Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Noruega. Foto A.A.Bispo 2012 ©

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Fotos A.A.Bispo, 2012 ©Arquivo A.B.E.





 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 139/1 (2012:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2919


A.B.E.

Luzes nórdicas e sol da meia-noite
O Norte na concepção geo- e logocêntrica do mundo
e análises de reordenações nacionalistas do edifício cultural
em relações Noruega-Brasil
a serviço de uma abertura de visões



Ciclo de estudos Noruega-Brasil 2012. 130 anos: a pesquisa de luzes nórdicas de Sophus Tromholt (1851-1896) e Pedro II°

 
A.A.Bispo
Na presente edição desta revista publicam-se relatos de trabalhos realizados em agosto de 2012 no âmbito do programa de estudos culturais euro-brasileiros dedicado à Noruega. (http://www.brasil-europa.eu/Paises/Noruega.html)


Esses trabalhos decorrereram sob o lema "luzes nórdicas e sol da meia-noite", o que deve ser entendido como referência 1) ao significado das Ciências Naturais no início de elos científico-culturais entre a Noruega e o Brasil e 2) aos sentidos figurados da luz em imagens do Norte em edifícios culturais e visões do mundo.


No ano polar de 1882 escreveu Pedro II° ao vice-consul do Brasil em Bergen pedindo que apresentasse os agradecimentos do Brasil a Sophus
Tromholt (1851-1896) pela remessa de publicação com novos resultados de seus estudos astrofísicos. (Arquivo Nacional, Dom Pedro II e a cultura. Pesquisa de M. W. de Aragão-Araújo, Rio de Janeiro 1977, doc. 1237, pág. 214).


Ainda que a menção ao mediador dos contatos - Tollef Ravn Stub (1816-1880) - levante questões ainda não solucionadas, chama a atenção à presença do Brasil em círculos noruegueses relacionados com o continente americano através do comércio marítimo e da emigração norueguesa.


Paralelamente a seus estudos científico-naturais, Sophus Tromholt, pioneiro dos estudos das luzes nórdicas, realizou trabalhos fotográficos do mundo natural escandinavo e dos seus povos indígenas, deixando importante legado documental etnográfico que é hoje conservado na biblioteca da Universidade de Bergen. Estabelecendo relações entre ciências naturais e estudos culturais, Tromholt é nome a ser lembrado no programa de estudos culturais euro-brasileiros dedicado às relações entre Cultura e Natureza. (http://www.akademie-brasil-europa.org/Cultura-Natureza-Musica/index.html)


Noruega, Borg. Foto A.A.Bispo 2012 ©

Noruega, Museu Tromso. Foto A.A.Bispo 2012 ©
O complexo de sentidos sugerido pelo lema e resultantes da referência documental de relações Noruega/Brasil em contexto científico do seculo XIX motivou os trabalhos relatados nesta edição.


As relações entre as Ciências Naturais e Tecnológicas e os Estudos Culturais nórdicos nos seus significados globais estiveram no centro das atenções em visitas feitas às universidades de Trondheim e Tromsø (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Tromso-Universidade.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Trondheim-Universidade.html ).


Questões culturais relativas a empreendimentos de exploração de recursos naturais nórdicos foram consideradas nos seus elos com o movimento indígena nórdico e suas inserções em processos culturais dos povos indígenas em contextos globais (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Tromso-Museu.html).


A atenção dada aos sami/lapões correspondeu aqui ao significado de Tromholt na história da Etnologia e aos esforços de renovação teórico-cultural de perspectivas nos estudos voltados aos povos indígenas a
Noruega, Museu Tromso. Foto A.A.Bispo 2012 ©
partir de questionamentos levantados no Brasil. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Lapoes-e-indigenas-do-Brasil.html)


O papel do comércio marítimo e de migrações nas relações internacionais com o Norte recordada no nome de Tollef Stub foi considerado sob diversos aspectos, em particular nas suas singulares expressões relativas ao consumo do bacalhau na cultura do quotidiano de Portugal e do Brasil e mesmo na imagem do português (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Piscis-Australis.html).


A emigração norueguesa ao continente americano foi alvo de atenção sob a perspectiva de seus pressupostos e inserções em processos culturais. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Emigracao-norueguesa.html )


Sobretudo, porém, foi o sentido figurado do lema, ou melhor, o Norte e suas luzes no edifício cultural de remotas origens da visão do mundo geocêntrica que determinou fundamentalmente as reflexões.


Após considerar-se o fascínio exercida pelo Cabo Norte como fenômeno cultural de dimensões internacionais, apenas explicável através de interações entre a sua história e as imagens da geografia simbólica relacionadas com a idéia de globalidade (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Cabo-Norte.html), analisou-se a presença do Brasil no extremo Norte na expressão infantil de uma criança do Rio de Janeiro. Na sua plástica realizada no âmbito do projeto "The Children of the Earth Prize", uma iniciativa na qual o Brasil encontra-se repetidamente considerado, constata-se a vigência ainda hoje de antigas concepções logocêntricas do Norte em edifício de imagens na sua reinterpretação cristã. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Brasil-no-Cabo-Norte.html )


A.B.E. Coloquio J. Derrida
A atenção dirigida à permanência e às transformações do edifício-global de concepções marcado pela norteação levou 1) ao tratamento de problemas de reconstruções de visões do mundo pré-cristão dos Wikings nos seus riscos de projeções anacrônicas (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Borg-Lofotes.html), assim como 2) de historizações de concepções e imagens resultantes da observação empírica e da experiência existencial do mundo natural na história cultural do Cristianismo nórdico (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Stavanger-Catedral.html).


As consequências da intensificação desse processo transformatório causado pelo predomínio do narrativo sobre o estrutural através Reformação protestante nórdica foram analisadas sob diferentes aspectos. Uma particular atenção foi dedicada à reconstrução historicista do edifício de linguagem visual do passado no século XIX, levando à construção de uma unidade em restauração ideal do que nunca houve como representada no maior monumento gótico do Norte, a catedral de Trondheim (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Trondheim-Catedral.html ).


Como expressão atual das questões resultantes dessa transformação do edifício cultural de remota proveniência considerou-se a substituição da antiga imagem da nave - também presente em expressões tradicionais do Brasil - em iniciativa do do órgão oficial de assuntos eclesiásticos do país. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Andalsnes.html)


A constatação de similares imagens na tradição popular norueguesa e brasileira - consideradas no exemplo do Trolle e do Curupira/Caapora - e que tem como pressuposto as suas inserções em edifício global de imagens derivado da observação empírica do homem, leva a reconsiderações de procedimentos comparativos de expressões do Folk-lore, passando a atenção a ser dirigida a comparações de processos em diferentes contextos, por exemplo no emprêgo dessas imagens na representação nacional, no ensino e no turismo. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Troll-e-Curupira.html )


Preocupação central dos estudos foi o de considerar expressões seculares de reconstruções historicistas nas suas próprias transformações e implicações quanto à reordenações do edifício cultural ocorridas em época da intensificação do movimento nacional norueguês.


Importante objeto de estudos é, nesse sentido, a cidade de Ålesund, destruída por incêndio em 1904 e reconstruída com o apoio alemão, transformando-se na capital nórdica do Jugendstil/Art nouveaux. Uma leitura da cidade reconstruída demonstra que já não a orientação logocêntrica do antigo sistema, mas sim a terra através da força que se manifesta na sua vegetação é que passou a ser vista como princípio condutor de uma reconfiguração cultural. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Alesund-Jugendstil.html)


Continuidade de estudos de processos culturais do Atlântico na sua globalidade


A realização do ciclo de estudos na Noruega deu prosseguimento aos estudos nórdicos sob o aspecto de seu significado para o Brasil, por último tratados na Islândia (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/132/Indice_132.html) e, ao mesmo tempo, ao tratamento de questões tematizadas no ciclo de estudos sul-europeus e do Sudoeste da Europa recentemente realizado.(Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Indice_138.html)


Este último ciclo foi dedicado aos fundamentos de processos culturais entre o Mediterrâneo e o Atlântico sob a perspectiva de suas extensões no mundo extra-europeu, em particular no Brasil. (http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Estudos-e-Esclarecimento.html)


Na análise desses fundamentos, foram considerados não apenas elos entre a esfera do Mediterrâneo e aquela do Sul do Atlântico. O campo de interações entre fatos históricos e imagens do edifício cultural compreende também a esfera do Norte do grande oceano. Não considerá-la significaria fechar portas à compreensão de desenvolvimentos e do sistema de concepções e imagens da visão do mundo, impedindo o estudo adequado de suas consequências históricas e a análise de mecanismos culturais.


O Atlântico necessita ser considerado na sua globalidade, nele distinguindo-se, naturalmente diferenças resultantes de condicionamentos geográficos de decorrências históricas e, sobretudo, do campo de tensões Norte/Sul no edifício cultural.


Marco da antiga história dos elos entre o Mediterrâneo e as regiões nórdico-atlânticas é a viagem de Pytheas, comerciante de Marselha que, após ter atingido o centro de produção de zinco nas ilhas britânicas, dirigiu-se à esfera nórdica s à procura da região do âmbar, atingindo a zona polar e dando notícias de um país denominado de Thule. (http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Pytheas.html)


Essa referência, que representa um primeiro testemunho histórico do descobrimento do Norte da Europa pelos colonizadores gregos do Mediterrâneo, foi analisada nas suas inserções no edifício de imagens e concepções da Antiguidade clássica, demonstrando-se nela a vigência da imagem de Hermes. Essa imagem paradigmática foi então considerada - também em outros contextos - em relações com sentidos subjacentes a vultos da narrativa bíblica, relações que abrem novas perspectivas para estudos dos mecanismos que possibilitaram a transformação cultural representada pela cristianização do Ocidente. A orientação logocêntrica do sistema, estreitamente relacionada com a norteação do conjunto de imagens, pode ser assim analisada já nessas antigas referências a Pytheas como pioneiro da viagem ao Norte. (http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Compostela.html)


Continuidade de preocupações com a função esclarecedora dos Estudos Culturais


Os estudos desenvolvidos no contexto Mediterrâneo/Atlântico trataram prioritariamente apenas de alguns dos aspectos do complexo de questões que se oferecem a análises culturais no presente.


Motivados pela atenção dada no corrente ano ao Esclarecimento, o escopo desses estudos foi o de contribuir a uma reconscientização do significado da perspectiva científica nos Estudos Culturais em época marcada pela intensificação de preocupantes tendências obscurantistas de fundamentação religiosa na Europa e em outros países do globo.


Focalizou-se, nesses estudos a perda da capacidade de compreensão do edifício imagológico de remota proveniência, da capacidade de compreensão de sentidos não-literais nas Escrituras e em narrativas como uma das principais causas do obscurantismo de fundamentação religiosa que se alastra no mundo atual e que põe em risco progressos de conhecimentos e mentais alcançados pela Humanidade no decorrer dos séculos.


Nesse sentido, salientou-se a necessidade de dirigir-se a atenção ao Sistêmico subjacente a narratividades nos estudos do edifício de concepções e imagens da visão do mundo e do homem transmitida através dos séculos para a libertação do pensamento das trevas causadas por historizações resultantes de compreensões literais de textos.


Valorizar não uma época identificada como a do Iluminismo, também marcada por desenvolvimentos questionáveis, mas sim uma difícil história de esforços a serviço do Esclarecimento também foi objetivo do ciclo de estudos que teve o seu prosseguimento no Atlântico Norte.


No contexto nórdico, porém, essa atenção voltada ao papel esclarecedor a ser exercido pelos Estudos Culturais concentrou-se em outro aspecto das tendências obscurantistas que se registram de forma crescente no presente.


Se no contexto do Mediterrâneo/Atlântico a atenção foi dirigida sobretudo ao obscurantismo de fundamentação religiosa, resultante de uma compreensão literal das Escrituras e de narrativas, colocando assim aos cientistas culturais o dever de analisar sentidos e estruturas de imagens subjacentes a textos, a esfera nórdica oferece-se a considerações relativas a situações obscuras de orientação nacionalista e de uma compreensão de cultura orientada segundo essencializações do étnico e do racial, cumprindo à pesquisa dedicar-se à análise de seus fundamentos.


Atualidade de análises culturais do Nacionalismo e de suas relações com o Norte


A atualidade e a necessidade de estudos de processos culturais que permitam elucidar situações obscuras relacionadas com o Nacionalismo vieram à consciência com a tragédia do massacre de Oslo, com a discussão que a êle se seguiu e que acompanhou o processo contra o seu autor e executante.


O conglomerado de idéias apresentado como justificativa política do ato evidenciam a necessidade de análises de complexos de convicções e imagens de tão grande potencial negativo. O desenvolvimento de estudos de fundamentos de construtos culturais nos quais concepções e visões se inserem surge como pré-condição para uma desativação dos perigos a êles inerentes e sua superação.


Concepções e imagens relacionadas com o Nórdico desempenharam papel de importância não apenas no passado político-cultural nacional, nacionalista e nacionasocialista da Europa, quando fundamentaram Weltanschauungen, deram origem a hipóteses, teorias, marcaram a pesquisa, o ensino, correntes artísticas e mesmo o desenvolvimento de estudos portugueses e brasileiros. (http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Egmont_Zechlin.html) Também no presente constata-se a revivescência de Idéias e intentos, formas de comportamento e de expressão que se manifestam visualmente e na música e que se apresentam como nórdicos em movimentos nacionalistas e neo-nacionalsocialistas.


Essas tendências, que podem ser registradas em crescente intensidade p.e. em regiões mais a Norte da Alemanha, demonstram, em expressões e atos, tensões e potenciais de conflitos que resultam de construções de visões do mundo.


A análise desses construtos exige a consideração dos caminhos pelos quais surgiram, o seu vir-a-ser como resultantes de processos de transformação de precedentes sistemas de ordenações de imagens. As atenções dirigem-se aqui às mudanças através dos séculos quanto à forma de entendimento de um sistema de concepções e imagens baseado na observação do mundo natural e na linguagem dos céus de remotas origens e referenciadas pelo Norte, às consequências de um distanciamento relativamente ao estrutural pela prioridade dada ao narrativo, à consequente desagregação do todo e a reconstruções a partir de outros referenciais.


Retomada de estudos Noruega/Brasil sob o signo do Nacionalismo na música


O primeiro ciclo de estudos euro-brasileiros especificamente voltado à Noruega partiu dos vínculos histórico-musicais existentes entre a Noruega e o Brasil evidenciados na vida e na obra de Alberto Nepomuceno (1864-1920). Motivada por encontro-audição realizado na Rheinische Musikschule, o Conservatório de Colonia, em 1982, realizou-se uma viagem à Noruega em 1983, no âmbito da qual visitou-se a casa-museu Troldhaugen de Edvard Grieg (1843-1907), próximo a Bergen.


Alberto Nepomuceno, compositor, pianista, organista, professor e influente vulto da vida de concertos e do ensino musical do Brasil no século XX, é reconhecido no seu significado sobretudo como um dos maiores representantes da criação musical erudita de orientação nacionalista no país.


"Alberto Nepomuceno is considered to be as important for Brazilian music as were Glinka, Albenitz, Smetana and Grieg for the music of their own countries. He was a forerunner, if not the founder of Brazilian national school of composers. He did an important research of Brazilian folklore in his large collection of songs, which opened the way to other composers, among which Villa-Lobos. He was accurately concerned with all aspects of Brazilian life and culture." (Sérgio Alvim Correa, Alberto Nepomuceno, O Garatuja - Prelúdio, Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional de Música, Projeto Memória Musical Brasileira, 1987, Introd.)


Durante a sua estadia de estudos na Europa, quando, após estadia na Itália realizou estudos em Berlim, Nepomuceno conheceu, durante aulas de aperfeiçoamento em piano em Viena, aquela que tornou-se a sua esposa em 1893, a pianista Walborg Rendtler Harmanssen Bang. Esta discípula de Grieg, ainda que insuficientemente considerada pela pesquisa, exerceu um papel
relevante no direcionamento da vida de Nepomuceno, co-determinando os seus caminhos, as suas inserções culturais no universo norueguês e, através delas, a orientação estético-cultural que marcou a sua atuação futura. Nepomuceno e Bang fundaram a família brasileiro-norueguesa mais conhecida da história das artes no Brasil.


Casando-se na antiga Christiania, hoje Oslo, onde realizou estudos, e tendo mantido contatos estreitos com o universo de Grieg, sendo até mesmo hospedado na sua casa Troldhaugen, Nepomuceno pôde tomar contato estreito com as aspirações estético-culturais de um movimento de conscientização e valorização nacional que perpassou a história da Noruega no século XIX e que adquiriu particular intensidade em anos que precederam ao fim do regime de União Pessoal do país com a Suécia (1905).


O desenvolvimento de uma consciência por valores da cultura musical da tradição popular e de intuitos de criação de uma linguagem musical de características nacionais no Brasil relacionam-se, assim, com contextos noruegueses. Como, porém, salientado no encontro de Colonia, estes, para serem analisados adequadamente, exigem estudos de inserções de pensadores e artistas noruegueses em desenvolvimentos mais amplos, em particular alemães. Tanto Nepomuceno como os noruegueses com os quais conviveu estudaram nos grandes centros da Alemanha e da antiga Áustria-Hungria.


A consideração desses contextos surge como necessária sob diferentes aspectos, pois tem implicações não apenas para a apreciação da obra de Nepomuceno e de outros compositores, mas sim também para a compreensão de tendências e expressões do pensamento relacionado com a música, com o
ensino e com processos culturais e político-culturais em geral.


O estudo de relações entre a Noruega e o Brasil adquire aqui um significado para os Estudos Culturais que extrapola de muito aquele que primeiramente se supõe haver entre países tão distantes geograficamente.


Problemas teóricos resultantes da orientação nacionalista da própria pesquisa


Motivo condutor das reflexões do encontro de 1982 e dos trabalhos que se seguiram na Noruega foi o dos problemas criados para um desenvolvimento científico dos estudos relativos ao nacionalismo musical devido à orientação nacionalista da própria pesquisa ou da permanência de perspectivas da historiografia nacionalista do passado em estudos histórico-
musicais e etnomusicológicos mais recentes. (A.A.Bispo, "O século XIX na pesquisa histórico-musical brasileira: Necessidade de sua reconsideração". Latin American Music Review (The University of Texas) 2/1 (1981), 130-142)


Como discutido sob diferentes aspectos, os condicionamentos nacionalistas da própria pesquisa  põem obstáculos ao alcance da distância necessária a uma objetividade nas análises e na interpretação de fatos e decorrências que deve ser procurada em procedimentos mais propriamente científicos.


Essa situação apenas pode ser superada se os estudos de processos culturais forem conduzidos em estreito relacionamento com a pesquisa da própria pesquisa.


Os estudos dedicados ao nacionalismo exigem ser considerados em grande parte como sendo êles próprios expressão do
nacionalismo cultural, explícito ou implícito, consciente ou inconsciente por parte de seus autores.


Para além de casos de maior evidência de defesa de posicionamentos e ideais, ou mesmo de colocação do próprio objeto de estudos a serviço de fins propagandísticos claramente expostos ou reconhecíveis, há problemas mais especificamente teóricos e menos evidentes, tais como o de valorações de desenvolvimentos e de perspectivações historiográficas.


Na literatura histórico-musical de orientação nacionalista, não só compositores são avaliados de acordo com a sua contribuição a um postulado desenvolvimento em direção a uma música nacional, como também as suas obras são julgadas sob diferentes critérios valorativos, salientando-se por vezes de forma encomiástica composições por corresponderem aos ideais político-culturais que nem sempre justificariam tal atenção no conjunto da obra do autor.


Esse procedimento leva a quadros unilaterais e mesmo distorções, pondo obstáculos à compreensão de processos culturais nas suas dimensões mais amplas e complexas, assim como das inserções das obras que evidenciam intenções nacionalistas de compositores no contexto da sua criação. Esse procedimento seletivo da própria pesquisa cria situações marcadas por incoerências, valorizações e desvalorizações, inadequações e injustiças tanto relativamente ao complexo cultural no seu todo como na apreciação individual de personalidades e obras. Surgem neste contexto desenvolvimentos paradoxos e inexplicáveis, por exemplo relativamente à música sacra, que surge em aparente contradição com a linha de desenvolvimento traçada pela visão nacionalista do século XX.


Um exemplo da situação assim traçada oferece Alberto Nepomuceno, cujas composições de referências nacionais adquirem na literatura uma atenção muito superior àquela emprestada a outras de suas composições, em contraste até mesmo numérico relativamente ao todo de sua obra, o que prejudica o reconhecimento de coerências no conjunto de suas concepções, no complexo de suas aspirações, de suas posições, de seus elos culturais e de suas atividades.


Essa unilateralidade na apreciação leva a julgamentos inadequados quanto à sua orientação estética e mesmo a opiniões questionáveis e mesmo errôneas quanto a seu posicionamento político-cultural por refletirem antes projeções e anelos dos próprios pesquisadores.


Estes querem ver em Nepomuceno antes o progressivo, o adepto da emancipação, o democrata, nivelando aqui concepções de republicanismo e esquecendo que Nepomuceno, homem marcado por introspecção, diligência, autoridade e mesmo severidade, sugere antes uma proximidade a correntes estéticas conservadoras, ao movimento de restauração sacro-musical e a determinados círculos culturais vinculados ao poder econômico em configuração que, em termos atuais, antes lembram o Republicanismo norte-americano - o partido de Abraham Lincoln (1809-1865).


A visão nacionalista de desenvolvimentos, que via nas correntes nacionais da época de seus autores a eclosão de uma música realmente a ser qualificada de brasileira, caracteriza-se sobretudo por uma perspectivação da história, sendo esta marcada por uma cisão determinadora do anterior e do posterior, ou, de forma mais complexa, de um estado a ser alcançado. Significativamente, Alberto Nepomuceno foi considerado por alguns autores no rol dos "precursores".


Quase que reproduzindo de forma secular a antiga dicotomia Velho/Novo, todo o anterior é desqualificado, passando a ser visto como mera expressão de emulações de correntes européias. Todo o patrimônio de séculos passa assim a ser desvalorizado por aqueles que julgam que somente na sua geração tenha sido alcançado um satisfatório estágio de expressão artística de uma nação consciente de seus valores.


Também as concepções, a obra e as atividades de Nepomuceno não podem ser adequadamente estudadas sob essa perspectiva que distingue uma música brasileira no sentido de adjetivação essencializadora daquela que, embora criada no Brasil, não seria brasileira. A valorização que Nepomuceno promoveu da obra de compositores do passado brasileiro, em particular do Pe. José Maurício Nunes Garcia (1767-1830 ) não pode surgir como em contradição com a sua obra nacionalista, mas sim, pelo contrário, como outra expressão do processo cultural no qual se inseriu, fundamentalmente marcado pelo Romantismo nas suas orientações tanto historicistas como de valorização de expressões nacionais.


Seriam necessarias tambem análises psicológicas para distinguir até que ponto a depressividade que marcou a vida de Nepomuceno não foi resultado do universo romântico de cunho nórdico em que viveu.


"Muitos poucos entretanto, dos que conheciam de perto o artista (...) sabiam que sob aquela exterioridade prasenteira e de nímia bondade, se convulsionavam dores d'alma que podiam levar ao desespero. Esse mesmos ficavam silenciosos deante das angústias, que antes adivinhavam que percebiam....porque qualquer alusão seria um golpe cruel a atormentar ainda mais o seu sofrimento." (José Rodrigues Barbosa, "Alberto Nepomuceno", Revista Brasileira de Música VII/1, 1940, 19-39 21)


A distância possibilitada pelo decorrer do tempo e o próprio desenvolvimento dos conhecimentos demonstraram há muito a artificialidade de uma distinção entre a música de um passado que ter-se-ia orientado antes segundo modêlos europeus e aquela mais propriamente brasileira de expressão nacional. Essa divisão tornou-se insustentável, pois cada vez mais se evidenciaram os estreitos elos, os paralelos e as interações entre concepções e obras de compositores nacionalistas brasileiros com aqueles de outros países, em particular também na Europa, sendo estes tão internacionais quanto aqueles, não havendo assim justificativa para desqualificar a produção mais antiga.


Nepomuceno foi considerado com um dos muitos exemplos que testemunham elos e interações entre contextos brasileiros e europeus no desenvolvimento das aspirações relativas à criação de uma linguagem musical de características e expressão nacional. Não apenas este aspecto da sua obra, mas o todo de sua produção, de suas concepções e atividades devem ser consideradas sob a perspectiva de uma musicologia que dirige a sua atenção primordialmente a processos culturais.


Problemas da revivescência de concepções essencialistas do Nacionalismo


Apreciações da literatura músico-historiográfica e folclórica de orientação nacionalista, marcando fase significativa de institucionalização de áreas disciplinares, mantiveram-se de forma nem sempre refletida em épocas posteriores.


A visão nacionalista de um vir-a-ser, de uma evolução em direção a estágio que apenas ter-se-ia cristalizado no século XX ou que estaria ainda em vias de ser realizado marcou o pensamento de pesquisadores, fundamentando estudos movidos subjacentemente por critérios que se tornaram comuns.


Esses critérios na consideração de desenvolvimentos músico-culturais marcaram o movimento de música religiosa pós-conciliar à procura de uma prática musical adequada culturalmente. Essa adequação cultural a serviço de uma participação ativa do povo no culto orientou-se na concepção tida como evidente de uma música brasileira no sentido desta adjetivação, fundamentando-se numa pesquisa que mantinha de forma expressa ou subjacente critérios do pensamento nacionalista. (Bispo, A.A.,"Kirchenmusik und Kulturfragen in Brasilien", Kirchenmusikalisches Jahrbuch, 70 (1986), 123-141)


Esse movimento na música religiosa pós-conciliar, encerrando uma fase marcada pela Restauração litúrgico-musical, demonstrou a historicidade dos critérios que a moveram, contrariando supostas validades imutáveis de normas. Em desenvolvimento paradoxo, substituiu-se aqui critérios normativos de pressumível universalidade por aqueles fundamentados em concepções nacionalistas.


Esse movimento religioso-musical decorreu paradoxalmente justamente em época em que se tornava evidente a necessidade de superação de concepções da historiografia nacionalista que desqualificava grande parte do passado musical e colocava impecilhos à abertura a novas correntes estéticas e à própria pesquisa.


Acentuava-se cada vez mais a consciência de que esses problemas de perspectivação de desenvolvimentos tinham graves implicações para a conservação e a valorização do patrimônio músico-cultural, tendo justificado destruições de acervos, extinção de orquestras e posteriormente de órgãos.


Surgia como necessário, assim, trazer à consciência a necessidade de direcionamento da atenção a processos músico-culturais, procurando analisar e valorizar produções de todas as épocas a partir de sua contextualização adequada, superando-se assim perspectivações desqualificadoras.


Este foi o motivo que levou à realização do Simpósio Internacional "Música Sacra e Cultura Brasileira", em 1981, cuja programação procurou considerar a produção musical de diferentes épocas e contextos, inserindo também a música sacra da época da restauração litúrgica e obras não-religiosas representativas do Nacionalismo no fluxo histórico, relativando-se assim absolutizações normativas e perspectivações excludentes, empobrecedoras do patrimônio e obscurecedoras de processos históricos. (Bispo, A.A."Simpósio internacional Música sacra e cultura brasileira". Musicae Sacrae Ministerium XVIII/2 (1981), 31-48)


Nesse Simpósio, também a obra sacro-musical e sobretudo o programa de reforma sacro-musical de Nepomuceno foram alvo de reflexões, dele executando-se algumas de suas composições.


Problemas do Culturalismo na Etnomusicologia


O problema mais grave causado pela sobrevivência de visões e de essencializações instituídas pelo movimento nacionalista do passado foi antes teórico e residiu singularmente mais na área da Etnomusicologia do que na da Musicologia Histórica.


Apesar da auto-consciência de se encontrarem à frente de desenvolvimentos progressistas na pesquisa musical, muitos etnomusicólogos mantiveram critérios instituidos pelo pensamento nacionalista já de remoto passado.


Não sem desprezo para com a produção musical de países extra-europeus que não demonstravam características nacionais, etnomusicólogos continuaram a defender posições que necessariamente se colocavam em antagonismo com aspirações a renovações estético-musicais e a correntes mais avançadas do pensamento teórico.


Etnomusicólogos convidados para a fundamentação de tentativas de criação de uma música religiosa adequada culturalmente aos diferentes contextos defenderam assim posições simplistas de que cada região da terra devia ter a sua própria música segundo critérios e visões remontantes ao nacionalismo do passado, desvalorizando todo o patrimônio secular de países há muito cristianizados como expressão de implantes e transplantes culturais e ignorando processualidades há muito iniciadas e em vigência.


O principal problema teórico da Etnomusicologia e que impediu a renovação dessa área disciplinar por décadas foi o do culturalismo no sentido negativo do termo, permitindo que, sob o termo cultura sobrevivessem concepções étnicas e raciais de questionável passado. Tratou-se também aqui do problema já reconhecido e criticado no Brasil em fins da década de 60 e que havia levado à fundação da atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais: a da categorização do objeto de estudos e de esferas culturais.


Atenção à Diversidade e questões de Unidade na Diversidade


O direcionamento da atenção a processos históricos no tratamento da música de diferentes contextos epocais e regionais e, portanto, à Diversidade no Simpósio Internacional de 1981 foi estreitamente relacionado com a preocupação pelas diferentes acepções de Unidade na Diversidade.


Com o acento dado à música religiosa - como principal parte do patrimônio musical brasileiro do passado - e pelo significado da cristianização na formação histórica do Brasil como país de missão - , a expressão "Unidade na Diversidade" sugeria a sua compreensão no sentido teológico, comumente empregado na literatura eclesiástica. Nesse sentido, a diversidade de expressões não pode ser entendida sem a sua vinculação cristã, sendo o teocentrismo e o cristocentrismo garantias da Unidade.


A discussão da expressão ganha porém em complexidade quando é considerada na decorrência de processos históricos que levaram à perda de sentidos religiosos de expressões, a desenvolvimentos de secularização cultural e a reordenações do repertório de imagens.


Outras concepções de Unidade na Diversidade passam aqui a vigorar, salientando-se, no caso do nacionalismo, da integração das diferentes expressões na unidade constituída pela nação, em sistemas autoritários com um chefe de Estado à cabeça do corpo nacional.


Reconheceu-se, assim, no decorrer das discussões, que não basta considerar a Diversidade nos Estudos Culturais, ainda que esta seja o anelo principal: torna-se necessário analisar as relações da Diversidade à Unidade nas suas diferentes acepções. (Bispo, A.A.."Monopluralisme dans la Musique Sacrée de l'Amérique Latine". R. de Maeyer (Ed.), Simpósio da Comunidade Européia e do Museu Instrumental de Bruxelas. The Brussels Museum of Musical Instruments Bulletin XVI (1986): Musique et Influences Culturelles Réciproques entre l'Europe et l'Amérique Latine du XVIème au XXème Siècle. Tutzing 1986, 305-312)


Unidade na Diversidade na ordenação consuetudinária, desestruturações e secularização


Para poder-se proceder a essas análises, surge como pressuposto conhecer o edifício no qual se integram as diferentes expressões culturais na Unidade, sendo ponto de partida aqui as expressões que permitem reconhecer de forma mais evidente a sua integração num todo, o que é o caso primordialmente de expressões culturais de fundamentação religiosa.


Esse escopo analítico voltado à reconstrução de um todo de ordenação de concepções e imagens marcou o desenvolvimento dos trabalhos euro-brasileiros nas décadas que se seguiram. 


É esse edifício, com as suas características internas sistêmicas que explica o sentido da linguagem visual das múltiplas expressões culturais tradicionais lúdicas de fundamentação religiosa e mesmo de culto vigentes no Brasil. Estudá-lo surge como pré-requisito também para o entendimento de sentidos simbólicos de instrumentos, de configurações rítmicas, melódicas e outras, assim como de expressões de danças, gestos e movimentos.


Não literalmente explícitas quanto a seu significado pelas próprias características do sistema, essas expressões garantiram, através dos séculos, de forma lúdica, a manutenção subreptícia, não refletida de um complexo marcado pela Unidade na Diversidade na visão do mundo e do homem transportado de remotas origens pré-cristãs nas suas resignificações cristãs.


Como discutido em encontros na Universidade Nova de Lisboa e na Universidade de Coimbra em 1996, foi talvez mais a partir de expressões culturais, danças, folguedos, instrumentos, cortejos do ciclo do ano do que de ensinamentos de missionários que um complexo de imagens marcado por Unidade na Diversidade, íntegro mas marcado por uma dinâmica interna e pela capacidade de atualizações foi transportado para regiões extra-européias. (Bispo, A.A., "O Universo íntegro das festas brasileiras de origem portuguesa", Brasil-Europa & Musicologia. Colonia, 1999, 330-343)


Com a atomização do repertório de expressões festivas do ciclo do ano, com a sobrevivência isolada de determinadas tradições, com o combate dessas expressões pelos próprios agentes eclesiásticos que não mais compreenderam os princípios hermenêuticos de interpretação de imagens, assim como com a secularização, a linguagem de sinais tipológicos dessas expressões perderam em muitos casos o seu sentido anti-tipológico de natureza religiosa, tornando-se simples manifestações de apego a tradições festivas locais e de grupos. (Bispo, A.A."Kirchenmusik und die Entdeckungsfahrten: Anmerkungen zu einer Geschichte der Musik in globalen Zusammenhängen", Kirchenmusik in Geschichte und Gegenwart. Feschrift H. Schmidt zum 65. Geburtstag, ed. H. Klein e K.W. Niemöller. Köln-Rheinkassel, 1998, 63-78).


Unidade na Diversidade na reordenação de elementos em construções nacionalistas


Na medida, porém, que pesquisadores e músicos movidos por intentos de criação de uma arte nacional passaram a levantar e utilizar instrumentos, melodias, ritmos e outras características analisáveis dessas expressões nas suas obras, criaram-se novos arranjamentos de expressões, agora desconectadas do sistema de ordenação em que originalmente se integravam. Surgiu assim uma nova ordenação a partir de elementos díspares, alguns de remota proveniência, outros mais recentes, resultantes de recepções e desenvolvimentos diversos.


O complexo assim configurado de cultura nacional não representou uma simples secularização ou uma resignificação de um complexo de ordenação imagológica do mundo e do homem de antigas raízes, em si coerente nos seus elos com os ciclos do ano, com a vida agrícola, e, sobretudo, com as constelações em visão geocêntrica do universo, mas sim um novo arranjamento de individuações acidentalmente conservadas, cuja potencialidade sinalizadora de sentidos outros já não mais podia expressar-se de forma coerente, mas sim em conjunto recomposto.


Nesse desenvolvimento parece residir uma das causas das dificuldades de compreensão do termo Folk-lore. Se nas expressões ainda insertas no conjunto íntegro de remotas origens pesquisadores puderam reconhecer um saber e mesmo uma sabedoria de remotas origens transmitida pelo povo, com a perda de sentido dos sinais das antigas expressões e sobretudo com a sua utilização como elementos de um novo todo passaram apenas a constituir folclore no sentido mais superficial, até mesmo depreciativo que o termo assumiu.


Logocentrismo sistêmico e o Não-Logocentrismo de edifícios culturais nacionalistas


Esse complexo de questões foi alvo de discussões de colóquio euro-brasileiro voltado à crítica do Logocentrismo por ocasião do falecimento de Jacques Derrida (1930-2004). (http://www.brasil-europa.eu/Anais/Anais_Coloquios.html)


As posições e as tendências do pensamento francês mais recente foram aqui discutidas à luz dos estudos culturais euro-brasileiros. Considerou-se que, de fato, o sistema de ordenação imagológica que explica a Unidade na Diversidade de expressões culturais de natureza sinalizadora de sentidos transmitidas no repertório do ciclo do ano religioso foi é fundamentalmente teo- e logocêntrico. Essa ordenação manifestou-se também na estruturação social, comunitária e de Estado inserida na integralidade do todo assim constituído.


Salientou-se, porém, a necessidade de uma maior diferenciação nas reflexões. O sistema imagológico analisado não permite igualar o princípio de garantia da Unidade no conjunto com imagens do homem e de coletivos orientadas segundo esse princípio, do qual adquirem a sua posição privilegiada.


Surgem assim como questionáveis considerações indiferenciadas que vêem no princípio da Unidade na Diversidade do edifício logocêntrico de visão do mundo como fundamento de regimes políticos marcados antes pelo conceito de Unidade, o que pode justificar relações com o autoritarismo e totalitarismo nas suas diversas formas.


Outro é o caso, porém, do edifício construído através do rearranjamento de imagens-sinais desintegradas do contexto que lhes permitem sinalizar sentidos coerentemente segundo um outro princípio criador da Unidade do todo. Aqui tem-se, de fato, um edifício no qual a Unidade do conjunto (que não é mais logocêntrica) tem a potencialidade de favorecer estruturas autoritárias e mesmo totalitárias e ditatoriais.


Análise cultural em situações pluriculturais quanto a relações Unidade/Diversidade


Diferentemente do filósofo e do pensador político, cumpre ao analista cultural procurar reconhecer, na complexidade de situações atuais, as diferentes configurações de Diversidade na Unidade que coexistem ou mesmo se interagem.


Expressões tradicionais com caráter de sinais de antigo sistema logocêntrico surgem concomitantemente com aquelas rearranjadas sob a perspectiva nacionalista ou pertencentes a construtos edificados segundo outros critérios, em complexo de relações que exige particular acuidade na leitura e na interpretação de sentidos.


Essa preocupação pela leitura diferenciada surge como a mais propriamente adequada para análises de complexas situações multiculturais e que não podem orientar-se segundo uma concepção de multiculturalismo que apenas considere a convivência e interação de grupos.


Ela favorece a que o pesquisador assuma uma posição distanciada relativamente a seu objeto de estudos, considerando a ordenação de imagens da visão geocêntrica do mundo e reordenações de elementos dela provenientes como resultados de processos culturais. Com isso, dá um passo em direção ao anelo de superação de delimitações antropocêntricas nos Estudos Culturais, contribuindo ao combate a tendências obscurantistas de fundamentalismos religiosos, de nacionalismo radical ou outras estreitezas de visões e concepções.


Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Luzes nórdicas e sol da meia-noite. O Norte na concepção geo- e logocêntrica do mundo e análises de reordenações nacionalistas do edificio cultural em relações Noruega-Brasil a serviço de uma abertura de visões". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 139/1 (2012:5). http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Luzes-nordicas.html