Minorias e Educação. BRASIL-EUROPA 134/16. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/16 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2825


A.B.E.


Minorias e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural
Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia I: historicidade de concepções


Ciclo de Estudos da A.B.E. em Siebenbürgen/Transilvânia motivados pela exposição "Portraits Transsilvania" na Casa Teutsch. Sibiu/Hermannstadt e Brașov/Kronstadt, 2011

 
Casa Teutsch, Sibiu
As estreitas relações entre os Estudos Culturais e os da Educação manifestam-se de forma particularmente evidente sob o aspecto da consideração adequada de minorias na pesquisa cultural e na prática educativa.

Em contextos da imigração e da colonização, os Estudos Culturais não podem deixar de dirigir a atenção a processos transformadores e de formação relativos à integração, assimilação ou diferenciação de grupos, o que traz a necessária consideração de mecanismos educativos no seu sentido mais amplo e, em especial, do ensino escolar.

Reciprocamente, as reflexões e os empenhos educativos não podem deixar de considerar a história, a memória, as tradições, o modo de vida do quotidiano e outros aspectos culturais dos alunos e do seu contexto, o que pressupõe estudos e pesquisas. Inúmeras são as questões que aqui se levantam e as perspectivas a serem consideradas no desenvolvimento das reflexões de ambos os lados.

A discussão a respeito vem sendo marcada, no âmbito da A.B.E., por reflexões inicialmente motivadas pela inclusão de disciplinas de natureza cultural em cursos de Licenciatura em Educação Musical e Artística no Brasil no início da década de 70. Voltaram a ser tratadas, no contexto cultural especifico de regiões marcadas pela imigração e colonização alemã do passado, em sessões dedicadas a projetos de cunho educativo do Forum Rio Grande do Sul do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros realizado em 2002.

Um dos aspectos do interrelacionamento interdisciplinar que aqui se tornaram evidentes foi o da dinâmica relativa à consciência cultural que se intensifica com as reflexões e discussões: a atenção dirigida ao estudo cultural de determinado grupo populacional com o objetivo de uma prática educativa adequadamente refletida sensibiliza pesquisadores e agentes educativos a respeito de seus próprios pressupostos culturais.

O próprio educador e o pesquisador, muitas vezes não sem surprêsa, tomam consciência de uma auto-inserção em parcela populacional com passado e características particulares; passa-se a reconhecer que a atenção dirigida a questões culturais que diferenciam grupos promove visões diferenciadas da própria situação no contexto cultural global e, em determinados casos, à consciência do pertencer-se a uma minoria.

Impõe-se, aqui, para um procedimento devidamente refletido, que o próprio pesquisador ou agente educativo que experimenta esse processo se esforce em analisá-lo à distância. O anelo referente a métodos e conteúdos culturalmente adequados a práticas de ensino e à sua teoria em determinados círculos populacionais correlatam-se com reflexões a respeito da própria inserção do agente em processos culturais.

Para isso, o cotejo com situações afins em outros contextos pode contribuir à percepção de desenvolvimentos e à análise de seus mecanismos, ou seja, a esclarecimentos tanto relativamente a soluções encontradas para a prática como no concernente à consciência do própria posição na sociedade.

Estudos comparados: a minoria alemã na Romênia

No caso específico de populações de ascendência alemã em países marcados por intensa diversidade étnica e cultural, a Romênia merece uma atenção especial. Ali se constata um desenvolvimento que necessariamente surge como surpreendente sob a perspectiva do Brasil. Vastas regiões do país possuem um passado marcado pela cultura alemã remontante a processos coloniais na Idade Média e que se manifesta na arquitetura, na história e no presente de várias cidades. sobretudo naquelas dos Siebenbürgen (Transilvânia).

De uma situação de predominância, a população de ascendência alemã passou a constituir uma minoria, um processo demográfico e cultural que se acentuou com a integração de territórios que pertenciam à Áustria-Hungria na Romênia a partir da Primeira Guerra Mundial. Em época mais recente, com a mudança política e a aproximação à Europa Ocidental, desencadeou-se um grande movimento emigratório em direção à Alemanha, onde desenvolveram-se grandes comunidades de alemães provenientes de Siebenbürgen. Uma delas é a de Drabenderhöhe, no Reno do Norte/Vestfália, situada nas proximidades do Centro de Estudos Brasil-Europa.

O singular desenvolvimento histórico dos "saxões siebenburgueses" oferece, assim, possibilidades para estudos de processos de passagem de uma situação compreendida como de maioria à de minoria, de formação de identidade própria no contexto colonial e de sua manutenção após a reemigração ao país dos antepassados. Paralelamente, oferece possibilidades para a consideração de políticas de integração nacional na Romênia no passado e das novas orientações que dirigem as atenções às minorias na diversidade cultural do país.

Inserções políticas na história de minorias

Em revista a materiais do Centro Cultural "Friedrich Teutsch" de Sibiu/Hermannstadt (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Teuto-Romenos-Reforma-Ensino.html), selecionou-se alguns textos que testemunham o vir-a-ser da consciência da comunidade saxo-siebenburguesa quanto ao pertencimento a um todo constituido por minorias alemãs no contexto de desenvolvimentos políticos.

Na segunda metade do século XIX, quando a Transilvânia integrava a Hungria e esta a Áustria-Hungria, a intensificação dessa consciência manifestou-se sobretudo em esforços de resistência à hungarização através do cultivo do idioma, da cultura, as artes e das ciências nos seus elos com Viena e outros grandes centros de língua alemã da Europa Central nas escolas, e, diferenciando-se do contexto católico da Dupla Monarquia, do Protestantismo.

No período posterior à Primeira Guerra Mundial, quando a região com o fim do império dos Habsburgs passou a integrar a Romênia, a situação modificou-se. Se a Romênia havia estado do lado daqueles que foram vitoriosos, o mundo dos descendentes de alemães e austríacos vinculara-se ao dos vencidos, e as principais questões que se levantavam diziam respeito à integração e à assimilação em estado nacional que se definia segundo a romanidade do seu idioma, história e cultura e se orientava segundo correntes culturais dos países latinos, em particular da França.

Pode-se reconhecer, nessa situação dos alemães da Romênia paralelos com aquela dos Sudetos na Boêmia, possibilitando, assim, cotejos entre Sibiu/Hermannstadt e Liberec/Reichenberg (vide número anterior desta revista: http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Boemia-Brasil.html). Se até então a diferenciação se processara internamente a um estado multinacional mas marcado predominantemente pelo idioma e pela cultura alemã de Viena, agora a nova situação política levou a desenvolvimentos de mais acentuada resistência à assimilação e de afirmação da alemanidade.

Pode-se constatar, assim, em visão sumária, mudanças na compreensão de inserções geo-políticas e culturais, com a acentuação de tendências nacionais de fundamentação teórico-cultural povística e da crítica da situação estabelecida pelo tratado de Versailles e da política da Liga das Nações. Nesse contexto, a questão das minorias nacionais passou a ser explicitamente tratada em contextos abrangentes, dirigindo a atenção a aspectos comuns das minorias nos diferentes contextos e salientando aspectos políticos globais de poder.

Lia-se na Transilvânia, por exemplo, os "Cadernos Mensais Sul-Alemães", publicados em Munique, que, em 1929, dedicou todo um caderno à "questão das minorias" (Süddeutsche Monatshefte 10, Julho de 1929).

Esse órgão vinculava-se à uma "Comunidade de Trabalho Grã-Alemã", constituida em 1926, e à qual pertenciam leitores de todas as partes da Alemanha e de comunidades da América do Norte, Central e do Sul, assim como da Áustria e da Jugoslávia. O seu objetivo era o de criar uma "comunidade de sentimentos" e uma "comunidade de ação" de todos os alemães, levando a uma ampliação da visão dos assuntos alemães e para fatos pertinentes à cultura popular e histórica da "Alemanidade", a uma maior conscientização das necessidades alemães e seus objetivos, e, com isso, o fortalecimento de uma fronte supra-partidária.

Essa edição dedicada às minorias de 1929 incluiu, além de um texto introdutório sobre a "questão das minorias" (Karl Alexander v. Müller), artigos sôbre "A Liga das Nações e a liberdade dos povos (Kurt Trampler, Munique), "A autonomia cultural da Estônia" (Werner Hasselblatt, Reval), "Igualdade de direitos de cidadania e economia" (Jacob Robinson, Kaunas), "Pela liberdade dos povos" (Josip Wilsan, Trieste), "A questão das nacionalidades na União Soviética" (Erich Walch, Munique), "Russos e Ucranianos" (Michael Kurtschinsky, Dorpat), "As minorias judaicas" (Emil Marguilles, Leitmeritz), "Os grupos minoritários húngaros" (Lugo), "Os búlgaros macedônios" (Sofia), "As minorias eslovenas" (Josef Janko, Innsbruck), "Os catalões" (Joan Eitelrich, Barcelona), "As minorias alemãs na Europa" (Werner Hasselblatt, Reval). O caderno incluiu também, entre outros textos dedicados especialmente a questões da época, tais como sobre os "Problemas da Alemanidade no Exterior em 1928/29" (Wahrhold Drascher, Stuttgart). Paralelamente, a editora lançou números especiais dedicados à "Alemanidade no Sudeste", ao "Sul do Tirol Alemão", à "Alemanidade dos Sudetos", a "Flandres", à "Nova Polonia" e aos "Tchecos".

O caderno foi aberto lembrando que as minorias nacionais na Europa posterior à Primeira Guerra compreendiam mais de 40 milhões de pessoas, ou seja, um número maior do que a população da França ou da Itália, o que documentava a importância da questão das minorias na época. Ela seria uma expressão de uma situação causada pela injustiça de tratados que tinham criado a ordem de então na Europa. Esses 40 milhões representariam um risco para a tranquilidade e possível causa de conflitos. Desses, a maior parte, 12 a 13 milhões, seriam alemães. Entre êles não havia apenas fragmentos populacionais separados; a sua maior parte vivia em regiões integradas da Europa Central e que haviam sido desintegradas. Nesses números e nessa situação fundamentava-se o significado especial que cabia à Alemanha no problema das minorias. Tratava-se de uma questão vital. (op. cit., 697)

Um outro periódico lido em Siebenbürgen foi o Deutsche Rundschau, publicado em Berlim, revista mensal fundada em 1874 por Julius Rodenberg (1831-1914). Uma especial atenção merece um de seus cadernos de 1930, editado por Rudolf Pechel. Esse número foi aberto por um artigo de Hermann Aubin sobre "O Leste alemão e o povo alemão" que traçou um panorama histórico amplo da história das migrações incluindo a emigração ao continente americano. A argumentação, baseada na noção de "espaço vital", adquire hoje significado histórico particular com o conhecimento de acontecimentos políticos e bélicos posteriores.

"No decorrer dos três milênios que podemos descortinar, a relação das terras atuais do Leste com o nosso povo variou em extraordinário movimento pendular de altos e baixos. Olhemos apenas os traços gerais: tendo sido uma vez e através dos séculos terra natal de povos germânicos, o Leste foi por êles abandonado à época que estamos acostumados a considerar de forma imprópria como "da" migração de povos, e entregue a povos que chegavam. Se essa substituição não se deu de uma só vez, processou-se em algumas decorrências históricas individuais em movimentos de massas para o sul e para o ocidente, e isso dentro de um período de 200 anos. Um movimento de refluxo ao Leste refêz novamente grande parte do território abandonado a terra de alemães. Mas essa reconquista foi principalmente um penetrar de pequenas partículas de povo que, ainda que com intervalos e com intensidade variante, processou-se através de mil anos nas mais diversas épocas históricas. No fim da primeira onda migratória, o espaço vital do povo alemão limitou-se ao território entre o canal da costa-Maas-e crista dos Vogesen e o Elbe-Saale, a segunda migração ampliou-o ao dobro. O tamanho do espaço, o período de tempo, a dimensão dos movimentos, os fenômenos culturais acompanhantes fazem dessa mudança um espetáculo de rara expressividade." (loc. cit. 95)

"(....) agora, transbordou a população, como no século XII e XIII, e também agora acompanhada por grandes transformações econômicas e sociais, e por longo tempo muito mais rapidamente do que a forma nova da economia poderia conseguir em alimentos. Emigração tornou-se por isso novamente necessária. Mas ela não dirigiu-se mais ao Leste; milhares e centenas de milhares tomaram agora o caminho da America.
A América foi para os alemães do século XIX o que para os seus antepassados havia sido o Leste: a terra das grandes possibilidades econômicas, sociais e políticas. O Leste oferecia ainda espaço para uso mais intensivo. Mas não era mais campo para pioneiros." (loc. cit. 106)

"(...) já uma vez o povo alemão ocupou o Leste esvaziado, então sem ser guiado na sua fronte pelo seu Estado no ímpeto transbordante de sua potência popular.
Uma segunda vez, o Estado absolutista, com vontade rígida, preencheu novamente o Leste.
Hoje, o povo alemão e o Estado alemão se encontram pela terceira vez e unido perante a mesma tarefa. Um povo, suficientemente ensinado e informado encontra-se na situação de a ela fazer jus; que é emancipado e que quer representar êle próprio o Estado - um Estado, que quer ser êle próprio o povo, e que, para além de todos os problemas de momento possui potencial técnico e forças muito acima àquelas do século XVII e XVIII.
Podemos, com esses pressupostos, crer que a obra será realizada? Somente se o Estado, com força e rigidez, e se o povo estiver transbordante de impulsos de sua tarefa histórica, que não significa tarefa apenas voltada à felicidade e satisfação, mas sim cumprimento de dever" (loc.cit. 108-109)

Também o Brasil foi considerado sob a concepção do "espaço vital" e da atenção dirigida a questões de ocupação e colonização da literatura alemã estudada pelos leitores saxões-siebenburgueses.

Um dos mais significativos textos registrados em Sibiu/Hermannstadt é o do estudo sobre a Amazônia de Ludwig Koegel, publicado na Revista de Geopolítica editada por K. Haushofer, professor honorário da Universidade de Munique ("Amazonien", Zeitschrift für Geopolitik III/12, 930-937).

Koegel, autor de outros estudos referentes à Amazônia (Das Urwaldphänomen Amazoniens, Munique 1914; "Zur Frage der Urwaldentwicklung in Amazonien", Geographische Zeitschrift 1922), via como desfavorável o fato de ser o território natural da baixada do Amazonas, em si íntegro, ser dividido politicamente entre vários países, entre os quais predominava o Brasil, cujo centro encontrava-se em espaço externo à Amazônia.

"Nós vemos tudo na Amazônia em fluxo. (...) Queira que o território amazônico gigantesco, dificilmente esgotável, possuindo em si novas possibilidades, logo deixe de ser bola de jogo de estreitos interesses particulares, para que, com as suas superfícias quase que não povoadas possa se tornar um membro verdadeiramente útil no espaço vital dos homens e dos estados, para os quais o globo parece tornar-se cada vez menor". (op. cit. 937)

A minoria de ascendência alemã no período comunista

Como um marco significativo na consideração da consciência cultural da minoria de ascendência alemã na Romênia no período posterior à Segunda Guerra pode ser vista a organização e publicação de calendários para os grupos populacionais saxões-siebenburgueses e para os suábios do Banat.

Alguns autores, tais como Adam Müller-Guttenbrunn e Oskar Wittstock, entraram para a história cultural desse tipo popular de publicações. Já em 1949, logo após a publicação do Neuer Weg, passou-se a organizar o primeiro almanaque para a comunidade de língua alemã. Das edições preparadas sob a direção redacional de Ernst Breitenstein, pode-se escolhar neste contexto, como exemplos, as dos calendários de 1971 e 1976. Na diversidade dos seus artigos, constata-se, para além de temas da atualidade, textos voltados ao patrimônio histórico e da tradição popular da região dos saxões-siebenburgueses e dos suábios do Banat.

Há 40 anos, o Neuer Weg não deixava de manifestar claramente a inserção da minoria na cultura do Estado romeno. Logo de início, a folclorista Juliana Dancu oferecia um estudo sobre a cerâmica popular da Romênia, e as reportagens sobre acontecimentos políticos e culturais de importância de Bucareste assumem posição central. Entre êles, uma particular atenção era dada a eventos internacionais, em particular ao Festival Enescu. A publicação também oferecia, porém, textos sobre trajes populares saxões-siebenburgueses (Juliana Dancu, "Über die siebenbürgisch-sächsische Volkstracht", 81-85) ou sobre a arquitetura alemã do Banat (Franz Heinz, Walther Konschitzky, "Banater Giebelhäuser", 92-96).

Folcloristas, que haviam atuado na década de 30, como Erhard Antoni, continuavam a realizar pesquisas no sentido de revelar patrimônio imaterial. Se o material já era bem conhecido, viam como necessário trazer à consciência o valor de danças e cantos, como, por ex. o da "dança das rainhas" (Erhard Antoni, "Wer weiss noch vom Königinnentanz: Deutsch-Weisskirch mit den Augen des Kunsthistorikers und Volkskundlers", 107-108).

O Brasil surge, nessa publicação, em artigo sobre o campeonato de futebol.

"A terceira vitória do campeonato mundial e o recebimento definitivo do pocal Jules Rimet é, sem dúvida, merecido. O time, que como o único do mundo participou de todos os nove jogos pelo pocal Jules Rimet, jogou no México um futebol como os torcedores gostam.
O futebol atual do Brasil é, em comparação com o dos anos passados, mais maduro, mais a serviço dos jogadores, mais forte fisicamente. À técnica brilhante que sempre existiu nos brasileiros acrescentou-se sistemas de jogos estudados e concepções fundamentais táticas assimiladas dos europeus. Isso fêz com que o futebol do Brasil se tornasse mais efetivo e produtivo. Em 1958, o Brasil tinha um time de dançarinos de futebol, que varreram do campo os rivais através de improvisação e rapidez. O time-mestre de hoje é uma unidade bem integrada. Apesar dos numerosos superstars, no México foi o jogo do grupo o mandamento dos protegidos de Zagallo".
("1:0 für den Fußball", Neuer Weg/Kalender 1971, Bucareste: Neuer Weg, 1970, op.cit. 164-167)

Nos anos seguintes, pode-se constatar uma intensificação dos temas dedicados ao patrimônio cultural dos grupos populacionais de idioma alemão.

Essa intensificação da consciência cultural se manifesta em artigos que salientam os locais onde viviam ainda antigos costumes (Ewalt Zweier, "Wo alte Bräuche länger leben", 59-64) ou de escritores que usavam dialetos locais (Friedrich Schuster, "Der bedeutendste Mundartdichter der Sachsen", Neuer Weg/Kalender 1976, Bucareste: Neuer Weg, 1975, 130-131; Michael Markel, "Dichterin der Heimatseele", ibidem, 135-136).

Um momento renovador na edição do anuário deu-se com a sua reestruturação, em 1983, ano comemorativo dos 65 anos de Nicolae Ceausescu.(1918-1989). O jornalista Heinz Leonhardt constatava que, após 34 edições desse anuário, podia-se afirmar que o caminho fora marcado por uma crescente e cada vez mais competente "reapropriação" da história e por uma compreensão cada vez mais intensa e viva da atualidade na vida dos romenos-alemães.

O objetivo da publicação era o de oferecer uma "história cultural viva". Para os seus organizadores, a história e a história cultural dos alemães deveria ser escrita de novo por cada geração. Assim, procurou-se ampliar os temas tratados e atualizar a forma de expressão. Passou-se a considerar fontes até então pouco conhecidas, como a viagem do escritor inglês e jornalista Charles Boner na região 1863/64, a viagem pelo Danúbio de Hans Christian Andersen (1805-1875) em 1841, e a troca de correspondência entre os pesquisadores de tradições populares Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) com Josef Haltrich, de Schässburg relativamente a lendas siebenburguesas.

Artigos dedicados ao ensino das novas gerações passaram a ocupar parte importante do anuário. O calendário dirigia-se agora também às crianças, aos jovens e às famílias, oferecendo conselhos, anedotas, aforismos e sugestões práticas. Salientava-se a participação de crianças na tradicional festa "da coroa", que desde 1968 havia sido reintroduzida.

Com a introdução de uma parte turística, de viagens, a publicação assumiu o caráter de um magazine ilustrado para a comunidade. No
calendário passaram a atuar folcloristas e artistas, entre eles Walther Konschitzky e Juliana Fabritius-Dancu, esta responsável pela divulgação de trajes típicos dos saxões e dos suábios do Banat em aquarelas. O desenvolvimento econômico e social da Romênia passou a ser considerado da perspectiva e no idioma da comunidade. Temas como o porto de Konstanza, estruturas da economia estatal, o metropolitano de Bucareste passaram a ser tratados.

A questão da minoria de ascendência alemã no ensino da atualidade

Uma aproximação à situação das questões culturais e educativas relacionadas com a minoria alemã da Romênia na atualidade exige a consideração do acima mencionado êxito de considerável parcela dessa população após o término do regime comunista.

Esse movimento emigratório foi causado sobretudo pela procura de melhores condições de trabalho e possibilidades econômicas na Alemanha, diferenciando-se, assim, daquele dos sudetos alemães expulsos dos territórios que hoje pertencem à República Tcheca no fim da Segunda Guerra (http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Boemia-Brasil.html). Apesar dos paralelos relativos à saída de parcelas populacionais já há muito profundamente enraizadas em regiões de passado colonial, a situação difere em ambos os casos, assim como aquela das comunidades de emigrados na própria Alemanha.

As tendências e os procedimentos empregados atualmente no ensino das minorias alemãs na Romênia podem ser analisadas a partir de um compêndio para as classes sexta e sétima das escolas com língua de ensino alemã lançado em 2011 em quarta edição. Esse livro corresponde a programa de ensino aprovado pelo Ministério de Educação, Pesquisa e Inovação romeno, em 2009 (H. Baier, M. Bottesch, D. Nowak, A. Wiecken, W. Zigler, Geschichte und Traditionen der deutschen Minderheit in Rumänien: Lehrbuch für die 6. und 7. Klasse der Schulen mit deutscher Unterrichtssprache, Sibiu/Hermannstadt: Central, 2011 ISBN 978-973-87076-5-8).

A primeira questão que é tratada no ensino relativo a minorias em escolas romenas que incluem a língua alemã diz respeito à época e às razões da vinda de alemães para o território do Siebenbürgen.

Os alunos aprendem que, após a saída dos romanos no ano 271 D.C. o território passou a ser dominado por povos nômades. A partir do século X, com a gradativa apropriação do território sob o domínio húngaro, sentiu-se a necessidade de povoá-lo para fins de garantir o seu domínio e defesa. Com esse intento, o rei húngaro Géza II (1130-1162) procurou atrair a colonização do território "para além das florestas" (Transilvânia) por alemães. A seu chamado vieram camponeses e membros de círculos mais inferiores da nobreza para a região.

A segunda questão  considerada diz respeito à proveniência desses colonos. Salienta-se que, ao contrário do sugerido pela denominação de "saxões siebenburgueses", os imigrantes não vieram da Saxônia, mas sim da parte ocidental da Alemanha, de regiões do Reno, da Mosela-Francônica e de outras partes, também de regiões do atual Luxemburgo e da Valônia (Bélgica). A imigração deu-se em pequenos grupos, ainda que não se conheça dados precisos. A denominação de "saxões" foi-lhes dada pelos húngaros, correspondendo a um uso de linguagem e não à região de proveniência.

Um fator importante tratado nos estudos diz respeito aos privilégios concedidos a esses colonos. A êles foi entregue área pertencente à propriade real. Os colonos passaram a receber direitos especiais e também deveres para com o rei. Eram livres, diferentemente dos camponeses que trabalhavam em terras de nobres, podendo escolher êles próprios juízes e párocos, administrando autonomamente as terras reais. Esses direitos foram formalizados no Andreanum ou Grande Carta de Liberdade pelo rei Andreas II (ca. 1177-1235), em 1224. Esses direitos foram sempre reafirmados pelos soberanos sucessores, o que serviu para garantir os privilégios e a liberdade dos alemães perante os nobres quando essas desejavam amplar as suas propriedades à custa de terras reais. No decorrer do tempo, os colonos também se assentaram em terras de nobres, nesse caso, não tinham os mesmos direitos, tornando-se servís.

Os alunos aprendem que, na Idade Média, ao lado dos colonos alemães imigrados também viviam no Siebenbürgen rumenos, húngaros, Sekler e Petschenegos. Os romenos descendiam da população de língua latina do Império Romano na sua extensão regional; os colonos Sekler de língua húngara haviam sido assentados na parte mais a Leste do território. Os nobres eram em geral húngaros, os camponeses que para êles trabalhavam, eram húngaros e alemães. Os Petschnegos, nômades, foram gradualmente assimilados.

Para além da atenção dada a uma maior diferenciação das regiões de proveniência dos imigrantes e de seus diferentes pressupostos culturais, procura-se transmitir aos alunos uma visão histórica da colonização nas suas inserções em processos internacionais. Salienta-se, assim, que, se a maior parte dos colonos era, de princípio, constituida por camponeses, muitos deles logo passaram a dedicar-se ao comércio, contribuindo à criação de uma densa rêde de contatos comerciais com o Oriente e com o Ocidente da Europa. Importante fator do progresso das colonias foi a autonomia administrativa garantida aos "saxos". Os representantes eleitos formavam a "Universidade saxônica da nação", servindo o termo "universidade" para a designação do todo representado pelos saxões em território real. Sede da universidade nesse sentido era a cidade de Sibiu/Hermannstadt.

No século XVI, quando parte do reino da Hungria caiu no poder turco, a região de Siebenbürgen tornou-se principado autônomo, sendo liderado pela nobreza, pelos Sekler e pelos saxões, devendo, porém, pagar tributos aos turcos e reconhecer a soberania osmânica. Em fins do século XVII, quando os turcos tiveram que sair da Europa Central, a região passou ao domínio austríaco. A administração foi reformada, e os direitos medievais dos alemães gradualmente suprimidos. A auto-administração saxônica no Siebenburgen terminou em 1876.

Para além dos "saxões siebenburgueses", os escolares são ensinados a respeito dos "Suábios de Sathmar". Nesse contexto, aprendem a respeito dos diferentes fatores históricos e culturais que condicionam a integração e a assimilação. Assim, também os alemães assentados no século XI na região de Sathmar/Satu Mare receberam carta de liberdade em 1230 do rei Andreas II, após ter este concedido tal "Carta dourada de liberdade" aos colonos saxões-siebenburgueses, ali deu-se, porém, muito mais intensa assimilação. Os antepassados dos atuais suábios de Sathmar vieram em 1712. Foram convidados pelo conde Alexander Karólyi (1669-1749) da região do atual Baden Württemberg para repopular aldeias e regiões decimadas por guerras, catástrofes naturais e epidemias. Católicos, assentados em terras de nobres húngaros, também católicos, ainda que tivessem escolas em língua alemã, apenas podiam continuá-los em escolas superiores de idioma húngaro. Aos poucos perderam, assim, o uso doméstico do alemão. Após 1918, quando já não mais existiam escolas alemãs, o território, agora romeno, passou a permitir a fundação de novas escolas. O mesmo se deu após a Segunda Guerra, havendo hoje, aulas em língua alemã em liceus.

Um outro grupo particularmente considerado no ensino das minorias é o do Banat. Também aqui os escolares saxões-siebenburgueses procuram tomar conhecimento de uma história da colonização que difere da própria. Esses alemães das terras altas de Banat, na região da atual jurisdição de Karasch-Severin, vieram como consequência da expulsão dos turcos em 1718, quando o govêrno austríaco procurou fomentar o desenvolvimento econômico da região. Como ali se praticava a mineração, procurou-se trazer mineiros da Áustria, em particular do Steiermark, Tirol e Áustria Superior, da Boêmia e da Zips. Também vieram poloneses, tchecos, italianos e franceses como especialistas. Esse povoamento da região por imigrantes de outras regiões da Dupla Monarquia durou até meados do século XIX; os romenos, porém, permaneceram predominantes, trabalhando sobretudo na agricultura e na pecuária. Quanto à língua, também imigrantes de outras proveniências assumiram o alemão.

No século XIX, estabeleceram-se alemães e sobretudo boêmios alemães em várias áreas para o aproveitamento de florestas em regiões altas, evitadas por romenos que nelas não podiam cultivar milho. Quanto à identidade, esses colonos teuto-boêmios de Banat se consideram "alemães", o que os diferenciam dos "suábios de Banat". Esses "suábios do Banat" vivem na região mais ocidental do Banat que, à época da presença turca, era formada por várzeas. Após expulsão dos turcos, a imigração de alemães foi incentivada pelo govêrno austríaco. Vieram em três correntes, iniciadas em 1722 ao longo do Danúbio e do Mieresch. A segunda leva, sob Maria Teresa (1717-1780), teve o seu apogeu entre 1763 e 1766; drenaram as várzeas com a abertura de canais. Uma terceira corrente deu-se durante o govêrno de José II (1780-1790), constituído também por protestantes.

Um aspecto considerado no ensino das minorias é o do papel exercido pela confissão religiosa na imigração e na história colonial dos diferentes grupos alemães da Romênia. Assim, os "Ländler" são descendentes de austríacos obrigados a assentar-se na região de Siebenbürgen por causa de sua confissão evangélica. O imperador Carlos VI de Habusburgo (1711-1740), não tolerando reformados, e os evangélicos não desejando converter-se, foram transferidos para Siebenbürgen.  Entre 1734- e 1737 foram deportados centenas de pessoas provenientes sobretudo do Salzkammergut e assentados em Neppendorf/Turnisor e Großau/Christian, povoados da região de Hermannstadt. À época de Maria Teresa, foram transportados para a região acima de 3000 austríacos protestantes, provenientes sobretudo da região da Áustria Superior denominada de Landl (Wels, Vöcklabruck, Gmunden), também da Caríntia e do Steiermark. Misturando-se com os saxões de Hermannstadt, o dialeto e as vestimentas típicas permaneceram em algumas localidades.

Assim como esses Ländler, os escolares são confrontados com a complexidade dos movimentos migratórios e das condições diversificadas da cultura das minorias nas diferentes regiões do país. Entre êles, consideram-se os colonos alemães do Maramuresch, vindos no século XIII como hóspedes do rei da Hungria. No século XVIII, vieram austríacos e Zipser para a região do rio Vaser, na sua maior parte madeireiros. Hoje, os seus descendentes habitam no territorio de Wischauer, sendo designados indistintamente de Zipser; falam um dialeto próprio: o Wischaudeutsch. Na Bucovina, a Buchenland, os primeiros colonos alemães vieram de Siebenbürgen em cidades prósperas como Sereth/Siret e Sutschawa/Suceava.

À época do domínio austríaco, a parte norte do Moldau foi separada dos territórios ocupados pelos turcos e integrada no império dos Habsburgs. Foi povoado por ucranianos, romenos, judeus, poloneses, eslovacos e húngaros. Os colonos alemães vieram inicialmente do Banat, sendo seguidos por grande número de imigrantes do Palatinado. A partir de fins do século XVIII, sobretudo mineiros e boêmios para as oficinas de vidro. Entre 1835 e 1870 imigraram camponeses da Boêmia e fundaram povoações. Ao redor de 1900, apesar do florescimento econômico e cultural da Bucovina, houve intensa emigração para outras regiões da Dupla Monarquia, para o Canadá e Estados Unidos. Em 1940, obrigando-se a Romênia a entregar a parte norte do território à União Soviética, deu-se a transferência dos alemães ao Império Alemão. Após a Guerra, apenas uma pequena parcela retornou livremente à Bucovina; outros foram a isso obrigados pela União Soviética.

No Dobrudscha, que pertenceu até 1878 ao império otomano, as colonias alemãs originaram-se de várias correntes de alemães provenientes do Império Russo no século XIX, provenientes da Bessarabia e da Ucrania. Católicos e protestantes aderiram em parte às igrejas batista e adventista, e como os alemães não possuiam meios para escolas próprias, as crianças eram enviadas a escolas romenas. Muitas famílias emigraram por razões econômicas aos Estados Unidos e ao Canadá. Um modesto desenvolvimento deu-se pela passagem do século com a construção de igrejas, escolas e o emprêgo de religiosos e professores. À época da Primeira Guerra, a língua alemã foi proibida em público e a comunidade sofreu abalos econômicos. Após a Guerra, estabeleceu-se contato com outras comunidades alemãs da Romênia, fundando-se, em 1922, a liga de cidadãos rumenos de ascendência alemã na Dobrudsch". Em 1940, foram transferidos para o Império Alemão. No fim da Guerra, foram transferidos para outras regiões da Alemanha, da Áustria e da América, dispersando-se.

Significado da consideração da situação romena para o Brasil

O estudo dos processos históricos que permitem que se reconheçam diferentes fases na conscientização cultural da população de ascendência alemã no território da atual Romênia chama a atenção à necessidade de um tratamento teórico-cultural de questões relacionadas com minorias. Traz à consciência que as reflexões a respeito não são recentes, que possuem uma história vinculada a situações políticas, a contextos nacionais e internacionais. A discussão de questões relativas a um ensino adequado culturalmente às minorias no ensino, e que incluem intuitos de conservação do patrimônio cultural material e imaterial, não pode ser desenvolvida como se apenas agora se iniciassem. O estudo das correntes do pensamento no decorrer da história em diferentes contextos surge aqui como um pressuposto para o desenvolvimento refletido de iniciativas.

Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Minorias e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia I: historicidade de concepções" Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/16 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Teuto-Romenos-Minoria-Educacao.html




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