Tailandia-Brasil na Etnomusicologia. BRASIL-EUROPA 135/10. Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 135/10 (2012:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2851




Tailândia-Brasil na Etnomusicologia
e no estudo de processos músico-culturais em contextos globais
Música e internacionalização: o Sião
segundo observações de um oficial da Marinha de Guerra austríaca


Ciclo de estudos Tailândia/Brasil da A.B.E.. 40 anos da introdução da Etnomusicologia no Brasil

 

A atual atenção à internacionalização da ciência e à uma ciência sem fronteiras por parte de organizações que se dedicam ao intercâmbio acadêmico e órgãos oficiais, implica em cooperações estreitas entre instituições voltadas à cultura e aquelas mais dirigidas às relações exteriores. Acentuando assim o significado da ciência e da cultura nas relações entre nações e na diplomacia, esse intuito não pode deixar de ter particular relevância para disciplinas que se dedicam à música, ao teatro, à literatura, à dança e a outras expressões que constituem o patrimônio cultural designado em geral como "imaterial" das diferentes nações e as representam.

Esse interesse constatado no presente é expressão de processos e tendências político-culturais, sendo como tal apto a ser objeto de análises de estudos culturais. Esses intentos apenas podem ser considerados como expressões de uma retomada, sob determinadas circunstâncias e motivações, de anelos e tendências já há muito existentes em diversas esferas das ciências e das artes e que já vêm sendo há muito discutidos nos seus aspectos teóricos.

Um desses aspectos diz respeito às concepções, objetos de estudos, métodos, práticas e rêdes de trabalho em áreas dedicadas ao estudo de culturas de grupos, povos e nações, em particular daqueles distintos de contextos em que se insere o próprio observador; no âmbito da pesquisa músico-cultural diz respeito sobretudo à área de estudo da Etnomusicologia.

Desde a introdução dessa disciplina no sentido próprio da disciplina nos cursos superiores do Brasil, em 1972, vem-se discutindo a necessidade de sua revisão teórica a partir da sua consideração como expressão cultural em si. A própria disciplina surge como objeto de análises tanto relativamente a suas correntes européias como àquelas norte-americanas.

Essa discussão, nascida das exigências constatadas pela sua introdução no Brasil, manteve-se viva e desenvolveu-se até a atualidade.

O direcionamento da renovação teórica pioneiramente preconizada desde os anos de fundação das instituições que hoje constituem a A.B.E. e o I.S.M.P.S. foi fundamentalmente teórico-cultural, privilegiando a consideração de processos culturais em contextos globais na pesquisa musicológica, implicando em transformações e superações de delimitações tanto da assim-chamada Musicologia Histórica como da Etnomusicologia.

Wat Saket
A Tailândia nos estudos musicológicos de orientação teórico-cultural

A Tailândia demonstra de forma particularmente expressiva a atualidade dessa orientação culturológica desenvolvida, representada e difundida pela A.B.E./I.S.M.P.S..

A consideração da Tailândia na literatura especializada e em léxicos de ampla difusão dá-se quase que exclusivamente sob a perspectiva da música designada como tradicional. Se com relação a algumas nações asiáticas encontram-se referências, ainda que breves e esparsas, a respeito da vida musical resultante de contatos e encontros com o Ocidente, publicações e entradas em léxicos referentes à Tailândia se limitam quase que exclusivamente a tradições musicais que não indicam mais diretamente origens ou influências ocidentais.

Já uma visita a Bangkok, porém, uma das maiores metrópoles do globo, apresentando em grandes dimensões características positivas e negativas de outros centros cosmopolitas  mundiais, com diversificada vida cultural e instituições de pesquisa e de ensino marcadas por elos internacionais desperta necessariamente no pesquisador a consciência da necessidade de se considerar os processos culturais que explicam a situação atual, e que, pela sua irreversibilidade, não podem ser ignorados.

O próprio atual rei da Tailândia Bhumibol Adulyadej o Grande/Rama IX é musicista e cultor de Jazz.


Não se trata, nessa orientação, apenas de documentar uma história da recepção de expressões culturais ocidentais, da implantação de estruturas da vida cultural segundo moldes europeus e americanos ou de registrar  referências curiosas relativas à expansão cultural européia como exemplos que devam ser lamentados sob a perspectiva de uma uniformização cultural do globo.

Trata-se, antes, de uma intensificação da perspectiva histórica no estudo músico-cultural, da superação de perspectivas por demais a-temporais, tendentes a considerar expressões músico-culturais como imutáveis, quase que independentes das grandes mudanças globais em que se inseriu o antigo Sião no decorrer dos séculos.

Reflexões sôbre singularidades da compreensão histórica e memória

No caso da Tailândia, a necessária consideração da perspectiva histórica na pesquisa musicológica de orientação teórico-cultural deve ser acompanhada por reflexões acerca de singularidades decorrentes do próprio vir-a-ser do país.

Não se pode esquecer que a história do Sião foi marcada por uma cisão e transferência da sua capital, determinando uma fase antiga, a de Ayutthaya, daquela mais recente de Bangkok. O intuito de ressurgimento do antigo Sião, de retomada de continuidade no novo contexto, tem implicações para a metodologia histórica, pois salienta o papel da memória. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Portugueses-no-Siao.html).

Essa singularidade no relacionamento com o passado sugere um complexo jogo de relações entre tradição e inovação, exigindo análises mais aprofundadas e diferenciadas das próprias expressões tradicionais, pois dirige a atenção a processos (re-)criativos que incluem um jogo combinatório com permanências, retomadas de continuidades, revitalizações, reintensificações e integração de impulsos externos no repertório das expressões.

Essa atenção às complexas relações de natureza historiográfica pode também aguçar a sensiblidade para a valorização de uma política cultural que fêz do Sião um país de características singulares, não apenas mantendo, mas sim também desenvolvendo e mesmo construindo uma cultura definidora de sua imagem.

Sobretudo a atenção dada às expressões culturais, à encenação de cerimônias e recepções e nas quais a música, a dança e o teatro desempenharam fundamental papel, contribuiram à fascinação e o respeito granjeado pelo país na Europa e nos Estados Unidos do século XIX. É essa perspectiva voltada ao papel das expressões culturais em geral e da música em particular na construção do país ressurgido das cinzas de Ayutthaya que permite também cotejos mais aprofundados com a política cultural e o caminho seguido por outras nações, entre elas o Brasil.

Não é, assim, apenas por uma questão de justiça histórica que se deve considerar a política cultural de personalidades siamesas que procuraram manter linhas de continuidade e tradições ou se dedicaram a fazer ressurgir expressões de uma época quase que mítica e, ao mesmo tempo, abriram-se a impulsos e práticas do Ocidente em atitude de amizade no convívio com outras nações. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Amizade-Siao-USA.html)

Levantamento de fontes e análise de dados em contextos globais

Para o desenvolvimento de uma pesquisa musicológica de orientação cultural nessa perspectiva que vem sendo propugnada pelo I.S.M.P.S. e a A.B.E. torna-se necessário levantar fontes relativas a contatos com a Europa até agora pouco consideradas e referências esparsas em relatos de viagens e publicações várias. O tratamento contextualizado dessas referências foi objeto de seminários e cursos, em particular no âmbito do ciclo de estudos "Música no Encontro de Culturas" realizado nas universidades de Colonia e Bonn com base nos trabalhos de pesquisa do I.S.M.P.S..

Retomando esses trabalhos, realizou-se, na seção de instrumentos do Museu Nacional da Tailândia - o maior do Sudeste da Ásia -, assim como em visitas a instrumentos expostos e utilizados e em templos de Bangkok, um ciclo de estudos que consideraram in loco as perspectivas abertas através da consideração mais ampla de fontes e referências documentais pouco conhecidas. Esses estudos efetuaram-se por motivo da passagem dos 500 anos de presença portuguesa no Sião, comemorado por instituições portuguesas em 2011 sob o signo da amizade entre nações. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Sudeste-da-Asia-Brasil.html)

Releitura de panoramas históricos sob novos enfoques

Em primeiro lugar, deve-se salientar que essa presença de cinco séculos e a existência de uma comunidade luso-siamesa não podem continuar a ser relegadas a menções de passagem em introduções históricas sôbre a música da Tailândia. Para considerar o papel desempenhado pelos portugueses em processos culturais siameses e, ao mesmo tempo, os mecanismos integrativos e diferenciadores que marcaram o desenvolvimento de uma comunidade luso-siamesa, impõe-se uma leitura de panoramas até agora traçados da história siamesa sob novos enfoques à luz de tendências mais recentes dos estudos culturais.

Nos quadros históricos apresentados em obras gerais e de cunho lexicográfico, recorda-se uma suposta origem dos tais no sul da China, povo livre relativamente aos chineses que teria possuido a florescente cidade de Nan-chiao até a chegada dos mongóis, sendo a sua cultura musical provavelmente relacionada com a cultura chinesa da dinastia Sung (960-1279). Tendo imigrado para a atual região, hoje de Cambodja, Burma, Laos e Tailândia, bases de conflitos que se tornaram seculares com Burma e Cambodja, os siameses estabeleceram-s na capital de Sukhothai, de origens cambodjanas. Aqui ter-se-ia desenvolvido um sistema próprio de escrita, segundo moldes cambodjanos e sânscritos; dessa época dispõe-se de uma inscrição em pedra que indica ter havido intensa prática musical em Sukhothai. Com a fundação da cidade de Ayutthaya, deslocou-se o centro cultural e político, tornando-se esta cidade capital do Sião, de 1350 a 1767. Em 1431, no conflito secular com Cambodja, destruiu-se Angkor; os cativos cambodjanos contribuiram de forma decisiva ao desenvolvimento civilizacional de Ayutthaya. (Stanley Webb, "Thailand", The New Grove Dictionary of Music & Musicians 18, 1870m 712 ss., 714)

Poder-se-ia supor, assim, partindo dessa exposição, que processos de transformação cultural marcaram o período de apogeu de Ayutthaya, processos que seriam passíveis de análise segundo critérios que vem sendo desenvolvidos em outros contextos. Teria sido, nessa situação marcada ela própria por processos de afirmação social e cultural, caracterizada possivelmente por impulsos de demonstração exuberante de alta cultura proveniente de antigas raízes chinesas e de domínio da cultura dos subjugados cambodjanos por parte de imigrantes vitoriosos e prósperos que se inseriram os portugueses no século XVI, e que seriam seguidos posteriormente por outros europeus.

A miscigenação que possibilitou o surgimento de uma comunidade luso-siamesa teria dado, por sua vez, origem a processos de transformação cultural marcados por tensões identificatórias com a cultura materna e a paterna européia dos luso-siameses, uma situação de instabilidade que teria também sido caracterizada por impulsos de auto-afirmação.

A destruição de Ayutthaya como ápice do conflito secular com Burma, na segunda metade do século XVIII, levou à transferência da capital a Bangkok e à tomada de poder da atual dinastia real. A época assim iniciada, e que é aquela a que se refere a pesquisa músico-cultural até o presente, não representou uma simples continuidade do passado, mas sim um período que se seguiu ao abalo da destruição do antigo centro, do término de uma situação política, de uma crise e mesmo deslocamento espacial de uma nação.. Sendo marcada por extraordinários esforços de retomada, de reconstrução, de reatamento de memória, pode-se supor supravalorizações do passado que se manifestaram na exuberância da arquitetura e das expressões culturais.

Quem visita Bangkok sem ter conhecimento do desenrolar histórico supõe tratar-se de uma cidade muito mais antiga do que é, repleta de edifícios de remotas origens, não uma cidade praticamente criada na segunda metade do século XVIII, e essa constatação deveria ser também considerada relativamente a expressões musicais.

Bangkok surge como um extraordinário fenômeno de vontade reconstrutiva, de consciência do significado da cultura para a vida da nação, uma expressão de processos culturais cujos mecanismos poderiam ser analisados e que tornam compreensíveis a extraordinária magnificência de formas e a exuberância de expressões, talvez até mesmo um exagêro e uma extravagância nos intuitos auto-afirmativos e de representação. O que vale aqui para a arquitetura e a plástica pode valer também para a música, a dança e o teatro.

Significativamente, relatos dos viajantes salientam a impressão criada pelas cerimônias com caráter encenatório na Côrte. A vontade reconfiguradora de atos cerimoniais, de prazer no jogo com formas de expressão transmitidas e assimiladas que viajantes observaram em monarcas siameses pode talvez tornar compreensível a tendência a reelaborações de materiais sonoros, de criação de arranjos sobre bases já existentes.

Uma fonte pouco considerada: relato do viajante austríaco Josef Lehnert

Apresentações musicais, danças e cerimônias constituiam elementos importantes do cerimonial da Côrte do Sião nas suas relações com representantes de países europeus e viajantes do Exterior. Compreende-se, assim, que relatos de estadias em Bangkok caracterizem-se por descrições que refletem o fascínio exercido pelas recepções no palácio real siamês. Essas descrições, por sua vez, influenciarm a imagem do Sião na Europa, que passou a ser considerado como o país de maior brilho exótico do Oriente.

Em outros textos desta edição foram mencionados textos até hoje pouco ou mesmo não considerados na Etnomusicologia. Tratou-se, assim, das referências à música de Côrte na sua coexistência com bandas de música ocidentais no relato da visita de ex-presidente americano ao Sião e, em particular, de dados do diário de um pintor alemão A. Hildebrandt que teve a ocasião de visitar o mestre-capela real do Sião e, sobretudo, de constatar o questionável procedimento de aquisição de jovens para que, formadas em dança e música, atuassem em teatro mantido por destacada autoridade militar. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Schomburgk-em-Bangkok.html)

Outras referências, ignoradas até hoje nos estudos etnomusicológicos, encontram-se nos esboços de viagens de Josef Lehnert, tenente de navios de linha da Marinha de Guerra da Dupla Monarquia austro-húngara por ocasião da viagem de circumnavegação da corveta "Arquiduque Frederico" realizada nos anos de 1874, 1875 e 1876 (J. Lehnert, Um die Erde. Reiseskizzen II, Viena: Alfred Hölder 1878, 713 ss.).

No decorrer dessa sua viagem, Lehnert visitou também o continente americano. Na América do Sul, esteve no Chile, navegou pelo Estreito de Magalhães, descrevendo a Patagônia e Montevideo, do qual oferece significativas descrições de sua vida cultural. Aqui, registrou a presença de uma frota de navios de guerra, contando 19 naves, estando o Brasil representado com oito. Lehnert salienta a influência que então exercia o Brasil sôbre o Uruguai e os interesses que tinha a defender. (op.cit. 1018) O autor não pôde, porém, visitar o Brasil, ao contrário do previsto, devido a epidemia de febre-amarela no Rio de Janeiro. (op.cit. 1030)

Lehnert salienta que a estadia em Bangkok, devido à quantidade de objetos interessantes vistos e pela hospitalidade atenciosa da Côrte, foi especialmente agradável e instigante. As recepções oficiais e visitas a residentes ministeriais, a que foram constantemente convidados possibilitaram aos viajantes conhecer funcionários dos mais elevados do reino, entre os quais haviam homens de inteligência notável e conscientes de si. Entre êles, salientava-se o Ministro do Exterior do Sião.

Entre outras experiências, salienta a apresentação de teatro e dança à qual foi levado por um funcionário do Ministério das Finanças do Sião. Nessa festa, mostrou-se uma outra face, a brilhante, da vida siamesa. Após terem jantado junto ao Cônsul austríaco, tomaram as barcas reais que os levaram rapidamente através do Menaam à casa do hospedeiro, proprietário do teatro e organizador da festividade. Após meia-hora de viagem, a barca atracou em ancoradouro iluminado com muitas luzes e serviçais portanto lampiões acompanharam-nos à residência de festa.

O mais significativo do texto de Lehnart é o fato de referir-se, pelo que tudo indica, ao mesmo teatro particular cujas artistas foram visitadas pelo pintor alemão Hildebrandt, de modo que as informações se completam. Hildebrandt, porém, visitou a casa do militar de posses que mantinha o teatro particular, registrando questionáveis aspectos do recrutamento de musicistas e dançarinas que, adquiridas em tenra idade, ali eram formadas, servindo ao mesmo tempo de esposas. Esses aspectos relativos a questões sociais subjacentes não são mencionados por Lehnert, apesar de ter percebido a singularidade do fato de tratar-se de um círculo determinado por elos familiares. Lehnert, por sua vez, diferentemente de Hildebrandt, registra uma apresentação festiva realizada nesse teatro que, pela descrição, representava uma instituição à qual constumava-se levar visitantes estrangeiros e diplomatas.

Assim, já à entrada avistava-se toda a sala para as apresentações teatrais, tendo-se colocado poltronas européias em várias filas, constituindo uma platéia. O pátio constituia o palco, coberto com esteiras para a proteção contra chuvas eventuais. O chão era coberto de tapetes de muitas cores. Sob as colunadas de ambos os lados do palco permanceciam os músicos da orquestra e os artistas. 

"Gleich beim Eintritte überblickte man den Raum für die Theatervorstellung, und zwar bildete die Halle den Zuschauerraum, wo man aus europäischen Sesseln mehrere Sitzreihen hergerichtet. Der Hof war hingegen die Bühne, welche dichte Matten gegen allenfalls eintretenden Regen schützen; den Boden bedeckten buntfärbige Teppiche. In den Säulenhallen beiderseits der Bühne waren das Orchester und die Schauspieler untergebracht." (op.cit. 714)

Estranheza quanto a conjunto de percussão, preferência de flautas

Os registros de Lehnert incluem observações sobre instrumentos musicais que, embora sumárias, são de significado sob alguns aspectos. Assim, o viajante austríaco registra o quanto lhe soou estranho o resultado sonoro de um conjunto dominado por instrumentos percutidos, preferindo as flautas que mais se aproximavam da compreensão musical européia.

Assim, Lehnart salientou que o conjunto instrumental marcado por instrumentos de percussão poderia ser chamado de pancadaria, uma vez que a maior parte era tocada com pequenos martelos e punhos. Entre os instrumentos musicais, registrou "harmônicas" de metal e de madeira com pranchas ordenadas de forma que pudessem vibrar, com campânulas dependuradas, um grande tímpano, e um tambor percutido com dedos ou com a mão.

Para o viajante austríaco, esses instrumentos produziam um barulho que pouca semelhança teria com música. O conjunto de xilofones que observou parece ter sido o pi phat, constituido de instrumentos melódicos de percussão, cimbalos de mão, gongo e tambores, no qual o pi, de palheta dupla, teria sido substituído pela flauta. Supõe-se que a predominância de metalofones na música do Sião seria resultado de influência recebida da Indonésia, e isso no século XIX, o que significaria ser ainda um desenvolvimento relativamente recente à época de Lehnert.

Lehnart registrou, entre os instrumentos de sôpro, o uso de vários pífaros e longas flautas que produziam sons para êle agradáveis e doces, comparando-as como aquelas utilizadas no Laos. No todo sonoro produzido pelo conjunto, porém, não podiam ser valorizadas ou percebidas.

"In den Säulenhallen beiderseits der Bühne waren das Orchester und die Schauspieler untergebracht. Das erstere konnte man mit Recht ein Schlag-Orchester nennen, denn der größte Theil der Instrumente wurde mit Hämmerchen und Fäusten bearbeitet und dies verursachte einen Lärm, dem man nur wenig Aehnlichkeit mit Musik zusprechen konnte. Unter denn Musikinstrumenten bemerken wir Metall-und Holzharmonikas mit schwebend angeorneten Stäben und angehängten Glöckchen; eine große Kesselpauke; eine Trommel, die man mit den Fingern oder der Hand schlug; endlich mehrere Pfeifen und lange Flöten, wie solche im Lande der Laos gebraucht werden. Diese Flöten geben sehr angenehme und liebliche Töne, die aber im Orchester wenig zur Geltung kommen." (op.cit. 714)

Dessas flautas, o autor incluiu uma ilustração na sua obra onde aparecem três instrumentistas ao redor de uma bailarina e que indicam a atenção dada a Lehnert a pormenores do uso desses instrumentos, à colocação das mãos e à embocadura.


Atenção merece as observações de Lehnert relativas à participação de cantoras no conjunto, uma vez que essas surgem como principal motivo da fascinação exótica que a execução lhe causou. O seu texto permite que se perceba a sua admiração em ver como essas cantoras se encontravam sentadas sobre um instrumento musical, descrito como um longo cilindro de madeira ôco; tinham as mãos dois pauzinhos de bambú que entrechocavam ou que percutiam no cilindro de madeira. O todo constituído pelos grupos de tocadores e os artistas brilhantemente ataviados sob a luz das chamas que se elevavam de frigideiras de ferro, ou seja, o conjunto do cenário da festa oferecia um quadro ao mesmo tempo inusual e fascinante.

"Außerdem gehörten mehrere Sängerinnen zur Musikcapelle; sie saßen auf dem Boden längs eines langen ausgehöhlten Holzcylinders. Jede hatte zwei Bambusstäbchen, die sie entweder gegeneinander schlug oder damit auf den Holzcylinder trommelte. Die malerischen Gruppen der Spielleute und der glänzend costumirten Schauspieler, die hochflammenden Lichter in eisernen Pfannen, sowie überhaupt der ganze Schauzplatz des Festes, boten einen ebenso ungewöhnliuchen, wie fesselnden Anblick". (op.cit. 714-715)

Seria inadequado e projeção anacronística procurar na descrição de Lehnert dados mais pormenorizados a respeito da construção de instrumentos, de técnicas de execução vocal e instrumental, de elementos e estruturas da configuração sonora ou de detalhes da coreografia e da arte gestual e cênica. O valor de seus registros reside mais na transmissão da impressão geral causada a um europeu culto e conhecedor de diferentes culturas do uso de diferentes expressões culturais para fins de representação no Sião. Adquirem, assim, sobretudo significado para estudos de diplomacia cultural e do papel da música e da dança no encontro de culturas.

Sob esse aspecto, a sua descrição da apresentação teatral a serviço de uma encenação de função representativa surge como rica em pormenores e altamente expressiva. Toma-se conhecimento que, entre outros convidados europeus e da elite siamesa, nela esteve presente o irmão mais jovem do rei, de apenas doze anos, um menino de bela aparência e alegre. A função social da apresentação se denota no fato de se ter servido chá e charutos aos presentes enquanto a orquestra já dava início à introdução do espetáculo com grande volume sonoro. O autor descreve a entrada, pela direita, de duas dançarinas ricamente trajadas, com faces de côr de safrão e com coroas de ouro pontiagudas.

Descrevendo os seus trajes, menciona que traziam um colete de brocado de sêda vermelha e verde, bordado a ouro, vendo-se, nos ombros, ornamentos com a forma de um pequeno mas largo chifre; nas pernas, até os joelhos, traziam um sarong empregueado e, por cima, um curto avental, de modo que, dos joelhos para baixo, as pernas surgiam nuas. Estavam enfeitadas com pulseiras largas de ouro nos tornozelos e nos braços. Uma dançarina, que representava uma princesa, tinha aos ombros um tecido amarelo em forma de manto; além desse sinal de sua posição privilegiada, trazia dedais de ca. de 15 cm de comprimento, que pareciam garras e que serviam a dar maior expressão aos gestos.

"In der Halle fanden wir bereits die übrigen geladenen Gäste, worunter auch den zwölfjährigen jüngsten Bruder des Königs. Er ist ein hübscher, froh in die Welt blickender Knabe. Während Thee und Cigarren servirt wurden, begann das Orchester die Introduction zur Vorstellung; es gab einen Höllenlärm. Nun erschienen von der rechten Seite her zwei reich gekleidete Tänzerinnen mit saafranfarbigen Gesichtern; auf dem Kopfe trugenn sie funkelnde Goldkronen, die in hohe Spitzen endigten; den Leib umschliß bis zu den Hüften ein Jäckchen aus rothem und grünem goldgestickten Seidenbrocat; über den Schultern saß ein goldener Aufputz in der Gestalt eines kurzen breiten Hornes; um die Neine, und zwar bis zu den Knien war ein enggefalteter Sarong und darüber eine kurze Schürze geschlagen. Von den Knien nach abwärts waren die Tänzerinnen unbekleidet; sie trugen jedoch an den Fuß-und Armgelenken breite Goldreifen und Spangen. Von der Schulter der einen Tänzerin, die eine Prinzessin vorzustellen hatte, wallte ein matelartiges gelbes Tuch herab; azßer diesem Erkennungszeichen ihrer bevorzugten Stellung steckten ihre Finger in 15 Centimeter langen und spitzen Fingerhüten, welche grimmigen Krallen glichen und die Bestimmung hatten, den Geberden mehr Nachdruck zu geben" (op.cit. 715)

As danças, pelo que o observador pôde perceber, eram pantomímicas. O coro das mulheres fazia o acompanhamento, sendo que um cantor recitava as estrofes, guiando-se segundo um livro. O autor comparou-as com as geischas japonesas, pois também essas dançarinas siamesas não movimentavam os pés, mas sim dançavam com a parte superior do corpo, com os braços, mãos e dedos. O pouco que essas dançarinas precisavam dos pés manifestava-se no fato de que uma delas dançava sentada num divan, outra em pé sobre um pedestal. Numa cena posterior os pés passaram a ser usados, mesmo aqui, porém, em medida reduzida.

"Die Tänze waren pantomimisch; der Frauenchor sang hiezu die Begleitung, deren Strophen ein Vorsänger aus einem Buche recitirte. Wie bei den japanischen Geschas spielten auch hier die Füße nicht mit, denn die Damen tanzten mit dem Oberkörper, mit den Armen, Händen und Fingern. Wie wenig die siamesischen Damen zum Tanze der Füße benöthigen, geht daraus hervor, daß eine sogar auf dem Divan sitzend, die andere aber auf einem Flick stehend, mit größtem Eifer tanzte. Bei einer späteren Scene bekamen die Füße übrigens auch etwas Arbeit, aber in sehr gerinem Maße." (loc.cit.)

No decorrer da apresentação surgiram outras jovens ricamente ataviadas e pintadas. Com máscaras de demônios, representavam espíritos maus; as coroas de ouro pontiagudas eram atributos de bons seres.

Como os europeus nada compreendessem do conteúdo das pantomimas, tiveram que se contentar com a apreciação dos movimentos dos dançantes. Algumas delas pareciam ter muita habilidade, mas sentia-se uma contínua repetição de gestos aprendidos. A expressão artística maior parecia residir no movimentar a parte inferior do braço a partir do cotovelo e de encurvar os dedos em direção aos pulsos.

Interessante pareceu ao observador que todas das dançarinas pertenciam ao pessoal da casa do festeiro. Com essa indicação, corrobora a hipótese de que essa sessão festiva presenciada tenha sido realizada no teatro particular registrado por Hildebrandt, cujo texto documenta, como mencionado, os aspectos questionáveis da aquisição desses artistas, em particular das mulheres.

"Im Verlauf der Vorstellung traten noch andere reich costumirte Mädchen auf; sie hatten Dämonen-Masken vor dem Antliße, wodurch im siamesischen Theaterstücke böse Geister dargestellt werden, gerade so wie die spitzen Goldkronen die Attribute der guten Wesen sind. Von dem Gegenstande der Pantomime verstanden wir gar nichts und mußten uns lediglich mit dem Anblicke der Tanzenden begnügen. Einige Tänzerinnen schienen recht gewandt zu sein, aber ihre eingeschulten Geberden kehrten gar zu häufig wieder. Die höchste Leistung scheint in der Kunst zu bestehen, den Unterarm aus dem Ellbogen auszurenken und die Finger unnatürlich gegen das Handgelenk zurückzubiegen. Interessant ist est, daß alle Tänzerinnen dem Haushalte des Festgebers angehörten." (op.cit. 716)

Evidências de internacionalização: banda de música no Sião

Assim como outros viajantes que descreveram recepções na Côrte do Sião no século XIX, também Lehnert registra a presença de bandas de música em diferentes ocasiões oficiais. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Schomburgk-em-Bangkok.html, http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Amizade-Siao-USA.html) O seu relato é, assim, mais um testemunho do papel exercido por bandas militares em cortejos, entradas, recepções e despedidas de estrangeiros no Sião.

A atuação de bandas de música desempenhava uma função importante em país que tanta atenção devotada à representação e à diplomacia, e a execução de hinos e outras peças de significado nacional ou patriótico de nações dos convidados surgia como ato cordial comprovador de respeito e amizade. Essas composições, naturalmente, deveriam para isso ser conhecidas no Sião e delas haver partituras.

O uso de instrumentos musicais ocidentais utilizados por bandas militares de cunho europeu e o seu repertório foi divulgado por mestres militares europeus; nações européias exerciam há muito um papel importante no âmbito das forças militares do país. Ponto de partida histórico do apoio militar ao Sião foi a ação de portugueses em batalhas, no fornecimento de armas e na construção de fortaleza no início do século XVI. Para os viajantes do século XIX, como Lehnert, a banda de música surgia como sinal mais evidente dos elos internacionais do Sião e de sua intenção, apesar de toda a sua fisionomia própria e suas tradições de pertencer a uma comunidade internacional à altura de outras nações.

Para os estudos culturais em contextos globais, a prática da música de banda no Sião o coloca no rol de muitas outras nações extra-européias do século XIX que documentam a introdução e o florescimento da música de banda nas diferentes regiões da terra. Em muitos casos, a pesquisa já revelou os elos que uniam as respectivas bandas aos vários países da Europa, as características do repertório e das práticas instrumentais recebidas, as correntes de difusão e a ação desempenhada pela banda de música na formação de músicos nativos e na criação musical. No Oriente, conhece-se sobretudo a importância da música de banda nos territórios portugueses, em Macau e em Goa. A prática do Sião, porém, indica sobretudo elos com a música de banda na tradição inglesa, sendo inglês o mestre à época da visita do artista alemão Hildebrandt (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Schomburgk-em-Bangkok.html).

O que não se tem considerado devidamente é o fato de já contar o Sião com uma prática musical tradicional com instrumentos de sôpro de metal que desempenhava funções similares àquelas das bandas ocidentais. Essa prática, documentada em pinturas murais, parece indicar recepções mais antigas de práticas militares e cerimoniais do Ocidente. O relato de Lehnert indica que, à sua época, havia uma concomitância das duas práticas, a tradicional ou antiga, e aquela desenvolvida aos moldes contemporâneos da Europa. Também o conjunto antigo, porém, executava hinos nacionais dos países dos visitantes.

O cunho internacional das forças militares siamesas manifestava-se já nos seus uniformes, que demonstravam mescla de diferentes origens e integração de elementos orientais em fantasiosa combinação, dos quais Lehnert oferece expressiva descrição.

A sua referência à música de fanfarra dá-se no contexto em que se refere à entrada do rei na sala de audiências por ocasião da entrega de credenciais do Ritter von Schäffer como representante diplomático do Império Austro-Húngaro. Dois trombonistas, uniformizados, davam os sinais, acompanhados a seguir por um conjunto de pífaros, causando ao europeu uma impressão qualificada como sendo áspera. Os pifaristas tinham uma vestimenta estranha; usavam jalecos curtos e calças de Calico vermelho, capuzes vermelhos com muitas fitas pendentes, o que os faziam semelhantes a bobos ou carnavalistas europeus. Ao lado havia também tambours, que tocavam tambores horizontais seguros à altura da cintura e percutidos de ambos os lados. Quando foram conduzidos pelos ministros à sala de audiências, esse conjunto executou, para a sua surprêsa, o hino do povo austríaco que, apesar da singularidade dos instrumentos, não perdia, segundo o cronista, nada de sua solenidade. Esse hino foi novamente executado após a cerimônia, quando os austríacos deixaram a sala.

"Fanfarentöne verkündeten, daß sich der König in den Audienzsaal begebe. Dieses Zeichen gaben zwei uniformirte Posaunnenbläser, und eine Anzahl von Pfeifern begleitete die Töne, deren Härte dadurch nicht gemildert wurde. Unwillkürlich traten wir an ein Fenster. Im Hofe stand die königliche Leibgarde, vier geschirrte Staats-Elefanten und eine Musikbande. Die Pfeifer hatten einen sehr sonderbaren Anzug; sie trugen kurze Jacken und Beinkleider aus rothem Calico, dann rothe Kapuzen mit vielen herabhängenden Spitzen - also echte Narrenkappen. Nebenan standen ebenso gekleidete Tambours, welche faßartige, auf beiden Seiten zu schlagende Trommeln in horizontaler Lage in der Höhe der Hüften trugen." (op.cit. 719)

No banquete que se seguiu na casa do Ministro do Exterior, os austríacos foram esperados à frente de sua residência por uma banda de música militar que também executou o hino austríaco, que, segundo Lehnert, teria sido bem executado. Durante o jantar, servido à européia, essa banda executou peças populares do repertório europeu, tais como trechos do "Barbeiro de Sevilla", "La belle Heléne", e mesmo o "Danúbio Azul". O repertório de óperas leves, operetas e valsas era, assim, conhecido em determinados círculos no Sião. Essa banda de música usava apenas instrumentos europeus e o nível da execução era surpreendente; os músicos eram siameses e também o mestre era siamês.

"Das Diner wurde europäisch servirt und konnte als tadellos gelten; während desselben spielte die Musikbande wohlbekannte Weisen, unter Anderem den 'Barbier von Sevilla', 'La belle Heléne', dann auch als besondere Aufmerksamkeit für uns 'An der schönen blauen Donau'! Die Musikbande war nur mit europäischen Instrumenten versehen, sie spielte sehr gut, und man konnte es kaum glauben, daß sie sowohl von einem Siamesen dirigirt, als auch aus Siamesen zusammengesetzt sei. Wir hörten ihren Productionen mit jener Andacht zu, die man empfindet, wenn man fast ein Jahr lang keine Musik zu hören bekam." (op.cit. 723)

Instrumentos e práticas de cunho musical em templos budistas

O fundamental significado do Budismo para a Tailândia faz com que a consideração desse país adquira relevância transcendente para os estudos relativos às práticas vocais e instrumentais no Budismo em geral. Deve-se, porém, observar que a Tailândia se vincula na grande maioria de sua população ao Budismo Theravada, difereciando-se sob muitos aspectos de concepções e práticas budistas de muitas outras regiões.


Quando se trata da questão da internacionalização, compreende-se esse processo quase que exclusivamente sob o aspecto de uma ocidentalização. A sua complexidade, porém, vem à consciência quando se constata os elos internacionais entre as várias nações e regiões do próprio Oriente. Em particular a história do Budismo siamês é marcada por viagens de monges à procura de relíquias a longínquas terras, pelos objetos de veneração trazidos dessas regiões e pela assimilação de impulsos externos de variadas origens.


Para além de práticas de entonação de orações, e que vêm sendo há muito estudados em paralelos com práticas ocidentais no âmbito da tradição do Gregoriano, os conventos e templos de Bangkok possuem instrumentos de alto interesse organológico. Entre êles salientam-se o Wat Pho, o Wat Traimit e, sobretudo o Wat Benchamabophit. Este último (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Ecletismo-extra-europeu.html) merece especial menção por possuir, no seu pátio interno, um verdadeiro museu instrumental. Nele podem ser contemplados e estudados instrumentos de percussão de extraordinárias dimensões. Entretanto, esse templo não existia ainda na sua forma e localização atual à época de Lehnert.

Este autor dedicou longos trechos de sua obra aos templos de Bangkok, que, na sua opinião, em brilho e majestade sobrepujavam muitas das mais magníficas igrejas européias e superariam os templos budistas da Índia, China e Japão. Os numerosos templos de Bangkok representariam para êle a única cois que os siameses haviam construído em beleza arquitetônico, ou seja, reuniam em si toda poesia e estética. (op.cit. 672)


O grande número de instrumentos, campânulas, sinos, gongos e tambores das mais variadas formas que se encontram em áreas dos Wats e templos de Bangkok não pode ser adequadamente considerados a partir de concepções marcadas pela tradição sacro-musical do Ocidente ou de fundamentações teológicas relativas à função da música e de instrumentos no culto.

Já a força das práticas devocionais populares de toque de sinos ao passar, de por em funcionamento dispositivos que acione toques, de fazer soar vasos de metal por meio de moedas atiradas, do bimbalhar de campânulas ao vento, indicam que esses os instrumentos não apenas surgem com funções sinalizadoras ou de marcação de tempo, solenidades e de suas partes, mas sim também sugerem práticas que no Ocidente se consideraria como superstição ou expressão de costumes populares. Como tal, apenas podem ser estudados sob uma perspectiva teórico-cultural que considere resultados de observações empíricas. Também aqui, porém, as fontes históricas que transmitem observações de viajantes do passado surgem como de significado, uma vez que esses observadores registraram fatos e tradições que lhes pareceram pitorescas e insólitas, diferentes de sua própria cultura.


Significado do Wat Saket para a organologia

O significado desses relatos do passado se evidencia, no caso de Lehnert, na descrição que oferece do Wat Saket. Esse "Templo da Montanha Dourada", um dos grandes monumentos de Bangkok, adquire particular significado músico-cultural pela grande quantidade de campânulas, sinos e gongs que possui. Os fiéis que sobem os 318 degraus da montanha artificial que levam ao cimo, onde se encontra um Chedi dourado, fazem soar esses instrumentos ou série deles, o que faz com que todo o espaço se encontre constantemente envolto em atmosfera sonora. Essa prática torna-se particularmente impressionante durante festas populares que se realiza anualmente, quando o interior do Chedi pode ser visitado.

O templo, de remotas origens, relacionando-se com rituais de purificação à época da transferência da capital a Bankok daquele que seria o primeiro rei da dinastia Chakri, foi alvo de contínua atenção dos reis que se seguiram. Sob Rama II, quando da renovação dos elos com o Ceilão, plantou-se ali muda da árvore sob a qual Buda iluminou-se. A atual configuração, adquirida sob Rama III, caracteriza-se por uma galeria com pinturas murais; nessa época construiu-se também um pavilhão para músicos. Sob Rama IV, construiu-se a grande montanha artificial com as suas cavernas e nichos. Foi terminado sob Rama V.

Se hoje um dos principais tesouros do templo é a relíquia de Buda encontrada em 1897 na fronteira do Nepal e que foram entregues ao rei do Sião para a distribuição entre as diferentes nações, na época da visita de Lehnert  o templo era conhecido sobretudo por nele situar-se o local de cremação e
deposição de cadáveres. O relato de sua visita é um dos mais expressivos de sua obra, o único em que expõe a sua opinião que, por baixo do manto dourado que envolvia a cultura siamesa, existia ainda pura barbárie. (op.cit. 693)

Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Tailândia-Brasil na Etnomusicologia e no estudo de processos músico-culturais em contextos globais. Música e internacionalização: o caso do Sião segundo observações de um oficial da Marinha de Guerra austríaca.". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 135/10 (2012:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Musica-na-Tailandia.html



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