Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©

Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©

Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©

Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©

Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©

Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©

Fotos A.A.Bispo, Borg, Lofotes (2012)
©Arquivo A.B.E.





 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 139/8 (2012:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2926


A.B.E.


Arqueologia cultural e os problemas de procedimentos anacrônicos
Cinematografia a serviço de projeções de imagens do presente ao passado
no exemplo da Casa Wiking de Borg

 
Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©

A questão do descobrimento do continente americano pelos Wikings, de seu assentamento e de vínculos nórdico-americanos nessas remotas eras, muitos séculos antes de Colombo, permanece  sob muitos aspectos de excepcional relevância nos estudos voltados a contextos transoceânicos.

Esse significado manifesta-se sobretudo na valorização desses antigos contatos nos países nórdicos europeus, como registrado nos estudos euro-brasileiros desenvolvidos na Islândia (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Leif_Eriksson_e_Hallgrimskirkja.html).

Essa valorização nos países nórdicos - também em parte norte-americanos -, condiciona diferentes culturas comemorativas, perspectivas, questionamentos e interesses, com implicações para a consciência cultural nas suas dimensões transatlânticas, com consequências para relações internacionais e cooperações.

O estudo histórico de fatos e ocorrências relaciona-se aqui de forma complexa com uma própria cultura do pensamento e da pesquisa, criando diferentes "culturas do Descobrimento", uma salientando o privilégio do Mediterrâneo/Atlântico na figura de Colombo, requerido sobretudo pela Espanha e pela Itália, ou naqueles dos navegantes atlânticos salientados por Portugal (http://www.revista.brasil-europa.eu/128/Descobrimento-do-Canada.html), outra salientando a prerrogativa nórdica.

Essa situação, que tem implicações tanto para a historiografia e os empreendimentos político-culturais e celebrativos dos respectivos países europeus como de países e contextos da imigração no Novo Mundo, demonstra de forma evidente os elos entre a pesquisa dos Descobrimentos e questões de consciência histórica, imagens e identidades relacionadas com nação, nacionalidade e nacionalismo.

Os esforços para o desenvolvimento dos estudos relativos aos contatos entre a Europa e o continente americano sob uma perspectiva científica também se defrontam com obstáculos decorrentes dessas implicações do complexo temático e da pesquisa com perspectivas nacionais e nacionalistas.

Devido ao significado dado à questão da participação alemã na história dos descobrimentos nórdicos à época do Nacionalsocialismo, acompanhadas por singulares hipóteses de vínculos teuto-lusos no "pré-descobrimento" da América explicáveis por proximidade de visões políticas do III Reich com o regime autoritário português (http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Hedwig_Fitzler.html), o pesquisador sente-se inibido em retomar temas assim desgastados pela instrumentalização política. (http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Egmont_Zechlin.html).

Essa situação, porém, ainda que sensível e desagrádavel, deve ser enfrentada, procurando-se distinguir fatos e perspectivas possivelmente justificáveis para além do abuso ideológico, desenvolvendo os estudos histórico-culturais em estreito relacionamento com aquele da própria história dos estudos. Pressuposto é aqui rever criticamente os elos políticos da história dos estudos portugueses e brasileiros com o nacionalsocialismo, o fascismo e o autoritarismo português, e, mais amplamente, com o nacionalismo nas suas diversas contextualizações e formas. (http://www.revista.brasil-europa.eu/124/Berlim_ano_2010.html)

Um caminho que se abre para o prosseguimento dos estudos é aquele possibilitado pelo direcionamento teórico-cultural da pesquisa. Nesse sentido, cumpre observar elos entre tendências de pensamento e intentos voltados à consciência do passado e à valorização patrimonial da cultura de remotas eras nos próprios países nórdicos. Principal expressão dessa consciência e valorização patrimonial a ser considerada é a da casa dos Wikings em Borg, nas ilhas norueguesas de Lofotes.

Borg: reconstrução da cultura Wiking na tradição dos museus culturais ao ar livre

Na década de 80 do século findo, arqueólogos descobriram que um valioso fundo arqueológico encontrado em elevação da ilha Vestvågøy, no grupo insular de Lofotes, remontava a uma povoação que ali existira até o século XV, quando então foi abandonada por ser assolada pela peste.

Comprovou-se, assim, que a região foi habitada desde o início da atual contagem de tempo, ou seja, desde a passagem ao século I. O assentamento mais antigo foi datado no século II em Østad. A razão pela qual populações se fixaram em região tão longínqua e de rude clima explica-se em parte justamente pela defesa que tal isolamento possibilitava. O próprio alcance por mar é difícil e perigoso, exigindo conhecimentos da região.

Assim, os habitantes locais teriam desenvolvido, em segurança, com os seus conhecimentos, uma cultura avançada de navegação que possibilitava viagens a longas distâncias. De fato, arqueólogos descobriram no seu litoral três espaços destinados a naves, sendo duas delas aptas à construção e ao abrigo de longos navios. Ao mesmo tempo, as pesquisas revelaram um complexo de construções que supõe-se ter servido como moradia para aqueles que serviam a um chefe.

Alcançando consideráveis dimensões à época dos Wikings, com ca. de 1800 habitantes em 115 sítios, Borg passou a ser visto como local de extraordinária importância não apenas arqueológica como também para a imagem cultural e a consciência histórica norueguesa.

Com base em fundos arqueológicos e resultados de pesquisas em outras regiões, reconstruiu-se a casa encontrada, extraordinariamente longa com os seus 55 metros de comprimento e 8 de largura, remontante a construção dos séculos V ou VI, e que foi ainda mais ampliada no século VII ou VIII. Trata-se de um edifício de três lanços, com duas filas de mastros que apoiam o telhado, abrigando sob o mesmo teto estábulo e sala para culto e assembléia. As alas laterais possuem assoalho de madeira, a central cavidades de pedra para fogo. Esse fato levou à suposição de tratar-se, nesse espaço, de uma sala de reunião, de recepção e de culto da comunidade.

Este salão teria sido abandonado entre os anos 950 e 1000, supondo-se ter sido uma das razões a Cristianização: o local que havia sido destinado ao culto de divindades nórdicas passara a ser demonizado pela nova religião.

Arqueologia, história, pesquisa cultural e sua preparação cinematográfica

As interações entre arqueologia, história, pesquisa cultural e reconstrução romanceada do passado manifestam-se de início em filme apresentado aos visitantes e que servem para prepará-los à exposição de fundos históricos e arqueológicos encontrados e, a seguir, à visita da reconstruída casa grande.

Foto A.A.Bispo, Borg, Lofotes©
Aqui, os visitantes têm a possibilidade de participar, como elementos de uma encenação de assembléia, na antiga sala de culto e de reuniões, recebendo explanações sôbre a antiga cultura.

Na parte da casa destinada originalmente à moradia, pode-se apreciar técnicas artesanais e modos de vida quotidiana representadas a modo de museu de Etnografia e Folclore ao ar livre.

Os trabalhos apresentados ao vivo em parte por estudantes de cultura nórdica provindos de outros países, como a Alemanha, e que ali realizam estágios ou passam voluntariamente parte de sua vida à procura de raízes culturais.

Os próprios especialistas do complexo de Borg concordam que o filme apresentado de início combina fatos arqueológicos e conhecimentos históricos em contexto imaginado de um romance.

Essa estória conta a migração de antigos habitantes de Borg à Islândia e ao retorno de uma jovem presa por laços de amor com um jovem que ficara à testa de Borg.

Esse papel concedido ao cinema como preparação à apreciação do complexo cultural também pode ser constatado no Cabo Norte, onde o visitante é introduzido na história e na natureza da região através de produção cinematográfica de alta qualidade artística e acompanhada por música especialmente composta e destinada a intensificar emocionalmente cenas apresentadas, criando laços afetivos dos espectadores com o tema.

Esse uso do cinema em centros culturais pode ser registrado em outras regiões do mundo, podendo ser visto como um fenômeno de intuitos de popularização da ciência do presente e que pode ser visto, êle próprio, como merecedor de atenção.

Esse procedimento pode ter profundas implicações ideológicas, como aquelas registradas no caso das culturas polinésias nas suas relações com o continente americano, onde teorias dos mórmons relativadas ao casamento são projetadas como fatos verídicos na história de contatos entre o Pacífico e a América do Sul em remotíssimas eras. (http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Mormons.html)

Preparado com o romance e a história romanceada apresentada no filme, o visitante aprecia os objetos da "cultura material" apresentados à luz da "cultura imaterial" reconstruída segundo critérios artístico-cinematográficos e de determinadas intensões.

Esses objetos, da idade do ferro mais recente, dos anos 600 a 1000, compreendem alfinetes, pregos, facas, rodas e pêsos de teares.

Como testemunhos dos elos culturais com o exterior, introduzidos ou importados pela comunidade, apresentam-se fragmentos de jarros com desenhos geométricos em zinco, assim como copos de vidro. Estes, na sua maioria esverdeados, mas também de cor azul com aplicações de fios de vidro, em parte douradas e azuis, teriam vindo provavelmente das ilhas britânicas. Aliás, também a proveniência dos objetos em zinco, supostas no continente, poderiam ter vindo das ilhas britânicas, centro da produção do metal, como registradas por Pytheas. (http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Pytheas.html)

Outras peças, mais tardias, indicam já características do período carolíngio, como por exemplo um fragmento de vidro com película de ouro ornamentada. Entre os objetos que indicam o gosto por enfeites e ornamentação salienta-se um anel de ouro e lâminas quadradas do mesmo metal com a representação de um par, atribuído, nessas características, a época merovíngia, quando serviam a fins mágico-religiosos e como moeda.

A imagem do Lobisomem no extremo Norte europeu

Sob o ponto de vista dos estudos culturais comparados e dos fundamentos do edifício de imagens de antiga proveniência, cumpre registrar a menção ao Lobisomem no museu Wiking de Borg.

Essa imagem que se conhece da tradição brasileira, e que hoje apresenta singular atualidade em intentos culturais, já consideradas no contexto romeno (http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Lobisomem-e-Dracula.html), puderam ser agora consideradas sob a perspectiva do Norte.

Trata-se do príncipe norte-norueguês Torolv Kveldulvsson, relatado na Saga de Egil do século XIII, já estudada na Islândia (http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Centro_de_sagas.html).

Essa narrativa fala um homem de nome Ulv que, segundo o que o povo dizia, transformava-se à noite em lobo, sendo por isso chamado de Kveldulv, ou seja, lobo noturno.

Essa infelicidade era devida ao fato de ter-se dedicado à magia. Casado, teve dois filhos, o mais velho de nome Torolv, o mais novo Grim. Ao contrário de Torolv, mais apto e cordial, bem quisto pela sua alegria, similar a seus antepassados do lado materno, Grim feio, era similar ao pai tanto na aparência como em caráter. Ao atingir os seus 20 anos, Torolv se dispôs a servir na guerra, recebendo para isso do pai uma nave longa.

Assim, partiu no verão em empreendimento Wiking, voltando com rico espólio. Entrou a serviço do rei Harald Schönhaar e obteve um sítio em Sandnes ao norte de Helgeland, dedicando-se à caça e a pesca. Num inverno, Torolv partiu com um grande número de homens e mercadorias para as montanhas. Passou a contatar e realizar comércio com o povo dos samis e a levantar impostos. Ainda que em amizade, os samis passaram a temê-lo. Com o seu navio, levava bacalhau, couros e peles trazidas dos montes para o comércio com a Inglaterra, descendo pelas costas ao sul e atravessando o Mar do Norte. Vendendo bem as suas mercadorias, trazia de volta para a Noruega cereais, mel, vinho e roupas.

Nas discussões, refletiu-se se essa narrativa já não devia ser vista como uma projeção, no passado, de imagens criadas com a transformação cultural determinada pela Cristianização. A estória de um homem com dois filhos, um dos quais com atributos de lobo, traz à lembrança a narrativa bíblica dos dois filhos de Isaac, Jacob e Esau. A tradição da saga nórdica abriria aqui, novas perspectivas para os estudos relativos ao Lobisomem. Como já tratado em estudos de imagens, a figura de Esau substituiu, na interpretação cristã dos céus, a constelação do Lobo. (A.A.Bispo,Typus und Anti-Typus: Analyse symbolischer Konfigurationen und Mechanismen zur Erschliessung neuer komparatistischer Grundlagen für den interreligiösen Dialog und den Dialog der Kulturen. Colonia: I.S.M.P.S., 2003, 118-120)


Grupo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Arqueologia cultural e os problemas de procedimentos anacrônicos
Cinematografia a serviço de projeções de imagens do presente ao passado
no exemplo da Casa Wiking de Borg
". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 139/8 (2012:5). http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Borg-Lofotes.html




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.