Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Chettam Music School. Foto A.A.Bispo©

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/12 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2896


A.B.E.



Emmarentia Anna Peter Van der Hoeven (1836-1865)
O cultivo da música na tradição da burguesia de Rotterdam em Batavia
e suas repercussões na China
em época de revitalização do comércio das Índias Orientais Holandesas



Ciclo de estudos em Peking/Beijing e Manchester
no ano da participação da China como nação convidada na Feira de Hannover 2012
Pelos 500 anos da presença portuguesa na China
em atualização de trabalhos da A.B.E. em Hong Kong e Macau
à época da transferência de soberanias européias à China (1996). Chettam Music School, Manchester

 

China e Brasil surgem como potências que emergem de complexos processos de dimensões globais desencadeados pelo expansionismo europeu em passado já de séculos. Apesar de todas as diferenças, há paralelos em desenvolvimentos, mecanismos e configurações culturais que merecem ser considerados com atenção, uma vez que permitem análises dos resultados da ação européia em diferentes contextos, contribuem para a elucidação de ocorrências e tendências no presente, assim como incitam a procedimentos refletidos para o futuro.

Esses intuitos já foram formulados por ocasião da transferência de soberania de Hong Kong e Macau à China quando, em 1996, realizaram-se encontros e estudos naqueles territórios. Esse empreendimento, que deu origem a outros eventos, partiu de uma constatação que pode parecer singular à primeira vista: a do papel relevante desempenhado pela música nas relações com a Europa em ambos os contextos, tanto na China como no Brasil (veja Tema em Debate).

A música foi, no Brasil, um dos principais meios de atração de indígenas e de sua transformação cultural através da catequese, e também na China foi a música um dos mais eficientes caminhos de entrada para europeus no universo fechado de uma cultura milenar (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Eunucos-na-China.html). Apesar desse significado, o emprêgo da música como veículo de transformação cultural distinguiu-se de forma significante nos dois contextos.

O vínculo mais imediatamente evidente de elos músico-culturais entre o Brasil e a China deu-se naturalmente através da inserção histórica do Brasil e de Macau no império colonial português. Apesar das diferenças do meio receptor nos dois casos, a presença portuguesa garantiu similaridades sob muitos aspectos na vida cultural e musical, como constatado através de estudos desenvolvidos no âmbito do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S.) e que constituiram principal objeto de estudos dos trabalhos desenvolvidos em 1996 e naqueles qus os seguiram.

Passados agora mais de 15 anos daquela iniciativa, cumpre tentar assumir de forma mais decidida a posição da China na consideração do passado colonial e do presente cultural de territórios que, apesar de suas condições especiais, passam a fazer parte de um complexo patrimônio cultural chinês.

Significado de instrumentos de teclado nas relações euro-chinesas

Assim como na tecnologia e nas ciências exatas, também na música a China assumiu instrumentos, técnicas e repertórios do Ocidente, o que se manifesta em excelentes intérpretes que passam a participar da vida internacional de concertos. Esse fato, por vezes lamentado por representar recepção da cultura musical ocidental e não manifestar características tradicionais da música chinesa, representa um fenômeno a ser considerado pelos Estudos Culturais, possivelmente até mesmo capaz de abrir perspectivas para a compreensão de desenvolvimentos que ocorrem em outras áreas do saber, das ciências e da técnica.

Uma das esferas da prática musical em que instrumentistas chineses se salientam e passam a competir com aqueles de outras nações é a do piano. As escolas superiores de música da Europa recebem com frequência pianistas chineses que em geral se destacam pelas suas qualidades técnicas de execução e de interpretação de obras de grandes compositores europeus.

O fenômeno da proficiência instrumental de povos que passaram por processos de transformação cultural, em particular através da missionação é conhecido de várias situações em diferentes continentes. Foi, por exemplo, o caso das missões do Paraguai, onde foi visto como testemunho da "inteligência prática" dos indígenas pelos missionários.

Esse fenômeno da aptidão técnica e mesmo virtuosística em situações culturais marcadas por problemas de identidade em processos de mudança cultural vem sendo estudado sob diferentes aspectos, entre êles como expressão de situações de instabilidade e de impulsos auto-afirmativos.

No caso da China, os instrumentos de teclado desempenharam papel de extraordinária relevância por motivos especiais, determinados pelas próprias caracteristicas da cultura chinesa: no teclado houve a possibilidade de elucidação e de apreensão mais fácil de fatos teórico-musicais e de relações numéricas que estabeleciam pontes para edifícios mais amplos de concepções do mundo. Os fundamentos do fascínio chinês por instrumentos de teclado ocidentais devem ser vistos primordialmente na esfera teórica e de concepções musicais (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Eunucos-na-China.html).

No presente, a China passa a integrar no seu patrimônio também desenvolvimentos que foram resultados de processos originados em enclaves coloniais e em meios de imigração, não tanto determinados por interesses teóricos, mas sim por fatores que privilegiam o interesse prático, manifestado no fascínio e no anelo pelo domínio técnico da execução. As fontes conhecidas desses centros da vida musical documentam não tanto interesse teórico, mas a admiração por virtuoses e a existência de amadores de grandes aptidões e que comprovam o exercício diligente de instrumentos no ensino e na vida doméstica.

Os pianistas chineses que hoje se preocupem em refletir a respeito do seu fazer, olhando para o passado, não podem deixar de inserir-se nessa história de centros de vida musical ocidental que agora estão integrados na China. Êles fazem parte de uma história do piano na China que é, em grande parte, a história da vida musical nesses centros. Para a reconstrução dessa história, os estudiosos chineses necessitam utilizar-se das mesmas fontes documentais utilizadas pelos inglêses, portugueses e representantes de outras nações que procurem considerar a sua própria cultura em extensões coloniais, lendo-as, porém, de outra posição e sob diferente perspectiva. Será com base nessas distintas formas de uso e interpretação de fontes que em grande parte são comuns que se desenvolverá a reflexão em diálogo internacional.

Novo papel de instrumentos de teclado no Extremo Oriente do século XIX

Nesse intento, o estudo da música para piano no século XIX no Extremo Oriente merece particular atenção. Esse foi o século dos grandes artistas do piano na Europa, virtuoses de extraordinário domínio de um instrumento que adquiria crescentes possibilidades técnicas e que, com obras brilhantes e de dificuldades capazes de causar admiração marcaram um novo desenvolvimento da vida de concertos e da imagem do instrumentista.

Esse desenvolvimento europeu do século XIX e que teve prosseguimento até o presente tem sido apenas gradativamente analisado sob perspectivas teórico-culturais que atentem com mais cuidado a seus elos com processos de transformação cultural e social nas metrópoles européias. Por demais ficou a historiografia marcada por critérios de valor que levaram a um obscurecimento e mesmo a uma desvalorização de certos aspectos do desenvolvimento artístico do século XIX, sejam composições destinadas a causar sensação, como fantasias brilhantes sobre árias de ópera ou peças de impacto público, sejam expressões de projeção artística de virtuoses ou de comercialização da vida de concertos.

Singularmente, o despertar do interesse da pesquisa para questões da cultura popular, de comunicação e mídia do presente abre perspectivas para uma nova consideração de determinados aspectos de desenvolvimentos músico-culturais do século XIX.

Essa reconsideração a partir de critérios antes teórico-culturais possibilita também o reconhecimento do significado de estudos não apenas de difusões de repertórios e práticas de execução, de viagens de músicos pelo mundo ou de outros aspectos relativos a extensões de desenvolvimentos europeus, mas sim também de transformações de processos músico-culturais há muito vigentes no mundo extra-europeu e que adquiriram novos impulsos transformadores.

Essa perspectiva voltada a desenvolvimentos extra-europeus pode também abrir caminhos para análises histórico-musicais na própria Europa, pois passa-se a atentar também na Europa a situações criadas por migrações e surgimentos de novas comunidades urbanas ou de transformações de antigas urbes em centros cosmopolitas no decorrer das profundas transformações sociais decorrentes da industrialização, do liberalismo econômico, do comércio mundial e do colonialismo. Contextos de conotações coloniais, enclaves e comunidades marcadas por migrantes existiram não apenas fora da Europa, mas também nas grandes cidades européias.

Música na cidade por excelência do Liberalismo econômico. Chetham's Music School

Para a consideração desse complexo de questões, Manchester oferece-se como metrópole de particular relevância para estudos culturais em contextos globais. Manchester foi não apenas centro da Revolução Industrial, do Liberalismo econômico e de movimentos políticos e sociais, como também centro de vida musical de remotas origens que experimentou profundas modificações com o seu desenvolvimento no século XIX.

Entre as várias instituições musicais de Manchester, salienta-se o Chetham's Music School, a maior escola de música especializada da Grã- Bretanha e que desempenha um papel de extraordinário significado na vida urbana, o que é salientado significativamente pelo fato de encontrar-se instalada no centro da metrópole, próxima à sua famosa catedral. Esses edifícios seculares testemunham a inserção de Chetham no patrimônio material e imaterial da Grã-Bretanha remontante à Idade Média.

Em particular o seu famoso auditório Baronial Hall manifesta, no seu contraste com outros edifícios da cidade, marcada pelo desenvolvimento industrial e por novas soluções arquitetônicas, as dimensões das transformações que se processaram com a industrialização e o crescimento demográfico da cidade no século XIX.

A diversidade do ensino e da prática musical de Chetham e a sua vitalidade dirigem a atenção ao relacionamento entre formas do exercício musical de épocas remotas, de igreja e de círculos aristócraticos e em famílias com aquelas da vida de concertos intensificada com o crescimento cosmopolita da cidade no século XIX.

Toma-se consciência que o desenvolvimento fabril e mercantil de Manchester, com as suas novas condições demográficas e sociais foi acompanhado por processos de transformação cultural e de ascensão das parcelas populacionais envolvidas, possibilitando o surgimento de público com novas características. Essas condições explicam o fato de ter sido Manchester visitada por virtuoses de renome internacional no século XIX.

Música das Índias Orientais Holandesas em novos desenvolvimentos sino-europeus

A sensibilidade aguçada em Manchester para o reconhecimento das mudanças na prática musical em decorrência de transformações em desenvolvimentos comerciais, econômicos e populacionais e, por outro lado, do papel da música em reconfigurações de processos culturais já vigentes abre novas perspectivas para o estudo cultural de contextos coloniais do Extremo Oriente.

Toma-se consciência que a visão de sucessões de predominâncias coloniais - portugueses, seguidos pelos holandeses e pelos inglêses - não deveria continuar a ser marcada convencionalmente segundo concepções de fases, mas sim antes ser consideradas sob perspectivas voltadas a processos transformatórios e interrelações.

Nesse direcionamento da atenção, constata-se que o desenvolvimento da vida cultural em situações coloniais da esfera da Companhia das Índias Orientais Holandesas tem sido insuficientemente considerado, em particular na pesquisa euro-brasileira, dirigida sobretudo a Macau.

Cada vez mais toma-se consciência que, em fins do século XVIII, essa esfera colonial holandesa, em particular o seu centro, Batávia, possuia uma vida cultural diversificada e intensa. Foi a prática da música em famílias e o ensino musical de novas gerações que possibilitou a formação de instrumentistas e cantores amadores capazes de executar obras de maiores dimensões e ambições técnicas e artísticas.


O significado do desenvolvimento musical de Batávia apenas pode ser compreendido levando-se em consideração as características da vida musical na própria Holanda. Esta, designando a parte norte, calvinista, dos Países Baixos, tendo adquirido a sua emancipação na Paz da Vestfália, em 1648, e separando-se da parte sul, católica, a Bélgica sob a Espanha, distinguiu-se pela vitalidade do seu comércio e de seus elos coloniais.

Burgueses enriquecidos em operações comerciais tornaram-se os principais esteios da vida musical, desenvolvendo-se esta no âmbito da prática doméstica e de sociedades de diletantes. A internacionalidade proporcionada pelo comércio repercutiu também na vida musical, fomentando a abertura à recepção de desenvolvimentos e obras do Exterior, em particular também da Inglaterra.


Comerciantes e colonos de famílias vinculadas ao comércio implantaram nas colonias práticas musicais marcadas pela cultivo de instrumentos adequados à prática familiar e da música em sociedade e, ao mesmo, de receptividade a novos desenvolvimentos internacionais. A cultura musical de características burguesas protestantes dos comerciantes holandeses de Batávia distinguiu-se, assim, necessariamente daquelas de centros coloniais com outros pressupostos culturais, como o das comunidades portuguesas como Macau, determinada pelo Catolicismo e centralizada nas igrejas.

Nessas comunidades, a cultura musical profana surgia antes marcada pela prática musical em círculos aristocráticos, e em situações coloniais em esferas de Govêrno, da administração e de representações diplomáticas. Senhoras de altos funcionários coloniais, elas próprias em geral de formação musical, informadas a respeito dos acontecimentos e tendências da atualidade, promoviam em suas residências reuniões frequentadas por pessoas de interesse literário e artístico da sociedade e que contribuiram à difusão de conhecimentos de novas tendências estéticas e obras.

Das Índias holandesas à China. Emmarentia Anna Peter Van der Hoeven (1836-1865)

Esse quadro panorâmico que se oferece pode ser diferenciado com uma orientação teórico-cultural dirigida a processos e a relações entre esferas e suas transformações em decorrências a novas situações político-econômicas.

Cumpre aqui considerar como a gradual modificação de predominâncias e rêdes no Extremo Oriente com a intensificação da presença britânica levou a interações entre diferentes configurações de vida musical, daquela burguesa de comerciantes holandeses enriquecidos das colonias com vida social de tradição antes aristocrática, lançando bases para novos desenvolvimentos em ambientes marcados pelo cosmopolitismo de centros da esfera inglesa.

Como estudo de caso oferece-se de forma particularmente significativa Emmarentia Anna Peter, nascida em Batavia, em 1836, e falecida em Macau, em 1865. Filha de John Hendrik Peter e Maria Drost, recebeu em Batavia formação musical, alcançando elevado nível como pianista.

Emmarentia Anna Peter casou-se em 1836 em Batavia com Jan des Amorie van der Hoeven (1825-1877), inaugurador de uma nova fase das relações entre os Países Baixos e a China.

O último representante dos Países Baixos junto à China havia sido Abraham Andreas Everardus van Braam Houckgeest em fins do século XVIII, que havia mantido relaçoes com o Inperador Qianlong (1711-1799).

Em 1824, para revitalizar o comércio com as Índias Holandesas sob as novas condições político-globais, o rei Guilherme I (1772-1843) dos Países Baixos fundou a Sociedade de Comércio dos Países Baixos (Nederlandsche Handelmaatschappij), abrindo-se uma agência em Batavia, em 1826. Jan des Amorie van der Hoeven, tornou-se representante dessa Sociedade, encabeçando uma missão especial dos Países Baixos à China. Tornou-se primeiro ministro e atuou como agente comercial do seu país em Guangzhou, entre 1855 e 1866 e consul neerlandês em Cantão. Em 1858, a Sociedade abriu uma representação em Singapura.

Jan des Amorie van der Hoeven, nascido em Utrecht, pertencia a uma família de comerciantes de posses de Rotterdam que também se destacava por seus interesses culturais e científicos. Alguns de seus membros alcançaram renome na medicina, teologia, ciências naturais e literatura, entre êles Jan van der Hoeven (1802-1868), formado na Sorbonne, e Cornelis Van der Hoeven (1792-1871), ambos médicos e professores na Universidade de Leiden.

O casal teve seis filhos, todos nascidos em Macau: Maria (1858), Jacoba (1860), Theodora Agatha (1861), Jan (1863), Henriette (1864), Herman (1865). Vários desses holandeses nascidos em Macau desempenharam posteriormente papéis de significado nos Países Baixos e nas Índias Holandesas. As atividades da Sociedade de Comércio dos Países Baixos intensificaram-se na segunda metade do século XIX com o início de operações bancárias em 1870 e com a abertura de agências em Penang, em 1888, e, no ano seguinte, em Hong Kong.


Tendo Emmarentia falecido com apenas 29 anos, Jan des Amorie van der Hoeven casou-se em segundas núpcias, já em Leiden, com  Hermine Paulina Hubrecht (1843-1883). Uma de suas filhas foi a pianista Abrahamina des Amorie van der Hoeven (1870-1940), que se casou, em segundas núpcias, em 1897, com o pianista e compositor Julius Röntgen (1855-1932), uma das mais influentes personalidades da vida musical dos Países Baixos. O seu pai, Engelbert Röntgen (1829-1879) pertencia à orquestra da Gewandhaus de Leipzig, um dos elos com a tradição musical dessa cidade alemã que já havia marcado a vida de Emmarentia Anna Peter Van der Hoeven.

Julius Röntgen atuou posteriormente como professor em Amsterdam; foi fundador do Conservatório de Amsterdam e participou da criação da nova sala de concertos do Concertgebouw. Amigo de Grieg, tornou-se profundo conhecedor da cultura dinamarquesa.

Concerto histórico na residência do Barão de Cercal

Que Emmarentia Anna Peter van der Hoeven dispunha de qualidades técnicas à altura dos grandes pianistas de sua época isso é comprovado pelo fato de ter-se apresentado juntamente com o pianista Rod. Sipp, que visitou Macau em 1863. Sipp grande virtuose de sua geração, foi o mais destacado pianista que até então visitara Macau (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Rod-Sipp.html).

O concerto teve lugar na residência do Barão de Cercal no dia 11 de dezembro de 1863, uma sexta-feira, às 8:30 horas. O Segundo Barão de Cercal era António Alexandrino de Mello (1837-1885), nascido em Macau, e casado com a macaense Guilhermina Pamela Gonzaga (1841-1893). Tanto o seu pai, Alexandrino António de Melo, 1° barão e visconde de Cercal (c. 1810-1877) e sua mãe Carlota Josefa Botelho (1819-1892) eram também nascidos em Macau.

O concerto de Sipp na residência desses barões testemunha a vida de salão de cunho aristocrático dessa família influente de Macau. O pianista, que mantinha contatos com o meio de Batavia, onde também se apresentou, e tendo o costume de envolver artistas locais nos seus concertos, inclusive para tornar possíveis as suas realizações nas diferentes regiões do mundo que percorreu, encontrou, em Emmarentia Anna Peter uma diletante à altura para executar obras a quatro mãos na abertura da primeira e da segunda parte do programa. Escolheram para isso a Fantaisie sur des thèmes de l’opéra Moise de G. Rossini, op.33. de Sigismund Thalberg (1812-1871) e Variações sôbre La Parisienne, de Henri /Heinrich) Herz (1803-1888). Além dessas obras, o pianista viajante executou O último pensamento de Weber, também de Henri Herz, encerrando a primeira parte do programa, e, na segunda parte, duas peças de sua própria autoria, uma Fantasia de La Traviata e A última rosa do estio, um tema com variações, tendo esta encerrado o programa.

No concerto tomou parte também um tenor italiano que se encontrava de passagem em Macau, de nome Grossi, que interpretou, na primeira parte uma ária de Il Barbieri di Siviglia de G. Rossini e, na segunda parte, uma ária de Don Pascoale, de G. Donizetti e do Ernani, de G. Verdi. Entretanto, os comentários publicados no Ta-ssi-yang-kuo, de 17 de dezembro, não menciona a sua participação, elogiando números de canto de uma Sra. King.

O programa desse concerto demonstra o intuito de apresentação de composições de atualidade na época e representativas de diferentes nações européias. Os macaenses puderam ter conhecimento de correntes estético-musicais mais recentes, tanto do repertório lírico como do instrumental em concerto que teve a participação de executantes estrangeiros de diferentes países. Nesse programa marcado pela internacionalidade, onde confrontaram-se esferas musicais italianas, alemãs, e francesas, a obra que surge como particularmente expressiva dessa fase do desenvolvimento músico-cultural do Extremo Oriente é a fantasia de Sigismund Thalberg, o pianista austríaco rival de Franz Liszt, uma vez que abriu a fase do virtuosismo na região. A escolha dessa obra surge como significativa, uma vez que, assim como o pianista Sipp, também Thalberg possuia elos estreitos com o mundo musical inglês. Nesse ano de 1863, Sigismund Thalberg encontrava-se no Brasil.

"A execucão artística deslumbrou o auditório.

Dizem que ha gente que pode ouvir impassível qualquer trecho de música. R. Sipp não a conhece por certo. Se junto de alguem tocou uma vez, por exemplo, a segunda variação do Ultimo pensamento de Weber, de maneira por que a executou na sexta-feira, e a pessoa por quem se fazia escutar não sentiu estremecer-lhe a alma. R. Sipp teve perto de si um cadaver - É que ha uma doçura tal n‘aquele rapidissimo dedilhar de um teclado, que mais parece de musica celeste que de arte humana."

Também foi elogiada a execução da Sra. Van der Houven, esposa do ministro da Holanda, e a interpretação dos números de canto, a cargo da Sra. King.

O sarau terminou pois deixando a todos encantados e saudosos, para o que não concorreu pouco a graciosa amabilidade da excellentissima e estimavel família, que tão acertadamente chamara, com a sua costumada elegancia e bom gosto, esta festa artistica às suas salas."


Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Emmarentia Anna Peter Van der Hoeven (1836-1865). O cultivo da música na tradição da burguesia de Rotterdam em Batavia e suas repercussões na China à época de revitalização do comércio das Índias Orientais Holandesas". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/12 (2012:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Emmarentia-Anna-Peter-Van-der-Hoeven.html





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