ou melhor, a exigência de elucidações mais diferenciadas, voltadas a complexas interações quanto a permanências e transferências no processo de encontro de culturas.

A constatação de expressões tradicionais similares em diferentes regiões do Brasil indica que, para além de contextualizações locais e regionais, vigoraram mecanismos comuns de transformação e integração cultural. Sendo este o caso, poder-se-ia supor que tivessem agido e levado a resultados similares em outras regiões do globo.

A Melanésia oferece, neste contexto, condições particularmente favoráveis para a continuidade das reflexões.

Ile des Pins. Foto A.A.Bispo ©
De "cheganças" na Nova Caledônia como motivo de representações de guerra

Se a pesquisa músico-cultural da Melanésia em geral e da Nova Caledônia em particular ainda se encontra insuficientemente desenvolvida, este é mais ainda o caso para a pequena Île des Pins ao sul da Nova Caledônia.

Os sinais da intensa ação missionária por que passou (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Totens-e-Cristianismo.html), assim como o de ter abrigado um presídio para exilados, associados ao significado turístico atual parecem ter contribuido para que nela não se visse mais do que um ilha que teria perdido características próprias e sem interesse maior para estudos músico-culturais. Essa impressão, porém, é derivada de concepções convencionais relativas à Etnomusicologia e que devem ser questionadas.

O observador se surpreende ao constatar que entre as mais importantes ocasiões para a prática de danças, de música e de representações encenadas encontra-se a da chegada de navios com turistas. Numa estrada de terra junto ao ancoradouro e por debaixo das palmeiras na praia da pequena localidade se reunem cantores, instrumentistas e dançantes-atores, homens, mulheres e crianças  que recebem os visitantes.

A primeira impressão é que a sociedade local já se encontra de tal forma orientada para o turismo que se utiliza de seus recursos festivos para fins comerciais. Supõe-se, também, de início, que o calendário festivo da comunidade se encontre de tal forma empobrecido, sobretudo devido aos resultados de mudanças na prática religiosa com as reformas litúrgicas, que apenas a chegada de milhares de estrangeiros oferece uma oportunidade para apresentações festivas tradicionais.

Percebendo-se que os participantes desses grupos não são, de forma evidente, atores ou artistas que vivem para as apresentações, mas sim homens, mulheres e crianças da população insular, pelo que tudo indica até mesmo de grupos sociais menos privilegiados, o observador sente-se tentado até mesmo a lamentar um emprêgo abusivo de expressões tradicionais de canto, dança e encenações para o divertimento de turistas que pouco para elas atentam. Elas surgem como relegadas a pano de fundo, a elementos exóticos de um cenário tropical para australianos e visitantes de outros países que apenas procuram as praias.

Essas impressões, porém, ainda que justificáveis sob determinados aspectos, passam a ser logo relativadas. Os visitantes são, a saber, recebidos não com expressões aparentemente amáveis e convidativas, mas - em contraste com a suavidade da música vocal e instrumental - por homens que representam selvagens, semi-nús, com saiotes, chapéus e outros adereços de palha sêca, e que, com gestos agressivos, gritos e movimentos bruscos desempenham lutas e combates.

Esses combates dançados, que exigem destreza, são representados sobretudo por homens adultos de boa condição física, trazendo feixes de palhas nas mãos, que movimentam como se fossem armas ou vassouras. Em determinadas situações simulam feiticeiros, também propagadores de mêdo e receios.Também meninos assim trajados tomam parte na movimentação, conduzidos por homens adultos.

De importância parece ser é a transmissão de uma atmosfera amedrontadora, até mesmo aterrorizadora, fato salientado pelo fato desses participantes masculinos terem o corpo pintado como se fossem esqueletos, com os ossos sugeridos com traços de tinta branca. Associações com a morte e com espíritos podem ser assim percebidas sem dificuldades pelos observadores.

Essas representações parecem de início confirmar a suposição de que se oferece aos estrangeiros quadros da vida selvagem de canibais, vindo de encontro a suas expectativas, o que representaria uma perda de dignidade, uma venda da própria honra dos naturais. Por que é que os habitantes iriam-se denegrir perante os estrangeiros, apresentando-se êles próprios como canibais?

Após uma observação mais cuidadosa e entrevistas com os participantes, torna-se necessário modificar essa impressão. A encenação de lutas de conotações selvagens não é feita para "estrangeiro ver", mas corresponde à própria tradição festiva e de hospitalidade, realizada como expressão de boas vindas ou de despedidas da comunidade em consciência do próprio valor de seus costumes tradicionais.

Explica-se, assim, a dignidade de atitudes com que músicos e cantores se comportam, cantam e executam os seus instrumentos e que não indicam sentir-se diminuidos ao oferecer um quadro de "selvagens" aos estrangeiros. Sobretudo mulheres, idosos e crianças, usam trajes tradicionais e recatados e trazem, ao contrário das palhas sêcas dos combatentes, coroas e outros adereços de folhagem fresca e flores.


Tudo indica, assim, haver ainda continuidade na prática dessas danças e encenações. Elas surgem como integradas na vida da comunidade, até mesmo cultivadas em consciência de tradição, ainda que possivelmente se desgastem com uma maior frequência da chegada de navios com turistas, e sobretudo pela falta de interesse e cordialidade que esses em geral demonstram, apenas registrando os músicos e dançantes pelo seu exotismo. 

Deixando que sentidos se revelem: diálogo com o mestre dos guerreiros de Île de Pins

Em entrevista com o mestre do grupo de Île des Pins (Kô-Tchoua), pessoa de avançada idade e dedicado cultor da tradição, que dirige o coro das mulheres e o grupo de instrumentistas tocando violão, assim como ensinando os meninos, os textos dos cantos e o sentido das representações de lutas possuem o sentido claro de dar as boas vindas aos visitantes.

Apesar da pintura facial e de outros atributos que insinuam uma aparência atemorizante, esse mestre manifesta a sua consciência do significado da tradição como extrema candura e polidez.

Tematizadas são as dificuldades das viagens pelo mar, a distância dos trajetos, os perigos das ondas e dos ventos, interrupções da viagem, calmarias e a chegada a bom porto. As lutas referem-se de forma mais ou menos mediata aos perigos da viagem marítima, a assaltos de inimigos. Apesar de ser referida histórico-miticamente à vinda do próprio povo da ilha pelo mar em eras remotas, as explicações fornecidas indicam ser a viagem aqui considerada em sentido mais amplo, aplicada à vida do Homem.

O coro das mulheres entoa cantos em que dão expressão às boas vindas e de gratidão pela boa chegada. Embora negando tratar-se de cantos religiosos, salientando-se tratar de tradição local, o observador percebe sem maiores dificuldades a herança musical ocidental e mesmo configurações melódicas e de estruturação musical provenientes de hinos e cantos comunitários.

O chegar de navios e de visitantes corresponde a um chegar em sentido metafórico, o que se manifesta na própria encenação. Percebe-se que os participantes apresentam-se em duas filas, representando uma espécie de cortejo, ou melhor, de caminhada, locomovendo-se na rua ao lado do ancoradouro. É no decorrer dessa caminhada que representam paradas e cenas de luta dançada.

Trata-se, assim, de duas chegadas, a do grupo de guerreiros e a de visitantes, sendo a primeira apresentada para dar as boas vindas aos que chegam. Uma viagem no sentido mais amplo, figurado, é atualizada na situação histórica da história do povo de Île de Pins e na específica da chegada de visitantes.

Os visitantes são assim recebidos uma revelação cultural. A própria comunidade expressa as suas boas vindas e os seus sentimentos amigos e cordiais indicando que também passou por uma viagem, repleta de perigos e lutas, ultrapassados, superados, e que tiveram um bom termo final. 

Como mencionado, a viagem é explicada com referência à própria história da população das ilhas, lembrando que em remoto passado teriam vindo de longínquas ilhas e atravessado em grande canoa o oceano. Entretanto, também essa historização, ainda que de significado para a memória da comunidade, sugere ser construída, ou melhor, representa uma interpretação do passado a partir da aplicação de  sistema de imagens referentes à viagem e à chegada a bom porto na visão do mundo e do homem.

Participação de mulheres: cantoras que se acompanham com o Pé

Que a expressão já representa uma manifestação de sociedade surgida do contato com o europeu e cristianizada, isso indica as vestimentas das mulheres e meninas. Ainda que também tragam traços brancos nas faces, os seus corpos são recatadamente cobertos com roupas longas conhecidas de outras regiões de passado missionário no Pacífico, no Índico e mesmo no Caribe e na América Latina, resultado de princípios morais implantados pelos missionários.


O coro é formado por mulheres já de mais idade, mães de família, que se acompanham com suaves batidas no Pé, instrumento de pouco volume, constituido, na Île de Pins, por uma pequena almofada de folhas, tecidos e coberta de plástico, ou simplesmente de tecido artificial. Se os exemplares mais antigos conservados no Museu de Cultura Novo-Caledoniana de Nouméia são feitos de folhas e trançados, os atuais da Île de Pins já demonstram o uso de materiais de uso atual; a sua função, porém, parece ter-se mantido.Também aqui o observador sente perceber a ação disciplinadora de missionários, o teor delicado, reservado, até mesmo tímido de gestos e da interpretação, contrastando com a aparência amedrontadora das encenações.

Constata-se assim um singular contraste entre a música vocal e instrumental, suave, terna e mesmo sentimental e a encenação dançada dos guerreiros que caminham e que executam cenas de combates. Esse contraste entre a realização sonora vocal-instrumental e a dança não pode ser vista como resultado de uma superposição de expressões de diferentes conteúdos, nem de acompanhamento musical inadequado, adaptado a uma tradição mais antiga, por assim dizer autóctone, mas como um todo, complexo, mas coerente. O coro, que pode atuar separadamente, em intervalos das representações, comenta o que decorre, tece reflexões, oferecendo o referencial para a compreensão do encenado. A encenação guerreira é inserida na atmosfera geral criada de simpatia e receptividade aos que chegam.

Acompanhamento instrumental da dança-combate

Se o Pé executado pelas mulheres indica é instrumento tradicional, ainda que hoje feito artesanalmente com materiais de uso atual, o grupo instrumental que acompanha as encenações testemunha nos instrumentos usados diferentes assimilações e substituições.

Assim, o instrumento condutor é o violão, sendo empregados também outros instrumentos similares de cordas dedilhadas, sobretudo do tipo do cavaquinho, além de diferentes instrumentos de percussão.

Alguns dos instrumentos de percussão, feitos de pedaços de troncos escavados, percutidos com duas baquetas, sugerem elos mais estreitos com a tradição local, podendo ser horizontais ou verticais, estes últimos de maior comprimento.

Principal testemunho da influência ocidental na estruturação do todo é o baixo, executado por instrumento monocórdio de fabricação caseira, cuja caixa de ressonância é constituída por um recipiente de plástico.

Instrumento similar é encontrado em outras ilhas do Pacífico, por exemplo no Tahiti. Desempenha o papel de um contrabaixo, executado sem arco. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Musica-Nova-Caledonia.html)

A participação de crianças, sobretudo de meninos, merece neste contexto uma particular consideração. Se em algumas apresentações dançam e lutam ao lado de adultos, há aquelas em que são os únicos combatentes das lutas encenadas. Tudo indica que, sobretudo em apresentações em momentos de chegada, quando o momento do terror é acentuado, tomam parte privilegiadamente homens com mais força e destreza. Em situações onde não há a intenção de dar boas vindas ou despedidas, em momentos mais calmos, onde as apresentações possuem antes sentido lúdico sem maior significado, os grupos, sob as palmeiras da praia, se apresentam sobretudo constituidos por meninos. Mesmo assim, esses, vestidos de "selvagens" ou representando esqueletos, mortos, desenvolvem combates com desenvoltura. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Caboclinhos-Pacifico-Brasil.html)

Pinturas corporais sinalizadoras de mortos

As pinturas corporais dos participantes possuem função de sinais para o entendimento do sentido das expressões.

Se alguns dos observadores mais superficiais apenas obtém uma impressão geral macabra e selvagem do todo, um olhar mais atento revela que os traços brancos no corpo e nas faces representam ossos e caveiras, de modo que os participantes surgem como esqueletos, como mortos. Os esqueletos são mais evidentes nos combatentes, pelo fato de atuarem semi-nús; a partir deles, pode-se entender similarmente as pinturas faciais, de braços e de pernas das mulheres e dos músicos que apresentam o corpo coberto.

Os guerreiros que dançam são, assim, mortos. Êles representam, porém, não espíritos malignos ou de mortos que chegam para assolar os vivos, o que não corresponderia aos intentos de dar as boas vindas aos visitantes, mas antes um passado encerrado, superado da comunidade, marcado que fora por lutas e combates.

O mesmo significado da pintura facial cabe à palha sêca dos trajes e dos atributos. Também ela representa a vida morta, a vegetação cortada após a colheita. A partir dela, pode-se reconhecer o elo da expressão com o ciclo do ano natural, ou seja, a sua localização na estação do ano que sucede à colheita e que, no hemisfério norte, corresponde a fins de outono e ao inverno.

Aqueles que chegam à Île de Pins, porém, após uma viagem marítima, tendo superado o oceano, não chegam simbolicamente no inverno, mas sim na primavera, sendo assim saudados por músicos e cantoras que trazem ramos verdejantes e flores na cabeça e em adereços. Também os seus trajes, coloridos, são repletos de motivos florais. A representação dos mortos imersos em combates pertence assim a um passado superado, a um inverno sob as águas, visto a partir da perspectiva da primavera. Assim como a se constata um contraste entre a encenação dançada de guerra e a expressão pacífica do coro, constata-se um contraste entre a palha sêca dos trajes dos guerreiros e o colorido recatado e os ramos verdejantes dos cantores e musicistas.


À luz do debate relativo à Antropologia Cultural Cristã e à Antropologia Simbólica

Como vem sendo discutido em diversos eventos e publicações desde a década de 70 no âmbito da tradição da A.B.E., tendo marcado as reflexões que prepararam o Congresso de 92 e o projeto  dedicado ás culturas indígenas nele iniciado, uma das questões fundamentais que se levantam nos estudos culturais diz respeito às relações e interrelações entre a linguagem de imagens de diferentes tradições e contextos.

O pesquisador sente-se aqui confrontado com a exigência de não fazer projeções e transferências interpretativas inadequadas, ao mesmo tempo, porém, com a necessidade de reconhecer similaridades, indagando as suas razões e procurando elucidações.  

Um dos principais obstáculos que se colocam nessa tarefa é o desconhecimento da própria cultura de imagens e da tradição hermenêutica por parte do observador, mesmo por aquele de formação teológica. A Etnomusicologia e a pesquisa de expressões festivas de fundamentação religiosa foi até hoje por demais prejudicada pelo fato de pesquisadores terem procurado estudar e elucidar contextos culturais outros do que aquele em que se inserem sem antes terem estudado mais profundamente a sua própria cultura.

Por essa razão, tem-se procurado, nas últimas décadas, reconstruir um edifício de linguagem visual e de significados vigente em expressões culturais cristãs que cairam por diversas razões no esquecimento dos próprios europeus e seus descendentes. 

Foi com base nesses trabalhos de Antropologia Cultural Cristã que foi proposto o tratamento da questão de fundamentos de expressões tradicionais européias transplantadas e adaptadas nas regiões de colonização e missão à época dos Descobrimentos no congresso de 92.

Um aspecto considerado no projeto dedicado às culturas indígenas disse respeito à tentativa de verificar se sistema de imagens do hemisfério sul corresponderia àquele do hemisfério norte determinador edifício de ordenação simbólica trazido pelos europeus e, no caso positivo, como é que se poderia explicar tal norteação. Esse intento constituiu centro de preocupações do Simpósio Internacional de Antropologia Simbólica, levado a efeito em 1998.(A.A.Bispo, Typus und Anti-Typus: Analyse symbolischer Konfigurationen und Mechanismen zur Erschließung neuer komparatistischer Grundlagen für den interreligiösen Dialog und den Dialog der Kulturen, Colonia 2003)

A representação de Île des Pins permite uma leitura sob a perspectiva antropológico-cristã, o que se depreende das elucidações do seu mestre e da própria linguagem de imagens. Trata-se da concepção de que o homem novo, renascido pelo batismo, superou o velho, morto. Este, o homem terreno ou carnal, imerso em atribulações e ameaçador, já não inspira temor ao renascido, surgindo antes como motivo de representação lúdica. Mesmo assim, a memória desse passado permanece sempre viva nas expressões de dias de festa, percebendo o homem o risco que representa a queda na situação ultrapassada.

Os habitantes de Île de Pins revelam aos recém-chegados que também são amigos, compartilhando dos mesmos valores, que superaram o seu passado marcado por vinganças, terror e guerras. Em trabalhos desenvolvidos em Fiji, essa elucidação pôde ser mais aprofundada, uma vez que se constatou o momento presente, não o passado do processo de re-novação interna segundo o imperativo do "Acordai" de fundamentação bíblica, transmitido, porém, diferentemente da Île de Pins, por missionários protestantes. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Entusiasmo-em-Fiji.html)

A representação de Île de Pins permite também uma leitura sob uma perspectiva simbólico-antropológica mais ampla, como discutida no Simpósio de 1998. O edifício de imagens estudado sob a perspectiva da Antropologia Cristã revela-se, em análise mais aprofundada, como já existente, tanto relativamente a tipos como a anti-tipos, na cultura da Antiguidade pré-cristã, mesmo naquela não-bíblica, greco-romana, que teria sido transformada e resignificada através de uma referenciação segundo a história registrada nas Escrituras.

Somente considerando-se a linguagem de imagens da Antiguidade Clássica é que se pode compreender o sentido de muitas das expressões e da própria simbologia de instrumentos transmitida na tradição cristã e em parte vigente até o presente. Este é o caso da imagem da lira e da cítara, tipo do violão e de instrumentos com êle relacionados, apenas compreensível a partir de seus fundamentos mitológicos representados na imagem da tartaruga e animais similares.

O Homem carnal, velho e morto, e o casco da tartaruga: sentido músico-antropológico das imagens

As representações corporais em corpos dos combatentes da Île de Pins, representando esqueletos, podem também tomar a forma de um casco de tartaruga. Essa imagem indica o corpo que, morto, esvaziado, se transforma em caixa de ressonância, no qual vibram as cordas da alma.

O seu emprêgo na cristianização de culturas indígenas no Brasil, considerado em muitas ocaisões desde a década de 70, foi principal objeto da sessão dedicada ao encontro da cultura sertaneja com a indígena por ocasião do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros pelo término do triênio dos 500 anos do Brasil, em 2002. (A.A.Bispo, "Maraca und Viola. Interaktion von Systematik und Geschichte in der Analyse musikhistorischer Mechanismen transformatorischer Kulturidentitäten", Musik, Projekte und Perspektiven, Colonia 2003, 159-162) Com a observação das expressões da Île des Pins, a imagem pode passar a ser considerada em contextos globais.

A representação de boas vindas dos visitantes assume aqui um significado músico antropológico que diz respeito a seu todo: o conjunto dos dançantes-combatentes, representam o corpo vazio de uma caixa de ressonância coletiva, do bojo de um instrumento cujas cordas, a alma, são representadas pelo coro feminino. Os ruídos dos bate-pés e do encontro de armas, com os instrumentos de percussão, marcam os golpes por assim dizer disciplinadores ou penitenciais, a suavidade do canto o vibrar das almas da comunidade em sintonia com aquelas dos visitantes. Essa interpretação explica também o papel emblemático do violão no conjunto da Île de Pins.

Esse mecanismo de representação imagológica pode ser constatado em muitas expressões tradicionais européias e também naquelas que permaneceram vivas no Brasil, embora adaptadas e modificadas, como vem sendo estudo de forma contextualizada em diferentes casos.

Danças guerreiras no contexto do Puli-Puli de comunidade

Antes da representação ser um relito do passado indígena, conservado em continuidade e consciência cultural, surge assim como expressão já de uma nova identificação com a sociedade cristã e mesmo de desvalorização pela lúdica das expressões de uma situação cultural velha, ultrapassada, apresentada como divertimento.

Nessa perspectiva, compreende-se a aparente contradição entre a música de boas vindas, nas suas expressões de amizade, e a encenação de guerra. Longe de aterrorizar os visitantes que chegam à Île de Pins, os seus participantes demonstram ser pacíficos e amigos, tendo superado o seu passado guerreiro e de animosidade para com os europeus, apresentado agora como objeto de distração.

Trata-se, nessa encenação "selvagem" de combates em Île des Pins de uma expressão que pode ser inserida no complexo Puli-Puli difundido na Melanésia e que adquire, nos diferentes contextos, diferentes formas de realização.

Na capital novo-caledoniana, Nouméa, apresenta-se já na forma de quadro de revista ou de show, evidenciado na escolha de participantes aptos pelas suas condições físicas, atléticos, pelos seus atributos por vezes teatrais e pela coreografia estudada (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Pilu-Pilu-e-show.html); em Lifou, surge como grupo constituído de jovens, conscientes de suas expressões tribais mas, ao mesmo tempo, preocupados pela boa performance (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dialogo-Brasil-Ilhas-Lealdade.html); fora da Nova Caledônia, em Vanuatu, passou a fazer parte até mesmo de empreendimento de fomento do patrimônio cultural nacional (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Floresta-e-museu.html).

Na Île des Pins, porém, percebe-se tratar ainda de uma expressão tradicional de comunidade de ascendência indígena mas já constituida em grande parte por descendentes de casamentos mixtos. Apresenta-se como uma expressão de comunidade de ascendência nativa mas já pertencente à nova sociedade constituída após o contato com os europeus.

A expressão do Puli Puli de Île des Pins viria de encontro a critérios que em geral são considerados como caracterizadores de uma expressão "folclórica". Paralelos com expressões brasileiras podem ser feitos antes com tradições consideradas convencionalmente nesse ramo dos estudos culturais, mais do que com expressões de culturas indígenas estudadas antes pela Etnologia.

Tratar-se-ia aqui, superficialmente, antes de estudos folclóricos comparados. Se esses estudos são justificáveis em contextos relacionados histórico-culturalmente entre si, como entre países da América Latina, levantam-se questões quanto à justificativa de paralelos entre expressões tradicionais de regiões tão distantes e sem relações históricas mais estreitas entre si.

A consideração relacionada dessas tradições apenas se justifica se for feita dirigida aos processos em que se inserem e dos quais são expressões.Trata-se, assim, de um procedimento comparado distinto de antigas acepções da comparatística, dirigido agora antes a mecanismos de processos e configurações deles resultantes. De um estudo assim dirigido pode-se chegar a resultados que permitem esclarecer estruturas e dinâmicas internas que levaram a expressões similares em regiões tão distantes, assim como paralelos e diferenças de seus significados.

Os guerreiros da Île de Pins e dança dos Tapuias, Caboclos e similares no Brasil

A principal expressão tradicional do Brasil que tem sido discutida nos últimos anos a partir dessas perspectivas e das fontes históricas que a registram é a da dança dos Tapuios, Tapuiadas e similares, entre elas a dos Caboclos e mesmo a dos Cucumbis.

Nesses estudos, procurou-se demonstrar que não se pode continuar a manter a interpretação de que aqui se trata de um relito de expressões indígenas ou de "influência indígena" no folclore brasileiro, ou, em alguns, casos, de extensões africanas. Como já salientado por alguns pesquisadores, deve ser vista antes como expressão cultural do repertório lúdico da sociedade cristã que adaptou, na sua linguagem de imagens, apta a harmonizações, atributos referenciais ao estado superado. Esta é a razão também que nele podem participar mestiços e mesmo descendentes de brancos e africanos, com atributos indígenas misturados com trajes e atributos de imagens de outras proveniências, européias ou africanas. O mesmo diz respeito a instrumentos musicais.

Na Île de Pins, esse mecanismo se manifesta não apenas na participação de mestiços e nas saias denotadoras da vida de aldeias missionárias das mulheres, mas também nos instrumentos musicais.

A Dança dos Tapuias, que pelo nome já indica ser vista como referente a indígenas já aldeiados, sujeitos mais intensamente à catequese e inseridos em processos de transformação cultural, foi considerada pelos pesquisadores sobretudo com base em tradições registradas em Goiás, quando faziam parte de festas religiosas, em particular nas de Nossa Senhora do Rosário. Nas descrições, menciona-se a organização dos grupos com atributos indígenas - inclusive instrumentais - em duas alas e a realização de danças com a encenação de combates, prendendo-se por fim os inimigos e seus chefes. Essas tradições podiam também incluir representações de cenas da vida indígena e apresentar mais evidências de um cultivo por círculos menos privilegiados da sociedade, em geral de ascendência africana, relacionando-se com irmandades de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. (Oneyda Alvarenga, Música Popular Brasileira, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo 1960, 88-89)

Os Caboclos, conhecidos de tradições da Bahia, apresenta o motivo do conflito não especificamente em representações de guerra, mas sim na do rapto de uma rainha, levada para uma tribo, um enrêdo que mereceu análises mais específicas no âmbido do Colóquio Internacional de Antropologia Simbólica de 1998 por refletir um modêlo conhecido do edifício de antigas imagens que passou por resignificação nos primeiros séculos do Cristianismo.

Nesses estudos, atentou-se ao fato de que os registros sugerem um complexo de conflitos: o de indios catequizados, caboclos ou africanos, por ex. congos, contra indígenas, ou representações de lutas que poderiam ser consideradas como intertribais. Esse complexo de conflitos pode ser compreendido como correspondente a uma problemática referente à concepção tripartida do Homem, dizendo respeito à sua parte inferior, do corpo ou da carne. Essa concepção antropológica manteve-se sobretudo na imagem dos três magos ou Reis, mais especificamente naquela do rei Baltazar, representante de povos africanos.

As relações entre o indígena e essa imagem do rei Baltazar no conjunto da chegada dos magos para a adoração no presépio pode ser constatado mesmo em representações pictóricas do século XVI. (Cf. A. A. Bispo, Indianer im Licht musikalischer Symbolik des Weihnachtsmysteriums" Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens: Stand und Aufgaben der Forschung - IV. Teil - Zur Geschichte der Forschung, Jahrbuch Musices Aptatio, 2000/2001, 9-419, 28-29)

A partir dessas bases imagológicas da antropologia cristã, pode-se entender que os documentos históricos referentes à prática de danças com encenações com atributos indígenas, do século XVIII, estas surgem no contexto de bailado de congos. Assim, apesar de não ter sido compreendido por alguns pesquisadores (p.e. Oneyda Alvarenga, op.cit. 120), estavem certos aqueles autores que relacionaram muitas dessas expressões, por exemplo a dos Cucumbis, onde se representa a guerra entre africanos e índios, com a dos Congos. Não se trata aqui de uma "confusão", mas sim de aspectos de um sistema de imagens complexo, mas coerente, não compreendido por muitos pesquisadores.

Esse contexto e o processo de individuação de seus elementos constitutivos: o do tipo representativo da parte inferior do edifício de concepções tripartidas do Homem - na linguagem de imagens tradicional sinalizado pelo africano - e o da subparte causa do campo de conflitos na esfera do homem prêso à carne nas expressões do populário católico pôde ser considerada em exemplos de tradições de outros países latino-americanos e do Caribe em cursos e seminários.

Continuidade das reflexões: revisões de revisões. Diálogo sôbre documento histórico

Como vem sendo defendido desde a instituição da disciplina Etnomusicologia no Brasil, em 1972, a atenção deve ser dirigida antes a processos culturais, em estreito relacionamento de procedimentos empíricos e históricos, aqui tanto de de pesquisa de fontes documentais e como da memória.(http://akademiebrasileuropa.de/Chroniken/1968-Neue-Diffusion.html)

No encontro de Île de Pins, refletiu-se a respeito de um texto até hoje não considerado, proposto pela A.B.E.: o da descrição de um Puli ou Puli-Puli na Nova Caledônia do Engenheiro de Minas Julian Garnier, que ali esteve na década de sessenta do século XIX. ("Voyage a la Nouvelle-Calédonie", Le Tour du Monde XVI, 402° Liv. 161, 1867, 155 ss.).

Nesse texto, J. Garnier descreve como, após deixar uma tribo de kanaks no norte da ilha, foi alvo de um ato de despedida na qual toda a comunidade foi envolvida. Com palavras expressivas, o viajante descreve a atmosfera assustadora que se criou, os guerreiros que vieram em cortejo atemorizador, a presença porém tranquilizadora das mulheres e das crianças, e, por fim, as palavras cordiais de despedida pronunciadas pelo chefe da tribo. O teor dessas palavras consistia também em mencionar os riscos da viagem pelo mar, a distância a ser vencida e o desejo de que atingissem um bom porto, ou seja, o mesmo conteúdo do canto entoado no presente na Île de Pins.

"Lorsque j'annonçai au chef d'Arama que mes excursions dans sa tribu étaient terminées et que je meloignerais le lendemain, j'aperçus des mouvements inaccoutumés parmi les naturels. Si calmes et si dédentaires d'ordinaire, ils allaient, venaient, circulaient de toute part; à chaque instant des cris se faisaient entendre dans les environs; les enfants et les femmes jetaient sur notre campement un oeil curieux, comme si quelque chose d'extraordinaire allait s' passer.  (...) Tout-à-coup nos soupçons parurent bien prêts de se réaliser, lorsque nous vîmes déboucher du fourré voisin une longue file de kanaks nus, tatoués, noircis, brandissant en cadence leurs haches, leurs casse-têtes et leurs lances si redoutables. Ils se rapprochèrent de plus en plus, et se mirent enfin en ligne devant nous. A cet instant, deux hommes s'assirent sur le gazon en face de cette troupe de guerriers, tenant l'un une flûte, l'autre un bambou creux sur lequel il frappait en cadence. Nous recconnûmes aussitôt la musique des fêtes, et nos craintes s'évanouirent; c'était un pilu-pulu que le chef d'Arama nous offrait à l'occasion de notre départ.

Je reparlerai de ces danses néo-calédoniennes, dans lesquelles tous trépignent en cadence, en agitant leurs armes en mesure pendant qu'un sifflement haletant sort de leurs poitrines. (Le kanak qui en était affublé s'avança vers nous en venant des bords de la mer, pour faire allusion à notre arrivée; il dansa longtemps devant ses camarades, qui l'accompagnaient en brandissant avec force une zagaie aigue au-dessus de sa tête.

Après cet exercice, le chef lui-même se plaça en avant de la ligne, et nous adressa une sorte de mélopée rapide et entrecoupée de courts silences; les kanaks dansaient toujours et poussaient en choeur, à chque temps d'arrêt du chef, un hurlement à déchirer nos oreilles. Voci quelques-unes des phrases de cette improvisation sauvage:

"Nos amis vont nous quitter;/Ils vont partir demain sur la grande mer./ Que les vents leur soient favorables!/ Qu'ils trouvent la mer douce et calme!/ Qu'ils arrivent à bon port! etc., etc." (op.cit. 206)

"Dans cette circonstance, la conduite des kanaks à notre égard fut admirable; (...). Vraiment ces cannibales agirent envers nous comme beaucoup d'Européens ne l'auraient pas fait. " (op.cit. 206)

Essa representação descrita por J. Garnier, ocorreu em população que se encontrava ainda nos primeiros tempos da sua história de contato com europeus, ainda pouco atingida pela ação missionária. Deve-se concluir, assim, que o mecanismo de apresentação do aterrorizante de forma relativada através da atmosfera lúdica, da sua representação como o do perigo desativado, superado, ouvindo-se apenas o canto cordial de amizade e bons desejos já era existente na própria cultura.

Também o símbolo da tartaruga, e assim o da caixa de ressonância, seria supostamente já existente. Esse fato explicaria também o significado simbólico da tartaruga como presente entre chefes, citado em outro trecho do relato de J. Garnier. (op.cit. 208)

A ação missionária teria sobretudo aquela de acentuação de determinadas estruturas imagológicas já existentes ou mesmo de recuperação de suas concepções mais profundas, e, assim, de mudança de referenciação histórica com a vinculação dessas culturas com a história cristã do que propriamente a de uma transplantação de formas de expressão.

As consequências dessas reflexões não podem ser suficientemente salientadas. Elas trazem à memória o fato de que uma imagem central da antropologia cristã, a da cítara do Espírito Santo ou a da Igreja como corpo na qual Cristo tal como novo Orfeu, canta, já era conhecido da Antiguidade Clássica não bíblica, de onde provém a imagem da invenção da lira a partir do casco de uma tartaruga por Hermes.

A conclusão de que o edifício de concepções e imagens do Cristianismo já era anteriormente conhecido, tendo sido apenas recuperado nos seus sentidos mais profundos e obtido nova referenciação histórica, é, evidentemente, de incalculáveis consequências, exigindo a continuidade das reflexões.

Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Os guerreiros da Île de Pins e as danças de Tapuios e Caboclos no Brasil
Nova Caledônia-Brasil na Etnomusicologia e no estudo de processos músico-culturais em contextos globais II
". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 136/13 (2012:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Dancas-dramaticas-Pacifico-Brasil.html




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