Expansão do Hinduísmo. Revista BRASIL-EUROPA 123. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 
No âmbito do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais da Academia Brasil-Europa por ocasião dos 450 anos de São Paulo, em 2004, Indira Busse, pesquisadora mauriciana, apresentou resultados de pesquisas então desenvolvimento em seminários dedicados à história cultural em contextos globais.


Essa pesquisadora salientou, na sua exposição, o significado da população de origem indiana em Maurício, de sua cultura e religião. Entretanto, a sua própria focalização da situação dos estudos interculturais que se relacionam com o seu país natal deixou entrever a sua posição cultural, ou seja o contexto na qual ela própria como observadora se insere, seja por razões de natureza étnica, histórica, social, de formação ou outras.


O caso de Maurício deixa assim que se torne particularmente compreensível a necessidade de um desenvolvimento dos estudos interculturais em estreito relacionamento com aqueles voltados ao próprio trabalho científico, seus condicionamentos, suas contextualizações, seus pressupostos e suas rêdes. Esse interrelacionamento dos estudos culturais com a "science of science", que corresponde ao escopo da A.B.E., exige que também sejam consideradas outras possibilidades de focalizações e suas pré-condições. Somente assim poder-se-á proceder a exames mais diferenciados da situação dos estudos respectivos, das suas visões, dos seus critérios de análise e modêlos interpretativos.


Significado de Maurício sob o aspecto da multiculturalidade


Maurício adquire, neste sentido, particular interesse para estudos conduzidos sob um ponto de observação relacionado com o Brasil. Esse interesse é múltiplo. Diz respeito a questões mais genéricas de natureza teórico-cultural e a questões mais específicas das próprias relações entre os dois países, de proximidades culturais e de possibilidades de cotejos.


Maurício apresenta-se, na sua insularidade, como um campo privilegiado para estudos voltados a situações multiculturais, a processos interculturais, e a transformações culturais como resultados do desenvolvimento demográfico.


Em dizeres espalhados pelo país, que salientam que a nação se compreende como una na multiplicidade das culturas que a compôe, constata-se o empenho político-cultural de manutenção da paz e da harmonia da sociedade. Deixam entrever o intuito de solidificação de um conceito de Estado guiado pela concepção de uma Unidade na Diversidade.


Esse conceito de Estado e, concomitantemente de identidade nacional, faz com que o Estado surja não apenas como moldura que apenas envolve exteriormente diversidades internas, ou seu suporte, mas sugere também que a identificação com a nação surja como princípio unificador e garantia da unidade.


Abre-se aqui um complexo de questões de natureza filosófico-cultural relacionadas com as possibilidades de compreensão e interpretação do que seja unidade e diversidade, de suas relações e de quais seriam os princípios que justificam unidade ou possibilitam unificação. (Veja aqui também matéria sobre a "Teoria do Índico", nesta edição)


Deve ser a unidade uma estrutura sobreposta à diversidade, resultado de uma concepção abstrata que dá contornos à realidade, que a delimite, a envolva, refletindo um procedimento por assim dizer externo, ou deve ser ela resultado de princípios intrínsecos ao próprio complexo cultural? Se este for o caso, sendo a realidade caracterizada pela diversidade, haveria a necessidade de consideração de diferentes princípios unificadores e visões de unidade subjacentes às diversas configurações culturais.


A necessidade de análises mais profundas das expressões culturais torna-se aqui evidente, pois somente através de exames adequados de suas imagens e concepções, a partir de seus próprios critérios, pode-se tentar alcançar uma situação possibilitadora de um diálogo voltado à harmonização de concepções de unidade.


Multiculturalidade no passado colonial mais remoto


Maurício foi sempre marcado por situações multiculturais. Os viajantes do passado registraram a diversidade dos grupos étnicos que alí viviam e transmitiram à Europa esse quadro da realidade social e cultural da ilha. A ilha tornou-se conhecida, assim, como exemplo por excelência de uma situação de diversidade populacional. Essa situação foi resultado em grande parte da ação européia em procura de mão-de-obra para o desenvolvimento econômico da colônia. Correspondeu a interesses europeus, uma vez que, segundo salientado por observadores da época, a própria existência de diferentes grupos humanos e o não predomínio de determinada etnia significavam uma garantia para a própria segurança da sociedade. Apenas a inimizade e até mesmo a repulsa existentes entre os vários grupos impediam revoltas e sublevações.  Este seria o caso de grupos africanos entre sí, e, mais ainda, de chineses e sobretudo de indianos com relação a africanos. (Veja texto relativo a Milbert, nesta edição).


Apesar e talvez por causa dessa diversidade, a Île de France surgia na Europa com uma imagem determinada, marcada pela cultura dos europeus e dos mestiços que nela nasciam, inseridos em complexos processos identificatórios, vivendo em perene necessidade interior de comprovar a sua europeidade e, ao mesmo tempo, criticá-la. Não é sem significado que um dos modêlos fundamentais de representações simbólicas da crítica à cultura européia e da convicção de sua necessária renovação a partir de uma situação mais próxima à natureza haja partido da Île de France. O romance pastoral de Bernardim de Saint-Pierre (Veja artigo a respeito nesta edição) ali localiza, de forma narrada, uma configuração básica de concepções antropológicas e de Estado do Ocidente cristão.


A partir desses fundamentos, poder-se-ia dizer que a Île de France, na sua identidade colonial creola, esteve profundamente vinculada à esfera ocidental, inserida em processos globais, mas conduzidos segundo a primazia do poder metropolitano. Não é de menor significado o intento cristianizador da França quando potência colonial, empenhada na pastoral dos africanos que em grande parte já vinham batizados de regiões administradas pelos portuguêses. O Catolicismo foi, assim, instância significante na garantia da unidade e na configuração da identidade creola da Île de France.


Transformações de situações multiculturais


Situações multiculturais não são a-históricas. Elas se modificam no decorrer do tempo, em transformações causadas por motivos internos, intrínsecos, ou externos, causados por novos aportes. O pêso de determinados grupos culturais no todo pode ser assim modificado, passando a predominar.


Sob o domínio britânico, deu-se início a um processo de transformação demográfica e cultural de grandes proporções em Maurício. A vinda de consideráveis contingentes de trabalhadores da Índia, em situação social e legal diversa dos antigos escravos, não sujeitos a missionação intensa, possuidores de uma identidade cultural solidificada e consciência histórica de fundamentação religiosa, levou a um desenvolvimento gradativo e crescente de intensificação de presença e de poder.


A imagem da antiga Île de France, conservada de forma mais ou menos contínua sob mais de um século de administração britânica, apagou-se gradualmente, e Maurício surge cada vez mais como uma nação inserida na esfera cultural da Índia, quase que como resultado natural de uma predisposição geográfica.


Grand Bassin e o templo Shiv Jyotir Lingum


Os elos de unidade que vinculam a diversidade mauriciana à Ìndia passam a ser oferecidos pelo Hinduísmo. Na área de templos do Grand Bassin, uma dos mais impressionantes conjuntos de edificações religiosas hindús fora da Índia, a própria água do lago foi sacralizada com água trazida do Ganges. Há até mesmo a crença de existir um túnel subterrâneo que liga a ilha ao subcontinente, tornando-a uma extensão simbólica da mãe Índia. Ali se purificam anualmente, na festa de Maha-Shivaratree, ca. de 300.000 fiéis.


O Mauritius Eswarnath Shiv Jyotir Lingum Temple (Ganga Talao Mauritius) é o único Shiv Jyotir Lingum fora da Índia. Foi construído em dedicação a Shiva por Jageshwar Raj Dayal. Em monumento inaugurado pelo primeiro ministro Navinchandra Ramgoolam, no dia 27 de fevereiro de 2000, 75° aniversário do Hindu Maha Sabha, fundado no dia 27 de fevereiro de 1925, lê-se um texto que pode ser interpretado como fundamento e base de uma unidade compreendida sob a perspectiva hindú.


I am Omkar

I am the eternal God, eternal Word and the eternal Sound

I am the symbol of the Makeshwar Sada Shaktiman Shiv

I am the pure and holy form of Makeshwar Shivji

I now take this form, as it is, into your hearts.

OM AMAH SHIVAYA

Is the soul of our religion and Dharma

it is our duty to protect our Dharma

Hindu Maha Sabha

24 th. February 2000


Templo Shivalah


Importantes santuários podem ser encontrados em vários pontos do país, e vários se encontram em construção. Com êles se difundem não apenas práticas e concepções, mas sim também uma cultura imagológica de consequências para muitos aspectos da vida festiva e do quotidiano.


Em Triolet, em região situada entre Port Louis e o Norte, encontra-se a maior área sacral do Hinduísmo em Maurício. O templo principal foi iniciado em 1891. Seguiram-se outros seis tempos menores. Do ponto de vista artístico, as edificações se distinguem pela ornamentação profusa, quase que folclórica no colorido vivo de seus motivos, sobretudo vegetais.


Seewoosagur Ramgoolam


O papel extraordinário exercido pela população de ascendência indiana na história mais recente do país pode ser visto na pessoa de Seewoosagur Ramgoolam (1900-1985), nascido de pais vindos da Índia. Após ter realizado estudos na Inglaterra, tornou-se cônsul e passou a lutar pela auto-administração da colônia e, posteriormento pela sua independência.


Vulto mais saliente do govêrno de Maurício, o seu nome como "pai da nação e arquiteto da independência" é hoje eternizado na designação do tradicional Jardim Botânico de Pamplemousses, do aeroporto, de hospitais, de diferentes instituições e vias públicas.


(...)


M. Möwe e grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo




Monumento a S. Ramgoolam no Jardim Botânico de Pamplemousses


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a utilizar-se de designações similares.

 



  1. Imagens de templos do Grand Bassin.
    Abaixo: Templo Shivalah
    Fotos H. Hülskath

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 123/18 (2010:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho científico
órgão de
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Doc. N° 2552


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"Hinduização" do Índico?

Transformações demográficas e suas consequências para os estudos interculturais

Programa da Academia Brasil-Europa
Atlântico-Pacífico de atualização dos estudos culturais transatlânticos e interamericanos
Ciclo de estudos na Ilha Maurício, 2009
sob a direção de A.A.Bispo

 

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