Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Ciudad-de-las-Ciencias. Foto Bispo©

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 138/2 (2012:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2905


A.B.E.


A Ciudad de las Ciencias y de las Artes e a iluminação de mentes
Leitura de imagens e sentidos do antigo edifício da visão do mundo e do homem
nos seus elos com tempo, espaço e matéria
na arquitetura e na cidade do presente e suas dimensões


Ciclos de estudos na Itália, França, Espanha e Portugal pelos 500 anos da morte de Amerigo Vespucci (1451-1512)
15 anos de abertura do Centro de Estudos Brasil-Europa da A.B.E. na Alemanha

 
Ciudad-de-las-Ciencias. Foto Bispo©
Os ciclos de estudos desenvolvidos em cidades de vários países europeus em maio e junho do corrente ano foram dedicados aos fundamentos de processos culturais mediterrâneos nas suas interações com processos culturais atlânticos, sendo desenvolvidos sob a perspectiva de suas extensões e consequências para as Américas.

Essa retomada de estudos de interações euro-mediterrâneo-atlânticas foi motivada pela passagem dos 500 anos da morte de Americo Vespucci (1451-1512), vulto histórico perenizado na designação do continente americano e cujas observações contribuiram ao desenvolvimento científico dos conhecimentos cosmográficos.

O complexo temático foi tratado sob diferentes enfoques e em alguns de seus múltiplos aspectos a partir dos contextos culturais respectivos das cidades e regiões onde as reflexões foram encetadas. Os trabalhos desenvolveram-se sob o impacto da atualidade de desenvolvimentos europeus e da atenção à Grécia no debate econômico e político.

O intuito de desenvolver estudos relativos aos fundamentos desses processos culturais foi resultado do interesse despertado no corrente ano por questões relacionadas com o Esclarecimento devido aos 300 anos de Friedrich II, da Prússia (1712-1786), vulto histórico da Aufklärung, o que trouxe à consciência o valor do patrimônîo que representa para a Humanidade as conquistas de uma história tão cheia de percalços de esforços por conhecimentos esclarecedores e pela iluminação de mentes. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Estudos-e-Esclarecimento.html)

Essa reconscientização surge como uma exigência do presente, marcado que é pela intensificação de correntes obscurantistas de fundamentação religiosa na Europa e em outros países do globo.

Essa função, porém, apenas pode ser cumprida pelos Estudos Culturais se estes forem conduzidos sob uma perspectiva científica resultante do desejo de conhecimentos mais profundos e de bases, o que exige análise de estruturas, princípios e sentidos subjacentes a textos e narrtivas, o que vale também para a leitura de obras e expressões culturais.

Essa exigência decorre do reconhecimento de que a principal causa de fundamentalismos religiosos e do obscurantismo que através deles se alastra reside na leitura e na compreensão literal das Escrituras e de outros textos que, através da narratividade historiadora, encobrem sistemas de concepções e imagens subjacentes.

Ciudad-de-las-Ciencias. Foto Bispo©

Ciudad de las Ciencias y Artes de Valencia como ponto de partida: apoteose de luz

Ponto de partida da série de ciclos de estudos foi a Ciudad de las Ciencias y de las Artes de Valencia, um dos conjuntos arquitetônico-urbanísticos dedicados às ciências e às artes mais relevantes da Europa. É até mesmo considerado um dos complexos culturais mais importantes do mundo, como salientado recentemente em apresentação feita ao Conselho de Cultura Europeu em Bruxelas no contexto da candidatura de Valencia a Cidade Européia da Cultura para 2016.

Já visitada anteriormente e tratada em seminários dedicados às relações entre Arquitetura e Música, essa cidade de ciências e de artes foi escolhida pelas possibilidades que oferece para o tratamento de questões relacionadas à leitura de imagens e sentidos a partir de uma obra arquitetônico-urbanística do presente.

Ciudad-de-las-Ciencias. Foto Bispo©

A Ciudad de las Ciencias y Artes possibilita o exercício de compreensão de sentidos das imagens-modêlos empregadas no projeto e que se revelam na morfologia das obras, ou seja, podem ser analisadas como inerentes, subjacentes à realidade construída.

A luminosidade que irradia do complexo dedicado às ciências e às artes favorece o aguçamento da sensibilidade pela iluminação de mentes como função dos Estudos Culturais. Ao mesmo tempo, chama a atenção ao papel que deve ser conferido à luz no sistema em que se inserem as imagens inerentes à obra.


O seu arquiteto, Santiago Calatrava Valls, após ter completado estudos de Arquitetura de 1969 a 1973 na Escuela Técnica Superior de Arquitectura em Valencia e pós-graduação em Urbanismo, estudou Engenharia de Construção na Escola Técnica de Zürich, na Suiça, doutorando-se em 1981. Essa formação em Engenharia explica o fato de Calatrava ter-se projetado como construtor de pontes.

Essa atenção à estrutura manifesta-se também nos seus edifícios, onde o pensamento e as soluções revelam ser resultados de concepções inseridas em ordenações de imagens e em edifícios de visão do mundo e do homem de remotas origens.

Como documentado em esboços, o arquiteto parte de imagens de formas biológicas, de animais que, reduzidas sucessivamente a suas estruturas fundamentais, fornecem as bases para os projetos. Compreende-se, assim, que o observador reconheça em muitas de suas obras  esqueletos, formações ósseas diversas, conchas e cascos. Como tratado em debates anteriores, ainda que revelando formas biológicas, não seria adequado considerar a arquitetura da Ciudad de las Ciencias y Artes como bio-arquitetura ou arquitetura verde, devendo ser a sua linguagem lida sob outros critérios teóricos.


De função pragmática à resignificação de espaço: caixa de ressonância de ciências e artes

A importância da Ciudad de las Ciencias y Artes evidencia-se em primeiro lugar a partir de sua função dentro do plano reurbanizador de Valencia. Este foi um resultado da necessidade de recuperação urbana da área do grande rio Turia, que marcou a história e a fisionomia da cidade por séculos e que precisou ser desviado pelos problemas causados por inundações. O projeto desempenhou um papel relevante e mesmo exemplar nos debates concernentes à recuperação das muitas cidades européias com zonas desgastadas, problemáticas ou que perderam a sua função original.

Também em outros casos de cidades e zonas portuárias e industriais que passaram por recuperações nas últimas décadas, a solução encontrada foi a da dedicação de edifícios e áreas a fins culturais e de mídia, tais como em Düsseldorf, Essen ou Manchester. Em nenhum desses casos, porém, constata-se intuito de criar-se um complexo de dimensões que pudesse ser designado como uma cidade de ciências e artes.

Para além desse significado local e modelar de planejamento e reconfiguração urbana com o uso do leito do rio como área verde, o projeto revela uma resignificação da área, pois sugere uma metamorfose do meio natural em cidade da ciência e da cultura. Todo o projeto é movido por um movimento transformatório , metamorfoseante, que também pode ser lido na plástica ou dinâmica morfológica das edificações.

Com a decisão de transformar o seu leito em grande parque que leva ao conjunto da Ciudad de las Ciencias y Artes em meio a amplos lagos artificiais, manteve-se o predomínio da paisagem marcada pelas águas, pela terra que surge como sêca das águas e da qual desabrocha o complexo como um imenso cálice ou bojo. Esse processo ascensional é acompanhado pela luz que, de forma quase que ofuscante, resplandece do revestimento de cerâmica branca dos edifícios.

Todo o projeto urbanizador parte de um ato de secamento, levando à transformação da área em imensa caixa de ressonância para as ciências e as artes. Essa imagem, nascida da necessidade ou da função do projeto na reconfiguração urbana, reflete-se também nos edifícios, que sugerem cortes em cascos de coberturas dos quais se revelam estruturas.

Essas formas despertam imediatas associações com carapaças, esqueletos e texturas ósseas de animais dos quais se tirou a carne, tornando-se vazios interiormente. Elementos estruturais internos dos espaços trazem á lembrança, nesse mesmo sentido, nervos e cartilagens postos à vista nos espaços ocos.


A arquitetura não surge como organização dos espaços de fora para dentro, de criação de invólucros, mas antes como o da libertação de espaços através da de-materialização com a criação do vazio interior, o que faz com que todo o corpo construído se torne apto a ressoar com os impulsos das ciências e das artes.

Leitura adequada de sentidos: de funcionalismo externo à função de significados

Uma crítica da arquitetura da Ciudad de las Ciencias y Artes que partisse de uma falta de funcionalidade dos edifícios ou de seu caráter escultural em arbitrária escolha de formas não levaria em conta outras dimensões de função e funcionalidade que a obra revela.

A sua função foi não a de fornecer espaços adequados no sentido pragmático, técnico, administrativo e organizacional para o cumprimento de tarefas, mas sim primordialmente a de resignificação de toda uma área urbana e de criação de  uma configuração urbana e de edifícios aptos ao preencher o seu sentido programático, ou seja, o de oferecer um instrumento adequado culturalmente a um vibrar das ciências e das artes numa concepção na qual saber é arte e arte saber.

A apreciação justa da Ciudad de las Ciencias y Artes não pode, assim, basear-se em leitura superficial da arquitetura através da consideração de seus sentidos decorrentes de suas funções imediatas, mas sim em leitura não-literal do texto edificado, única capaz de revelar sentidos velados de imagens subjacentes e de mecanismos sistêmicos que possibilitam a movimentação transformatória que emana das construções e que marca necessariamente a atmosfera dos eventos de ciência e artes que nelas decorrem.

O significado mais profundo do projeto passa a ser, assim, objeto de análises de sentidos. Através dessas análises procura-se elucidar as soluções arquitetônicas encontradas para o todo e para os respectivos edifícios, um procedimento de natureza hermenêutica que se justifica pela própria morfologia das construções e seus procedimentos criadores.

Trata-se de uma aproximação que não julga apoditicamente a obra segundo uma leitura superficial, mas sim que procura esclarecer os princípios, estruturas e mecanismos inerentes e o processo fomentador das ciências e das artes que procura desencadear. É um procedimento assim voltado ao esclarecimento e corresponde, no seu cunho de investigação de fundamentos culturais subjacentes, a uma perspectiva que poderia ser considerada como mais propriamente científica sob critérios teórico-culturais.

Desenvolvimento das reflexões: Estudos Culturais/Arquitetura/Música - 40 anos

Devido sobretudo a essas possibilidades de exercícios de leitura da arquitetura é que a Ciudad de las Ciencias y Artes de Valencia tem sido alvo de reflexões teórico-culturais sob a perspectiva e na tradição das reflexões euro-brasileiras.

Essas reflexões inserem-se em debate que vem sendo desenvolvido desde 1968, época do movimento de renovação dos estudos culturais, empíricos, históricos e sistemáticos através do direcionamento das atenções a processos, origem da atual Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais e da A.B.E..

A partir desse escopo teórico, desenvolveram-se iniciativas de relacionamento interdisciplinar entre a Arquitetura e os Estudos Culturais Empíricos por parte de professores e estudantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e o então Museu de Artes e Técnicas Populares da Associação Brasileira de Folclore.

O diálogo interdisciplinar decorreu sob o signo da reciprocidade, procurando-se estabelecer perspectivas do debate arquitetônico no estudo de processos culturais urbanos e, vice-versa, de perspectivas da Pesquisa Cultural Empírica na análise cultural da arquitetura.

Esse desenvolvimento levou, há 40 anos, à apresentação de tese de graduação interdisciplinar à FAU/USP voltada à análise cultural da metrópole e que representou ponto de partida para os estudos e eventos realizados posteriormente.

Reciprocamente, desenvolveu-se um trabalho de análise cultural urbana segundo critérios urbanológicos no Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo e, sobretudo,de um primeiro curso superior dedicado a relações entre Música e desenvolvimento urbano na Faculdade de Música e Educação Artística de São Paulo. (A.A.Bispo, "A Metrópole: Múltiplas Percepções e o Estudo da Cultura Popular", Brasil/Europa & Musicologia, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S./I.B.E.M. 1999, 75-88; "Urbanismo, Música e os Fundamentos da Expressão e Comunicação Humanas", ibidem, 57-74).

Esse curso, pioneiro sob muitos aspectos, foi resultado de reflexões na esfera da disciplina Estética relativas às estreitas relações entre a Música e a Arquitetura. Essas reflexões partiram da constatação que, no sentido convencional da compreensão de ambas, há uma relação inversa nas suas relações com o tempo e o espaço. Se ao ouvir música é esta que decorre no tempo, não se locomovendo o ouvinte, na arquitetura é aquele que se move que vivencia o espaço. (A.A.Bispo, "Tempo, Espaço, Matéria: Uma Introdução ao Estudo da Estética", ibidem, 17-24).

Assim como na área da música procurava-se atualizar concepções teóricas e metodológicas relativas à Morfologia e à Análise Musical, dirigindo a atenção à Estruturação e a Sistemas, passou-se nesse contexto a reconhecer o significado de uma Análise Arquitetônico-Urbanística que, impulsionada pelas reflexões no âmbito da Análise Musical, também dirigisse a sua atenção a configurações subjacentes e a mecanismos internos ao espaço edificado.

Esses estudos foram retomados e atualizados por ocasião da passagem dos 450 anos da fundação de São Paulo, em 2004, quando realizou-se um vasto programa de estudos em diferentes cidades do mundo so o título "Poética da Urbanidade" (http://www.arquitetura.brasil-europa.eu/).

Esse programa incluiu a Ciudad de las Ciencias y Artes de Valencia, fornecendo as bases para um primeiro seminário universitário levado a efeito na Europa sôbre as relações entre Música e Urbanismo. Os trabalhos aqui desenvolvidos tiveram continuidade no Brasil em colóquio de estudos inter-culturais realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Em sessão no Teatro Municipal de São Paulo, tratou-se das relações entre o processo de expansão urbana e a música a partir de imagens e mecanismos inerentes à visão do mundo e do homem de remota proveniência e de suas aplicações na interpretação histórico-cultural da cidade nascida de fundação missionária. (http://www.arquitetura.brasil-europa.eu/Coloquio.htm)

A Lira como imagem básica na criação de caixa de ressonância às ciências e às artes

Essas relações se explicam através de um complexo de central significado no edifício de concepções e imagens do cosmo e do homem que se revela de natureza músico-antropológica devido às personificações de imagens ou e concomitantemente a projeções de concepções do homem ao cosmo. (A.A.Bispo, "Orpheus und der Portugiesische Sprachraum 1986", Brasil/Europa & Musicologia, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S./I.B.E.M. 1999, 299/306).

Como havia sido discutido em colóquio internacional de Antropologia Cultural, a figura central da ordenação imagológica do cosmo como representada no céu estrelado é a da lira. O mito da invenção da lira por Hermes é a chave para a compreensão do conjunto das concepções.

Segundo essa narrativa, o instrumento foi criado por Hermes a partir de uma tartaruga que, morta, forneceu com a sua carapaça a caixa de ressonância do instrumento, tendo como cordas os seus nervos, ao som do qual a divindade entou o seu canto de louvor a Zeus.

Essa elucidação da imagem foi aplicada a diferentes contextos e também cristianizada a partir de sua referenciação como anti-tipo apenas ocorrente na cultura grega a tipo não apenas existente nessa tradição, como também no Velho Testamento. Tornou-se, assim, juntamente com o homem que canta, símbolo de extraordinario significado nos primeiros séculos do Cristianismo. (A.A.Bispo, Christliche Musikanthropologie: Eine Einführung, Musices Aptatio 1992/93, Roma 1999)

Como salientado em eventos anteriores, fundamental para a compreensão das imagens mais estreitamente relacionadas com a lira, ou seja Maia, Hermes, Apolo e Orfeu, é considerar a sequência da narrativa mítica, segundo a qual se estabelece uma troca de atributos entre Hermes e Apolo: este recebe a lira e Hermes a vara maravilhosa de Apolo. De guia ou guardião de bois, Apolo se transforma dem guia das musas, personificações de ciências e artes que "dançam" ao som da sua lira.

Apolo, na sua exemplaridade como guia da cultura, das ciências e artes, representa um portador e irradiador de luz. Sendo associado com o sol, o luminar do dia, não pode, porém, ser identificado com a luz do dia ou com a própria origem da luz. No edifício de ordenação de imagens da visão do cosmos e do homem de remotas origens, Apolo surge como paradigma do homem que, vendo o sol como sinal, sabe que o dia tornará a surgir e com êle novamente um sol jovem seguindo o modêlo básíco de uma ressurreição da origem da luz. Esse homem apolíneo, assim, torna-se capaz de ser um luminar, um portador da luz do intelecto através do cultivo e da irradiação do conhecimento, das ciências e das artes. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Saint-Victor-de-Marseille.html)

A Ciudad de las Ciencias y de las Artes revela, assim, a vigência de antigas imagens de natureza antropologica ou mais propriamente muso-antropológicas e que são generalizadas na compreensão antropocêntrica do cosmo.

Os seus edifícios - e também o projeto urbanístico no seu todo - podem ser lidos como atualizações da imagem da lira inventada por Hermes como instrumento de Apolo como guia das musas, sendo estas personificações de ciências e artes. Explica-se, assim, a atenção dada à luz que irradia dos edifícios e que indica a luminosidade da natureza intelectual em antiga tradição de concepções.


Orientação e a imagem da lira imaculada como instrumento do espirito

Nessa leitura, a Ciudad de las Ciencias y de las Artes revela imagens e seus sentidos no âmbito de ordenação visual e de concepções de remotas origens que foi reinterpretada no processo cristianizador. Essa historiarização tornou-se possível pelo fato de ser esse edifício de imagens também subjacente à história narrada, objeto de revelação da hermenêutica.

Significativamente e correspondendo de forma adequada às características do sistema, encontra-se na área da Ciudad de las Ciencias y de las Artes um espaço livre com série de instrumentos astronômicos que serviram no decorrer dos séculos à norteação do homem nos seus caminhos.

Esses instrumentos trazem à consciência os elos da linguagem visual do edifício de concepções com os céus, os astros e as constelações.O símbolo da lira surge na ordenação estelar em posição central e elevada, determinando relações de sentido no todo. Nas suas correspondências com o ciclo do ano, situa-se acima de seu ponto mais inferior, aquele das noites mais longas do ano, época de trevas no hemisfério norte.


Há um aspecto na interpretação da imagem da lira que não tem sido suficientemente considerado e que leva a conclusões de amplas consequências. Segundo o mito, Hermes „inventa“ a lira logo após o seu nascimento.


Essa „invenção“ deve ser lida em referência à sua mãe, Maia, a ninfa que o concebeu de Zeus. A imagem indica que é ao próprio filho de Zeus que cabe o mérito da natureza privilegiada dessa ninfa em concebê-lo, sendo ela própria o instrumento, a lira de Zeus. Ela, ninfa de montanha, tendo a terra como mãe, tem a sua natureza privilegiada de ter características figurativamente similares àquelas de uma caixa de ressonância criada de animal do qual apenas restou a carapaça.


Tem-se, aqui, na linguagem de anti-tipos que só encontra correspondência no sistema de imagens da cultura antiga - não na de tipos que também se encontra no Velho Testamento - um complexo de concepções próximo àquele que se conhece do debate teológico relativo à Imaculada Conceição. Essa imagem da lira, compreensivelmente, foi através dos séculos aplicada a Maria, a lira do Espírito Santo, presente até hoje em expressões culturais tradicionais em vários contextos, também no Brasil.



A imagem da lira revelada em leituras de sentido da Ciudad de las Ciencias y de las Artes manifesta, assim, um significado mariano, ou melhor, dirige as atenções aos fundamentos imagológicos de concepções fundamentais relacionadas com Maria e que têm a sua expressão na própria catedral de Valencia, marcada pela simbologia de Maria Imaculada.


A Ciudad de las Ciencias y de las Artes, não tendo função religiosa, propicia a recuperação do Sistemático, libertando-o de narratividades e construções históricas, recriando elementos centrais de um edifício por excelência, aquele da arquitetura da visão do mundo e do homem de remota proveniência e que se mantém vigente. Nesse sentido, tem uma função de-mitologizadora e esclarecedora.

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "
A Ciudad de las Ciencias y de las Artes e a iluminação de mentes. Leitura de imagens e sentidos do antigo edifício da visão do mundo e do homem nos seus elos com tempo, espaço e matéria
na arquitetura e na cidade do presente e suas dimensões"
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 138/2 (2012:4). http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Ciudad-de-las-Ciencias-y-de-las-Artes.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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