Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Hellesylt. Foto A.A.Bispo 2012 ©

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Hellesylt. Foto A.A.Bispo 2012 ©

Fotos A.A.Bispo,Hellesylt. 2012 ©Arquivo A.B.E.
No texto:
órgão da igreja de
Nossa Senhora em Trondheim, catedral de Oslo e busto de Thomsen in Tromso.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 139/2 (2012:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2920


A.B.E.


Momentos do desenvolvimento das reflexões Brasil/Noruega:
Música e Nacionalismo nas suas inserções românticas a partir de Alberto Nepomuceno (1864-1920) I:

Aproximações ao movimento Bach e litúrgico protestante alemão
Heinrich von Herzogenberg (1843-1900) e Christian Capellen (1845-1916)



30 anos de encontro-audição dedicado a Alberto Nepomuceno no Conservatório da Cidade de Colonia/Escola de Música da Renânia
pelos cem anos de Heinrich Lindlar (1912-2009). Reflexões em Hellesylt, Møre og Romsdal, sugestiva pela sua atmosfera romântica

 
Alberto Nepomuceno
O primeiro nome que vem à consciência daquele que considere elos culturais entre a Noruega e o Brasil é o de Alberto Nepomuceno (1864-1920), pianista, organista, professor, regente e compositor cearense que ocupa relevante posição na historiografia da música no Brasil. (http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Luzes-nordicas.html)

Tendo conhecido a pianista norueguesa Walborg Rendtler Harmanssen Bang durante aulas de aperfeiçoamento em Viena, em 1891, com ela se casou em Christiania, a atual Oslo, em 1893.

Através da sua esposa, que havia sido discípula de Edvard Grieg (1843-1907), manteve estreitas relações com este compositor, que o hospedou na sua casa Troldhaugen, próxima de Bergen, e que hoje abriga o Museu Grieg. Ali compôs a sua Suite Antique (Prélude, Air, Menuet, Rigaudon), executada em encontro ali realizado e impressa em Christiana (casa Brödene Halls), assim como uma Valse-Impromptu para piano solo.

Na Noruega, Nepomuceno, que havia sido nomeado a professor de órgão do recém-criado Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, desenvolveu estudos com o organista da catedral de Christiania Cristian Cappelen (1845-1916).

Nepomuceno e Walborg Bang constituiram, com os seus filhos Eiving, Sigurd, Sigrid e Astrid a família norueguesa-brasileira mais conhecida nos meios musicais e artísticos do Brasil, tendo sido perenizada em quadro do pintor Elisio Visconti (1866-1944). (Veja Sérgio Alvim Correa, Alberto Nepomuceno: Catálogo Geral, Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional de Música/Projeto Memória Musical Brasileira 1985)

Já os nomes nórdicos de seus filhos manifestam os íntimos elos de Nepomuceno com o país da sua esposa. Esta alcançou renome como pianista no Brasil, dedicando-se em particular à divulgação da obra de Grieg e de J. Brahms (1833-1897). Uma consideração mais aprofundada desta pianista norueguesa no Brasil e do papel por ela exercido no direcionamento da vida de Nepomuceno e nas suas concepções e obra apresenta-se porém como tarefa ainda a ser cumprida por uma História da Música em contextos internacionais sensível a questões de Gênero. 

Em 1900, na sua segunda viagem à Europa, não podendo cumprir os seus objetivos por motivos de doença, foi singularmente na Noruega que Nepomuceno procurou convalescer, o que representa mais um testemunho dos especiais elos humanos e de afeto que o uniam àquele país.

Os elos de Nepomuceno com a cultura norueguesa decorreram em época decisiva da intensificação do movimento nacional da Noruega, país que se encontrava ainda em União Pessoal com a Suécia. É compreensível, assim, que na historiografia sejam salientados os impulsos recebidos por Nepomuceno de Grieg relativamente à valorização de expressões tradicionais populares a serviço de uma criação musical de expressão nacional. O significado dessas relações não pode ser de fato suficientemente salientado, pois estabelecem pontes entre o movimento nacional na Noruega e desenvolvimentos culturais no Brasil. É justamente pelas suas composições de orientação nacional que Nepomuceno passou a ter o seu significado salientado na historiografia nacionalista do Brasil dos anos 20 e 30 e que estabeleceu critérios de apreciação que se mantiveram em décadas posteriores.

"Alberto Nepomuceno marcou com fulgot o seu lugar na história da nossa música. Perdurará a sua obra pelo seu significado brasileiro, pelo que contém de original e pela busca de novos caminhos através das fontes do canto nativo. As suas páginas de sentido brasileiro, as suas canções de sabor nativo, a sua inspiração na terra, tudo com que procurou abrasileirar a nossa música foi uma contribuição do mais alto alcance para a arte nacional, de que foi um dos primeiros realizadores. Já se viu que não concebeu a forma própria e pessoal para nela moldar uma obra brasileira, mas nem por isso o seu esfôrço se desmerece nas contingências do tempo e do seu espírito criador. Sentiu, dentre os primeiros, a magia dessa deusa dos trópicos, sensual, ardente e melancólica, e foi seu fiel enamorado." (Renato Almeida, História da Música Brasileira 2a. ed. Rio de Janeiro: Briguiet 1942, 435)

Tem-se procurado evitar que se estabeleça uma relação causal entre as aspirações músico-nacionais de Grieg e de Nepomuceno, salientando-se ter este já anteriormente, em Fortaleza, criado em 1887 e executado, em 1888, a sua Dança de negros, para piano, composição que assume um significado emblemático em anos marcados pela emancipação dos escravos e que se voltaria a ser utilizada como o Batuque da Suíte Brasileira, obra considerada como "marco inicial da orientação nacionalista". (Luís Heitor Correa de Azevedo, cit. in Dulce Martins Lamas, "Nepomuceno: Sua posição nacionalista na música brasileira", Revista Brasileira de Folclore IV/8-10, 1964, 13-27)

Já o fato de ter Nepomuceno composto em Troldhaugen uma Suite Antique e ter estudado órgão em Christiania traz à consciência que a consideração de sua vida, obra e de seus elos com a Noruega exclusivamente sob uma ótica nacionalista representa um insustentável reducionismo.

A necessidade de maior atenção diferenciadora de situações e desenvolvimentos relacionados com Nepomuceno levou a um primeiro ciclo de estudos realizado na Noruega, em 1983, quando também foi visitado o Museu Grieg na casa Troldhaugen.

Consciência de problemas teóricos de enfoques e perspectivações nacionalistas

Os esforços de atualização teórica dos estudos de História da Música no Brasil foram marcados na década de setenta pela discussão acerca da necessidade de revisões de perspectivas, argumentos e valorações de uma historiografia musical marcada pelo nacionalismo e que se perpetuavam de forma nem sempre refletida na pesquisa musical. Essa discussão desenvolveu-se com a criação do Centro de Pesquisas em Musicologia da sociedade que procurava uma renovação dos estudos culturais através de um direcionamento da atenção a processos e que constitui hoje a Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais.

A convicção de que a música no Brasil apenas passava a merecer mais propriamente a qualificação de brasileira a partir da obra de compositores que utilizaram-se de elementos do patrimônio tradicional popular ou nele se inspiraram levava a uma desvalorização de todo um passado musical, surgindo a própria obra de compositores de extraordinária projeção e significado sob a mácula de atitudes e procedimentos de emulação de correntes européias. (A.A.Bispo, "O século XIX na pesquisa histórico-musical brasileira: Necessidade de sua reconsideração". Latin American Music Review (The University of Texas) 2/1 (1981), 130-142)

Reconheceu-se que Nepomuceno foi um dos muitos exemplos que testemunhavam os estreitos elos entre contextos brasileiros e europeus no desenvolvimento das aspirações relativas à criação de uma linguagem musical de características e expressão nacional, o que demonstrava a artificialidade de visões e argumentos de correntes de pensamento de orientação nacionalista.

O desenvolvimento das pesquisas revelava já há muito paralelos e elos entre a criação de exponentes vultos da história da composição musical no Brasil e desenvolvimentos em outros países americanos e europeus.

Questões de revitalização de perspectivas nacionalistas na música religiosa

O problema teórico reconhecido reagravou-se com o desenvolvimento da música religiosa do período pós-conciliar que, com a intenção de possibilitar uma maior participação ativa do povo na liturgia, levou em muitos casos a uma retomada de posições e anelos que haviam caracterizado o pensamento nacionalista do passado. Também esse desenvolvimento levava a uma desqualificação do passado musical, afastando da prática o repertório em latim, o Canto Gregoriano e a polifonia, assim como o órgão. Completava-se, assim, um processo de empobrecimento da vida musical e mesmo de destruição de patrimônio desencadeado com a restauração litúrgico-musical do passado mais remoto.

Essa situação, grave sob diferentes aspectos, levou à iniciativa de realização de um simpósio internacional que, pela sua própria programação, trouxesse à consciência a necessidade de se considerar as expressões do passado de todas as suas épocas a partir de seus próprios pressupostos, valorizando-as adequadamente como partes integrantes de um patrimônio marcado por diversidade e, ao mesmo tempo, por unidade. As atenções voltaram-se aqui às diferentes acepções de Unidade na Diversidade e, consequentemente ao complexo cultural na sua ordenação interna e suas transformações. ((Bispo, A.A.,"Kirchenmusik und Kulturfragen in Brasilien", Kirchenmusikalisches Jahrbuch, 70 (1986), 123-141)

Na sessão em que se tratou da obra de compositores que tanto se dedicaram à música sacra como também se destacaram com composições de intenções nacionais, retomou-se a já antiga discussão relativa às relações entre o Universal e o Nacional na música.

Essa incoerência de aspirações ao Universal na esfera sacro-musical e ao Nacional na criação musical de obras não-religiosas surge à primeira vista como de difícil compreensão no desenvolvimento histórico-musical do Brasil no século XX. Essa situação não corresponde à visão da historiografia nacionalista que via o caminho em direção a uma linguagem musical de adjetivação qualificativa de brasileira como um desenvolvimento resultante do próprio vir-a-ser da nação. ((Bispo, A.A.."Monopluralisme dans la Musique Sacrée de l'Amérique Latine". R. de Maeyer (Ed.), Simpósio da Comunidade Européia e do Museu Instrumental de Bruxelas. The Brussels Museum of Musical Instruments Bulletin XVI (1986): Musique et Influences Culturelles Réciproques entre l'Europe et l'Amérique Latine du XVIème au XXème Siècle. Tutzing 1986, 305-312)

Como é que se explicava uma duplicidade de critérios, uma vez que compositores de evidência do movimento nacional seguiam princípios aparentemente distintos na esfera sacro-musical? Ter-se-ia a música sacra distanciado fundamentalmente do desenvolvimento estético-musical, criando assim uma situação cultural marcada por incoerências, tensões e ambivalências, por uma espécie de distúrbio interno no desenvolvimento cultural?

Nas discussões tornou-se claro que o problema assim levantado era aparente, devendo ser visto como resultante de perspectivas inadequadas da própria pesquisa. A aparente incoerência entre o Universal defendido expressamente no âmbito da música sacra e o Nacional na criação musical não-religiosa superava-se caso fossem considerados como resultantes de visões e concepções românticas e historicistas.

Para isso, porém, o movimento nacional na música não podia ser considerado sob os critérios que os seus propugnadores estabeleciam, mas sim na sua própria historicidade, como expressão epocal de um processo histórico-cultural registrado em vários contextos nacionais, ou seja, internacional.

O mesmo valia para os critérios de suposta absoluta validade estabelecidos pelos propugnadores e pela própria legislação da restauração litúrgico-musical, ou seja o movimento reformador da música sacra devia ser considerado como uma expressão histórica e, portanto, também marcado por relatividade.

Aspiração de Nepomuceno: Bach-Verein, tradição de Philipp Spitta (1841-1894)

Um passo importante no desenvolvimento dos estudos deu-se com a realização de sessões de estudos com Martin Braunwieser (1901-1991) em 1989 em Salzburg,  Nessa ocasião, o fundador da Sociedade Bach de São Paulo salientou a necessidade de considerar-se o redescobrimento de Bach através sobretudo da obra de Philipp Spitta (1841-1894) e do movimento teológico-musical de renovação litúrgica protestante com ela relacionado, uma vez que Nepomuceno dirigiu-se a Berlin sobretudo com a intenção de estudar com Heinrich von Herzogenberg (1843-1900), grande personalidade do movimento Bach. (http://www.
revista.akademie-brasil-europa.org/CM02-10.htm)

Essa intenção de Nepomuceno em estudar com o compositor austríaco von Herzogenberg, desde 1885 Professor de Composição na Escola Superior de Música de Berlim, indica o tipo de orientação desejado pelo estudante brasileiro e a esfera músico-cultural à qual se sentia próximo. O fato de Nepomuceno ter sido nomeado a professor de órgão no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro parece pode ser explicado pelos pressupostos que trazia devido ao fato de seu pai Victor Augusto Nepomuceno (1840-1880) ter sido organista da Catedral de Fortaleza e posteriormente conceituado professor de Recife. ("Alberto Nepomuceno", Música Sacra, XI/2-3, Fevereiro-março de 1951, 28-29)  Após ter tido contato com o ambiente sacro-musical restaurador na Itália, dirigiu-se a Berlim para receber formação em órgão, ou seja, no país que mais intensamente se salientava nas tendências restaurativas sacro-musicais, tanto católicas como protestantes. Seria após essa formação acadêmica e de concepções fundamentalmente marcada pelo desenvolvimento alemão é que procurou a França para aperfeiçoar-se na técnica organística e interpretação.

"Partindo para a Alemanha, o jovem brasileiro matriculou-se no Maister-Schule, de Berlim, no curso de composição do professor von Herzogenberg, que logo depois deixou a cadeira por motivos de doença. Passou, então, Nepomuceno para o Stern'sches Conservatorium, onde fez o curso de composição e de órgão com o professor Arno Kleffel, seguindo simultaneamente o curso de piano de Ehrlich, pianista distintíssimo e professor notável, com quem se aplicou especialmente à parte pedagógica, preparando-se para ser tambem um professor desse instrumento com a posse inteira e completa dos mais adeantados processos da técnica moderna.

Nomeado professor de orgão do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, Nepomuceno que já tinha o curso desse instrumento, partiu para Paris, afim de aperfeiçoar-se com o célebre organista Alex. Guilmant."
(José Rodrigues Barbosa, "Alberto Nepomuceno", Revista Brasileira de Música VII/1, 1940, 19-39, 23)

Von Herzogenberg, nascido em Graz, estava estreitamente ligado à vida musical de Leipzig, onde vivera e onde dirigira a Sociedade Bach desde 1875, criada um ano antes e da qual havia sido um dos fundadores juntamente con Philipp Spitta e outros.

Spitta, o grande biógrafo de Bach e editor de obras de órgão de antigos compositores alemães, era, desde 1875, segundo secretária da Academia Real das Artes de Berlin, professor de História da Música da Escola Superior de Música Real, da qual foi vice-diretor de 1882, assim como Professor de Musicologia na Friedrich- Wilhelm-Universität. Spitta foi um dos editores da Vierteljahrschrift für Musikwissenschaft a partir de 1885, sendo considerado um dos fundadores da Musicologia institucionalizada universitariamente.(A.A.Bispo, Martin Braunwieser... Roma/Colonia 1991, 8-11, 295 ss.)

O estudo da obra de J.S.Bach marcou as concepções estéticas e a obra composicional de von Herzogenberg. O contato com J. Brahms foi um dos outros momentos decisivos na sua vida e atividades, passando a organizar Semanas de Brahms em Leipzig. Essa proximidade a Brahms manifestou-se na sua obra composicional camerística, música coral e de Klavierlieder.

A amizade com Spitta e sua família favoreceu a sua nomeação a Professor de Composição e diretor de uma Meisterschule acadêmica na Real Escola Superior de Música de Berlin em outubro de 1885. Logo após a sua transferência a Berlin, porém, êle e sua mulher foram acodidos por problemas de saúde, vindo esta a falecer.

A vida de von Herzogenberg como compositor indica uma crescente dedicação à música sacra, o que se relacionou com preocupações teológicas resultantes do fato de ser de formação católica e sua mulher protestante, e da sua estreita amizade com o irmão de Spitta, o teólogo evangélico Friedrich Spitta (1852-1924). Este dirigia como professor de teologia em Estrasburgo um Coro Acadêmico de Igreja, desempenhando papel de liderança no movimento litúrgico evangélico e que se caracterizava por uma valorização da música no serviço religioso. Preparado pelo estudo da obra de J. S. Bach, passou a dedicar-se a questões músico-teológicas da tradição protestante, em particular às relações entre a palavra bíblica e o coral, procurando manifestar o espírito de Bach em composições.O movimento litúrgico no Protestantismo do século XIX, com a atenção dada à forma de culto, levou a uma proximidade ao Catolicismo.

Composição e órgão com Arno Kleffel (1840-1913) e a tradição da Bach-Gesellschaft

Se Nepomuceno não pôde estudar como desejara com Heinrich von Herzogenberg, na tradição da Associação Bach de Leipzig (Bach-Verein), fundada em 1874 e vinculada e.o. ao nome do biógrafo de Bach Philipp Spitta (1841-1894), encontrou até certo ponto um substituto em Kleffel, por este remontar, na sua formação a Moritz Hauptmann (1792-1868) e à Sociedade Bach (Bach-Gesellschaft).

Estudando com Kleffel Composição e Órgão, a música para coro, motetes, prelúdios e outras peças para órgão devem ter sido objeto de particular atenção. Mais do que um estudo especializado em técnica e interpretação organística - que Nepomuceno obteria antes em estudos de aperfeiçoamento na Noruega e na França -, a formação com Kleffel teria tido neste sentido antes um cunho teórico e pedagógico marcado pelo cultivo da disciplina e de concepções musicais na tradição introspectiva de um "espírito" de Bach. Significativamente, Nepomuceno preparou, durante os seus estudos a Fuga de Schumann sôbre o nome Bach, assim como a grande Toccata em ré menor de J.S. Bach. Em Berlim compôs Drei Orgelstücke (1893) e Zwei Präludien und Fugen (1894).

Thomsen, Tromso, Noruega. Foto A.A.Bispo 2012 ©

Estudos com Christian Cappelen (1845-1916), organista da catedral de Oslo

Não podendo aperfeiçoar-se como desejara com von Herzogenberg, substituindo-o por estudos com Arno Kleffel, o aprofundamento de Nepomuceno em órgão e em questões sacro-musicais deu-se em Christiania, quando teve aulas por alguns meses com o organista Christian Cappelen.

A proximidade entre Capellen e Nepomuceno explica-se pela formação alemã que ambos receberam. Também Capellen estudara na Alemanha, em Leipzig e Dresden, antes de retornar à Noruega, onde tornou-se organista da sua cidade natal de Drammen, localidade a sudoeste de Oslo.

A própria catedral manifestava a influência alemã na arquitetura da Noruega. Reconstruída entre 1848 e 1850 segundo planos do arquiteto Alexis de Chateauneuf (1799-1853), nascido na Alemanha, em empreendimento de Heinrich Ernst Schirmer (1814-1887), o grande arquiteto da catedral de Trondheim (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Trondheim-Catedral.html), foi completada por Andreas Friedrich Wilhelm von Hanno (1826-1882).

À época dos estudos de Nepomuceno, Capellen era já há seis anos organista da catedral de Oslo, a Vår Frelsers kirke, cargo que manteve até a sua morte, em 1916. Capellen foi, assim, o organista da principal igreja norueguesa à época de transição política do país. A importância do seu cargo refletiu-se também na influência que Capellen exerceu no meio cultural norueguês, tornando-se personalidade de renome nacional.

O que não pode deixar de ser considerado é que Capellen não foi apenas uma personalidade da prática musical, mas sim também um reconhecido especialista em questões teológicas, atuando como docente no seminário prático-teológico a partir de 1890. À época da presença de Nepomuceno, portanto, Capellen era professor de Teologia, o que necessitaria ser considerado para poder-se avaliar a sua influência no pensamento de Nepomuceno voltado à música sacra.

Registra-se na atualidade um crescente interesse por obras de Christian Capellen, sobretudo nos países nórdicos e na Rússia, e as composições conhecidas testemunham a sua sólida formação segundo preceitos acadêmicos da Europa Central alemã e a sua inserção em determinadas correntes do Romantismo do século XIX, como o demonstra, por exemplo, a sua "Peça-Fantasia" em ré-menor, os seus Postludier, a Fantasia para órgão do coral Lover den Herre, den mektige konge op. 21 (1888), e a sua Meditationsmusikk. Da sua obra conhece-se também composições profanas, como Romanse og Scherzo ou Frederikke Polka. Uma particular atenção merece a sua obra para canto, entre elas as canções O Store Himlens Gut (6 Lieder op. 4), Abendlied (Theodor Storm) e Gefasst (Theodor Storm).

No ciclo de estudos desenvolvido em Oslo, em 2005, constatou-se que informações referentes à formação, às atividades e à obra de Christian Capellen são de difícil acesso; a pesquisa da música nas igrejas norueguesas, em particular do órgão, parece não estar aqui ainda em estado que possibilite reconhecimentos mais diferenciados de influências e contextos culturais.

Ampliação de estudos de contextos da música organística na Noruega no ciclo de 2012

Em várias instituições conservam-se testemunhos do grande passado instrumental da Noruega. Um órgão histórico de particular significado pode ser estudado no Museu da Universidade de Tromsø; entre os vários instrumentos de valor histórico-organológico pode-se mencionar aquele da igreja de Nossa Senhora de Trondheim. Essa cidade possui também um museu instrumental com valioso acervo e que constitui até mesmo uma de suas principais atrações.

Um compositor de Bergen relembrado no ciclo de estudos foi Adolf Thomsen (1852-1903), cuja memória é celebrada em monumento à frente da igreja de Tromsø. Desde 1883 organista da igreja dessa cidade, manteve um estreito relacionamento com Grieg, a êle dedicando obras. O seu canto "Recordações de criança da terra do Norte" (Oh, eu conheço um país), com texto de Elias Blix, surge como hino nacional do Norte norueguês.

Thomsen pode ser visto como mais um testemunho dos estreitos elos entre a música religiosa e a criação musical de orientação nacional na Noruega. Apesar da aparente contradição entre concepções universalistas de fundamentação teológica e impulsos de afirmação nacional através do emprêgo de elementos e expressões de tradições populares, a coerência do desenvolvimento músico-cultural pode ser percebida se considerada sob uma perspectiva que atente a um processo fundamentalmente romântico de construção de um edifício cultural idealizado.

Grupo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Momentos do desenvolvimento das reflexões Brasil/Noruega:
Música e Nacionalismo nas suas inserções românticas a partir de Alberto Nepomuceno (1864-1920) I: Aproximações ao movimento Bach e litúrgico protestante alemão.
Heinrich von Herzogenberg (1843-1900) e Christian Capellen (1845-1916)
". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 139/2 (2012:5). http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Nepomuceno-Christian-Capellen.html


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