Escada de J. Climacus e procura da perfeição. BRASIL-EUROPA 134/13. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Sucevita, Bucovina. Foto A.A.Bispo

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Sucevita, Bucovina. Foto A.A.Bispo

Sucevita, Bucovina. Foto A.A.Bispo


Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/13 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2822


Academia Brasil-Europa


A escada celestial de João Climacus e a procura da perfeição
nas representações pictóricas da Bucovina e nas tradições do Brasil



Ciclo de estudos da A.B.E. na Bucovina. Sucevita , 2011.

 

Os pesquisadores de expressões religiosas populares no Brasil, em particular daquelas de tradições de cunho místico, conhecem o significado do "retorno à infância" em práticas iniciáticas. Em estudos e eventos realizados nos âmbitos dos trabalhos da A.B.E., essas práticas vêm sendo objeto de análises e reflexões desde a década de 70.

Assim, entre outros, salientou-se, na discussão que se seguiu à sessão acadêmica realizada em 1991 na Universidade Urbaniana, em Roma, sob a presidência do então Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o atual Pontífice, que essa prática, nas suas diversas expressões, ainda que apresentando aspectos heterodoxos, deve ser considerada sob o pano de fundo das tradições relativas à procura da perfeição conhecidas da história do pensamento teológico.

Esse tema tornou-se particularmente atual com a alocução proferida sobre João Climacus pelo Papa Benedito XVI por ocasião de audiência geral de 11 de fevereiro de 2009, com a presença de cardeais, bispos, do movimento focolar e da comunidade Sant'Egidio, assim como de estudantes de Teologia de Augsburg, Bochum, Munique e Potsdam ("Der Kirchenschriftsteller Johannes Climacus", L'Osservatore Romano 8, 2009). Nessa ocasião, salientou-se o significado da imagem da Escada Celestial ou do Paraíso de João Climacus para a vida espiritual a serviço da procura da perfeição, em particular da monacal. A atualidade de João Climacus foi particularmente acentuada.

O tema, sobretudo por basear-se numa imagem, - a da escada -, surge como de particular significado para estudos culturais. Oferece-se, também, pela mesma razão de forma privilegiada a tratamentos a partir de perspectivas teórico-culturais. O enfoque é aqui distinto daquele das interpretações teológicas, apesar do objeto comum dos estudos.

Um ponto de partida para tais considerações teórico-culturais oferecem as representações pictóricas da Escada Celestial de João Cllimacus. Uma delas, em iluminura de manuscrito russo, foi utilizada na edição do jornal vaticano com a alocução pontifícia. Entretanto, uma especial atenção merece a presença da imagem da Escada Celestial nas paredes externas das igrejas conventuais do Moldau. Pelas características de sua linguagem visual, essas representações murais sugerem uma proximidade à cultura popular, servindo ao ensino, à formação e à revitalização ou intensificação da fé daqueles que as lêem e, ao mesmo tempo, manifestando concepções e visualizações vigentes no patrimônio cultural. Elas possibilitam, assim, aproximações ao universo imagológico transmitido pela tradição.

Dessas representações, a da "escada das forças da virtude" da greja conventual de Sucevita é a mais significativa pelas suas dimensões, pela sua força expressiva dos contrastes e pelo seu estado de conservação.

Sucevita, Bucovina. Foto A.A.Bispo

Mosteiro Sucevita

O mosteiro, no povoado Sucevita, no vale estreito do rio Sucevita, situa-se a ca. de 18 km da cidade de Radautz/Radauti. Foi construído pela passagem do século XVI ao XVII. Foi, assim, o mais tardio dos conventos que apresentam pinturas externas do Moldau. É o maior conjunto conventual da época, apresentando a aparência de uma fortaleza, com torres, ameias e muralhas.


A sua edificação foi financiada pela família do bojar Movila; um dos membros dessa família, Ieremia, foi soberano do Moldau nesses anos; outro de seus membros, Simion, exerceu também o poder no Moldau e na Valáquia. A igreja foi construida em 1581 por Gheorghe Movila, bispo de Radauti, tendo sido consagrado na festa da Assunção de 1584. Ieremia e seu irmão Gheorghe encontram-se ali sepultados; Elisabeta, mulher de Ieremias, com as crianças, encontram-se apenas representadas em imagem na nave principal, uma vez que faleceu no estrangeiro, no harém do sultão.

As pinturas externas foram realizados entre 1595 e 1596. O príncipe Ieremia acrescentou à igreja dois telhados pendentes abertos, ao norte e ao sul, assim como habitações, muralhas e torreões de defesa. (Marius Corvin Vasiliu, coord., Die Klöster der Bukowina: Grundsteine des Christentums, Gura Humorului: Terra, 2009, s/p)


Tradição e potencialidade atualizante de imagens

No seu tipo arquitetônico, a igreja testemunha o conservadorismo de concepções; mantém-se presa a um tipo construtivo consolidado à época de Ștefan cel Mare (Estêvão Magno) (ca. 1433-1504)  e ao programa iconográfico que marcou o período de Petru Rareș (ca. 1487-1546). Este inclui, também em Sucevita, entre outros motivos, as representações do Juizo Final (vide texto sobre Voroneț) e a da árvore de Jesse.

A visão apocalíptica e a veneração mariana marcam também aqui o todo dos complexos temáticos. Aquele que entra na igreja é confrontado com o quadro dos acontecimentos dramáticos dos últimos tempos, com imagens expressivas de aterrorizadoras bestas, algumas de duas cabeças e com a representação da grande torrente caudalosa de fogo que marca de forma tão impressionante as imagens do Juízo Final nas igrejas da região.

A parede sul da igreja é dedicada a uma monumental representação da árvore da genealogia humana de Cristo. A representação de cenas da Criação do Homem e de Adão no Paraíso ao alto manifesta a estrutura tipológica do todo representado e direcionado ao "novo Adão". O painel é centralizado pela cena da veneração a Maria, correspondendo ao significado das concepções relativas à Assunção.

Preso à tradição, as representações pictóricas não manifestam intuitos de originalidade de seus artistas, devendo ser consideradas a partir de outros critérios.

Pelas próprias características do edifício de visões do mundo e do homem representado, pelos mecanismos intrínsecos ao próprio sistema, as imagens não possuem sentido meramente ilustrativo de acontecimentos passados, mas representam configurações paradigmáticas ou refereciais para a compreensão de fatos e ocorrências do presente. Possuem, assim, para aquele que as representaram pictoricamente, a potencialidade de atualizações.

Assim, na cena do Juízo Final, o leitor depara-se com representações de turcos, ou seja, dos "infiéis" que marcaram a história atribulada do Moldau à época (vide texto sobre Moldovita). Essa capacidade presentificadora do sistema de imagens possibilitou o estabelecimento de elos com desenvolvimentos históricos da atualidade de então, abrindo possibilidades para recepções de novos impulsos e inovações no patrimônio herdado da linguagem visual.
Supõe-se, por exemplo, que o motivo da Coroação de Nossa Senhora, uma singularidade de Sucevita, represente uma influência da Polonia, explicável pelas relações polonesas da família Movila.

Dentro da coerência do edifício de concepções, havia, assim a possibilidade de redistribuições de pesos e refocalizações. Assim, a veneração a Maria como Mãe de Deus, que tanto marca a arquitetura e as representações, é orientada ao Filho, e esse é o motivo central da pintura da semi-cúpula do naos no interior da igreja. Essa representação baseou-se nas imagens transmitidas em hino que decanta o nascimento de Jesus da tradição ortodoxa. Assim, também na igreja de Sucevita constata-se a existência de estreitos elos entre o canto, a linguagem visual e a arquitetura documentada em outros conventos sobretudo devido ao Hino Akathistos (vide texto sôbre Humor).

A igreja de Sucevita é dedicada à Ressurreição de Cristo. É à luz dessa dedicação que se deve interpretar o significado do conjunto e de suas partes. Os complexos temáticos, ainda que também presentes nas pinturas murais de outras igrejas da Bucovina e embora apresentem similaridades explicáveis através da sua inserção na tradição da linguagem visual, adquirem nova focalização, passam a ser lidos ou "ouvidos" diferenciadamente. Consequentemente, é à luz da Ressurreição que deve-se proceder à leitura da "escada das forças da virtude", representada na parede norte do exterior da igreja.



Obra da mente de uma mulher do povo

A permanência de concepções e formas de expressão documentadas já em igrejas de várias décadas anteriores à Sucevita, as da época de Ștefan cel Mare e Petru Rareș, indica a inserção da igreja conventual e de seus murais no tradição e no patrimônio cultural popular.

As pinturas da igreja foram realizadas por dois irmãos provenientes da própria região, Ioan Zugravul, cognominado de "o pintor " e Sofronie. Como artistas populares, guiaram-se segundo o repertório de imagens herdado da tradição familiar e comunitária.

Principal testemunho dessa proximidade à cultura popular é a narrativa segundo a qual a construção da igreja de Sucevita foi possibilitada por uma senhora idosa da região que, durante 30 anos, com o seu carro de bois, em árduo trabalho, transportou pedras para a edificação da igreja.

O significado dessa narrativa para a memória conventual e da localidade demonstra-se no fato de ter-se gravado, em pedra negra, uma cabeça da mulher do povo a que se deve a construção. Colocada no jardim do convento, essa cabeça surge como um memorial que traz a consciência, de forma expressiva, os vínculos entre o universo de imagens que se manifesta nos grandes painéis pintados com a mente de uma simples mulher do povo, a seu mundo interior. À vista da "Escada das forças da virtude", pergunta-se se o objetivo ao qual dedicou e segundo o qual dirigiu grande parte de sua vida não teria sido determinado pela procura ascensional em rumo à perfeição através do exercício de virtudes. Teria sido impelida e compelida, no seu labor de três décadas, por um complexo de natureza imagológica que, pelos mecanismos intrínsecos ao próprio sistema tendiam a tornar-se presentes, à concretização na atualidade.

A imagem da escada segundo João Climacus (Ἰωάννης Κλίμακος)

Para a explicação do significado da imagem da escada na cultura ortodoxa do Leste tem-se recorrido à autoridade de um monge que tornou-se conhecido sob o nome de João Climacus, de cuja vida se possui poucos dados, nascido provavelmente antes de 579 e falecido ao redor de 649. O seu pensamento e a sua vida foram tão marcados pela imagem da escada que passou a ser segundo ela cognominado, ou seja, "joão escada" (gr. klimax).

Os conhecimentos a seu respeito baseiam-se em Vita escrita por um monge de nome Daniel de Raithu (PG 88, 596-608). Teria entrado muito jovem, com apenas 16 anos, ao mosteiro do Sinai. A sua vida, assim, surge no contexto das imagens e concepções que se prendem ao Sinai, a subida a seus altos e aos vultos de Moisés e Elias.

Como discípulo do abade, um ancião de nome Martyrius, os quatro anos de seu noviciado foram passados em aprendizado de virtudes básicas e auto-exames. Separou-se, assim, do mundo, de todos e desprendeu-se de tudo a que estava preso afetivamente, para voltar a um estado de recém-nascido ou de infância que, de acordo com o mecanismo de atualização de imagens, correspondia àquele do renascido em Cristo. Essa fase de sua vida correspondeu à primeira etapa do caminho à perfeição que ficou relacionado com o seu nome, ou seja, a do "corte com o mundo". Nesse etapa, marcada por ingenuidade, jejum e castidade, aquele que se inicia entrega em modéstia, auto-humilhação e obediência os cuidados pela própria pessoa nas mãos de um mestre, no caso no de Martyrius. Compreende-se, assim, que João Climacus, apesar das normas rígidas de sua vida, tenha-se caracterizado pela sua alegria quase que infantil, fato registrado por outros monges.

Com apenas 20 anos, João Climacus retirou-se a uma gruta aos pés da montanha, na localidade de Thola, onde passou a viver asceticamente por décadas. Essa fase da sua vida, que durou 40 anos, correspondeu à segunda etapa no caminho à perfeição, àquela marcada pela luta contra as paixões ou pela purificação daquele que procura Deus. Cada uma das paixões deve ser combatida pelo seu remédio, que é uma virtude, e esta é imaginada como sendo um dos degraus da escada. As virtudes surgem como forças que atuam contra as paixões, compreendendo-se, assim, nessa linguagem de conotações medicinais, a denominação da escada como sendo aquela das forças ou potências da virtude. Assim, dos 20 aos 60 anos, João Climacus passou a sua vida em silêncio, em jejuns, em contínuo chorar e na luta contra os demônios.

Após esses 40 anos, João Climacus tornou-se abade do mosteiro de Santa Catarina do Sinai, retirando-se, antes de sua morte, novamente à vida eremita. Essa fase de sua vida correspondeu àquela terceira etapa da escada, a da "coroação do caminho da prática", quando, por fim, atinge-se a união com Deus. A última etapa é a da perfeição, correspondendo aos últimos sete degraus. São alcançados pelos Hesychastas, pelos solitários, aqueles que alcançaram a tranquilidade e a paz interior. Como João Climacus no seu retiro final, a alma, atingindo a hesychia, torna-se capaz de enxergar os mistérios divinos. Guiado pelas virtudes da fé, esperança e amor, esta última, tal como luz espiritual, possibilita a união mística da alma com Cristo. A paz interior leva à oração, tanto corporal, através de gestos e suspiros, como espiritual, que da anterior resulta. Aquele que atingiu esse estado apenas passa a repetir constantemente o nome de Jesus, pronunciado no ritmo da respiração; assim a memória de Jesus une-se à forma mais abreviada da oração, o da união do nome de Jesus ao da respiração.


Como autor, João Climacus, entrou na história eclesiástica como autor de obras ascéticas dedicadas ao caminho à perfeição,   sobretudo a "Escada ao Paraíso" (Klimax tu paradeisu, PG 88,632-1164). Trechos dessa obra foram divulgados na Breve Philokalie, livro devocional propagado no mundo da ortodoxia e que, provavelmente, representaram os fundamentos justificativos do significado da imagem nas representações pictóricas das igrejas da Bucovina.

Leitura da "Escada das forças da virtude" em Sucevita

O painel da "Escada das forças da virtude" domina, com as suas grandes dimensões, a parede exterior norte da igreja de Sucevita. A escada estrutura transversalmente a superfície, dividindo-a em duas grandes áreas: a parte superior é ocupada pelos anjos, a parte inferior, pelos demônios e, nos baixos, pelas bestas infernais com as suas bocarras. Pela escada sobem os monges a caminho do Paraíso. Aqueles que se encontram no esteio direito da escada, do lado dos anjos, dão continuidade ao caminho ascensional, aqueles da parte esquerda encontram-se em diversas posições de perda de equilíbrio e queda, alguns procurando-se segurar com braços e pernas nos degraus, outros já em queda, puxados e levados pelos demônios.

Essa representação pictórica da escada adquire um significado teórico-cultural de particular significado, pois oferece chaves para reflexões sobre o papel que a imagem desempenhou no edifício cultural que marcou o universo da tradição popular.

Ao contemplar a obra pictórica, o observador constata o cuidado do artista em mostrar os riscos da subida pela escada. Não se trata de uma escadaria ou de escada sólida com degraus, mas sim de uma escada tal como a utilizam pedreiros, primitiva, cujos degraus são simples ripas de madeira distantes um do outro, deixando entre si largos vãos. A escada não parece estar a prumo, mas enviezada, quase que de lado, e aqueles que a sobem precisam tomar muito cuidado para não só não cair nos vãos, como também não escorregar para a parte inferior da escada. Assim, aqueles que sobem, precisam andar no seu canto mais alto, e os muitos que caem, agarram-se de forma desesperada no esteio inferior da escada. Essa tentativa é em vão, pois são puxados e, se caem, são recebidos por demônios com cabeças e outros atributos bestiais. São puxados e caem num vazio, num caos desordenado, cuja movimentação confusa dos demônios contrasta com a ordem dos anjos, enfileirados como se em exército no espaço superior, à direita da escada. A parede é dividida, assim, em duas partes, uma, a da direita e superior, caracterizada pela ordem e pela luz, outra, a da esquerda e inferior, pela desordem e pelas trevas.

Essa representação pode ser vista como um indício do estado de espírito daqueles que se guiavam pela imagem da "escada das virtudes". Ela sugere a insegurança, a instabilidade, o mêdo, o desespêro daqueles que se viam continuamente confrontados com o perigo da queda, que passavam a vida aterrorizados em poder cair no caos demoníaco, lutando por manter-se em obediência à ordem dos exércitos superiores. O panorama oferecido indica um caminho de vida difícil e riscante, que a todo o momento pode ser interrompido, de modo que mesmo aqueles que se encontram nos altos da escada, ou seja aqueles que até então enfrentaram todas as tentações, podem cair, pondo todo o alcançado a perder. A queda das alturas é muito maior do que a dos que ainda se encontravam em degraus inferiores.


Considerações tipológicas bíblicas

A imagem da "escada/escala" na cultura cristã do Novo Testamento tem como tipo mais evidente, no Velho Testamento, na escada da visão de Jacó (Gn 28,11). Nessa visão, na escada que união a terra e o céu subiam e desciam anjos, encontram-se, nos altos, Deus. A imagem da escada relaciona-se com Sinai, onde Moisés recebeu os mandamentos. A imagem foi relacionada com a cruz, que surge como escada ao Paraíso na tradição patrística.

Considerações tipológicas não-bíblicas

Segundo João Climacus, cada dia devia ser vivido como se fosse o último da vida. Reconhecia que já os gregos haviam reconhecido tal verdade, à medida em que conceberam a Filosofia como uma meditação sobre a morte. Essa menção justifica de forma especial que se procure correspondências tipológicas na Antiguidade não-cristãos, sobretudo também pelo fato dos artistas das igrejas da Bucovina terem incluido filósofos não-cristãos nas suas representações pictóricas.

Um ponto de partida para esses estudos é o da consideração das relações dos anjos e demônios com a luz e as trevas, com o dia e a noite, em sequência à tradição patrística da exegese do relato da Criação (p.e.Agostinho).

A composição é determinada pela escada colocada transversalmente no mundo angelical, entre seres criaturas intelectuais das luzes e das trevas. Os anjos, nas suas ordens na parte superior, surgem como criaturas da luz, do dia, os demônios, no caos da parte inferior, da escuridão e da noite.

A pintura da Escada das Virtudes sugere, assim, uma relação da imagem com as relações entre o dia e a noite, tanto no referente aos dias, como no referente ao ciclo do ano. A parte inferior, a da escuridão, corresponde no ciclo anual àquela do inverno (do hemisfério norte), a parte superior, a iluminada, àquela dos dias longos da época do solstício de verão. A própria imagem parece ter sido derivada da experiência e da observação da mudança da luminosidade na atmosfera ou no ar e de períodos de noites e dias mais longos e curtos.

No aumento da luminosidade no decorrer da parte ascendente do ano manifesta-se a vigência da luz ou do fogo imaterial, atingindo o seu climax na época iluminada do verão. A essa parte ascendente do ano contrapõe-se a parte descendente, aquela que vai do verão ao inverno, quando a luminosidade decai, quando as noites tornam-se mais longas, quando o caminho leva às trevas da época do solstício de inverno. No ciclo do ano natural, a observação leva à imagem de dois direcionamentos, um ascendente e um descendente; utilizando-se da imagem da escada, seria necessário pensar-se ou em duas escadas, uma para subir e outra para descer, ou, no caso de apenas uma para subir, fazê-la preceder por uma queda. Assim, para utilizar-se a imagem da escada para o subir, ou seja, de baixo para cima, deve-se considerar o ciclo do ano primeiramente a partir de sua parte descendente. Essa consideração equivale à da tradição do pensar segundo uma queda de início, o que corresponde ao relato bíblico antes da criação da luz e da perda do Paraíso. A escada, assim, que leva aos altos, está assentada figurativamente na parte mais inferior do ciclo do ano, ou seja, aquela equivalente à época do solstício de inverno do hemisfério norte, marcadas pelas trevas.

(...)


Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."A escada celestial de João Climacus e a procura da perfeição nas representações pictóricas da Bucovina e nas tradições do Brasil." Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/13 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Sucevita-Escada-Celestial.html





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