Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 136/18 (2012:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2878




O "Gigante Adormecido" no Brasil e em Fiji
Cultural Studies e Natureza
reflexões a partir do legado de Raymond Burr (1917-1993)


Ciclo de estudos Rio 92-Sydney 2012 da A.B.E. no Pacífico Sul. Garden of The Sleeping Giant, Nadi, Fuji

 
Sleeping Giant.Fiji.Foto A.A.Bispo ©

Os trabalhos euro-brasileiros realizados no Pacífico Sul em janeiro de 2012 no âmbito dos ciclos de estudos Rio 92-Sydney 2012 da A.B.E. tiveram como objetivo retomar, sob novas perspectivas e em outros contextos, questões tratadas no congresso internacional levado a efeito pela passagem dos 500 anos do Descobrimento da América no Rio de Janeiro. (Veja Tema em Debate, nesta edição: http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Australia-Melanesia-Brasil.html))

Correspondendo à data, as atenções foram então dirigidas aos fundamentos de processos desencadeados pelos Descobrimentos, pela colonização e pela cristianização do continente. Tratando-se de ano no qual realizou-se a Conferência do Meio Ambiente, foram considerados os problemas relacionados com a Natureza causados pelo processo determinado pela chegada dos europeus e que levou a uma destruição sem precedentes da fauna e da flora do continente, e que até hoje se prolonga de forma trágica.

O próprio nome Brasil é infelizmente derivado da exploração da madeira por comerciantes europeus e, consequentemente, da dilapidação florestal de grandes extensões da costa brasileira.

Sleeping Giant.Fiji.Foto A.A.Bispo ©

Aspectos que relacionam essa devastação das terras americanas nos últimos 500 anos com um processo histórico ativado com a chegada dos europeus e cujas razões devem ser procuradas em análises de edifícios de concepções e imagens de antigas proveniências, foram tratados em projetos desenvolvidos nos anos que seguiram ao projeto em encontros e visitas realizadas a jardins botânicos, parques e reservas florestais de vários países.

Esses trabalhos desenvolveram-se no âmbito do programa Cultura/Natureza da A.B.E. (http://www.akademie-brasil-europa.org/Cultura-Natureza-Musica/index.html) e muitos de seus relatos foram publicados em números anteriores desta revista. Uma particular atenção foi dada aqui às relações entre as culturas indígenas e o meio ambiente.(Veja e.o. http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Acadia-Paisagismo.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Abbe-Museum.html)

Ampliando-se o campo de observações para o Pacífico, uma exigência decorrente das próprias dimensões globais dos empreendimentos dos Descobrimentos, vários centros de pesquisa e de cultivo botânico, viveiros e parques foram visitados, procurando-se tomar conhecimento das tendências do pensamento e da pesquisa nas várias regiões e fomentar o intercâmbio internacional de idéias relativamente a uma ciência da cultura de orientação ambiental e de respeito aos seres viventes. (http://www.revista.brasil-europa.eu/123/Paul_et_Virginie.html)

Sleeping Giant.Fiji.Foto A.A.Bispo ©

Assim como o continente americano, também a esfera do Pacífico experimentou uma inaudita destruição do seu patrimônio natural desde a chegada dos europeus, e isso alguns séculos após o Descobrimento da América.

Também as muitas ilhas do Grande Oceano tiveram as suas florestas destruídas por comerciantes que procuravam sobretudo madeira de sândalo. Grandes superfícies foram desvastadas em dimensões que apenas podem ser avaliadas quando observador vê, hoje, regiões centrais montanhosas de ilhas completamente desprovidas da luxuriante cobertura vegetal que até há poucos séculos possuiram (http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Liholiho.html).

As áreas destruídas foram, após a retirada das madeiras de valor, queimadas e transformadas em canaviais ou, em casos ainda mais lamentáveis, em pastos. A história da ação humana em contextos globais dos últimos 500 anos é, assim, uma história de insensível e irresponsável destruição da riqueza de flora e fauna do planeta e também a Melanésia testemunha esse processo destruidor, podendo-se aqui salientar a Nova Caledônia e Fiji.

Um relato de engenheiro francês até hoje pouco considerado, o de Jules Garnier ( "Voyage a la Nouvelle-Calédonie", Le Tour du Monde XVI, 402° Liv. 161, 1867, 155 ss.)), que esteve a trabalho na Nova Caledônia logo após a tomada de posse das ilhas pelos franceses em meados do século XIX, descreveu no seu relato de viagem as grandes queimadas que destruiram em poucos anos grande parte das florestas da ilha. Em termos altamente expressivos, registrou como o fogo ateado se alastrava sem controle pelas florestas, onde até então tinham vivido por séculos os kanaks e o pouco caso que davam a essa destruição os colonos e mesmo autoridades governamentais, dispostos sempre a relativar as suas consequências em nome do progresso e do desenvolvimento.

Sleeping Giant.Fiji.Foto A.A.Bispo ©

"Un tourbillon de fumée planait au-dessus. Favorise par la sé´c´héresse de la saison et la brise du soir, le feu se repandait avec une rapidité effrayante, se dirigeant en partie de notre côte; à`cete aspect, je me rappelai tous les recits lamentables de voyageurs malheureux surpris par l'incendie au milieu des prairies et je manifestai mes craintes à``mòn compagnon de voyage: (...) La nuit, qui succè`de si rapidement au jour sous les tropiques,e tait arrivéé; le feu de la plaine que nous dominions était maintenant beaucoup plus apparent et assez rapproché pour que nous pussions entendre le crépitement des flammes qui, par moments, s'élançaient à`une grande hauteur, tordant les jeunes arbres verts qui craquaient sous leur etreinte; le niaoulis, à`l'ecorce combustible  comme de l'amadou, s'enflammait des pieds à`la tête, en repandant une immense lueur autour de lui; lorsque l'incendie rencontrait des parties bien dessechées, il les traversait avec une vitesse qui ressemblait à`la furie. (...) (op.cit. 170-172)

As iniciativas que, hoje, procuram criar oáses de proteção de espécies e mesmo de reconstrução ambiental são de dimensões diminutas perante a barbárie destrutiva dos últimos séculos, representam, porém, obras que merecem ser consideradas como feitos verdadeiramente culturais do homem.

Esses empreendimentos são, nas várias regiões, de diferentes características, funções, objetivos e manifestam diferentes orientações. Cada um deles merece ser estudado de acordo com as suas características, seja de orientação mais econômico-florestal e agrícola, como o de Moorea (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Brasil-Taiti_e_Ananas.html), seja pela sua relevância paisagística como o jardim de agua do Taiti (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Botanica_da_Polinesia.html).

O interesse cultural não se resume aqui apenas à história da migração de plantas e às transformações que causaram no meio ambiente de todos os continentes, ainda que seja um importante aspecto dos estudos de Botânica de orientação cultural e dos estudos culturais que dão particular atenção às relações entre Cultura e Natureza. (Veja e.o.http://www.revista.brasil-europa.eu/123/Pamplemousses.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/125/Taiti_e_Caribe.html)


Uma particular atenção merece aqueles empreendimentos botânico-culturais que representam obras de idealismo de particulares. São expressões admiráveis do empenho de pessoas que colocaram os seus bens e o seu objetivo de vida na criação e na manutenção de nichos ecológicos que em alguns casos transformaram-se em centros relevantes de ação ambiental e mesmo pontos de atração das respectivas regiões.

Este é o caso do jardim criado por idealistas americanos no Havaí, como relatado em número anterior desta revista (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Pau-Brasil-e-Sandalo.html). Este é o caso também do jardim criado pelo ator Raymond Burr nas proximidades de Nadi, em Fiji, que hoje representa um dos mais procurados e admirados atrativos do país.


O The Sleeping Giant em Fiji e o Gigante Adormecido em São Paulo

Esse jardim não pode deixar de ser considerado no âmbito dos estudos relacionados com o Brasil também devido a seu nome. A sua designação - The Sleeping Giant - encontra-se também com aquela de uma formação rochosa em área protegida do Estado de São Paulo próxima a Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira, onde já se realizaram vários encontros da A.B.E.
Logo após o congresso do Rio de Janeiro de 1992, foi ali que se realizaram os encontros destinados a preparar os trabalhos de
discussão dos resultados do evento e dos programas de pesquisas neles iniciados. O Gigante Adormecido brasileiro tem a sua designação derivada sugestivamente de sua forma, adquirindo significado para os estudos culturais também pelas narrativas que com êle se relacionam.

Um dos maiores orquidários do globo

Diferentemente do Gigante Adormecido, o The Sleeping Giant tem o seu significado não tanto devido a seu cimo, de onde se descortina ampla região, mas sim graças ao jardim implantado aos pés do planalto Nausori.

Esse jardim foi inicialmente criado para abrigar as coleções de orquídeas do ator Raymond Burr. Ampliada, abrange hoje acima de 2000 variedades de orquídeas, incluindo várias de Fiji, sendo considerada a maior do gênero no mundo.

Ao mesmo tempo, a área do jardim - assim como no caso do Havaí - transformou-se em nicho ecológico e de conservação de espécimes botânicas de Fiji, uma ilha que da mesma forma muito sofreu com a degradação da paisagem causada retirada de madeira de sândalo e pelas extensas plantações de cana de açúcar.

Também sob esse aspecto, portanto, manifesta-se uma certa similaridade com o jardim mencionado do Havai, da mesma forma implantado em vale de antiga zona açucareira.

Comparando-o com o jardim d'água do Taiti, este de Fuji não apresenta similar refinamento paisagístico. Êle impressiona porém pela atenção dada a funções sociais e culturais na recepção de visitantes. Sob esse aspecto, aproxima-se mais de empreendimentos particulares de turismo ecológico que podem ser visitados, por exemplo, em Maurício.

O interesse do jardim de orquídeas do Sleeping Giant sob o aspecto dos estudos culturais também é derivado do fato de remontar a uma iniciativa de artista de teatro, filme e televisão.

Criação de ator de teatro, flime e televisão. Significado para os Cultural Studies

Raymond Burr, conhecido por ter representado figuras que se tornaram populares e mundialmente conhecidas no
teatro, cinema e televisão, tem o seu nome hoje lembrado também pelo seu empenho no cultivo de plantas, pela  sua personalidade e contexto de vida.

Os Cultural Studies, voltados primordialmente a questões da cultura popular, adquire com Raymond Burr um vínculo com assuntos ambientais, o que até hoje faltava aos estudos culturais nessa tradição anglofone.

Nessa tradição, marcada pelo ambiente social e cultural de zonas de história industrial da Grã-Bretanha, com a sua historia de movimentos trabalhistas e de reinvidicações sociais, a atenção é dirigida primordialmente a questões da cultura popular focalizadas a partir de posições e perspectivas correspondentes às consequências da Revolução Industrial.

Enquanto que os estudos culturais e as tendências para o estabelecimento de uma culturologia trans- e metadisciplinar procuram considerar problemas ambientais e mesmo redefinir concepções de cultura a partir de suas relações com a Natureza e os seres viventes em geral, como é o caso do programa Cultura/Natureza da A.B.E., as correntes vinculadas aos Cultural Studies na tradição britânica e norte-americana têm dado pouca atenção a questões que relacionam a cultura com o meio natural.

Essa falha necessita ser suprida, pois justamente a região britânica de origem dos Cultural Studies é marcada por
problemas ambientais derivados da degradação do meio ambiente, com consequências urbanas e para a vida nas grandes cidades, sobretudo em bairros operários.

As novas iniciativas de recuperação urbana e ambiental dessas zonas, vinculadas necessariamente à melhoria de qualidade de vida de grupos sociais menos privilegiados e a expressões culturais, exige dos Cultural Studies maior atenção a questões relacionadas com o meio ambiente.

R. Burr em estudos culturais contextos globais

Raymond William Stacey Burr, canadense de nascimento, possui uma história de vida marcada pelo contato com diferentes contextos culturais de todo o mundo, o que o faz como de especial interesse para estudos da cultura popular em contextos globais.

Filho de um agente comercial, teve já na tradição familiar contato com diferentes países e a abertura para situações cosmopolitas e contextos internacionais. Viveu assim na China e, posteriormente, em Vallejo, Califórnia. Trabalhou em posições subalternas como ajudante de polícia, vendedor de fotografias e cantor de bar no Novo México.

Os estudos universitários de Raymond Burr refletem o contexto internacional de sua formação familiar e de sua vida. Assim, realizou estudos na universidade de Chungking, na China, assim como na renomada de Columbia, de onde foi posteriormente docente.

A experiência pessoal na Marinha norte-americana durante a Segunda Guerra foi decisiva para o caminho de Raymond Burr a partir da segunda metade da década de 40.

A sua carreira cinematográfica iniciou-se com o filme San Quentin, em 1946, seguindo-se vários outros, devendo-se mencionar, entre outros, Adventures of Don Juan, de 1948, Love Happy, de 1950, Tarzan and the She-Devil, de 1953, o Rear Window, de Hitchcock, de 1954, e, dos mais recentes, The Return, de 1980. Foi ator e diretor do teatro Pasadena Playhouse.

Raymond Burr adquire particular interesse para estudos culturais e de mídia dedicados à televisão. Foi um dos primeiros atores que alcançaram reconhecimento pelas suas qualidades e popularidade em séries de televisão, salientando-se o seu papel de Perry Mason a partir da segunda metade da década de 50.

Mais recentemente, tem-se dado especial atenção a Raymond Burr sob o aspecto dos Estudos de Gênero, em particular dos Gay-Studies.


Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O "Gigante Adormecido" no Brasil e em Fiji. Cultural Studies e Natureza: reflexões a partir do legado de Raymond Burr (1917-1993)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 136/18 (2012:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Gigante-Adormecido.html



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