Amizade com os EUA: Sião. Revista BRASIL-EUROPA 135/7. Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS




Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Museu Nacional Bangkok

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Thai National Museum

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 135/7 (2012:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2848


Thai National Museum


Utilitarismo, amizade à América e americanização em processos internacionalizadores
Um marco histórico: o Presidente U.S. Grant (1822-1885) no reino de Chulalangkorn "O Grande"/Rama V (1853-1910)


Ciclo de estudos Tailândia/Brasil da A.B.E.. Museu Nacional, Bangkok

 

A Tailândia merece particular atenção na história cultural das relações internacionais por diversas razões. Uma delas reside no fato de ter conseguido manter a sua independência em época marcada pelo colonialismo europeu no Sudeste da Ásia do século XIX. Embora com perdas territoriais, permaneceu país emancipado e respeitado, de significado político internacional como reino intermediário entre esferas de interesses colonias, sobretudo entre a esfera britânica dos Estreitos de Malaca e a francesa da Indochina. Com Portugal, as suas relações eram já seculares e positivas, sendo ainda solidificadas com um Tratado de Amizade e Comércio e Navegação. A consideração de processos internacionalizadores na Tailândia na dinâmica de relações entre a tradição e a inovação adquire significado que transcende os estudos regionais, podendo abrir perspectivas para o aprofundamento de programas atuais de fomento da internacionalização da ciência, também relativamente ao Brasil. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Sudeste-da-Asia-Brasil.html)

Uma das explicações do sucesso do antigo Sião no cenário mundial do século do Imperialismo deve ser procurada na esfera da diplomacia cultural. Foi um país que tornou-se conhecido internacionalmente pelo significado extraordinário que concedia ao ceremonial, às expressões culturais, à hospitalidade, a valores humanos de cordialidade, cortesia e amabilidade na recepção e no tratamento de representantes estrangeiros.

Essa atenção à diplomacia no reino do Sião do século XIX era certamente resultado da sua própria cultura, já se manifestando nos primeiros contatos que os siameses tiveram com os portugueses, em 1511. Ao mesmo tempo, foi uma decorrência da afirmação nacional, regional e internacional do novo reino centralizado em Bangkok, marcado pela memória do passado de Ayutthaya e pelo intuito de fazê-lo ressurgir. (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Portugueses-no-Siao.html)

O Sião procurou o contato com outros países, do Oriente e da Europa, abrindo-se à cultura ocidental, enviando jovens para estudos nos grandes centros universitários do Velho Mundo, sem, porém, deixar de cultivar um passado que surgia resplandescente à luz da memória.

A imagem do Sião na Europa foi marcada não apenas pela admiração pelo papel concedido às expressões culturais, mas sim também pelo respeito que inspirava a procura de saber e conhecimentos de seus representantes e a cordialidade no trato.

Das nações extra-européias, o Brasil do Segundo Império surge como uma das poucas que podem ser comparadas ao Sião quanto ao respeito granjeado pela cultura, dignidade, seriedade e mesmo filosofia de seus soberanos. Não é descabido, neste sentido, traçar-se um paralelo entre Pedro II° e soberanos do Sião, em particular Chulalongkorn ou Rama V° (1853-1910), ainda que no primeiro caso se tratasse de um soberano de país democrático parlamentar, no segundo de um rei de poderes absolutos. A imagem que o imperador brasileiro havia oferecido como modêlo de soberano erudito e filósofo de país exótico e tropical até fins da década de 80 teve um singular prolongamento naquela que Rama V° criou nas suas viagens realizadas na Europa pela passagem do século.

Há um outro aspecto que justifica tais aproximações: o do aumento de interesse e da intensificação da amizade aos Estados Unidos constatável tanto nas últimas décadas do Império brasileiro como no reino do Sião. A consideração comparada de fatos e ocorrências nos dois contextos pode aguçar a percepção para processos globais que fundamentaram desenvolvimentos americanizadores no mundo. No caso da Tailândia, a necessidade de estudos a respeito das razões históricas do processo americanizador se evidencia pelo cunho americano de muitas de suas expressões culturais do presente.


Rei Chulalongkorn, "o Grande": Rama V

Filho mais velho do rei Mongkut ou Rama IV (1804-1869), Rama V herdou do pai o interesse pelos estudos e pelas ciências, pelo conhecimento da cultura de outras nações ao lado da própria história e das tradições do Sião. Dele herdou também a atenção às relações diplomáticas.

Chulalongkorn subiu ao trono em 1868, com apenas quinze anos; até 1873, o govêrno ficou nas mãos de um regente. O primeiros anos de reinado foram marcados por progressos quanto a questões da escravatura - que seria abolida totalmente apenas em 1905 -, pela extinção da prática da prostração perante o rei, pela permissão a que funcionários do Govêrno opinassem por escrito, por reformas de ensino e pela construção de canais.

Como o seu pai, dedicou-se a questões culturais e, ao mesmo tempo, ao cultivo e ao melhoramento das relações com o Exterior e à própria cultura. Se o seu pai havia escrito um livro sobre o Buda esmeralda, de tanto significado simbólico para a dinastia, Rama V dedicou-se à ampliação do Wat Phra Kaeo, o templo de orações dos reis e que abriga a preciosa imagem.

Ainda muito jovem, em 1870, visitou Java, então sob o domínio dos Países Baixos e, a seguir, a Índia, acompanhado pelo Consul britânico Thomas George Knox (1824-1887). Deu continuidade, assim, a elos já criados pelo seu pai, sobretudo com o mundo britânico. Ao retornar, e com o término da Regência, instituiu um Conselho de Estado e um Conselho Particular para a melhor administração do país. Durante o seu reinado (1882) celebrou-se o Centenário da dinastia Chakri , marcado por grandes cerimônias e que contribuiram ao fortalecimento da imagem do Sião como país de tradições e, ao mesmo tempo, aberto ao Exterior.

A intensificação dos empreendimentos imperiais das potências européias obrigaram a medidas de fortalecimento do país para a sua própria proteção através de elos políticos com outros países vizinhos e medidas estratégicas de integração e desenvolvimento nacional, sobretudo através de estradas de ferro.

A atenção dedicada por Rama V à educação e ao conhecimento da cultura de outras nações na formação da juventude manifestou-se sobretudo no fomento do estudo de siameses em países europeus, principalmente na Grã-Bretanha e na Alemanha. Assim, um de seus filhos, o Príncipe Ratburi (Ratchaburidirekruet), após ter realizado estudos em Oxford, passou ocupou um cargo de Ministro, em 1897. Outro de seus filhos, o Príncipe Rangsit de Chainda, estudou em Heidelberg nos anos que antecederam à Primeira Guerra, casando-se com uma alemã.

Rama V fêz duas viagens à Europa, em 1897 e 1907, e que foram em parte documentadas em filmes. Durante essas viagens, Rama V estabeleceu contatos com casas reais e personalidades da cultura e das ciências da Europa.

Presença missionária americana no Sião: utilidade das contribuições

Um dos aspectos da história diplomático-cultural que merece particular atenção neste contexto é o do relacionamento do Sião com o continente americano.

Na história colonial do Oriente, em particular do Sudeste da Ásia, o Sião, que fora marcado historicamente por relações conflitantes com os seus vizinhos, inseria-se em contexto em que há séculos interviram sobretudo portugueses, espanhóis, holandeses e, posteriormente, sobretudo franceses e inglêses. O desenvolvimento de relações com países já emancipados dos poderes coloniais do Novo Mundo no século XIX representou uma nova situação. Para o Brasil, se pela sua formação histórica assume particular interesse a história das relações do Sião com Portugal, como país do continente americano exige que sejam consideradas com especial atenção também as relações entre o Sião e os Estados Unidos.

Na história desses contatos não se pode esquecer a ação desenvolvida por missionários protestantes americanos em Bangkok. Ainda que o Sião não tenha sido marcado confessionalmente de tal forma pelos missionários como o Hawai - o que favoreceu a perda de sua autonomia e anexação (vide http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Sentimentalismo-norteamericano.html) - lucrou com as atividades de utilidade prática exercidas pelos missionários. Também as mulheres de missionários dedicaram-se ao ensino da escrita e da leitura, assim como o de prendas domésticas a meninas.

O rei Rama IV manteve convívio com missionários, entre êles Dan Beach Bradley (1804-1873), que se fêz respeitado sobretudo pelo fato de ter transmitido conhecimentos úteis, sobretudo medicinais e de imprensa.

Bradley estudou medicina no College of Physicians and Surgeons em New Yortk, doutorando-se em 1833. Um ano antes, foi admitido como médico-missionário pelo American Board of Commissioners for Foreign Missions. Juntamente com um grupo de outros missionários dessa organização e batistas, viajou ao Sião, em 1834.

Durante a sua estadia em Singapura, adquiriu uma máquina impressora e tipos siameses desenvolvidos por Ann Hasseltine Judson e George H. Hough (1817), com a qual imprimiu panfletos e traduções de textos bíblicos. A partir de 1835, passou a desenvolver intensa atividade assistencial em Bangkog, onde já em 1837 realizou a primeira operação. Por defender posições teológicas não aceitas pelo American Board of Commissioners for Foreign Missions, teve que retornar à America, em 1848. Passando a atuar na American Missionary Association, retornou a Bangkok em 1849/50.

Embora sem sucesso nas suas atividades de propagação do Cristianismo, Dan Beach Bradley entrou assim na história cultural da Tailândia pelo trabalho de assistência médica que desenvolveu com a introdução da medicina ocidental no país, sobretudo pelas vacinações que procedeu, e pelo fato de ter estabelecido a impressão no país. Foi essa imprensa que serviu ao rei para publicar decreto contra o ópio como primeiro documento impresso do Sião -, e por ter possibilitado a edição do Bangkok Recorder, o primeiro jornal do Sião, e do Almanach Bangkok Calendar. Bradley foi também representante consular, atuando como conselheiro dos reis Rama IV e de seu filho Rama V.

Rainha do Sião
Um ex-Presidente dos EUA no Sião: Ulysses Simpson Grant (1822-1885)

Do ponto de vista da história cultural, há um relato de viagem, hoje pouco lembrado, que oferece significativos subsídios para estudos das relações entre o Sião e os Estados Unidos.

Trata-se da descrição da viagem ao redor do mundo do General Grant, organizada e editada a partir de notícias de John Russell Young, correspondente do New York Herald e que acompanhara Grant nas suas viagens (J. F. Packard, Grant's Tour Around the World, San Francisco: S. W. Dunn, 1880)

O renome de Grant no Sião fundamentou-se no conhecimento dos seus feitos militares como General durante a Guerra de Secessão. Foi Presidente dos Estados Unidos (1869-1877) no período de subida de Rama V ao trono, o que torna compreensível a admiração que a êle devotava esse monarca. Após o seu segundo período de presidência, Grant realizou a sua viagem de dois anos pelo mundo, visitando vários países da Europa e do Extremo Oriente.

A visita do Sião pelo General Grant não estava
incluida nos planos da viagem, tendo-se resolvido lá ir durante a estadia em Singapura. O país situava-se fora do caminho da China e nenhum dos participantes tinha especial interesse no Sião. Os conhecimentos a respeito desse país eram parcos. Os participantes da expedição tinham sobretudo saudades da pátria, desejando voltar tão rapidamente quanto possível a São Francisco. Entretanto, em Singapura, encontraram mercadores e autoridades que haviam estado no Sião e que salientaram ser uma viagem ao redor do mundo incompleta sem ter-se conhecido esse país. Além do mais, ao chegar a Singapura, o General Grant recebeu uma carta do rei de Sião, convidando-o a visitar o seu pais. Essa carta representa um significativo documento histórico, pois testemunha o respeito que o presidente americano e os sentimentos de amizade para com os Estados Unidos já existentes no Sião.

O Grande Palácio, Bangkok, 4 de fevereiro de 1879.

Prezado Senhor: - Tendo ouvido de meu Ministro de Relações Exteriores, através da autoridade do Cônsul dos Estados Unidos, que o Sr. está sendo esperado em Singapura no seu caminho a Bangkok,  peço-lhe para expressar o prazer que teria em travar conhecimento com a sua pessoa. Possivelmente o Sr. chegará a Bangkok durante a minha ausência, estando na minha residência de campo, Bang Pa In. Nesse caso, um barco será colocado à sua disposição para trazê-lo a mim. Peço-lhe para comunicar a sua chegada à Sua Excelência, o meu Ministro de Relações Exteriores, que preparará para o Sr. recepção e entretenimento. Seu, muito sinceramente, Chulahlongkorn, R.S.

A decisão de visitar o Sião foi facilitada pelo fato do General Grant receber a noticia da chegada do navio norteamericano Richmond a Singapura dentro de algum tempo. Para a
população com saudades de compatriotas, essa notícia foi vista como uma compensação ao prolongamento da viagem.

Declaração de amizade nas boas-vindas reais ao Sião

A chegada ao Sião, com chuvas, foi marcada por dificuldades e esperas. Após subirem ao yacht real, porém, a estadia revelou-se como uma série ininterrupta de experiências positivas e fascinantes.

Para saudá-lo, o rei enviou-lhe uma carta que representa também documento de significado para os estudos de relações internacionais sob o signo da amizade com os Estados Unidos.

O Grande Palácio, Bangkok, 11 de abril de 1879

Senhor: - Tenho grande prazer em dar-lhe as boas vindas ao Sião. Estou informado que lhe daria satisfação que a nossa recepção fosse privada; mas o Sr. deve permitir que lhe mostre, tanto que possa, a grande estima que tenho pelo cidadão mais eminente da grande nação que tem sido tão amiga para o Sião, e tão gentil e justa no seu intercurso com as nações do Extremo Oriente.

Para que o Sr. esteja próximo de mim durante a sua estadia, pedi a meu irmão, a sua A.R. o Príncipe Celestial Bhanurangsi Swangwogse, de preparar acomodações para o Sr. e sua comitiva no Palácio Saranrom, próximo a meu palácio, e convido-o da forma mais cordial a ali tomar moradia; o meu irmão a mim representará como o seu hospedeiro. O seu amigo, Chulahlongkorn, R.S.

O Sião visto por americanos - similaridades com a Flórida e a Louisiana

O primeiro ponto de parada da comitiva americana foi Paknam, uma estada que durou apenas o suficiente para enviar o despacho ao rei dizendo que o General havia chegado e que se encontrava a caminho de Bangkog.

Na crônica, Paknam é descrito como sendo um pequeno grupo de cabanas ou de casas de bambu construidas em palafitas no Menaam, tendo, à frente, uma pequena ilha com um pagode, no qual se guardavam cinzas de um dos mais antigos reis do Sião. Os americanos viram, nessa paisagem, similaridades com a da Flórida ou algumas baías da Louisiana.

O relato da estadia de Grant em Bangkok oferece uma visão do tratamento privilegiado que o govêrno do Sião dava aos representantes diplomáticos. O reino providenciava casas para os cônsules estrangeiros, todas de fronte ao rio, com grandes áreas ajardinadas, com estrados e hastes para bandeiras.

As gôndolas reais conduziram os visitantes primeiramente ao consulado americano, levando-os a seguir à casa da Côrte internacional. A visão que os americanos tiveram da cidade era a de ser esta composta de duas partes, com casas ladeando as duas margens do rio. Embora a população fosse estimada em ca. de meio milhão de pessoas, acreditavam que já fosse muito maior dada a intensidade da imigração dos anos recentes.

A impressão dada por Bangkok aos americanos correspondia à difundida imagem de uma "Veneza do Oriente" (Vide http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Veneza-do-Oriente.html). Tal como Veneza, Bangkok era marcada por intenso tráfego de gôndolas de todos os tipos. Por detrás da densa quantidade de barcas e casas viam-se as torres da cidade, sobretudo a do grande pagode, que se elevava como uma massa de mosaicos, com o elefante de três cabeças consagrado ao Sião.

A crônica da viagem de Grant registra pormenores de interesse histórico-cultural a respeito da prática de navegação. Assim, menciona que os remadores acompanhavam-se com gritos curtos de "Wah, wah, wah"; os barcos que eram remados mais vagarosamente levavam monges trajados em amarelo. Os americanos registraram a presença chinesa no comércio: as casas flutuantes, de palafita, eram em grande parte ocupadas por mercadores chineses que ali vendiam as suas mercadorias fumando pequenos cachimbos, provavelmente de ópio; todas elas possuiam uma inscrição em papel pintado, uma lenda, um provérbio ou uma saudação.

A crônica oferece também uma descrição das impressões que os americanos tiveram da casa do Ministro do Exterior e do Segundo Rei, que recebera de Rama IV o nome de George Washington em sinal de sua admiração pelos americanos.

Músíca americana em Bangkok

Particular interesse assume o relato das cerimônias realizadas para a recepção da comitiva americana na cidade real. Para além da apresentação de armas, com a cavalaria em linha, a música militar no Sião desempenhou importante papel. Assim, os americanos foram recebidos pelo "Hail Columbia", executado pela banda de música. A existência da banda explicava-se sobretudo pela atuação de militares inglêses na Marinha siamesa. Havia, porém, uma outra corporação que se fêz ouvir após as homenages da artilharia e das salvas de canhão. Também essa banda executou uma melodia nacional americana.

No dia após a chegada, houve uma visita ao ex-regente do reino, uma personalidade de grande influência e autoridade no reino, conselheiro e amigo do último rei, então Conselheiro de Estado e governador de várias províncias. Teria sido êle o principal responsável pelo acolhimento extraordinariamente favorável do General Grant por Rama V.

A viagem ao regente foi feita em botes de feição veneziana. O regente fêz-se acompanhar por um americano que vivia já há muitos anos no Sião e que conhecia perfeitamente o idioma. Também aqui houve apresentação de armas e a execução do "Star-Spangled Banner" por uma banda, sendo esta a primeira vez que o General Grant ouviu essa melodia no Oriente. Todas as outras bandas partiam da idéia de que o hino nacional americano seria o "Hail Columbia". (op.cit. 665)


Introspecção no cerimonial e informalidade americana: razões da amizade

Descrevendo a cerímônia, o cronista salienta que uma audiência com um príncipe oriental representava um ato solene e sério. Lembrava ao cronista algo como um encontro de amigos que conhecia de Filadelfia no passado, quando os participantes meditavam e "esperavam o sôpro do Espírito Santo".

A imagem do siamês obtida pelos americanos foi a de uma pessoa grave; honrava os visitantes falando vagarosamente, dizendo pouco, e fazendo pausas entre as frases. O falar rápido e superficial, assim como uma conversação alegre e fácil era vista como ofensiva. Após terem tomado lugar, serviçais trouxeram chá em pequenas xícaras chinesas, de sabor delicado e puro; trouxeram também charutos, e entre o tabaco um cigarro envolvido com uma folha de banana, um melhoramento do tabaco que, segundo o cronista, poderia ser muito bem aceito nos Estados Unidos. No Sião podia-se fumar em todo lugar e na presença de todos, com exceção da do rei.

O regente, após meditar algo, expôs a sua grande satisfação em ver o General Grand no Sião. Êle conhecia e valorizava a amizade com os Estados Unidos, assim como os conselhos e os empreendimentos de americanos que ali viviam.

O General salientou o valor para o Sião e para todos os países do Oriente que teria uma intensificação das relações comerciais com o Exterior. O regente respondeu-lhe nos seguintes termos, pronunciando as palavras de forma solene, como uma pregação em serviço religioso:

"O Sião é um país peculiar. Está fora do convívio e da comunhão com as grandes nações. Não se encontra numa das mais importantes vias de comércio. O seu povo não gosta de guerras ou é agressivo. Não tem vontade de participar de conflitos e guerras de outras nações. Existe para a amizade com as grandes potências. A minha política tem sido sempre a de cultivar essa amizade, de nada fazer que possa ofender nenhuma potência estrangeira, de evitar controvérsias ou pretextos para intervenção, fazendo todo o tipo de concessão. Isso pode parecer timidez, mas é política. O Sião por si nada pode fazer contra as grandes potências. Êle valoriza a sua independência e as suas instituições e a posição que mantêm; assim, está sempre pronto em encontrar outras nações em espírito de amizade. Mas as nações estrangeiras também não podem esperar demasiado do Sião, nem ser impacientes com êle pelo fato de não adotar as suas idéias com a suficiente rapidez. O Sião tem as suas próprias idéias, e elas chegaram à presente geração de muitas outras gerações. O que eu valorizo nas relações do Sião com a América é o invariável senso de justiça por parte da América, e como as esperanças do Sião restam totalmente na boa vontade de potências estrangeiras, êle volta-se especialmente à América." (op. cit. pág. 667)

Audiência real, busto de Grant no palácio e retribuição de visita

A audiência com o rei deu-se no dia 14 de abril, às três horas da tarde, no Grande Palácio. Embora residindo em edifício situado na cidade real, a comitiva americana dirigiu-se para o palácio em sete carruagens. Após passarem por templos, shrines, pavilhões e mansões, chegaram à porta de um edifício modesto onde se deu a audiência. Também aqui, no pátio, uma banda executou uma melodia nacional americana. A crônica oferece uma rara descrição da sala de audiências do palácio.

"O saguão de audiências é composto por dois salões amplos, decorados profusamente, que não estariam fora de lugar em nenhum outro palácio. As decorações são francesas e lembram o Louvre. No primeiro hall há uma série de bustos de soberanos e presidentes de nações contemporâneas. O lugar de honra é dado ao busto do General Grand, uma obra de arte em bronze escuro, que não apresenta muita semelhança com o General, parecendo ter sido feita por um artista francês ou inglês a partir de fotografias. Daqui o rei passou a uma sala menor, mobiliada belamente em setim amarela. Aqui, o rei tomou lugar no sofá, com a Sra. Grant e o General de cada lado, os membros da comitiva em cadeiras próximas a êle, oficiais da Côrte ao fundo, em pé, e serviçais às portas, em atitudes de submissão. O rei é um jovem, ativo e nervoso nos seus movimentos, com olhos grandes, claros, negros, que movem-se sem parar de um lado para o outro, enquando fala, parecendo que os seus dedos inconscientemente marcam compassos musical. (...) Tudo ao redor do rei expressava uma inteligência elevada e rápida e toda a audiência era formal, e a conversação não foi além de palavras de cortesia e boas vindas do rei ao General e à sua comitiva; êle dava a impressão de um homem resoluto e capaz (...)" (op. cit. págs. 669-670)

No dia seguinte, a visita foi retribuida pelo rei, que procurou-o no Palácio de Saranrom. Esta era uma honra não usual, e todo o espaço em frente ao palácio estava cheio de curiosos, siameses e chineses, apesar da chuva. Também aqui, após a chegada da guarda, apresentou-se uma banda de música.

O rei, após uma pausa, disse que a visita do General Grant era especialmente agradável pelo fato do Sião estar em obrigação para com os Estados Unidos. O Sião via nos EUA não apenas uma grande, mas também uma potência amiga, que não olhava o Oriente com intuitos de engrandecimento, e que estava sempre pronta a dar conselhos. Mais do que isso, a influência da maior parte dos americanos que tinham vindo ao Sião tinha sido boa, e aqueles que estiveram a serviço do Govêrno tinham sido de valor. Os esforços dos missionários em espalhar conhecimentos de artes e ciências, de técnicas e medicina eram consideráveis. O rei tinha o prazer de dizer isso pessoalmente àquele que havia sido o magistrado maximo do povo americano. (op.cit. pág. 672)

O General Grant respondeu dizendo que a política dos Estados Unidos era da não-intervenção em tudo o que dizia respeito aos negócios internos de outras nações. Esta era uma política que se tornara tradicional e a experiência confirmava a sua sabedoria. O país precisava de todas as energias do seu próprio povo para o seu desenvolvimento, e o seu único interesse no Oriente era o que poderia beneficiar o seu povo, sobretudo abrindo mercados para manufaturas americanas.O General, nas suas viagens pela India, tinha registrado com prazer o interesse para produtos americanos, e, ainda que o mercado era ainda pequeno, sentia que viria ser grande.  Nada lhe daria maior prazer do que ver o Sião envolvido nesse comércio. Acima disso, não havia desejos por parte do governo americano de exercer influência no Oriente.

Manifestação mútua de elos de amizade - Cordialidade siamesa e norteamericana

Também durante o jantar solene oferecido pelo rei, duas bandas de música estavam presentes, uma para música siamesa, outra para música ocidental. O jantar foi longo, elaborado e em estilo europeu, com exceção de pratos condimentados segundo o costume da terral.

O pronunciamento proferido pelo rei salientou mais uma vez os efeitos benéficos dos ensinamentos práticos dos americanos como base de relações de amizade:

"Eu peço que aceitem a expressão do meu prazer que senti em recebir como meu convidado um presidente dos Estados Unidos da América. O Sião recebeu por muitos anos grandes vantagens da América, cujos cidadãos introduziram no meu reino muitas artes e ciencias, muitos conhecimentos médicos e muitos livros valiosos, para grande vantagem do meu reino. Mesmo antes de nossos países terem fechado um tratado de aliança, cidadãos da América aqui vieram e trouxeram-nos benefícios. Desde então as nossas relações se desenvolveram, e para a grande vantagem do Sião, recentemente esse aumento ainda foi mais marcante. Assim é natural que estivemos muito gratos pela visita a nos feita por um presidente dos EUA. General Grand tem grande fama, que também alcançou o Sião, sendo conhecido aqui já há muitos anos. Como um verdadeiro soldado viu a glória de lider na guerra e, posteriormente, aceitou o cargo de presidente. (...) É uma grande satisfação para todos encontrar um homem tão eminente, tanto no governo da guerra como na paz. Nós o vemos e estamos encantados pelos seus modos educados e estamos certos que a sua visita inaugurará relações pacíficas com os Estados Unidos ainda mais estreitas do que antes, e de caráter altamente duradouro. Assim eu peço a todos que bebamos pela saúde do General Grant, desenjando-lhe todas as benções." (op. cit. 674)

A crônica também registrou as palavras do General Grant, que, entre outros votos, expressa o desejo de um maior intercâmbio acadêmico;  jovens siameses deveriam estudar nas universidades americanas como até então o faziam na Europa.

"Sua Magestade, Senhoras e Senhores: Estou muito grato a S. M. pela forma gentil e cortês com que fui bem-vindo no Sião. Tenho a satisfação de ter tido a sorte de visitar este país e de agradecer a S. M. em pessoa pelas cartas convidando-me ao Sião e para ver com os meus próprios olhos o seu país e o seu povo. Sinto que teria sido uma desgraça se o programa da minha viagem não tivesse incluido o Sião. Estou agora ausente do meu país há quase dois anos, e durante este tempo vi quase que todas as capitais e cidades maiores na Europa, assim como as principais cidades da India, Burma e da Peninsula Malaia. Não vi nada que mais me interessou do que o Sião, e todo o momento da minha visita aqui tem sido agradável e instrutivo. Sou muito grato por todas as atenções que tenho recebido de S. M., dos príncipes e membros do Govêrno siamês e do povo em geral. Eu as recebo não pessoalmente para mim próprio, mas como um sinal de uma amizade sentida para com o meu país por S. M. e pelo povo do Sião. Fico feliz em constatar esse sentimento, porque creio que os melhores interesses de dois países não podem ser mais beneficiados do que pelo estabelecimento de relações cordiais. No meu retorno à América, farei o que puder para cimentar essas relações. Espero que na América possamos ver mais dos siameses; que possamos ter embaixadas e relações diplomáticas; que o nosso comércio e manufaturas possam crescer com o Sião; e que os seus jovens visitem o nosso país e os nossos colégios como agora o fazem na Alemanha e na Inglaterra. Posso assegurar a eles a recepção mais gentil, e sinto que as visitas serão interessantes e vantajosas. Agradeço de novo a V. M. pela hospitalidade esplêndida que tem sido demonstrada para mim e minha companhia, desejo que o seu reinado seja feliz e prospero, e que o Sião continue a avançar nas artes da civilização."

O toast foi feito com cheers, tendo a banda tocado o hino nacional do Sião. O rei liderou o caminho à câmara superior de audiência, o salão das estátuas. Aqui houve longa conversa entre o rei e o General e vários membros da comitiva. A Sra. Grant, na sala interna, encontrou-se com a rainha, que não tinha estado à mesa.

No seu trato com o General, o rei mostrou-se caloroso. Ele esta orgulhoso de ter travado conhecimento do General e queria conhecer mais do povo americano. Desejava que americanos soubessem que era um amigo do seu país. Esperava que o General, ao retornar aos EUA, escrevesse a êle e permitisse que fosse seu amigo e correspondente. O General afirmou que sempre se recordaria de sua visita ao Sião; que escreveria ao rei, sempre receberia dele noticias com prazer e permaneceria com satisfação a seu serviço. (op.cit. 676-677)


Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Utilitarismo, amizade à América e americanização em processos internacionalizadores. Um marco histórico: o Presidente U.S. Grant (1822-1885) no reino de Chulalangkorn "O Grande"/Rama V (1853-1910).". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 135/7 (2012:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Amizade-Siao-USA.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.