Fandango em Schumann. Revista BRASIL-EUROPA 127/21. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Pelos 200 anos de nascimento do compositor Robert Schumann, um dos principais vultos do Romantismo musical alemão, o Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS), que comemora os seus 25 anos de oficialização alemã, realizou um ciclo de estudos dedicados à sua obra sob a perspectiva dos estudos de processos culturais em contextos internacionais.


Entre os temas tratados, considerou-se não apenas a recepção de Schumann no mundo de formação cultural portuguesa, em particular no Brasil. Também elos com a cultura ibérica na obra e nas concepções schumannianas foram alvo de reflexões. Esse objeto das atenções poderia parecer estranho se o próprio compositor não tivesse criado uma obra altamente significativa que manifesta a existência desses elos: a Sonata em fá sustenido menor, com a referência explícita ao Fandango.



A pesquisa do Fandango, que tem sido desenvolvida sob diferentes aspectos tanto sob a perspectiva das convencionais distinções de áreas disciplinares dos Estudos do Folclore, da Etnomusicologia e da História da Música, manifesta de forma evidente a necessidade de procedimentos interdisciplinares e do direcionamento teórico-cultural da Musicologia, tal como vem sendo defendido desde 1968 no então fundado Centro de Pesquisas em Musicologia, em São Paulo, origem do ISMPS.


O estudo do Fandango também exige perspectivas supranacionais e interculturais para ser adequadamente desenvolvido. O Fandango é conceito de importância na cultura musical da Península Ibérica e da América Latina. No Brasil, está presente na cultura popular tradicional de diferentes regiões, sendo, porém, utilizado para a designação de expressões culturais distintas, possuidoras algumas de forma mais manifesta elementos de encenação.


Assim, a discussão relativa ao Fandango tem-se dirigido nos últimos anos muito mais a concepções de natureza simbólico-antropológica do que a aspectos especificamente da linguagem musical, formais, rítmicos, melódicos ou outros.


Com base nesses trabalhos desenvolvidos nas últimas décadas e dando prosseguimento às reflexões, a atenção foi dirigida agora à recepção do Fandango na Europa Central, no exemplo de Robert Schumann.



Local das reflexões: o palácio de Puechau


Como ambiente sugestivo para essas reflexões, escolheu-se o palácio de Puechau, não distante de Leipzig, um edifício situado pictoricamente em meio a grande parque e que, pelas suas características estilísticas, com elementos historicistas do século XIX, em parte arruinadas, irradia uma atmosfera de profundo romantismo.

O palácio possui uma longa história, tendo as suas origens no século X, quando um burgo de guarda instalado em 924 recegu privilégios do rei Henrich I. Por essa razão, é considerado como o primeiro território comprovadamente de propriedade saxônica. O palácio foi propriedade dos bispos de Meisse, a partir de 1040, passando, posteriormente, à propriedade de outras famílias nobres. Em 1845, foi reformado em estilo neo-gótico de tradição inglêsa.


Problemas de interpretação de significado da Sonata op. 11 de Schumann


A Sonata em fá sustenido menor de Schumann, frequentemente executada e várias vezes gravada, tem sido objeto de várias análises e considerações contextuais. Em estudos e em observações de intérpretes, tem-se salientado a singularidade de sua disposição formal e que a distingue da tradição da forma clássica da sonata.


Essa singularidade deriva sobretudo do fato de ser aberta por uma parte designada explicitamente como Fandango e que difere de seções introdutórias de obras em forma de sonata de compositores do passado. Tem-se observado que essa parte surge quase que com características de uma peça por si, ainda que a sua inserção no conjunto da obra é tão estreita que seria inadequado isolá-la do todo. Mesmo que remonte a uma peça anterior, deve ter sido concebida já com a idéia ou uma visão de um complexo marcado por um jogo de relações que apenas se realiza na sequência da obra.


Sob o aspecto contextual, tem-se dado atenção sobretudo à época de sua composição e às circunstâncias de sua dedicatória. A sonata op. 11, criada entre 1833-35, publicada em 1836, insere-se em período significativo no desenvolvimento criador de Schumann, marcado com obras como o Carnival, as Davidsbundlertänze, a Kreisleriana e a Sonata em sol menor.


Dedicatória da obra e a rejeição indignada de Clara Wieck


Quanto às circunstâncias pessoais de sua composição, que se manifesta também na sua dedicatória, tem-se salientado o seu elo com as relações entre o compositor e Clara Wieck.


A obra, a ela dedicada pelo compositor sob os nomes de "Florestan e Eusebius", enviada após um período crítico de afastamento, surge como declaração de amor, motivando considerações romanceadas e entusiásticas a respeito do seu significado como manifestação de paixão. A análise musical, unida aqui a interpretações de sentido - elas próprias românticas - baseadas na sua dedicatória e nas circunstâncias pessoais das relações entre Schumman e Clara Wieck,  interagem-se e influenciam as interpretações e as apreciações da obra.


Um aporte hermenêutico, porém, necessário pelas próprias características das concepções estéticas de Schumann, não pode ser arbitrário. A superação de uma musicografia e uma musicologia de cunho literário, marcada por interpretações hermenêuticas subjetivas, apenas pode ser alcançada através de uma orientação teórico-cultural que permita analisar os próprios princípios hermenêuticos implícitos nas concepções do compositor e da obra.


As interpretações musicográficas românticas da dedicatória da sonata esquecem de considerar a reação de Clara Wieck: esta, recebendo a obra, devolveu a Schumann todas as cartas que dele havia recebido e exigiu que este devolvesse as suas, ou seja, um ato rude de rejeição e separação.


Já essa ocorrência deveria despertar a atenção aos pressupostos dessa reação aparentemente deseducada e mesmo indignada de Clara Wieck. A sua indignação explica-se pelo fato der ter entendido mal a oferta da peça por ter uma idéia negativa do que seria um fandango, entendendo o gesto como sinal de conotações indevidas.


Discussão sobre o fandango no Neue Zeitschrift für Musik


Um estudo das concepções relativas ao fandango em Schumann e em Clara Wieck não necessita basear-se em suposições. Na revista fundada pelo compositor, e na qual atuava como redator-chefe, a Neue Zeitschrift für Musik, publicou-se, à época da criação da sonata, em duas partes, um artigo sobre o fandango que até hoje não tem sido suficientemente considerado pelos historiadores da música e ainda menos na pesquisa específica no âmbito do Folclore e da Etnomusicologia. („Fandango“, Neue Zeitschrift für Musik 41, 19. November 1839, págs. 163-164)


Esse artigo documenta o tipo de preocupações relativas ao fandango no âmbito dos "aliados de David", dos Davidbündler, ou seja de um círculo ou de uma esfera da qual a revista era porta-voz.


Como Schumann registra em nota no fim do artigo, esse texto referia-se a fragmentos com relatos de viagem de um escritor „de terras e mares“ que já haviam sido considerados em texto em número anterior, referentes à Suécia (Nr. 14).


A descrição do fandango então publicada dizia assim respeito a uma obra que já era hà muito conhecida, ou seja, Schumann e o seu círculo tinham-se ocupado já antes com o tema. Esse interesse pelo fandango explicaria o fato de ter composto a peça de mesmo nome, a seguir reelaborada em contexto maior na Grande Sonata op. 11.


Fascínio pela Espanha no Romantismo alemão


O fascínio pela Espanha no Romantismo tem sido considerado sob vários aspectos, sobretudo no contexto francês e dos "espanholismos" nas artes e na música.


A relevância dessa valorização da cultura hispânica na França para os estudos das relações entre a Europa e a América Latina já foi salientada sob diversos aspectos (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/121/Imperatriz_Eugenie.html e http://www.revista.brasil-europa.eu/121/Victor-Meirelles.html). Ela contribuiu a um maior interesse por expressões culturais e por uma maior aceitação de representantes do mundo ibérico e latinoamericano na França, com consequências para as relações político-culturais.


Pouco se tem considerado, porém, que esse fascínio pelo mundo ibérico também marcou o Romantismo na Europa Central, mesmo em contextos protestantes, como demonstra o fandango na revista fundada por Schumann e na sua própria obra. Não se tratou, portanto, de um fenômeno cultural primordialmente de países católicos, mas sim expressão de um fascínio pela história de um passado distante, marcado sobretudo por uma visão romântica da Reconquista.


O texto publicado na revista de Schumann indica os elos desse fascínio com o mundo estudantil alemão. O autor, que comenta descrições de um romance, baseia-se nas suas próprias observações feitas em viagem pela Espanha, partindo de observações de práticas musicais de jovens universitários de Salamanca, analisando-as sob a perspectiva de um estudante alemão.


Mundo estudantil na Alemanha e na Espanha: conteúdo ético de cantos


Tem-se, assim, a inclusão do fandango no mundo daqueles "aliados de David" que combatiam os filisteus na linguagem simbólica do grupo de Schumann (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Grimma-Theodor-Uhlig.html).


As observações do autor devem ser vistas no complexo de significados do Filisteísmo. Nessa gama de sentidos, a luta contra aqueles que representavam as opiniões e concepções dos poderosos permite que se compreenda as críticas feitas pelo autor no seu texto. Significativamente, menciona repetidamente a Ética, entendendo-a, porém, de forma muitas vezes inesperada.


Já de início, o autor realiza uma crítica de costumes. A região que percorrera, com as suas ruínas de castelo mouro, os seus cactos e a sua paisagem apenas se diferenciaria de uma região norte-africana pelas suas ruas calçadas e pelas suas casas com janelas e balcões dando para a rua. Quanto aos trajes, apenas os homens mais simples manifestavam as características típicas da região. Aqueles que se consideravam de mais cultura inspiravam-se na moda de Paris.


— Almelia würde mit seiner maurischen Castellruine, seinen glatten Dächern, nackten Felsen, Cactus-Opunti Pflanzungen und einzelnen Palmbäumen eine afrikanische Physiognomie haben, wären nicht die Straßen gepflastelt, leidlich breit, die Häusel nach der Straße zu mit Fenstern und Ballonen ausgestattet und bewiese nicht in der Hitze des Rosenmondes spitzer Sammethut und Tuchmantel der Männer niederer Classe, baß sie an der spanischen Nationaltracht festhalten. Die sogenannten gebildeten Leute gründen hier wie überall ihre Bildung zunächst auf den Witz ihres Schneiders und tragen sich ohne Rücksicht auf Reaumur oder Raphacl nach Pariser Inspirationen. (loc.cit.)


Como velho estudante alemão, o autor descreve então a prática musical acadêmica de colegas de Salamanca, que andavam pelas ruas com vestimentas tradicionais, cantando ao som de três guitarras, clarinete e tamborim.


Ao contrário, porém, das opiniões positivas que ouvira a respeito da cultura desses jovens, que, embora de famílias bem situadas utilizavam o período de férias para ganhar algum dinheiro através dessas perambulações musicais, o autor constatara xispas e anedotas de baixo calão.


Para êle, os cantos desses estudantes pecavam pelo seu conteúdo ético-moral, a êle também correspondendo um questionável conteúdo musical, de qualidade vocal e de procedimentos.


Mir alten deutschen Studenten wurde freilich etwas wundellich, als ich durch den Ausruf (...), und durch das Schellengerassel eines Tamburins an's Fenster gelockt ward, und einige spanische Collegen aus Salamanca mit drei Guitarren, einem Clarinet und einem Tamburin die Barmherzigkeit der Zuhörer ansprechen sah. Indeß ländlich sittlich; was im vorliegenden Falle genauer durch „unsittlich" ersetzt werden sollte, da in den Liedern eine Menge Zoten das Gewieher des Publicums erregten.


Leider war der musikalische Gehalt der Gesänge nicht besser als der ethische, auch die Stimmen und Manieren der señores estudantes hatten nichts Bestechendes und ich zweifelte im Stillen an der Richtigkeit der Behauptung, welche meine Wirthin als höchst wahrscheinlich aufstellte: „es seien diese Studenten sehr vornehme und reiche junge Leute, welche nur zu ihrem Vergnügen auf solche Art die Sommerferien zu apostolischen Fuß-Kunstreisen benutzten". (op.cit. 163)


Cunho emblemático do fandango


Mais interessante do que esse cantores acadêmicos foi, para o autor, o primeiro fandango que teve a oportunidade de assistir por ocasião de um festa de aniversário. Aqui, o autor entra em considerações de interesse para a pesquisa do fandango em geral, pois testemunha que o termo teria sido, na sua época, já utilizado de forma específica.


Como apenas havia viajado pela parte sul da Espanha, não podia afirmar que o fandango fosse dançado com a mesma música e do mesmo modo por toda a parte. Conhecia vários fandangos em coleções de danças nacionais, impressos e descritos, e que eram diferentes quanto à melodia e mesmo ao rítmo daquele que vivenciara na Andalusia. Ali, constatara que era dansado com a mesma melodia e sempre do mesmo modo. Ao contrário, as melodias do bolero eram inúmeras.


Interessanter als diese akademischen Bänkelsänger war mir der erste Fandengo, den ich einige Tage nachher bei Gelegenheit einees in der fonda s. fernando gefeierten Geburtfestes tanzen sah. Da ich nur den südlichen Theil Spaniens bereist habe, so kann ich nicht behaupten, ob dieser Tanz im ganzen Lande auf dieselbe Weise und nach derselbe! Musik getanzt wird: mir sind verschiedene sogenannte Fandangos in Sammlungen von Nationaltänzen gedruckt und geschrieben vorgekommen, welche in der Melodie, ja auch im Rhythmus durchaus von demjenigen abweichen, den ich in ganz Andalusien auf dieselbe Weise und nach der nämlichen Melodie tanzen sah, während der Bolero-Melodien unzählige waren. (op.cit. 163)


Fandango e a sua característica remontante à luta entre cristãos e mouros


A seguir, o autor manifesta mais uma vez o direcionamento do seu pensamento à época da Reconquista, expondo a sua opinião de que o fandango da Andaluzia, senão o melhor de todas as expressões com essa denominação, seria o mais relevante, pois derivar-se-ia das guerras contra os mouros. Isso explicaria o fato de ter-se mantido sobretudo em regiões onde os mouros mais longamente viveram e onde deixaram de forma mais intensa a marca "romântica" de sua presença. A característica moura da Andaluzia se manifestaria nas danças, nos cantos, no dialeto, nos costumes caseiros e mesmo na pele de seus habitantes.


Daß übrigens der andalusische Fandango, wo nicht der beste, doch gewiß der Höchteste ist, läßt sich historisch sehr einfach aus den maurischen Kriegen ableiten. Denn über die maurische Abkunft dieses reizenden Tanzes ist kein Zweifel, und deshalb darf man ihn da am unverfälschtesten vermuthen, wo nicht nur die Mauren sich am längsten erhalten, sondern den Einwohnern einen schon Jahrhunderte dauernden und noch immer unverkennbaren Stempel ihrer romantischen Eigentümlichkeit hinterlassen haben. Es hat aber Andalucla diesen geerbten maurischen Typus nicht blos in seinen Tänzen und Gesängen, sondern auch in seinem Dialect, seinen häuslichen Gebräuchen, ja sogar in der Hautfarbe seiner Bewohner. (loc.cit.)


Conhecimento do fandango em Mozart


Entrando em considerações mais pormenorizadas sobre o fandango andaluz, o autor diz que todo o admirador da arte de Mozart deveria concluir que esse compositor deveria ter conhecido essa dança, pois ela coincidiria com o começo do seu Ballo em lá menor.


Nas suas referências especificamente musicais, descreve o rítmo dos palillos ou castanholas executadas pelos pares de bailadores, salientando que os seis compassos de entrada, em F Dur, eram tocados pelo guitarrista, o acompanhador comum dessa dança, mencionando o caráter improvisatório de algumas galanterias em assonâncias.


Zunächst fällt jedem Verehrer der Mozart'schen Muse auf, daß der Componift der nozze di Figaro diesen Fandango wohl gekannt haben müsse, da der Anfang desselben mit dem Anfange des reizenden Ballos in A-Moll zusammenfällt: sodann muß bemerkt werden, daß die Palillos (Caftagnetten) vom tanzenden Paare nach dem Rhythmus (...) geschlagen werden und zwar f und ff im Anfange, dagegen diminuendo gegen die Dur-Stelle und piano während derselben, da die sechs Tacte vom Eintritte des F-Dur ab in der Regel vom Guitarristen, dem gewöhnlichen Begleiter dieses Tanzes, zum Improvisircn einiger Galanterien in Assonanzen benutzt werden.


Crítica de interpretações da imoralidade do fandango


O escopo principal do autor revela-se quando diz que deve-se corrigir uma opinião de leitores do romance que comenta. Esses leitores poderiam supor ser essa dança um produto da indecência, uma vez que teria sido descrita como uma simbólica sensual que se intensificaria gradativamente, da inicial timidez às mais fortes labaredas: despertado o desejo, este não teria mais limites, incendiar-se-ia, levando a movimentos de fogo e que tomaria os pés, os braços, a cabeça e todo o corpo. Essa intensificação seria acompanhada pelas castanholas, que soariam de forma cada vez mais selvagem. O fogo tomava corpo dos bailadores, o desejo inflamava os nervos, as chamas xispavam dos olhos rolando. As castanholas significavam os temporais da paixão até a mais alta luxúria.


Dieser Umstand allein wirb genügen, das Urlheil derjenigen meiner Leser zu berichtigen, welche sich durch die Beschreibung eines Fandango in dem Roman „Malkclin" von Steffens vielleicht verleiten ließen, diesen Tanz als ein Erzeuguiß seelenvergiftender Indecenz auf ihren index expurgandorum zu setzen Denn nach jener Beschreibung steigert sich die sinnliche Symbolik darin von der ersten Schüchternheit bis zur heftigsten Entflammung: „die Begierde, einmal erwacht, kennt keine Grenzen; immer glübender folgten sich die feurigen Bewegungen: es waren nicht die Füße, die Arme, Kopf ober Leib allein, die von den wechselnden Verschlingungen des Tanzes ergriffen wurden, ein jeder Theil des Körpers, jeglicher Muskel schien an dem vorüberfliegenden, brennenden Leben Theil zu nehmen. Die Castagnetten erklangen immer wilder — und als nun die entzündete Gluth den ganzen Körper der Tanzenden durchzuckte und die feurige Lust jeden Nerv durchzittcrte, als Flammen aus den rollenden Augen zu blitzen schienen und die Castagnetten den Sturm der Leidenschaft durch wilden Wirbel andeuteten, als die Begierde den höchsten Gipfel erreicht hatte, während die leicht schwebenden Gestalten in aller flammenden Gluth durch die höchste Grazie der Bewegung bewahrend, in glühender Lust zu zergehen schienen, — standen beide still und ter Tanz war geendigt". (op.cit. págs 163-164)


Segundo o autor, o romancista que comenta teria desejado estabelecer um contraste expressivo com a música russa que passa a descrever a seguir. Teria utilizado o fandango como instrumento, como veículo para observações ético-morais. Entretanto, justamente a crítica contra o desejo dos sentidos por parte do romancista levava o autor a criticar a sua descrição da dança nacional espanhola.


Dem Romanschreiber mochte es erlaubt sein, an dieser Stelle einen individuellen Fandango zu beschreiben, wie er ihm gerade als Requisit, besonders als Contrast gern die gleich nachher beschriebene russische Hornmusik, und als Vehilel einiger ethischer Bemerkungen in seinen Machinerierram taugte; aber gerade dass letzte Motiv, die Ausfalle gegen die „freche sinnliche Lust" nöthigen mir zu dieser sonst wohlgerathenen Schilderung des spanischen Nationaltanzes einige Randglossen ab. (pág. 164)


Outra leitura do fandango: a dança não pinta ou representa plasticamente


Nas suas conclusões, o autor, procurando defender o conteúdo ético do fandango, exigindo um outro tipo de leitura que não apenas aquela superficial da observação de gestos, parte de considerações coreológicas. Lembra que, na época, pelo menos na Europa e "nas suas dependências", ninguém mais dançava rodas religiosas, como no passado os antigos gregos, nem guerreiras, como os indígenas da América do Norte.


A sensualidade no fandango deveria ser compreendida em contexto mais amplo. O fandango seria, de fato, uma dança vitalmente forte, transbordante de sensualidade jovem, mas o fator corporal não seria o principal da dança. Aliás, também as danças dos camponeses das montanhas da Alemanha, da Áustria e do Tirol, com os seus Ländler, os escandinavos com as suas Polsta's, ou os pastores com as suas danças com gaita de foles já usavam desde tempos remotos expressões com conotações sensuais, e ninguém tinha tido a idéia de julgá-las como ousadas. Em todas essas danças os pares se tocavam, até mesmo se envolviam, e isso em tempo vivo que esquenta o sangue através do movimento exterior do corpo.


No fandango, ao contrário, assim como o havia conhecido no sul da Espanha, os dançarinos se aproximavam, se afastavam, não se tocavam, porém, de forma alguma, fato já exigido pelo uso das castanholas.


A dança despertava a atenção dos nacionais e dos estrangeiros, mas de forma alguma surgia como veículo de excitação da luxúria. Era uma obra de arte que, naturalmente, tinha o seu quantum de necessária sensualidade, não representava, porém, uma representação pictórica ou plástica.


Heutzutage tanzt, wenigstens in Europa und seinen Dependenzen, niemand mehr religiöse Reigen, wie sonst die alten Griechen, oder kriegerische wie die alten Eingebornen Nordamerikas. Unser Tanz ist eine einfache, aber lebendig kräftige Protestation, welche die jagendliche Sinnlichkeit mit Erfolg gegen die ascetisch unvernünftigen Bedenken der bärbeißigen Frau Basen - Edicte eingelegt hat. Die Entwicklung und Ausbildung der körperlichen Grazie ist offenbar nicht die bewegende Ursache. Streicht nun jemand die Sinnlichkeit unter den Werken Gottes aus, und wirft sie dem Ahriman als seine Erfindung an den Kopf, so beneide ich ihm diese Welt-Verachtung gar nicht, sondern gebe ihm einfältlich zu bedenken, daß die deutschen Bergbewohner in Oberösterreich und Tyrol ihre Ländler, die ehrbaren Scandinavier ihre Polsta's, die Bergscholten ihre Dudelsactschleifer schon in frühen Zeiten mit sinnlichem Eifer getanzt haben, als es noch Niemandem beifallen konnte, sie deshalb „frecher ruf!" zu zeihen; daß bei allen diesen Tänzen die Paare sich berühren, ja umschlingen , daß die meisten dieser Tänze ein lebhaftes Zeitmaß haben, folglich das Blut bereits durch die eine äußerliche Körperbewegung in Wallung bringen; und daß im Gegensatze der Fandango, wie ich ihn in Südspanien tanzen sah, sein mäßiges Tempo wohl während der torto-Stellen etwas steigerte , bei dem piano indeß wieder reducirte, daß Tänzer und Tänzerin sich bald näherten, bald entfernten, ohne sich im mindesten zu berühren, wie sich schon durch die Palillos von selber versteht, und daß der Tanz die Aufmerksamkeit der anwesenden Fremden nicht nur, nein auch der Eingebornen auf das lebhafteste ansprach, jedoch keineswegs als Reizmittel der Lüsternheit, sondern als ein Kunstwerk, dem man natürlich wegen seiner plastischen Basis da« nothige Quantum Sinnlichkeit lassen, »der aller Malerei und Bildner« den Krieg erklären muß. („Fandango“, Neue Musikalische Zeitschrift 42, 2. November 1839, 167)


O autor estabelece aqui, com essa observação, uma ponte para a estética dos Davidbündler: a obra de arte não descreve, pinta ou representa estatuariamente, não ilustra, mas sim tem um cunho simbólico, indicando um conteúdo poético.


Fatores culturais diferenciadores do modo de dançar no sul e no centro da Europa


O autor acrescenta a essas considerações o argumento de que no sul da Europa o clima, a vestimenta leve, e a menor necessidade de alimentação fomentaria o desenvolvimento da graça corporal, diferenciando os seus habitantes dos filhos mais pesados do Norte. Explicar-se-ia, assim, a diferença plástica entre os movimentos graciosos e leves de pares de dançarinos espanhóis ou italianos e aqueles toscos de dançarinos de salão mal-formados da Europa Central, que nem mesmo saberiam manter o compasso, ou dos bailarinos. Por essa razão, sentira a necessidade de corrigir a descrição do fandango no romance comentado, sobretudo sob o aspecto moral.


Füge ich nun diesen Bemerkungen noch hinzu, baß den Bewohnern des südlichen Europa kein gebildetes Auge den Vorzug der angebornen und durch Klima, leichte Kleidung, geringere Nahrungsorgen geförderten freien Entwicklung der körperlichen Grazie vor uns schwerfälligen Kindern des Nordens abstreiten wird, deute ich namentlich auf die plastische Differenz zwischen den garstigen Leistungen unserer halbgeschulten, kaum Tact haltenden Salontänzer ober unserer überschulten Balletspringer und zwischen den anmuthenden leichtschwebenden Biegungen eines italienischen oder spanischen Paares, so halte ich mich für berechtigt, den Anfang der Fandangobeschreibung im Malkolm für charakteristisch richtiger, und besonders für ethisch gerechter zu erklären, so weit ei mich der Augenschein gelehrt hat. (loc.cit.)


Fandango como dança por excelência


O texto da Neue Zeitschrift für Musik culmina na sua argumentação com uma afirmação que adquire especial significado sob o ponto de vista teórico-cultural. Só o fandango mereceria talvez o nome de uma dança verdadeira e de uma dança no sentido próprio do termo. Êle daria  ao corpo mudo uma fala própria.


Se o romancista havia sentido aqui de perto tentação sensual, como afirmava, o autor corrige uma tal interpretação.


A presenciação de um fandango não deveria despertar, como no romancista comentado, receios da queda em tentação, mas sim levar ao fruir de uma simbólica graciosa para os olhos. O fandango seria para os olhos o que um duo de amor elégico representava para os ouvidos.


„Der Fandango allein verdient vielleicht den Namen eines wahren und eigentlichen Tanzes, er verleiht dem stummen Körper eine eigene Sprache, deren gefährliche Deutung mir durch den verführerischen Anblick nur zu nahe gerückt wurde". (An die Stelle dieser allzuängstlichen Interpretation würde ich vorschlagen: deren graziöse Symbolik für das Auge ist, was für das Ohr ein elegisches Liebesduo.) „Langsam, aber mit unendlicher Anmulh fing der Tanz an: zarte, leicht in einander verschmelzende Bewegungen riefen die zierlichsten Gruppen hervor, die wir in ihrem rasch vorüberschwebenden Zauber auf immer festzuhalten gewünscht hätten". (op.cit. 168.)


Pureza do contemplar o fandango


Por fim, o autor culmina a sua laudação do fandango dizendo que sobre êle descera as graças das antigas Caritas. Quando estava na Espanha, fugindo do calor abafante de verão, ia ao teatro de Granada para assistir as danças apresentadas nos intervalos: boleros, cachuchas, manchegas e jota aragonesas. E isso significava muito, pois êle não conseguia tolerar sem aborrecimento bailes em Paris ou em Munique. Na Espanha, porém, contemplara essas danças com puro gozo do olhar. Podia afirmar que essa contemplação não era turvada por nenhum sentido moralmente excuso.


Ja wahrlich, der Zauber der Chariten ist über die spanischen Tänze ausgegossen! und ich darf es der Wahrheil zur Steuer nicht verschweigen, daß ich in den glühenden Sommermonaten jedesmal mich der drückenden Hitze im Theater zu Granada, ja was noch mehr ist,' den schlechtesten modernen Trauerspielen in sechs Aufzügen gern und willig preisgab, nur um in den Zwischenacten Boleros, Cachucha, Manchegas, Jota aragonese tanzen zu sehen  (....) (loc.cit.)


Significado para considerações sobre relações entre diplomacia e cultura


Desse texto publicado na revista de Schumann pode-se tirar elementos mais seguros para uma interpretação adequada da sua Sonata op. 11 e as circunstâncias de sua dedicação a Clara Wieck e sua rejeição.


O debate desenvolvido em torno do fandango nos círculos dos „aliados de David“ era dirigido à questão de sua moralidade ou, melhor, à sua qualidade ético-moral em despertar ou não sentidos de luxúria.


Se Schumann dele se utilizou, foi no sentido positivo de obra de arte que não deveria ser vista como retrato ou plástica, ou seja como ilustração realista de ato sensual, mas sim como um símbolo visual, uma imagem com outro conteúdo poético do que aquele superficialmente captado.


Os receios e os escrúpulos daqueles que nele viam intuitos indecentes - os filisteus - seriam infundamentados.


Considerando a violenta reação de Clara Wieck, pergunta-se se não teria sido ela a leitora do romance comentado e cujo julgamento quis ser corrigido pelo comentarista da Neue Zeitschrift für Musik. Schumann queria ter provado, com um obra magna, a nobreza do fandango, possivelmente a culminação de um debate de anos.


Na rejeição rude de Clara Wieck poder-se-ia ver ter sido ela se sentido atacada na sua opinião e que, na interpretação do texto da Neue Zeitschrift für Musik, era nada menos do que filistrosa.


A questão assume interesse, assim, para considerações relativas às relações entre a diplomacia cultural e a ética. O ato de Schumann foi, aparentemente, um ato de suma cortesia, presenteando a amada com uma obra magna. Foi um ato diplomático após período de afastamento, mas, ao mesmo tempo, não-diplomático devido aos resultados que teve. A indignação de Clara Wieck poderia ser explicada ou pelo fato de ter visto no fandango uma sugestão indecorosa ou, antes, o de sentir-se corrigida ou ensinada quanto a concepções estéticas e culturais. Percebendo o intuito de peroração de opiniões por parte de Schumann, ainda que expresso na forma de uma obra de arte, sentiu-se ofendida, até mesmo posicionada numa situação dos filisteus combatidos pelos „aliados de David“.




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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A.(ed.)."O fandango na Neue Zeitschrift für Musik e na Sonata op. 11 de Robert Schumann". Revista Brasil-Europa 127/21 (2010:5). www.revista.brasil-europa.eu/127/Puechau-fandango-em-Schumann.html




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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 127/21 (2010:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2654




Só o fandango merece talvez o nome de verdadeira dança no sentido próprio do termo

O fandango na Neue Zeitschrift für Musik e na Sonata op. 11 de Robert Schumann


No bicentenário de Robert Schumann. Ciclo de estudos Saxônia-Brasil em cidades entre Zwickau e Leipzig: Puechau
Pelos 25 anos do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa
(
Institut für Studien der Musikkultur des Portugiesischen Sprachraumes, ISMPS e.V.)

 


















  1. Fotos A.A.Bispo 2010 © Arquivo A.B.E.

 

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