Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©

China Town Manchester. Foto A.A.Bispo©


Bairro chinês, Manchester
Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/13 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2897




Judeus na internacionalização e profissionalização da vida musical
em centros comerciais da Europa, das Américas e da China
O discípulo de Ignaz Moscheles (1794-1870) Rod Sipp, o D. Quixote do piano


Ciclo de estudos em Peking/Beijing e Manchester
no ano da participação da China como nação convidada na Feira de Hannover 2012
Pelos 500 anos da presença portuguesa na China
em atualização de trabalhos da A.B.E. em Hong Kong e Macau
à época da transferência de soberanias européias à China (1996), centro cultural do bairro chinês, Manchester

 

A internacionalização que se constata na vida cultural da China do presente, como observado e discutido durante os trabalhos euro-brasileiros levados a efeito em Peking/Beijing, em janeiro de 2012, assim como o papel que estudantes, intelectuais e artistas chineses gradualmente passam a desempenhar internacionalmente, manifestam-se de modo particularmente expressivo na esfera musical.

Executantes chineses, em particular pianistas, surpreendem as platéias do Ocidente pelas suas altas qualidades técnicas na execução de repertório internacional. Para um acompanhamento refletido desse desenvolvimento, impõe-se a chineses e não-chineses o estudo da história da prática de instrumentos ocidentais na China.

Uma das questões que aqui se levantam é o do processo de inserção da China num desenvolvimento histórico-musical do Ocidente marcado pelo domínio técnico instrumental, pelo virtuosismo que determinou a vida de concertos do século XIX, configurando-a na forma que até hoje em grande parte perdura.

Esse estudo não é fácil, uma vez que deve basear-se em fontes documentais de difícil acesso, em notícias esparsas em jornais e periódicos das mais diversas regiões. Ela também não é fácil pelo fato de constar sobretudo de nomes de artistas viajantes pouco conhecidos e considerados pela pesquisa histórico-musical européia. Nesse sentido, o levantamento dessas fontes contribui também para a ampliação da história da música para além das suas convencionais delimitações continentais européias.

Essa contribuição, porém, não diz apenas à descoberta de nomes caidos em esquecimento, da constatação da difusão de obras e à revelação de fatos e ocorrências curiosas, mas sem maior relevância. O significado desses intentos para a pesquisa no seu todo deriva do fato de exigir novos critérios de apreciação, que apenas podem ser obtidos se a atenção for dirigida para além do levantamento de nomes, fatos e situações a processos.

Esse estudo contribui para uma reorientação teórica da pesquisa no seu todo, levando a visões globais que relacionam interdisciplinarmente aspectos históricos e culturais. Para os países extra-europeus envolvidos, essa renovação teórica da pesquisa é de significado fundamental, pois trata-se de parte de sua memória e patrimônio que não podem ser tratados sob uma perspectiva depreciativa que relega os seus nomes e obras a uma posição simplesmente marginal.

Necessidade de estudos de contextos globais e seu desenvolvimento nas últimas décadas

Para a América Latina, em particular também para o Brasil, essa necessidade já foi reconhecida há muito. Em cursos de História da Música realizados sob a perspectiva do movimento de renovação dos estudos culturais através de um direcionamento da atenção a processos (Nova Difusão), e que hoje é mantido vivo pela Organização Brasil-Europa, procurou-se, já em fins da década de 60, revelar nomes de compositores esquecidos e considerar no seu devido contexto obras, entre elas do vasto repertório da assim-chamada música de salão.

Em encontro levado a efeito no Instituto Interamericano de Musicologia, em Montevideo, em 1973, constatou-se que essa era uma exigência para todos os países latino-americanos e para os anelos interamericanos em geral. O próprio fundador e diretor daquele instituto, Prof. Dr. Francisco Curt Lange (1903-1997), havia já há muito contribuido para a revelação de muitos "mestres menores" e ao reconhecimento do interesse histórico-musical de virtuoses e compositores como Louis Moreau Gottschalk (1829-1869).

Essa problemática foi discutida juntamente com outros pesquisadores da América Latina, entre êles sobretudo com o Prof. Dr. Samuel Claro-Valdés, da Universidade Católica do Chile pelo editor desta revista quando da preparação, na Alemanha, a partir de 1975, de obra sôbre a Música na América Latina do século XIX, editada por Robert Günther. (R. Günther, ed. Die Musikkulturen Lateinamerikas im 19. Jahrhundert, Regensburg: Gustav Bosse 1982 = Studien zur Musikgeschichte des 19. Jahrhunderts 57).

Nesses trabalhos, constatou-se as dimensões e as dificuldades da tarefa de levantamento de dados esparsos em publicações latino-americanas e européias pouco consideradas e mesmo não conservadas em bibliotecas especializadas, o que exigia uma cooperação mais intensa de pesquisadores.

Reconheceu-se que pesquisa nos arquivos do continente americano podia até mesmo suprir falhas nos conhecimentos da musicologia européia, uma vez que ali se encontram conservadas peças de salão ou de autoria de virtuoses que não foram vistas como de importância para serem arquivadas na Europa. Para esse trabalho em conjunto, decidiu-se, em 1975, constituir uma sucursal européia do Instituto Interamericano de Musicologia, sob a direção do editor desta revista em conjunto com Francisco Curt Lange, e que representou a introdução da área da Latinoamericanística Musical na Europa.

Em eventos posteriores, em particular em simpósio dedicado às relações entre o interamericanismo e os estudos transatlânticos, em 1993, considerou-se que a história da música dos países latino-americanos voltados ao Pacífico e que mantinham contatos com centros norte-americanos da costa ocidental, em particular com a Califórnia, relacionava-se com rotas de viagens e suas transformações no decorrer dos séculos, assim como com correspondentes mudanças de configurações geográfico-culturais e rêdes.

O desenvolvimento dos estudos interamericanos exige a consideração conjunta dos elos com a Europa, ou seja, transatlânticos e pacíficos. Dando-se atenção à esfera americana voltada ao Pacífico abre-se à pesquisa interamericana a imensa área da Ásia e da Austrália e Oceania; também os estudos brasileiros de orientação interamericana necessitam considerar os elos do continente com o Pacífico. Essa foi a razão que tem levado ao desenvolvimento mais intenso de estudos no Pacífico por parte da A.B.E., como relatado em números anteriores desta revista.

Geografias mentais no estudo das relações da China com o Ocidente

Essas considerações, resultantes de reflexões e de necessidades da própria pesquisa, exigem também mudanças quanto a geografias mentais no estudo de processos culturais. Para o pesquisador brasileiro, português ou aquele que se dedica ao estudo dos Descobrimentos portugueses, a visão do Oriente é marcada, ainda que inconscientemente, pelo Caminho das Índias contornando a África. A tendência ao considerar-se as relações de intercâmbio cultural no século XIX foi, nessa tradição, por demais marcada pela configuração global determinada pelas colonias portuguesas, havendo inicialmente a dificuldade de compreender-se outras rotas, orientações e rêdes de contatos.

No século XIX ocorreram consideráveis modificações nos caminhos de ligação entre os continentes em dependência das potências européias envolvidas, ocorrendo deslocamentos e sobreposições de rêdes quanto a elos entre as regiões envolvidas.

Essa situação deve ser particularmente considerada no caso da China. Uma atenção voltada a Macau traz para o pesquisador de princípio um panorama marcado pelos elos históricos sobretudo com a Índia Portuguesa e com Moçambique. Sobretudo com a fundação de Hong Kong, porém, deve-se considerar um outro sistema referencial. Os artistas viajantes não vieram na sua maior parte através do caminho de contorno à África, mas sim da outra direção, da costa ocidental do continente americano, uma situação que apenas mudaria com o Canal de Suez. Os países primeiramente percorridos foram, assim, outros, e outros foram os pressupostos criados pelas experiências culturais com que atingiram Manila, Shanghai, Sydney, Wellington, Batavia, Hong Kong e Macau.

São Francisco passa a adquirir, no contexto assim delineado, significado relevante para o levantamento de dados quanto a nomes e repertórios. 

A partir de uma perspectiva centralizada na China, o desenvolvimento internacionalizador da vida cultural, em particular documentado com a vinda e a apresentação de artistas viajantes, adquire características outras de enfoques portugueses a partir do contexto colonial de Macau ou de inglêses de Hong Kong.

Vistos de Peking/Beijing, o panorama que se oferece é o de configurações e rêdes cambiantes, com vínculos com o Ocidente e o Oriente a partir do referencial chinês, o de diferentes complexos marcados por mudanças de intensidade, decadência e progresso.

Os artistas viajantes que estiveram na China inserem-se nesse panorama em fase da história marcada por desenvolvimentos econômico-políticos e de intensificação de poder de outras potências européias que aquelas da Península Ibérica do passado, em particular a Grã-Bretanha, mas também a França e a Alemanha, intensificando relações com rêdes das colonias holandesas.

Uma geografia cultural marcada por laços mais intensos com a Europa não-ibérica e com os Estados Unidos e com a costa pacífica da América Latina pode explicar o fato de que nomes que se constatam no estudo histórico-musical dessa parte do mundo diferem daqueles conhecidos do Brasil. A consideração desses nomes e decorrências, porém, pode abrir caminhos para o estudo mais aprofundado de rêdes e contextos nos quais se inseriram artistas e compositores que, provenientes da França e do mundo anglo-saxão, também atuaram no Brasil.

Geografias mentais no estudo de processos culturais europeus

Esses estudos mais diferenciados de rêdes e contextos no espaço americano nas suas relações com o do Extremo Oriente e do Pacífico deve ser acompanhado também por similares esforços de diferenciação de geografias mentais no estudo de processos culturais internos europeus.

Focalizando sobretudo determinados centros culturais da Alemanha, Viena ou Paris, a musicologia histórica européia não tem considerado suficientemente as profundas transformações ocorridas no século XIX nas rêdes internas européias em decorrência de novas situações políticas, econômicas e, sobretudo, de desenvolvimento de metrópoles cosmopolitas no contexto da Revolução Industrial.

Sobretudo a vida músico-cultural em cidades inglêsas não tem merecido a atenção necessária nos estudos continentais, surgindo antes como uma espécie de extensão ou apêndice em panoramas histórico-musicais. A consideração da perspectiva de Londres e de outras cidades britânicas surge, porém, como fundamental para o reconhecimento de determinadas rêdes internas da Europa que podem explicar irradiações e desenvolvimentos no mundo extra-europeu marcado pelo comércio e pelo colonialismo britânico, fundamental para os estudos do século XIX.

Importante tarefa dos estudos culturais: judeus e imigração judaica em cidades inglesas

Nesses estudos voltados às relações entre a China e o Ocidene à época do desenvolvimento colonial britânico no Extremo Oriente, há um aspecto da vida das grandes metrópoles inglêsas que então se transformaram em centros da produção fabril e do liberalismo econômico que não pode deixar de ser considerado: o da contribuição judaica para a história social, econômica e cultural. Os estudos anglo-judaicos não são recentes, podendo-se lembrar a fundação da Jewish Historical Society da Inglaterra em 1893, do Museu Judaico de Londres em 1932, dos Arquivos Anglo-Judaicos no university College London na década de sessenta. Constata-se, porém, uma tendência a uma renovação teórica desses estudos a partir sobretudo de impulsos dos estudops culturais.


Um dos principais centros de estudos do patrimônio cultural judaico é o Manchester Jewish Museum, empenhado na sua conservação no âmbito dos intentos patrimoniais da região; uma das preocupações diz respeito aos documentos arquitetônicos, uma vez que muitos edifícios, fábricas e manufaturas que testemunhavam a presença judaica, em particular de imigrantes, já foram destruídos com a transferência de fábricas de tecidos de partes centrais da cidade. (Bill William, "Rescuing the Anglo-Jewish Heritage: The Manchester Experience", Two Nations: British and German Jews in Comparative Perspective, M. Brenner, R. Liedtke, D. Rechter eds.,Tübingen: Mohr Siebeck, 1999, 467-478).


Rêdes internacionais entre a Grã-Bretanha e a Europa Central: Ignaz Moscheles (1794-1870)

Para os estudos euro-brasileiros, a consideração dos elos entre a Europa Central de língua alemã e a Grã-Bretanha surgem como de particular significado, uma vez que o maior vulto da história da música européia que atuou no Brasil - o austríaco Sigismund von Neukomm (1778-1858) - passou grande parte de sua vida posterior na Grã-Bretanha, onde alcançou o seu maior renome.

Para os estudos de processos internacionalizadores em contextos globais que incluam também as Américas como o Extremo Oriente e o Pacífico, a atenção deve ser dirigida a círculos relacionados com Ignaz Moscheles.

Assim como Neukomm, também Ignaz Moscheles provinha do complexo cultural da Áustria-Hungria, ainda que de esferas culturais, religiosas e político-culturais distintas.

A atenção é aqui dirigida ao universo cultural judaico-alemão da Boêmia, então parte da Dupla Monarquia. Após ter obtido formação no Conservatório de Praga e realizado estudos em Viena, passou a realizar viagens de concertos, visitando também Londres; apresentou-se em concerto da Philarmonic em 1821, com a qual permaneceu vinculado.

Após te-se casado em Hamburg com Charlotte Embden (1805-1889), de influente família de banqueiros da comunidade judaica de Altona, transferiu-se para Londres. Ali, atuou como professor na Royal Academy of Music, para a qual havia sido nomeado como membro honorário em 1822, onde formou vários músicos que adquiriram renome internacional, entre êles Sigsmund Thalberg (1812-1871), que visitou o Brasil em 1863.

Moscheles manteve estreitas relações com a família Mendelssohn, e de amizade e profissionais com o jovem Felix Mendelssohn (1809-1847) na Inglaterra, o que fundamentou posteriores elos com Leipzig e a sua vida como professor do Conservatório dessa cidade, fundado por Mendelssohn, a partir de 1846. Em 1832, foi eleito a diretor da Philharmonic Society de Londres. Como pianista e pedagogo, Moscheles percorreu nos seus 20 anos de vida inglêsa várias cidades da Grã-Bretanha, podendo-se aqui salientar a sua atuação em Manchester.

Dessa cidade então em extraordinário desenvolvimento - à qual Moscheles realizou a sua primeira viagem ferroviária - tem-se notícias a respeito de seus concertos e de atividades de ensino que desenvolveu. Lembra-se, aqui, que o seu bisneto foi o diplomata alemão Dr. Georg Rosen (1895-1961) que, durante a ocupação japonesa de Nanking (1937), contribuiu de forma decisiva à salvação de milhares de chineses.

Muitas são as obras que indicam já pelos seus títulos os estreitos elos de Moscheles com a Grã-Bretanha, podendo-se citar, entre outras, Souvenirs d'Irlande, para piano op.69 (1826), Anklänge aus Schottland, op. 75 (1826), Fantaisie sur des airs des bardes écossais, op. 80 (1828).

Como chefe do departamento de piano e composição do Conservatório de Leipzig, Moscheles desenvolveu diligente e intensa atividade de ensino, formando muitos pianistas, entre êles Rod Sipp.

Rod Sipp  na história de relações internacionais do século XIX

Muitos nomes de artistas viajantes e de virtuoses de renome internacionais que estiveram no Brasil e que em alguns casos se estabeleceram no país são conhecidos da pesquisa histórico-musical; o pianista e compositor Rod Sipp, porém, não se encontra nesse rol. O seu nome, porém, foi várias vezes considerado em trabalhos interamericanos, sobretudo relativamente à sua atuação no Chile e no Equador, como salientado por Samuel Claro-Valdéz em encontro realizado em Roma, em 1985, por ocasião da fundação do I.S.M.P.S.. Em trabalhos desenvolvidos em San Francisco, em 1996, o seu nome também pôde ser registrado.

Nos meios musicológicos europeus, Rod Sipp é hoje completamente esquecido, não sendo considerado em léxicos nem em monografias, desconhecendo-se dados mais pormenorizados a respeito de suas obras e de sua vida. Em estudos de fontes do Extremo Oriente, da Indonésia e da Austrália, porém, o nome de Rod Sipp tem sido constantemente registrado. Tem-se, assim, uma personalidade de artista que, desconhecida na Europa, adquire significado para a Ásia, a Austrália e para as Américas voltadas ao Pacífico, um exemplo dos muitos nomes que, devido ao eurocentrismo e aos referenciais nacionais dos estudos, situando-se entre mundos, caiu em absoluto esquecimento e que necessitam ser redescobertos para uma reorientação da pesquisa em direção a contextos e processos globais.

Rod Sipp é um dos primeiros nomes de pianistas de excelente formação e de renome internacional que atuaram na China. Várias cidades chinesas tiveram, com a sua visita, a possibilidade de conhecer a tradição da técnica pianistica centro-européia a que se prendia e o repertório brilhante de sua época, agindo o pianista como veículo de transmissão de novidades, desenvolvimentos e tendências atuais.

Rod Sipp também esteve em Macau, em 1863, aqui representando a sua passagem um marco na história da vida musical da colonia. Essa sua estadia deve ser vista já como uma extensão, uma vez que a sua rota concentrou-se sobretudo no mundo colonial britânico. Tudo indica que foi possibilitada por vínculos com a vida musical de Batávia, considerando que atuou, em Macau, juntamente com a pianista Emmarentia Anna Peter, de influente família da esfera asiática dos Países Baixos e, ao mesmo tempo, integrada no meio macaense (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Emmarentia-Anna-Peter-Van-der-Hoeven.html).

Significativamente, Rod Sipp e Emmarentia Anna Peter executaram uma fantasia para piano da ópera Moisés, de Sigismund Thalberg (1812-1871), inaugurando a fase de entusiasmo pelo virtuosismo na China.

Ainda que a sua execução foi comparada em comentários locais com a de Franz Liszt (1811-1886) Rod Sipp permite antes ser considerado em paralelo com a de Thalberg, o rival de Liszt. Contribuiu, acima de tudo, à difusão de obras de Henri (Heinrich) Herz (1803-1888), compositor austríaco de origem judaica constantemente mencionado em fontes históricas do mundo extra-europeu, A imagem de Herz ficou marcada pela sua virtuosidade, pelas suas obras em estilo brilhante e elegante e pelo sucesso empresarial como construtor de pianos. Foi autor criticado sobretudo por Robert Schumann (1810-1856) por nele ver um representante da decadência da arte, marcada pela procura da popularidade a serviço da comercialização.

Sob o signo de D. Quixote: a cavalaria andante artística pelo mundo

Se sobretudo a personalidade e mesmo a obra de Louis Moreau Gottschalk tem sido estudada como exemplo de elos euro-americanos e interamericanos, Rod Sipp amplia o panorama com as suas viagens também à Austrália, ao Sudeste da Ásia e ao Extremo Oriente, desempenhando um papel que não pode ser menosprezado quanto ao estabelecimento de elos internacionais entre a prática musical da Europa Central e o mundo extra-europeu.

Tendo sido aluno de Ignaz Moschelles  no Conservatório de Leipzig, tornou-se um representante de sua escola e das tendências estéticas de seu círculo. Como aluno de Moschelles possuia uma proximidade tanto com círculos austro-húngaros da formação de seu professor como com aqueles de Hamburg e de Londres, onde Moscheles atuara. Parece ter recebido, assim, de Moscheles a sua abertura para o mundo e o desejo de viagens.

Sob o ponto de vista de estudos culturais, a atenção é despertada sobretudo pelas características da personalidade de Rod Sipp, levando a várias regiões do mundo uma imagem de jovem artista viajante, aberto romanticamente a aventuras e ao conhecimento de outros povos e culturas. De comentários de suas apresentações, pode-se constatar o fascínio que a sua personalidade e o refinamento da sua técnica exerceram nas várias regiões do mundo, sugerindo que representou um novo tipo de artista. Como discípulo de Moscheles, dava continuidade à escola de Muzio Clementi (1752-1832), estabelecendo, assim, uma ponte entre os fundamentos da arte da execução pianística européia com as diferentes regiões do mundo que percorreu.

A ausência de pesquisas mais aprofundadas a respeito de sua atuação como pianista e compositor prejudica, porém, a avaliação de sua vida e obra. A principal fonte a respeito desse esquecido artista é um artigo de título "uma ave migratória rara" publicado no periódico "Sinais para o mundo musical", em 1871. ("Ein seltener Zugvogel", Signale für die Musikalische Welt 29 Jg./32 (1871). O editor dessa publicação e autor do texto, Barholf Senff (1815-1900), de Coburg, era proprietário de uma casa editôra em Leipzig, conhecendo assim pessoalmente Rod Sipp e o meio de sua formação.

O artigo baseia-se em documentos que Rod Sipp entregou-lhe durante uma curta estadia em Leipzig, após 12 anos de viagens pelo mundo, um álbum com fotografias e programas. A ironia do texto indica a novidade do tipo de artista representado por Rod Sipp e a desconfiança quanto à falta de seriedade que despertava no ambiente musical alemão. Barholf Senff não esconde a pouca simpatia que sentia pelo jovem Sipp, reconhecia, porém, tratar-se de uma "figura altamente original" e de rara força de vontade e de espírito empreendedor, o que se manifestava nas suas viagens e na sua sagacidade em assuntos financeiros.

O artigo inicia comunicando que o próprio Rod Sipp considerava-se um D. Quixote musical que punha o mundo a balançar. Compreendia-se, assim, como uma espécie de aventureiro sem juízo que corria pelo mundo. Era uma espécie de herói que combatia moinhos de vento.

A escolha de D. Quixote como tipo que representava indica o romantismo de concepções de Sipp. Êle se via como um cavaleiro andante que ampliava o espaço ibérico da figura de D. Quixote a todo o mundo, criando e vivendo êle próprio o seu romance de cavalaria.

Ao mesmo tempo, tal como o herói da obra de Miguel de Cervantes y Saavedra (1547-1616), a atitude de Sipp parece ter sido marcada por uma certa tendência à auto-relativação em humor, ao grotesco e ao parodístico, o que parecia ser expressão de falta de seriedade para os alemães e o que explicaria o tom irônico do artigo a seu respeito.

Desde há alguns dias encontra-se na sua cidade natal o imparável viajante e pianista Prof. Rod. Sipp. Após ter completado os seus estudos em 1856 no Conservatório de Leipzig, e dado testemunho de sua ambição artística em concerto público com a execução de um concerto para piano e de uma abertura de concerto, deixou a sua cidade natal de Leipzig em 1857, para, como um D. Quixote, um título que êle deu a si próprio, tornar todo o mundo inseguro. Êle parece ter alcançado plenamento o seu objetivo, pois os muitos albuns de viagens que temos às mãos, com os programas e as críticas nas mais diversas línguas ali contidas, comprovam que êle foi admirado em muitos locais como um ser supra-terreno, passando por diversas vezes até mesmo pelo perigo de perder a sua vida. Uma vez a sua salvação foi o poder dos sons, outra estes levaram quase à sua morte, pois acreditou-se que se tinham diante de si o verdadeiro demônio. (O gosto é por todo o lado diferente) (loc.cit.)

Rod Sipp na América do Sul: círculos alemães e ingleses de Valparaíso

As viagens pelo mundo de Rod Sipp levaram-no, após a sua formatura, a percorrer primeiramente a América do Sul, em particular os países de língua espanhola. O seu quixotismo dirigiu-o a regiões distantes, que até então não tinham tido contato com a música de concertos, como a ilha de Chiloe, no Chile. Aqui teria atuado como pioneiro, sob circunstâncias improvisadas e aventureiras, e que permaneceram vivas nos relatos que dava a respeito de suas viagens. Tudo indica que os seus estreitos elos com o Chile foram possibilitados e marcados pela influente presença alemã na sociedade e cultura de vários centros musicais do país, em particular em Valparaíso. Essa cidade de porto e de comércio era base e centro da esquadra chilena e a navios estrangeiros, sobretudos inglêses, franceses e norteamericanos que se dirigiam ao Pacífico, possuindo uma alta porcentagem de habitantes ingleses:

"Este alto número de extranjeros en la población porteña redundaria no solamente en el aire cosmopolita de la ciudad, sino que fue una causa decisiva para que existiera en Valparaíso una tolerancia hacia el protestantismo (...); Cabe mencionar a este respecto lo que el alemán Paul Treutler escribiera acerca de Valparaíso afirmando que (...) sus habitantes en todo sentido eran ilustrados y de tendencias liberales" (Luis Merino, Música y sociedad en el Valparaiso decimonónico", R. Günther ed., Die Musikkulturen Lateinamerikas im 19. Jahrhundert, loc.cit. 199-235-199)

O seu interesse pelas tradições chilenas - Valparaíso era centro da zamacueca - manifestou-se no fato de ter composto uma Zamacueca de Salão, editada em Hamburg (ed. Aug. Cranz) como parte de suas Oeuvres de Piano ali impressas.

Subindo a costa da América do Sul, apresentou-se em concertos no Peru, Equador e Colombia, passando a países da América Central e a ilhas do Caribe.

O autor do artigo não deixa de salientar a inteligência financeira de Sipp nas suas apresentações desde o início de sua carreira no Chile. Esse acento dado aos interesses econômicos do pianista reflete pelo que tudo indica ressentimentos anti-semitas discriminatórios de Senff.

Dar aqui uma exata sequência de suas viagens e concertos estaria quase na área do impossível, pois teríamos quer acompanhar um período de 14 anos. Citando apenas de passagem os principais episódios de sua vida, vamos encontrá-lo por ex. como pioneiro e único representante da música verdadeira em Chiloe, uma ilha no mar ao sul do Chile, onde êle deu provas de sua magia musical tanto à elite sulamericana como aos nativos na principal sala da municipalidade chilena de Aucud, também chamada de S. Carlos. O público precisou ser avisado de forma especial a respeito do concerto, pois os ouvintes precisavam conseguir cadeiras que eram uma raridade apesar da abundância de madeira, que é o principal produto de comércio da ilha! Como a terra era muito pobre, correndo apenas moedas de cobre, o Sr. Sipp teve a feliz idéia de exigir tábuas como preço de entrada, de modo que todo o pátio da Municipalidade encheu-se em poucos dias de madeira, tornando-se intransitável; êle enviou a carga pouco depois por navio a Valparaíso, onde pôde ser cambiada naturalmente em dinheiro sonante. Depois de ter dado um grande número de concertos nas repúblicas sulamericanas de Chile, Peru, Equador, Nova Granada etc. etc., dambém dando aulas quando foi bem pago, prosseguiu a sua viagem à América Central e às Índias Ocidentais. Em 1862 apareceu de novo na Europa, mas apenas para imediatemente desaparecer de novo! (loc.cit.)

Rod Sipp em direção ao Extremo Oriente: atuação na Califórnia à época da corrida do ouro

Essas viagens artísticas e esses contatos com as regiões íbero-americanas fizeram que Rod Sipp fosse comparado a um Humboldt do piano. Esses conhecimentos e experiências da América do Sul o pianista já possuia quando dirigiu-se ao Extremo Oriente. A sua curta estada na Europa, um anos antes de apresentar-se em Macau, serviu para adquirir materiais e instrumentos que levou consigo nas viagens que se seguiram. Rod Sipp apresentava-se assim como pianista atualizado, informado das novas tendências estéticas e obras. 

Aqui aproveitou a sua curta estadia para se preparar a uma mais longa aventura exploratória à la Don Quixote e à la Humboldt, armando-se com os instrumentos necessários e músicas. Um bom piano de cauda parisiense (Erard), um Wankel e um Temmler de Leipzig e um menino de Baltimore foram suficientes para não apenas vencer os cimos das montanhas, mas também para penetrar nas profundezas das emoções humanas. (loc.cit.)

A sua viagem levou-o novamente ao Peru, dali ao Panamá, atingindo San Francisco, então centro da corrida do ouro. Jornais da Califórnia anunciam a sua estadia (e.o. Daily Alta California XIV/4664, 29. Novembro de 1862; 4677, 12 de Dezembro de 1862; The Golden Era, 28 de Dezembro de 1862).

O seu debut em S. Francisco deu-se no dia 28 de Novembro de 1862 perante "full and fashionable audience, being assisted in the concert portion of the entertainment by Mm Parker, Mr. S. W. Leach (...) Mr. Sipp (...) plays (...) with light and graceful fingering." (Daily Alta California XIV/4664, loc.cit.). O The Golden Era, acentua o fascínio da personalidade do artista: "Now, who ever dreamed that Sipp was such a charmer?" (loc.cit.)

Um dos pontos altos da sua tournée deu-se no Havai, onde teria recebido o título de pianista real sob Kamehameha IV (1834-1863) e da rainha Emma (1836-1885) (http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Musica-na-monarquia-havaiana.html). Ali realizou uma execução considerada como grandiosa de Die Schöpfung de J. Haydn, ainda que com acompanhamento de piano, uma realização que, pelo seu profundo significado para o mundo cultural alemão demonstra que a atuação de Sipp não era irrefletida, procurando acentuar valores musicais clássicos centro-europeus. Considerando os elos do Havaí com a Alemanha nas décadas que se seguiram, a ação de Sipp surge como de significado para a abertura de caminhos.

Agora, porém, viajou-se a vapor. De Hamburgo a Lima, do Panamá a San Francisco em Califórnia foram dois saltos, e já no mês de abril do ano seguinte vamos encontrá-lo em Honolulu, nas Ilhas Sandwich, como pianista de sua Majestade o rei Kamehameha. Apesar de lá ter sido morto o imorrível navegante Cook, parece ao leitor talvez ser uma ironia tomar conhecimento que em Honolulu executou-se a Criação de Haydn sob a direção de Sipp por centenas de cantores com acompanhamento de piano. (loc.cit.)

Sipp na China, Japão, Índias Orientais Holandesas, Austrália e Filipinas

Foi a partir do Havaí que Sipp alcançou a China, atuando em várias cidades, entre elas em Hong Kong e em Macau. Apresentou-se em cidades do Japão, assim como em muitas do Sudeste da Ásia, salientando-se aqui os centros coloniais sob a administração holandesa.

Os próximos concertos foram dados na China: Shanghai, Hongkong, Macao etc., no Japão: Yokohama, Nagasaki etc., em Java: Batavia, Soerabaya, Samarang, Pasoeroean, Djocjacarta, Solo, Poerworedjo, etc., Sumatra, Borneo, Australia, Índias Orientais, Africa, ilhas filipinas, onde só numa cidade, em Manila, deu seis concertos, no Teatro Principe Alfonso, um dos poucos edifícios que restara do terrível terremoto que há pouco ocorrera! O Sultão de Djocjacarta, assim como o imperador de Solo não deixaram de assistir a seus concertos com muitos príncipes de relêvo, e a magnificência dos costumes orientais-javaneses, o brilho das côrtes asiáticas e das Índias orientais, podem apenas ser avaliadas fracamente na fantasia das estórias das "Mil e uma Noites". Numa das ilhas mais a norte, habitada principalmente por antropófagos, foi êle quase que frito vivo, e teve a sua vida salva apenas graças aos sons de uma gaita de bôca que trazia consigo e à chegada por acaso do Governador da ilha. (loc.cit.

Dessas viagens pelo Oriente e Pacífico, as condições mais favoráveis parece ter encontrado Sipp em Sydney e em Batávia, onde já havia uma prática musical mais desenvolvida na sociedade colonial, o que possibilitou-lhe executar concertos com acompanhamento de orquestra. Jornais de Sydney contém referências sob a sua estadia (Sydney Morning Herald, 21. Maio de 1866) e a composições de sua autoria, como a Valsa brilhante Rosa, e a Fantasia sobre temas de "Linda de Chamonix".

A descrição das viagens na Austrália, por exemplo de Sidney a Melbourne por terra, poderia encher todo um livro. Ali vemos o incarnado Don Quixote no seu Rosinante imortal, com o Sancho por detrás na forma de um cocheiro com o piano de cauda, caminhando silenciosamente pelo sertão perigoso, admirando de ver uma cidade após a outra surgir como cogumelos da terra, onde antes apenas existiam árvores. Eram as mal-afamadas hordas nômadas dos que procuravam ouro que improvisavam em poucas horas uma cidade onde esperavam encontrar ouro.
Que o Sr. Sipp ali não tocou sonatas de Beethoven, todos podem desculpá-lo. Muito mais gratificante lê-se os programas de Sidney, onde encontram-se muito frequentemente os nomes de Beethoven, Liszt, Chopin, von Bülow e Moscheles (o seu antigo professor), e em Batavia até mesmo a marcha do Tannhäuser de Richard Wagner para orquestra e coro e concertos para piano e orquestra de Chopin e Mendelssohn executados por diletantes. (loc.cit.)

Apresentação em Macau na residência do Barão de Cercal

O concerto em Macau teve lugar na residência do Barão de Cercal no dia 11 de dezembro de 1863, uma sexta-feira, às 8:30 horas (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Emmarentia-Anna-Peter-Van-der-Hoeven.html).

A atuação de Rod Sipp em Macau parece ter sido possibilitada pela família de van der Hoeven residente em Macau, negociantes de posses e intelectuais de Rotterdam, cujos nomes indicam elos com a tradição judaica, como no caso de Abraham van der Hoeven (1763-1803). Jan van der Hoeven estava então empenhado na intensificação dos negócios holandeses das Indias Orientais com a China.

O programa que Sipp apresentou em Macau testemunha a sua formação com Moscheles. Foi aberto com uma peça a quatro mãos, com Emmarentia Anna Peter, a Fantaisie sur des thèmes de l’opéra Moise de G. Rossini, op.33. do aluno de Moscheles Sigismund Thalberg (1812-1871). Executaram, também a quatro mãos, as Variações sôbre La Parisienne, de Henri /Heinrich) Herz (1803-1888).

Além dessas obras, o pianista viajante executou O último pensamento de Weber, também de Henri Herz, encerrando a primeira parte do programa, e, na segunda parte, duas peças de sua própria autoria, uma Fantasia de La Traviata e A última rosa do estio, um tema com variações, tendo esta encerrado o programa.


"A execucão artística deslumbrou o auditório. Dizem que ha gente que pode ouvir impassível qualquer trecho de música. R. Sipp não a conhece por certo. Se junto de alguem tocou uma vez, por exemplo, a segunda variação do Ultimo pensamento de Weber, de maneira por que a executou na sexta-feira, e a pessoa por quem se fazia escutar não sentiu estremecer-lhe a alma. R. Sipp teve perto de si um cadaver - É que ha uma doçura tal n‘aquele rapidissimo dedilhar de um teclado, que mais parece de musica celeste que de arte humana." (Ta-ssi-yang-kuo, 17 de dezembro de 1863)

Do Oriente e da Austrália e Oceania à América do Sul

Após ter estado na Austrália e retornado a Batávia, partiu dali novamente à América do Sul, visitando mais uma vez o Equador, país que visitou mais do que qualquer outro. Segundo as informações que deu na Europa, teria sido o primeiro pianista a ter dado um concerto em Quito.

De repente aparece esse vulto romântico num outro canto bem distante do mundo, surgindo de algum lugar da mata do Equador. Sim, é o mesmo. Êle já tinha achado tão interessante a viagem que já havia feito uma vez a Quito, passando pelo Chimborazo, que não pode ficar mais longo tempo no país dos antípodos, e agora, elevando-se tal como um condor a 9000 pés acima do nível do mar, dará de si o mais alto, que iria deixar todo o mais muito abaixo. Deu, a saber, um concerto, o primeiro de Quito, a capital do Equador, a 9000 pés do nível do mar. Essa viagem de Guayaquil a Quito, que como se sabe foi descrita como terrivelmente perigosa por Ida Pfeiffer, foi por êle feita dez vezes. Ali vivia a sua Dulcinea, ali iria tomar conhecimento também com o mais terrível terremoto que o mundo até hoje viu no dia 16 de agosto de 1868. 40.000 pessoas não sobreviveram os dez minutos que a êle se seguiram. O Sr. Sipp não estaria mais provavelmente entre nós se o destino não quisesse que fora expedido pela janela aberta para fora ao quintal. (loc.cit.)

Atuação em New Orleans e outras cidades dos Estados Unidos

O principal centro musical norte-americano visitado por Sipp foi New Orleans, fato que o aproxima mais uma vez de Louis Moreau Gottschalk (1829-1869). A razão dessa importância de New Orleans no panorama da vida musical do globo explica-se pelo fato dali existir uma vida musical e artística estabelecida, assim como pela natureza acentuadamente cosmopolita da cidade, possuidora de influentes comunidades alemã e judaica.

A congregação hebraica local, fundada em 1828, surgira da união da comunidade de colonos alemães judeus e a da sinagoga portuguesa-espanhola, formada por sefarditas vindos da América do Sul e do Caribe. Também Gottschalk vinculava-se por parte de pai à tradição judaico-hispânica.

Bibliotecas norte-americanas conservam algumas composições de sua autoria, tais como Elena, Mazurka publicada em Hamburg, The Nightingale and the Canary Bird (Baltimore, 1869) e The College Bells/Les Cloches du Collège (New Orleans, 1869). Esta última pode ser vista como um sugestivo exemplo de uso de recursos imitativos para o alcance de efeitos e que parece ter caracterizado a prática de improvisação e de fantasiar de Sipp. Designada como peça característica, inicia-se com uma expressiva imitação de sinos, passando, a seguir, a elaborações de brilho.

Dos Estados Unidos, apenas encontramos representado até agora o Sul. Parece ter dado preferência a New Orleans, onde esteve por tempo mais longo. Como se sabe, ali existe a única ópera estável na América e o único teatro alemão estável sob a direção do ator Oscar Guttmann, e como essa cidade tem uma natureza tão cosmopolita, achamos natural que um artista tão viajado não pudesse decidir-se a fazer brilhar a sua luz no norte. Lembramo-nos, porém, de ter lido o seu nome em folhas de New York e de Boston, assim como parece ter sido extraordinário a sua execução do concerto em Mib-Maior de Beethoven em Baltimore.

Como mencionado, o artigo de Senff salienta várias vezes a perícia de Sipp em tirar proveito econômico de sua arte, de sua aparência e de sua atitude em palco, o que pode ser visto como expressão de antisemitismo do autor. Segundo Senfll, exigindo preços altos para os seus concertos, Sipp fazia com que as suas apresentações se tornassem eventos sociais para círculos privilegiados das várias regiões.

Sob o ponto de vista pecuniário deve-se acrescenter que êle exige por vezes preços fabulosos para os seus concertos, assim lemos por exemplo em programas da China e do Japão: cinco dólares em ouro para um bilhete, ou seja, mais do que 7 talers, e, nas críticas que se seguiram, "Herr Sipp's Concert was crowded to overflowing." (loc.cit.)

Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Judeus na internacionalização e profissionalização da vida musical em centros comerciais da Europa, das Américas e da China. O discípulo de Ignaz Moscheles (1794-1870) Rod Sipp, o D. Quixote do piano". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/13 (2012:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Rod-Sipp.html


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.