Akathistos:hino em imagens. BRASIL-EUROPA 134/15. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Humor, Bucovina, foto A.A.Bispo

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Humor, Bucovina, foto A.A.Bispo

Humor, Bucovina, foto A.A.Bispo

Humor, Bucovina, foto A.A.Bispo

Humor, Bucovina, foto A.A.Bispo

Humor, Bucovina, foto A.A.Bispo


Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/15 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2824


Academia Brasil-Europa


Hino Akathistos: imagens no hino, hino em imagens
Patrimônio arquitetônico, pictórico e musical nas suas interrelações
- igreja conventual de Dormitio Mariae em Humor (Bucovina) -


Ciclo de estudos da A.B.E. na Bucovina. Humor, 2011. 20 anos da sessão acadêmica dedicada a Portugal e ao Brasil na Universidade Urbaniana, Roma

 

A festa da Assunção de Nossa Senhora (Assumptio Beatae Mariae Virginis), festejada no dia 15 de agosto, foi uma das festas marianas que mais marcou a configuração do ciclo festivo do ano no Brasil colonial, sendo até hoje comemorada com grande solenidade e festividades em várias regiões, sobretudo em comunidades particularmente marcadas pela vida marítima ou fluvial.

Não só o Brasil, mas outras regiões do mundo descobertas, colonizadas ou cristianizadas pelos portugueses tiveram o seu calendário religioso marcado pela grande festa mariana de agosto. Essa festa adquire não apenas sob o ponto de vista teológico particular significado. Pelas suas expressões tradicionais, oferece possibilidades particularmente favoráveis para o desenvolvimento de estudos culturais.

Pelas suas origens e pelos elos que permitem que sejam reconhecidos com o ciclo do ano natural, oferecem pontos de partida para estudos mais profundos do edifício de concepções e imagens e mesmo para o estudo cultural da Antiguidade e de processos cristianizadores.

Segundo a tradição, a festa remonta a Cirilo de Alexandria que, no século V, a introduziu para substituir transformativamente prática festiva profundamente enraizada da antiga cultura do mundo helênico. Teria representado a cristianização de festa de divindade feminina já existente, Astreia. Como estudos culturais da Antiguidade demonstram, essas concepções antigas necessitam ser consideradas em relações com a da Magna Mater, Artemis/Diana e Athene/Minerva.

Para o desenvolvimento desses estudos neste sentido mais aprofundado e amplo, torna-se necessário considerar, mesmo para a análise das expressões brasileiras, tradições de outros complexos culturais.

A festa de Dormitio Mariae no universo religioso-cultural do Leste

No mundo da Ortodoxia, essa festa é conhecida sob a designação de Dormitio Mariae (gr. Koimesis), ou seja, do Adormecimento no sentido da sua morte. O significado dessa festa nas igrejas do Oriente manifesta-se no fato dela representar a culminação do ano religioso. Este tem início nessa tradição, com a festa do nascimento de Nossa Senhora, no dia 8 de setembro. Há, assim, um estreito elo dos conceitos do ano religioso com a vida de Maria.

Textos não-canônicos parecem ter exercido influência considerável nas tradições do mundo bizantino. Talvez baseado em texto perdido de título Transitus Mariae, presumivelmente escrito ao redor do ano 400, transmitiu-se em escritos apócrifos que, à morte de Maria, os apóstolos, vindos de forma maravilhosa das várias regiões onde atuavam, a sepultaram; Cristo, porém, vindo com anjos, afastou a pedra colocada acima de sua sepultura, chamando-a. Na tradição visual dos ícones, a alma de Maria é representada como um recém-nascido. Nessas imagens, ao lado de outros apóstolos, surgem muitas vezes o apóstolo João, com uma vela, assim como Pedro, com água benta.

Para o estudo dessas concepções e imagens, oferece-se de forma especial uma das igrejas conventuais do Moldau como particularmente favorável: a da Adormirea Maicii Domnului da pequena povoação de Humor. Hoje registrada na lista do Patrimônio Mundial da Cultura da Unesco, essa igreja se situa nas proximidades (ca. de 5 km) ao norte da pequena cidade Gura Humorului.

Humor, Bucovina, foto A.A.Bispo

A igreja conventual de Dormitio Mariae próxima ao córrego Humor

O local onde se construiu a igreja fora já anteriormente marcado pela veneração mariana. O caráter numinoso do local relacionou-se com as águas límpidas do riacho Humor que corta e que dá o nome à região. Antes da construção atual já existira nas proximidades igreja mais antiga, datada de 1415, época do Príncipe Alexandru cel Bun (Alexandre o Bom), e da qual apenas restam fragmentos. Tornou-se conhecido pelo seu scriptorium ou oficina caligráfica, tendo sido ali criado a mandado de Estêvão Magno (Ștefan cel Mare) o Livro do Tetra-Evangelho hoje conservado como preciosidade no Museu Histórico de Bucareste. A arte da iluminura de livros da tradição medieval influenciou a arte da pintura mural que se desenvolveria na Bucovina.


A revitalização desse centro de veneração mariana deu-se à época de Petru Rares, sucessor de Estêvão Magno, um período marcado pela restauração de antigos conventos, o que denota um empenho em fortalecimento da cultura cristã de antiga tradição popular perante a ameaça representada pelos otomanos. A iniciativa da reconstrução tem sido atribuída sobretudo ao ministro e conselheiro de Petrus Rares, Toader Bubulog e à sua esposa, Anastasia. A reconstrução do convento representou ao mesmo tempo uma expressão da devoção dos representantes do poder, dando continuidade ao papel desempenhado por Estêvão Magno, cuja imagem foi pintada na igreja, e ao mesmo tempo um empenho em promover a vida contemplativa e fortalecer a identidade cultural do povo em tempos de atribulação.

O cunho instrutivo de cultivo da memória manifesta-se nas pinturas murais externas que caracterizam as igrejas conventuais então erguidas e que as tornam hoje monumentos culturais. Com as suas características populares, foram ao mesmo tempo obras de artistas vindos do povo, conhecedores de suas tradições e que se utilizavam de uma linguagem visual compreendida por aqueles que não possuiam maior formação.

As pinturas a fresco dos muros foram realizadas em 1535 por artistas vindos da capital, de Suceava, entre êles o pintor de nome Torna e que havia recebido aprendizado em pintura bizantina. O convento tornou-se importante centro religioso, possuindo até hoje valiosa coleção de icones. 


No século XVII (1614), com o objetivo de sua maior defesa, construiu-se uma torre, que hoje acentua o caráter de fortaleza da área conventual. Anteriormente não possuia torre por motivos hierárquicos, uma vez que não havia sido fundada diretamente pelo príncipe Petru Rares, mas sim pelo casal Bubulog, cuja cámara mortuária ali se encontra. Mesmo assim, na nave principal, retratou-se o príncipe Petru Rares, ao lado da esposa e do filho, oferecendo a Cristo a igreja em miniatura. Na câmara funerária, porém, é o chanceler que a oferece a Cristo.

Maria na Deesis

Na parte externa, que impressiona pela luminosidade das cores na apsis, um dos principais conjuntos é aquele que representa a hierarquia terrena e celestial. Essa representação pode ser considerada relativamente a seus elos com a Deesis, que determina a estrutura do edifício de concepções e imagens (veja artigo a respeito da igreja de Voronet).

Assim, em seis séries de imagens, ordenadas como numa procissão solene, com os anjos na faixa superior, apresentando abaixo profetas com rolos de escritura, surgem, mais abaixo, apóstolos e santos ao redor de Cristo, sendo este secundado por Maria e S. João Batista. Esses intercessores e suplicantes caracterizam a estrutura do todo, ordenado segundo duas partes ou colunas. Na última linha, encontram-se representados arquisacerdotes e monges, todos com mantos ornamentados e em atitude respeitosa.

Em Humor, a Deesis, que marcou a arte bizantina da Idade Média, é uma das mais bem conservada das representações em afresco das igrejas. Na estruturação do todo nela baseada, Maria - ao lado de S. João Baptista - marca uma das partes de um todo estruturado em duas colunas. Nessa parte - a direita a partir de Cristo - se inserem as figuras da Nova Humanidade ou Nova Criação.

Essa estruturação do todo em duas partes - com um eixo central que as relaciona num todo - encontra-se da forma mais evidente na representação do Juízo Final na ante-sala ocidental. Nessa representação, constata-se que o edifício de concepções e imagens assim estruturado tem como característica o de permitir atualizações. Assim, nele se integram acontecimentos histórico-políticos da época, podendo-se nele ver figuras com turbantes, ou seja, osmanos que atribulavam os cristãos do Moldau.

Hino Akathistos ακάθιστος em Humor

Uma consideração especial merece a fachada sul da igreja conventual. Aqui, vê-se a imagem de São Nicolau aparecendo em sonho ao imperador Constantino, assim como a cena bíblica do recebimento do filho que, perdido, retorna à casa e é recebido com uma ceia festiva.

O principal conjunto programático dessa fachada é constituido pelo hino Akathistos. Esse canto da igreja oriental, remontante a Constantinopla do século V ou VI, tornou-se elemento importante da liturgia e da arte bizantina.

É um dos mais significativos testemunhos dos elos recíprocos entre o canto e a arte visual. Como texto, é marcado por imagens de cunho visual e visionário; essas imagens, por sua vez, transmitidas através dos séculos pela prática do canto, foi representada frequentemente em obras pictóricas, uma das quais é a do painel a fresco de Humor.

Ocupando a metade ocidental da fachada sul, o panorama oferecido é estruturado em cinco faixas superpostas de imagens. Nessas faixas estão dispostas cenas referentes às 24 estrofes do canto. Os motivos dizem respeito à infância de Cristo e ao louvor de Maria. As cenas podem ser facilmente discernidas pelo leitor, e, diferentemente das representações hierárquicas icônicas, sugerem movimentação através do desenho de roupas e gestos. Entre êles, a representação dos três reis magos pode ser salientada, uma vez que surgem a caminho, orientados por anjos.

Na faixa mais inferior, a mais larga, surge a representação de uma cena suplementar ao hino, usual à época de Petru Rares: a da defesa e salvação de Constantinopla por intercessão de Maria. Se em Moldovita essa cena, também inserida no Hino Akathistos, é lida sob a perspectiva da dedicação da igreja conventual à Anunciação, a de Humor sugere a sua leitura sob aquela da Assunção. Assim, ambas as igrejas e representações se relacionam através do elo mariano do hino e suas imagens, diferenciando-se, porém, no enfoque e nas suas relações com as respectivas festas. Demonstram, também, como ambos conteúdos da mariologia se relacionam, como o fato de ter sido Mãe do Filho de Deus justifica o de ter sido por Este, após a sua morte, assunta em Deus.

As origens e a história desse hino, de significado extraordinário para a Ortodoxia, são complexas e explicadas contraditoriamente. Certo é a atribuição a êle feita de especial força contra o ataque de Bizâncio. (Michael Schneider, Hymnos Akathistos. Die Feier des Gottesdienstes in Verbindung mit dem Kleinen Apodeipnon, Köln 2004, Koinonia-Oriens; Eberhard Maria Zumbroich, Das Geheimnis der Gottesmutter - Hymnos Akathistos, Gaildorf: Tabor 1970; G.G. Meersseman O.P., Der Hymnos Akathistos im Abendland, 1. Akathistos-Akoluthie und Grußhymnen, Freiburg/Schweiz, 1958; 2. Hymnos Akathistos, Die älteste Andacht zur Gottesmutter, Freiburg/Schweiz, 1958).

O termo "a-káthistos" significa que o hino não deve ser cantado pelos fiéis sentados; é um hino a ser cantado em pé. O primeiro e o segundo quarto do texto baseia-se em grande parte no Evangelho de São Lucas, com uma série de saudações a Maria em continuidade ao Ave do anjo S. Gabriel. A terceira e a quarta parte do hino são meditações sobre o mistério da encarnação e sobre as consequências dessa obra salvífica. As suas 24 estrofes começam, em grego, com todas as letras do alfabeto.  

Maria no trono sôbre os cantores

A primeira parte do hino, o propriamente akáthistos, diz respeito à Anunciação (Lucas 1,26-38); a segunda parte, à adoração dos pastores (Lucas 2,8-20), incluindo o Kondakion sobre a adoração dos três magos e o Kondakion sobre a apresentacão de Jesus no templo (Lk 2,25-35). A terceira parte, diz respeito ao mistério da encarnação ou do nascimento. Finalmente, a quarta parte, aquela que é a mais significativa neste contexto, trata de Maria entronizada sobre as virgens: no primeiro Kondakion, trata de Maria no trono sobre os cantores, no segundo fala-se de Cristo rasgando a carta da culpa, o último é uma oração final.

A veneração de Maria como centro de toda a obra é tematizada no grande icone que a apresenta intronizada como Mãe de Deus, venerada de ambos os lados. A leitura dessa obra baseia-se no Kondakion 11 do hino, que trata de Maria no trono sobre os cantores. O seu conteúdo diz que todo e qualquer hino não estaria em condições de abranger a dimensão completa da sua infinita misericórdia.

Mesmo se se pudesse oferecer como sacrifício  tantos cantos de louvor como grãos de areia, não se estaria em condições de estar à altura do que ela havia presenteado aos homens. Ela ofuscava os que a contemplavam na sua roupa radiante; desde que tomada pelo fogo eterno, levava sempre ao conhecimento de Deus, iluminando o espírito.

Maria é decantada como estrêla matutina do sol espiritual, a tocha de luz do Santíssimo, o raio que atinge a alma e que assusta os inimigos como um trovão; que traz o conhecimento celestial à luz; ela é comparada como um banho salvífico, que tira a mancha do pecado, como uma pia, na qual a consciência é limpa, como um cálice que presenteia júbilo, como rosa mística da qual Cristo flui, como um odem precioso.



Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."Hino Akathistos: imagens no hino, hino em imagens. Patrimônio arquitetônico, pictórico e musical nas suas interrelações" Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/15 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Humor-Akathistos.html



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