Gonçalves Dias na Europa Central. Bispo, A.A..Rev. BRASIL-EUROPA 133/11 (2011:5). Academia Brasil-Europa e ISMPS





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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 133/11 (2011:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2011 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2796





Antonio Gonçalves Dias (1823-1864) - tradutor de F. Schiller
Indianismo brasileiro e cultura alemã da Europa Central



Ciclo de Estudos Boêmia-Brasil da A.B.E..Pelos 200 anos de morte (2010) de Johann Gottfried Seume (1763-1810)
e pelos 150 anos (2012) da presença de Gonçalves Dias em Teplice/Teplitz-Schönau

 

Em trabalho apresentado no XI Congresso Internacional de Germanistas em Paris, em 2005, Karin Volobuef, de Araraquara (São Paulo), tratou das relações entre Gonçalves Dias e o Classíco alemão ("Gonçalves Dias und die deutsche Klassik", Akten des XI. Internationalen Germanistenkongresses Paris 2005, 295 ss.).

Nesse trabalho, lembrou dos elos do poeta brasileiro com a cultura alemã, adquiridos através de Portugal. Tendo ali obtido formação de 1838 a 1845, inscrevendo-se em 1840 na Universidade de Coimbra, onde estudou Direito, aproximou-se a grupos de intelectuais dedicados a estudos medievais e impregnados de espírito romântico, entre êles de Almeida Garrett (1799-1854), Alexandre Herculano (1810-1877) e Antonio Feliciano de Castilho (1800-1875).

A autora salienta que sobretudo este último era profundamente ligado à cultura alemã, o que é testemunhado pelo fato de ter-se dedicado à tradução do Faust, de Goethe. Compreende-se, assim, que Gonçalves Dias tenha-se dedicado ao estudo do alemão e da literatura alemã nos seus anos de Coimbra.

Analisando a Canção do Exílio, criada durante a sua estadia em Portugal, a autora demonstra a existência de traços comuns com o poesia Mignon, de Goethe. Salienta que tais referências na obra do poeta brasileiro podiam ser vistas como provas do seu conhecimento da literatura; acredita, e com razão, que o seu significado é muito mais amplo. Cada referência coloca a respectiva poesia em relação com a cultura européia, com um contexto mais amplo, do qual o poeta tomou traços, sem, porém, perder a originalidade. (op.cit. 297) A autora lembra que os elos com a cultura alemã de Gonçalves Dias não se interromperam ao retornar ao Brasil e que marcaram a sua vida futura e contribuem à explicação de ter publicado obras na Alemanha.

A atenção que se dedica a Gonçalves Dias nos círculos de cultura alemã não é recente. Já em 1938, Fritz Ackermann publicou trabalho sobre a arte poética de Gonçalves Dias ("Die Versdichtung des Brasiliers Antonio Gonçalves Dias", Hamburger Studien zu Volkstum und Kultur der Romanen, 1938). Egon Schaden traduziu o estudo de Ackermann ao português (Fritz Ackermann, A obra poética de Antonio Gonçalves Dias, São Paulo: Departamento de Cultura, 1940).

A retomada do interesse por esses elos na atualidade dirige a atenção à oportunidade de considerá-los sob o aspecto dos estudos culturais. Gonçalves Dias não foi apenas o poeta lírico que, retornando de Portugal marcou com a sua obra o desenvolvimento da literatura brasileira e o movimento romântico como co-fundador da revista Guanabara, em 1849. Foi personalidade de alta e diversificada cultura, tendo publicado textos na Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Nacional e artigos em vários jornais e folhetins.

Para a própria história dos estudos culturais, Antonio Gonçalves Dias assume particular significado por ter atuado na pesquisa, primeiramente sob o aspecto da promoção e da organização do ensino no país sob bases fundamentadas, o que traz à lembrança novamente o nome de Antonio Feliciano de Castilho. Em 1851, no Maranhão, estudou o problema da instrução pública; após ter sido nomeado, em 1852, oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, partiu depois de dois anos para a Europa, tendo o encargo de realizar pesquisas em instituições para a observação de métodos e conteúdos de ensino. Em 1856, realizou viagem pela Alemanha.

Os Timbiras na Alemanha e trabalhos etnográficos no Nordeste e na Amazônia

Seria necessário considerar com mais atenção as razões pela qual Gonçalves Dias passou a atuar na área da etnografia e que surge estreitamente relacionada com a sua obra indianista. Assim, ao retornar, foi nomeado chefe da seção de Etnografia da Comissão Científica de Exploração Em 1857, os primeiros quatro poemas do seu poema Os Timbiras, assim como o Dicionário da Língua Tupi foram publicados pela renomada casa Brockhaus de Leipzig.

Como salientado na sessão dedicada às culturas indígenas do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros da A.B.E., levada a efeito em São Paulo, em 2002, com a presença de membros da cultura Krahô, não se tem apreciado adequadamente as dimensões do fato de ter sido publicado na Alemanha o seu poema Timbiras, marco na história do indianismo no Brasil. Já esse fato, ainda que possa ser explicado sobretudo por razões prático-editorais, traz à consciência vínculos pouco considerados de Gonçalves Dias com o mundo de língua alemã da Europa Central.

Os nomes de Leipzig ou Lípsia, ao lado de Dresden, irepresentavam os mais importantes centros universitários, culturais e editoriais da Alemanha, onde tendências do pensamento e das artes eram recebidas e irradiadas através da grande produção editorial local. Vários brasileiros apresentam na sua história de vida elos com essa região. No caso de Gonçalves Dias, porém, a menção a essa cidade adquire um significado especial pelo fato de ter sido nela que surgiu o monumento ao índio que representa o seu poema.

De volta ao Brasil, entre 1859 e 1861, realizou com a Comissão trabalhos no interior de estados do Nordeste - Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte - e, no Norte, no Pará e no Amazonas. As viagens de estudos no Amazonas foram amplas, percorrendo imenso território e alcançando regiões do Perú.

Essa extensa experiência de campo no Norte do Brasil de Gonçalves Dias exige a atenção dos estudos culturais. Os grandes esforços de tal viagem explicam os problemas de saúde e as características de sua vida posterior na Europa. Assim, devido a seu estado de saúde abalado, resolveu partir de Recife à Europa com a intenção de realizar tratamentos nos grandes sanatórios europeus.

Gonçalves Dias e a vida cultural das cidades de tratamento balneário da Europa

Um dos caminhos para que se possa compreender esses elos de Gonçalves Dias com o universo da Europa Central é o das suas estadias para tratamentos em balneários, então também centros da vida social e cultural de cunho cosmopolita da Europa.

Gonçalves Dias realizou estações em renomadas cidades balneárias européias. Os nomes conhecidos indicam que percorreu inúmeras delas, passando, a caminho entre uma e outra, por grandes capitais. Fêz estação de águas em Vichy, o mais famoso balneário da França, passando a Marienbad, Karlsbad e Teplitz, os mais importantes da Europa Central. Passou por Königstein, na Suiça Saxônica, e por Dresden.

Essa rota de Gonçalves Dias indica os elos da vida social e cultural marcada pelas águas entre a França e a Boêmia, aqui sobretudo com o universo alemão referenciado pela Saxônia. A sua viagem à procura de saúde levou-o a um outro centro marcado pelo encontro da cultura francesa e da alemã, à Bruxelas, onde submeteu-se a operação.

No ano seguinte, voltou a procurar saúde nos grandes centros de cura europeus. Desta vez, procurou as águas de Aix-Les-Bains, balneário de renome internacional nos Alpes Franceses, e de Allevard, na região de Isère/Rhône-Alpes, então atuais pelo fato de terem sido as suas fontes de "água negra" reconhecidas como medicinais em 1858. Voltando à Alemanha, esteve em Bad Ems, na região do Reno.

Já a impressionante lista das cidades balneárias percorridas por Gonçalves Dias em tão poucos anos indica que a procura de tratamento não foi a única razão para a visita de tão grande número de estações de águas. O homem de cultura brasileiro procurou certamente o ambiente inspirador dessas cidades, centros marcados pela antiga concepção do corpo são em mente sã e que levava ao encontro de personalidades das diversas áreas do saber e das artes.

É possível que a influência da vida intelectual da Europa Central tivesse sido ainda maior no Brasil se Gonçalves Dias não tivesse morrido de forma trágica no naufrágio do navio "Ville de Boulogne", que, partindo de Le Havre, o trazia ao Brasil.

Teplice/Teplitz-Schönau - o "pequeno Paris" da Boêmia

As fontes de Teplitz, procuradas por Gonçalves Dias, eram usadas sobretudo para banhos, sobretudo para indicações reumáticas, paralisias e artroses, neuralgias, dores de colunas e fraturas ósseas. A presença de soldados que ali procuravam tratamento levou a que o balneário fosse designado como o sanatório de guerreiros.

Segundo a tradição, as fontes de água quente de Teplitz foram descobertas em 762. Entre 1158 e 1164, construiu-se ali um mosteiro beneditino, situado no local onde hoje se encontra o palácio. Tanto no seu nome como no da cidade manifesta-se o fato de ser o local marcado pelas suas águas quentes.


Desde o século XIII, a região esteve sob a soberania dos condes Kinsky. No século XVII, a propriedade da família foi confiscada pelo Imperador Ferdinando II (1578-1637), passando Teplitz ao marechal Duque Johann von Aldringen (1588-1634). Da sua irmã herdeira, casada com Hieronymus von Clary, a cidade ficou vinculada à família de Clary-Aldringen.



A Teplitz conhecida por Gonçalves Dias, para além de alguns edifícios no seu centro antigo, havia sido totalmente remodelada após um grande incêndio em 1793. Passou a ser marcada por edifícios neoclássicos, adquirindo renome internacional como centro elegante e mundano ao redor de 1800.

A cidade cultiva até hoje a memória de Ludwig van Beethoven (1770-1827), que denomina o balneário e de um dos seus principais hotéis. Em 1812, ali se passou o encontro de Beethoven com Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Em Teplitz estiveram também F. Chopin (1810-1849) e F. Liszt (1811-1886).


O significado político de Teplitz fundamentou-se no fato de ter sido o principal ponto de apoio dos soberanos da Rússia, da Prússia e da Áustria, em 1813, no contexto das guerras napoleônicas. A Santa Aliança foi decidida no palácio de Teplitz, sendo que até hoje uma placa marca o local onde se hospedaram. Em 1835, ali novamente se encontraram os reis da Prússia, da Áustria e da Rússia; em 1849 deu-se encontro entre o imperador da Austria e os reis da Saxônia e da Prússia e, em 1860, o do o imperador da Áustria com o Príncipe-Regente da Prússia. Já essas menções dos vários encontros políticos que ali se deram demonstram o prestígio internacional de Teplitz.

A natureza em Teplitz e a imagem do indígena de Seume

A menção de Teplice na série das cidades percorridas por Gonçalves Dias chama a atenção à questão até hoje pouco estudada da influência do pensamento alemão referente ao indígena americano no Indianismo brasileiro.

Quando se considera impulsos europeus ao interesse pelo indígena na literatura e nas artes do Brasil do século XIX, menciona-se sobretudo os franceses, em particular François-René de Chateaubriand (1768-1848), que, com experiência obtida no próprio continente americano, criou Les Natchez e Voyage en Amérique, publicados em 1826/27 (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/114/Chateaubriand.htm).

Não se tem até agora considerado que Johann Gottfried Seume (1763-1810), também com base em experiência pessoal entre os indígenas americanos, publicara, já anteriormente, o seu "O selvagem", texto que se tornou leitura quase que obrigatória para alemães e estudantes de alemão.

É praticamente impossível que Gonçalves Dias, tendo estado em Teplice, não tenha tido contato com a memória de Johann Gottfried Seume, o "viajante de Siracusa". Visitada não apenas por europeus dos mais diversos países, mas também por viajantes de países distantes, onde, sobretudo nos meses de verão, políticos, intelectuais e artistas se encontravam e, no convívio, certamente tratavam de ideais de liberdade e de dignidade humana, de sentimentos nobres de indígenas não deturpados pelo frio verniz da civilização européia transmitidos pela obra de Seume (veja http://www.revista.brasil-europa.eu/133/O-Selvagem-de-Seume.html).


Do tratamento poético das diversas religiões

Que Gonçalves Dias dedicou-se com afinco à literatura alemã isso testemunha o fato de ter traduzido, nessa época, Die Braut von Messina"A noiva de Messina", de Friedrich Schiller, terminando-a em Lisboa, em 1863. Pretendia também traduzir o Reinecke Fuchs, de Goethe.

Ocupou-se, assim, ao traduzir a obra de Schiller, necessariamente, com a questões relacionadas com a Antiguidade, com a tragédia do fim de estirpes, com o mundo da Sicília, local de transformação de culturas com a Cristianização, situação comparável, na ótica romântica, àquela do fim do mundo indígena americano pela catequese.

"Empreguei, misturando, a religião cristã e a doutrina grega dos deuses, até mesmo recordando a  superstição dos mouros. Mas o palco do enredo é Messina, onde essas três religiões, atuam, em parte vivas, em parte em monumentos, falando aos sentidos. E então acredito ser um direito da poesia, tratar as diferentes religiões como um todo coletivo para a fantasia, no qual tudo, o que possui um caráter próprio e expressa uma forma própria de sentimento, encontra o seu lugar. Sob o invólucro de todas as religiões encontra-se a religião em si, a idéia de um Divino, e deve ser permitido ao poeta expressá-lo, qualquer que seja a forma que encontre da forma mais apropriada e confortável." (Die Braut von Messina, Schillers Werke 10, ed. Paul Merker, Leipzig: Philipp Reclam jun. 237)

Também Gonçalves Dias trata de deuses indígenas em sentido similar. Que o seu indianismo referenciou-se também por impulsos recebidos daqueles que estiveram na América do Norte, isso o indica o uso do termo "Manitôs".

"Ó guerreiros da taba sagrada, Ó guerreiros da tribo tupi. Falam deuses nos cantos do piaga, Ó guerreiros, meus cantos ouvi" (...) Abro os olhos inquieto, medroso, Manitôs! que prodígios que vi! Arde o pau de resina fumosa; Não fui eu, não fui eu que o acendi! (...) Nossos deuses, ó piaga, conjura, Susta as iras do fero Anhangá. Manitôs já fugiram da taba! Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!" (Primeiros cantos, 9 a 12, Leipzig)

Gonçalves Dias surge como uma das personalidades que se inserem numa história global das idéias de valorização do indígena e que merece uma apreciação de perspectiva ampla, de natureza cultural, para além das mudanças na apreciação do indianismo e do índio nos estudos literários brasileiros.

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Antonio Gonçalves Dias (1823-1864) - tradutor de F. Schiller. Indianismo brasileiro e cultura alemã da Europa Central". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 133/11 (2011:5). http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Goncalves-Dias-na-Europa-Central.html




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