Pau-brasil e sândalo. Revista BRASIL-EUROPA 126. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

O Brasil e o Havaí, apesar da distância de quase dois séculos que separa o início do processo desencadeado pelo contato com os europeus em ambos os casos, apresentam uma história cultural marcada pela dilapidação do mundo vegetal. Com relação ao Brasil, essa exploração deterioradora da natureza disse respeito, de início, sobretudo ao pau-brasil. Com relação ao Havaí, tratou-se primordialmente da madeira da árvore de sândalo.

O Brasil mantém ainda no seu próprio nome a lembrança dessa riqueza vegetal que marcou as primeiras décadas de sua história. O estudo dessa exploração natural e de depredação do meio ambiente impulsionada pelos europeus, com as suas repercussões para as sociedades indígenas e para a sociedade nova que se formava não tem correspondido, porém, à importância que decorre da perpetuação do nome dessa madeira na própria designação do país. Na realidade, dever-se-ia esperar que o pau-brasil estivesse, antes do que ramos de café e fumo ou do lema "Ordem e Progresso" nos emblemas nacionais. O Havaí, porém, nem no nome conservou o significado que teve como país da madeira de sândalo em período significativo da sua história de transformações causadas pelo contato com a Europa. Apenas na China continua a ser conhecido como país de montanhas de sândalo (Tan Heung Shan). (Veja artigo nesta edição)

Um cotejo do ocorrido em regiões do globo tão distantes entre si e em épocas diferentes da história européia surge como significativo para a análise de mecanismos que determinaram transformações do meio ambiente, mudanças de modos de vida da população nativa e estabelecimento de diferentes condições naturais e pressupostos culturais para gerações que se seguiram.

Madeira de sândalo

A designação de madeira de sândalo (árabe sandal, lat. lignum santalinum, lignum santali) foi usada no decorrer da história para diferentes tipos de árvore consideradas como valiosas para a obtenção de essências, para trabalhos em madeira e artigos de luxo. Distingue-se o sândalo branco do Oriente (Santalum album), que cresce em Timor e outras ilhas, assim como na costa de Coromandel, daquele do Caribe (Jamaica), do norte da América do Sul (Venezuela) (Amyris balsamifera) e da África (Padouk).

O sândalo branco do Oriente, madeira perfumada considerada como especialmente valiosa pelo seu óleo, foi procurado desde a Antiguidade para a perfumaria, a cosmética a a farmacêutica, particularmente na China, na Índia e em Birma. A sua madeira, evitada por insetos termitas, foi utilizada como madeira nobre na estatuária, na decoração de templos e para a obtenção de incenso. Era encontrada em estado natural na Malásia, passando a ser cultivada na Índia.

Na história cultural e na linguagem de imagens do Ocidente, o sândalo tem significado pelo fato de ser uma das madeiras utilizadas na construção do templo de Salomão (1. Reis 10,11-12; 2 Cron. 9, 10-11).

A madeira foi citada por numerosos tratadistas e viajantes da Antiguidade e da Idade Média, ocorrendo, porém, devido à mesma designação, mal-entendidos e confusões quanto à madeira. A necessária distinção entre o verdadeiro pau de sândalo branco e amarelo (Santalum album) e o assim-chamado sândalo vermelho (Pterocarpus santalinus), que cresce na Índia e no Ceilão, utilizado para a obtenção da côr vermelha (e.o. Santalim), foi mencionada por Garcia da Orta (ca. 1499-1568) (Colóquios dos Simples e Drogas e Cousas Medicinais da Índia, 1563).

Os portugueses o encontraram na Índia e em outras regiões do Oriente. Com o descobrimento das ilhas da Oceânia e da Austrália, os europeus, sobretudo os inglêses, depararam-se com grandes reservas naturais, também no Havai (Santalum ellipticum, Santalum freycinetianum). Esse sândalo foi considerado como tão valioso quanto o conhecido sândalo branco do Oriente.

A exploração da madeira de sândalo do Havaí, comercializada sobretudo com a China, de fins do século XVIII até a década de trinta do século XIX, decorreu paralelamente a seu uso na Europa, passando a ser sobretudo valorizada na Grã-Bretanha (sandal wood) na arte da construção de móveis, também pelo fato de sua resistência a cupins.

Paralelos no processo de deterioração natural no Brasil e no Havai

Já uma consideração superficial do desenvolvimento em ambos os casos permite que se constatem similaridades. Se no Brasil os indígenas da costa do Nordeste foram levados a cortar pau-brasil em intensidade e dimensões que hoje nem sempre são adequadamente avaliadas, no Havaí os nativos foram induzidos pelos seus chefes a cortar árvores de sândalo para o comércio de troca com os europeus com a finalidade de obtenção de armas e produtos de luxo supérfluo. Impostos portuários contribuiram para a economia e possibilitaram a viagem de Kamehameha II (1797-1824) ao Brasil e à Grã-Bretanha, em 1824. (Veja artigo nesta edição)

Para a procura do sândalo, as matas foram gradualmente devastadas, sendo necessário procurar as últimas reservas nativas nas montanhas em regiões cada vez mais distantes da costa. Nesse trabalho, para o qual utilizaram-se de métodos radicais, inclusive de queimadas, os nativos cairam em situação deplorável de exploração e escravização ao trabalho. A procura da madeira ficou tão vinculada ao fim da vida harmoniosa e serena que levavam que chegaram a impedir o seu replantio.

Após a retirada da madeira nobre, os terrenos de floresta, até então de propriedade comum, foram divididos entre os habitantes, uma "reforma de terras" que correspondia às novas concepções de propriedade introduzidas pelos missionários.

Como os nativos, pela próprio modo de vida, concepções do mundo e falta de meios e técnicas não tinham disposição e aptidão para o cultivo dos terrenos, venderam-nos em grande parte a europeus, missionários e seus descendentes, possibilitando a formação de grandes propriedades. Nessas propriedades, retirada a mata restante, deu-se início à plantação em grande escala de açúcar e café, mais tarde de abacaxí.

Com o esgotamento dos terrenos formaram-se pastos; os europeus introduziram reses e fomentaram o consumo de carne, criando novas necessidades e dependências na população nativa. Como essas não tinham tendência nem para o trabalho agrícola nas grandes plantações, nem para a pecuária, tornou-se necessária a procura de mão-de-obra do Exterior. Com o declínio da economia açucareira, extensas regiões foram abandonadas, e somente em alguns locais, sobretudo aqueles de vales ao redor de rios, pôde a natureza em parte recuperar-se.


Exemplo de uso e deterioração: baía de Onomea

Extensas regiões da maior ilha do arquipélago do Havai, a Big Island, foram utilizadas para a plantação de açúcar no século XIX e início do século XX. No seu cultivo foram empregados imigrantes, também portugueses, o que explica o significado da colonia lusa no passado de Hilo, capital da ilha.

O desenvolvimento da economia açucareira levou ao surgimento de localidades, à construção de depósitos, usinas de moagem, de portos e de uma estrada de ferro litorânea.

Uma das baías da costa, a de Onomea, onde em passado remoto existira uma aldeia de pescadores nativos, chamada de Kahali'i, foi utilizada como porto, primeiramente para a construção da moenda de Onomea e. depois, para a exportação de açúcar grosso. Quando a indústria do açúcar cessou as suas operação, o vale foi transformado em zona de produção de passionfruit.

No início do século XX, o desuso do porto foi acompanhado pelo abandono de vasta faixa litorânea. Nos vales, ao redor dos rios que correm ao mar, que por não permitirem plantações de açúcar rendáveis haviam mantido restos da vegetação original, a natureza recuperou em parte o terreno. A mata assim desenvolvida chegou a cobrir vestígios tanto da remota presença de nativos anterior à vinda dos europeus como da exploração agrícola do século XIX.

Esse passado, em parte, passa a ser hoje alvo de redescobrimentos. Uma de suas expressões é a valorização de obras de engenharia ferroviária da época, entre elas de pontes sobre os muitos vales da costa. O museu ferroviário da região reúne materiais da vida do quotidiano à época do florescimento da cana de açúcar, possibilitando estudos do contexto encontrado pelos imigrantes portugueses.


Daniel James Lutkenhouse, "Dan Lutkenhouse" (1921-2007)

A baía de Onomea tornou-se, a partir de fins da década de setenta, alvo de um exemplar empreendimento particular de recuperação da sofrida e dilapidada vegetação do Havai.

Em 1977, Daniel James Lutkenhouse, "Dan Lutkenhouse", e sua mulher Pauline, fascinados pela beleza da baía e da vegetação que ali encontrara um nicho, adquiriram a área para a criação de um jardim botânico. Esse intento, de fins idealísticos, teve como motivo o da preservação do local na sua beleza natural, enriquecendo-o com outras espécies tropicais e colocando-o a serviço público.

Os seus fins foram ao mesmo tempo de criação de um "santuário" natural, de esclarecimento educacional e de fomento à contemplação. Investindo na realização desse ideal consideráveis fundos pessoais - acima de um milhão de dólares - esses mecenas construiram caminhos e pontes, canteiros, sistema de irrigação e adquiriram mudas provenientes de diversas regiões tropicais do globo, sobretudo da Polinésia e da América do Sul e Central.

No local havia apenas uma antiga igreja, que serviu como centro para visitantes. Destruída em incêndio, apenas o sino foi conservado como símbolo do início de um projeto que se entende como presente para toda a Humanidade, criado a partir de uma visão e da consciência de uma responsabilidade.



O Jardim foi aberto ao público em agosto de 1984. A missão, à qual se dedica, é explicitamente à de conscientizar os povos a respeito da riqueza das florestas tropicais. Numa época em que as plantas dessas florestas desaparecem em velocidade alarmante, o Jardim Tropical do Havai se propõe a contribuir para a preservação de tantas espécies quanto possível para o benefício de gerações vindouras e do próprio globo.


Graças aos esforços de Dan e Pauline Lutkenhouse, o Brasil está representado no Havaí através de várias plantas, devidamente classificadas. Dentre os muitos exemplos, pode-se citar aqui a "Zebra Plant"(Calathea Zebrina Marantaceae), da "Yellow Christmas Heliconia" (Heliconia Angusta C.V. Yellow Christmas Heliconiaceae), do "Brazilian Firestick" proveniente da América Central  (Odontonema Strictum Acanthaceae) e da Calathea Lindeniana Marantaceae.

Mata de palmeiras

Dentre os projetos realizados no Jardim Botânico Tropical do Havai, merece ser salientado o "Palm Jungle". Os seus fundadores tiveram a intenção de criar aqui uma floresta de palmeiras Alexandra naturalizadas (Archontophoenix Alexandrae).


Essas palmeiras foram introduzidas no Havai na segunda metade do século XIX, provenientes do Norte de Queensland, Austrália. Desempenharam o papel da palmeira imperial do Brasil, sendo utilizadas no paisagismo, marcando a paisagem de Hilo (Hilo Palm, palmeira real). Tendo encontrado condições ideais para o seu desenvolvimento, esse imigrante vegetal expandiu-se espontaneamente pela costa oriental da ilha. Sofreu, porém, com o desenvolvimento das plantações de açúcar, sobrevivendo no vale húmido da baía de Onomea. Aqui, algumas espécimes mostram ocorrências extraordinárias, explicáveis pelo habitat, tais como a de raízes que saem do caule, conhecidas como "raízes adventícias".

O "Palm Jungle" do Jardim Botânico do Havai chama a atenção para o fato de que também a imigração e a difusão de plantas pertence à história das relações entre povos e meios ambientes, e que o pesquisador cultural necessita desenvolver a sua capacidade de percepção diferenciadora do mundo natural para poder cumprir adequadamente tarefas de análises culturais.

Hawai - país de orquídeas

O Hawai é hoje assim designado devido à criação sistemática de orquídeas, iniciada na década de quarenta. As orquídeas cultivadas no Jardim Botânico Tropical do Havai são provenientes na sua maioria de vários países tropicais do continente americano, incluindo algumas espécies nativas. Há apenas três espécies de orquídeas verdadeiramente nativas do Hawai, muito raras e encontradas apenas em altitudes elevadas. Embora pertencendo a uma das mais amplas famílias de plantas que dão flor, podendo ser encontradas em quase todas as regiões do mundo, é sobretudo presente no mundo tropical, onde vivem ca. de 1000 gêneros e 15000 espécies. A maior parte dessas espécies tropicais são epiphytes e, diferentemente da maioria daquelas de climas temperados e árticos, crescem em árvores, muitas vezes bem no alto, enviando longas raízes aéreas para servir como âncora no tronco.

Os fundadores do Jardim procuraram reunir o maior número possível de espécimes, com a finalidade de chamar a atenção a processos de diferenciação e enriquecimento que o cultivo podem desencadear. Lembrando que, nos últimos dois séculos, a cultura de orquídeas conseguiu criar mais de 150.000 híbridos através da polinização de diferentes espécies e híbridos, reuniram no patrimônio do Jardim Tropical os principais gêneros tropicais, entre êles Vanda, Cattleya e Phalaenopsis, assim como muitas orquídeas de origens obscuras. A coleção inclui também orquídeas não nativas mas que se naturalizaram espontâneamente na ilha, entre elas Spathoglottis, Plaius Epidendrum e Arundna.


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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. (Ed.). "Pau-brasil e madeira de sândalo: Brasil e Havaí na história da dilapidação do mundo vegetal após o contato com europeus e esforços de recuperação de áreas degradadas da região açucareira de imigração portuguesa - The Hawaii Tropical Botanical Garden." Revista Brasil-Europa 126/5 (2010:4). www.revista.brasil-europa.eu/126/Pau-Brasil-e-Sandalo.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  1. Fotos A.A.Bispo e H. Hülskath©


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 126/5 (2010:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
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Doc. N° 2612


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Pau-brasil e madeira de sândalo
Brasil e Havaí na história da dilapidação do mundo vegetal após o contato com europeus
e esforços de recuperação de áreas degradadas em região açucareira de imigração portuguesa

The Hawaii Tropical Botanical Garden


Pelos 25 anos da oficialização alemã do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa
(
Institut für Studien der Musikkultur des Portugiesischen Sprachraumes (ISMPS e.V.)

 

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