Beneficiencia de artistas no Exterior. BRASIL-EUROPA 129. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Como exposto em outros artigos desta edição, os anos da Primeira Guerra Mundial merecem ser considerados com especial atenção nos estudos referentes à cultura nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil.

A Guerra marcou um processo de reorientação cultural do Brasil, interrompendo o quase que exclusivo direcionamento do país segundo os grandes centros de cultura europeus. O início dessa nova fase da história cultural em contextos internacionais  relacionou-se com profundas modificações na vida e nas perspectivas de artistas e intelectuais brasileiros no Exterior e de europeus no Brasil.

Um exemplo significativo desses elos oferece o da jovem pianista brasileira Guiomar Novaes (1895-1979), que, sendo obrigada a interromper os seus planos de carreira internacional na Europa, após curta estadia no Brasil procurou impor-se no meio artístico norte-americano.

Como o seu intento foi coroado de sucesso, pois a artista iria conseguir alcançar uma posição de extraordinário relêvo no novo país, desempenhando importante papel nos elos culturais e artísticos entre os Estados Unidos e o Brasil por décadas, a análise das etapas do vir-a-ser de sua aceitação e integração na nova sociedade pode oferecer subsídios para estudos voltados a questões mais amplas, por exemplo para aquele de processos integrativos de brasileiros no Exterior, em geral, e suas consequências.

Ainda que contando com extraordinárias qualidades e apoiada de forma privilegiada por personalidades influentes, em particular pelo mecenas José Carlos Rodrigues (1844-1923) (Veja artigo), a jovem brasileira não deixou de passar por fases que muitos estrangeiros vivenciam ao procurar aceitação em nova sociedade.

Assim, à apresentação bem preparada promocionalmente para o seu début em 1915 (Veja artigo), seguiu-se uma fase em que a jovem - que mal falava o inglês - passou a apresentar-se em círculos particulares, sobretudo femininos, e em instituições relativamente modestas, em cidades menores, aproveitando todas as oportunidades que se lhe ofereciam, introduzindo-se assim discretamente no meio e assimilando os hábitos do novo país. Essa estrategia não foi espontânea, mas planejada pelo seu manager.

Uma nova etapa nesse processo integrativo - correspondendo àquilo que se conhece de outros casos - passou a ser marcada por demonstrações de sincero interesse pelo novo país, pela sua cultura, por seus problemas e pela sua sociedade.  Passou a dar maior atenção a obras de compositores americanos e a realizar eventos beneficientes para as mais diversas causas.

Guiomar Novaes oferece um excepcional testemunho do fato singular que é o do empenho filantrópico de artistas estrangeiros em terra estrangeira, em época em que eles próprios necessitam de apoio e auxílio. Esse fato pode ser constatado sobretudo com relação a artistas mulheres, e parece poder ser explicado por imagens da mulher e ao papel a ela concedido na vida cultural, onde projeções seriam antes aceitas se associados a fins beneméritos, relativadores de suposições de ambição, auto-afirmação e vaidade, e granjeadoras de simpatia.

Essa singular síndrome beneficiente de pianistas e cantoras em terras estranhas, que poderia assim ser analisada como parte do processo integrativo, assume nos Estados Unidos particular intensidade pela tradição de beneficiência existente e pelo papel importante desempenhado por círculos femininos na vida cultural-benemerente.

O caminho feminino para a aceitação surge, aqui, como aquele de oferecer ajuda, o de querer auxiliar de forma desinteressada, o de prontificar-se ao empenho por causas e iniciativas.

Guiomar Novaes, Aeolian Hall. Arquivo A.B.E.
Às vésperas da Guerra: demonstrações de americanidade

Para além da intensidade do ufanismo patriótico que sempre chama a atenção do observador externo nos Estados Unidos, os anos da Primeira Guerra foram marcados por grande intensificação de sentimentos nacionais e que alcançaria o seu ápice naturalmente com a entrada do país na Guerra, em 1917.

Artistas estrangeiros que em grande número vinham da Europa e procuravam realizar carreira nos Estados Unidos, - e em particular artistas de origem de países agora inimigos da Europa Central - necessitavam dar demonstrações de sua lealdade aos Estados Unidos e de sua simpatia por causas comunitárias e sociais, independentemente de seus países de origem.

Nesse contexto, compreende-se que a apresentação de obras, temas e problemas de próprio país natal, no caso o Brasil, não se encontraram no centro das preocupações da artista brasileira. Acentuar as próprias raízes seria nessas circunstâncias possivelmente até mesmo contraproducente, uma vez que o objetivo era o de assinalar a solidariedade com o país alvo da integração.

É nesse contexto que se revela o significado histórico-cultural da apresentação da pianista brasileira Guiomar Novaes no Aeolian Hall na Segunda-Feira, dia 22 de janeiro de 1917, às três horas da tarde, poucos meses antes da entrada dos EUA na Guerra.


Aeolian Hall, 22 de janeiro de 1917: Chopin, Franco-latinidade e música americana

Guiomar Novaes. Arquivo A.B.E.
A intérprete brasileira inseria-se no rol dos grandes talentos jovens reconhecidos em Paris e que representavam escolas e correntes de interpretação e concepção identificadas com a França. Ainda que o seu repertório não fosse marcado pela inclusão de peças denotadoras de correntes avançadas da composição musical, refletia a atualidade de concepções relativas a repertório segundo a vida musical francesa. Era aberto, assim, em correspondência ao interesse pela cultura musical alemã na França, por obras de J. S. Bach, na versão de Busoni (Chaconne), e L. van Beethoven (Sonata op. 53).

Em sequência, incluia, de forma significativa no contexto da tragédia bélica que a Europa vivenciava, o Chant Polonais de Chopin-Liszt, seguido da Ballade in F do compositor polonês.

Chopin, que marcaria a imagem da pianista brasileira nos Estados Unidos, assumiu também em Nova York o significado simbólico de atualidade político-cultural que tivera de forma explícita em Boston (Veja artigo).

A sua obra, longe de constituir uma expressão de música sentimental de salão, adquiria já na época da Primeira Guerra um significado emblemático, de dimensões político-culturais que se intensificaria na Segunda Guerra, fato também experimentado no Brasil e reconhecido por intelectuais brasileiros (Veja artigo).

Após Chopin, o programa incluia a Dance, de Granados, correspondendo, assim, à fascinação francesa pela Espanha e pelo Ibérico em geral. Esse fascínio, já de muitos anos, possuia profundas raízes no Romantismo europeu valorizador do passado medieval europeu, marcado pela Reconquista. O filo-iberismo francês extendia-se também à América Latina, sendo favorável à aceitação de artistas americanos em Paris.

Não se fazendo, nessa visão romântica, maiores diferenciações da Latinidade no continente americano, marcou também a imagem de brasileiros e contribuiu à simpatia com que eram recebidos. Assim, também Guiomar Novaes, apresentada expressamente como "The Brilliant Brazilian Pianist", seria por muitos anos, mesmo nos Estados Unidos, vinculada a uma América Latina da qual muitos americanos não sabiam que no Brasil se falava o português. A inclusão da peça espanhola correspondeu a impulsos recebidos pela pianista de Georges Coopeland Jr. (1882-1971), o grande divulgador da música ibérica nos Estados Unidos.

A lógica do programa do Aeolian Hall indica que a pianista brasileira procurou ganhar a benevolência do auditório americano e demonstrar a sua simpatia pela cultura do país incluindo Clair de Lune e Shadow Dance do compositor americano Edward A. Mac Dowell (1860-1908), que, como ela, havia estudado em Paris e que alcançara, como poucos americanos, reconhecimento na Europa.

Finalizando o seu recital, Guiomar Novaes fazia jus à designação anunciada de "brilhante pianista", apresentando, com títulos em francês e em inglês, obras de Liszt (Au Bord D'Une Source e Rhapsody N° 10).
NY. Foto A.A.Bispo©

Benefício à juventude negra dos Estados Unidos e o círculo das mulheres líderes

O programa da pianista brasileira no Aeolian Hall foi organizado pelo seu agente promotor, Loudon G. Charlton, influente manager, com relações com o Carnegie Hall. Parece ter sido intenção bem refletida desse agente introduzir e promover a jovem pianista brasileira no meio artístico norte-americano apresentando o seu recital como evento beneficiente, o que correspondia a práticas americanas e, em particular, à situação político-econômica da época.

O recital não foi dedicado, porém, a qualquer instituição humanitária de Nova York, mas expressamente a uma escola industrial para a formação da juventude de cor de Manassas, na Virginia. Dessa forma, o concerto que marcou a fase inicial da longa carreira de Guiomar Novaes nos Estados Unidos realizou-se singularmente a favor de um projeto negro.

Do ponto de vista dos estudos culturais, essa dedicação do recital merece particular atenção. O interesse pela arte africana e pela música africano-americana representava também um fenômeno atual da vida cultural francesa da época, e que se acentuaria nos anos seguintes. 1917 foi nada menos do que o ano da Rapsodie nègre de Francis Poulanc (1899-1963, oferecida a Erik Satie (1866-1925), que também compunha, nesse ano, Parade. Nessa é´poca, o compositor americano John Powell (1882-1963) compunha também a sua Rhapsodie nègre.

O interesse pelo negro e suas consequências para a criação artística nesta época insere-se em complexo de concepções e causas que necessita ser considerado diferenciadamente, não podendo ser reduzido à recepção de expressões norte-americanas na Europa, do jazz e do ragtime. A dedicação do recital de Guiomar Novaes à juventude negra testemunha a existência desses outros motivos.

A Manassas Industrial School for Colored Youth, fundada por Jennie Dean em 1893, experimentava, na época, um desenvolvimento acompanhado por todo o país. A sua fundadora havia sido uma ex-escrava e era cristã evangélica convicta, que se tornara um exemplo dos esforços dos próprios africano-americanos pela sua formação escolar e secundária após a emancipação. Jennie Dean alcançou grande sucesso na sua coleta de fundos para a construção de edifícios, do qual o primeiro foi o Howland Hall, em 1894. A sua iniciativa foi apoiada por americanas de prestígio, entre elas por Clarissa Harlowe Barton (Clara Barton, 1821-1912), enfermeira, educadora, filantropista, presidente da Cruz Vermelha, de renome internacional.

O New York Herald, de 23 de janeiro, comentou o concerto com as seguintes palavras: "Miss Guiomar Novaes, one of the few young pianists who play with fire and passion and who at the same time has a remarkable technical command of her instrument, was heard in Aeolian Hall yesterday afternoon at a recital, which was held for the benefit of the Manassa's Industrial School for Colored Youths at Manassas Va. More than $1.000 was made for that institution."

A dedicação do concerto à juventude negra de Guiomar Novais adquire um significado simbólico para a própria história do Aeolian Hall e da música norte-americana em geral. Essa sala entrou na história sobretudo pelo concerto que ali seria apresentado alguns anos depois por Paul Whiteman (1890-1967) e sua orquestra, e que incluiu a primeira audição de Rhapsody in Blue, de George Gershwin (1898-1937). O Aeolian Hall assumiu, assim, um significado emblemático na história das relações entre a música erudita e o jazz.

Com a dedicação do concerto à Manassas Industrial School for Colored Youth, o agente de Guiomar Novaes introduziu a pianista sobretudo no círculo das grandes mecenas e filantropistas dos Estados Unidos. A pianista surgia, aqui, não apenas como uma jovem artista talentosa que se apresentava ao público americano, mas como uma das mulheres que - como muitas outras no país - se mostrava disposta a se dedicar a fins humanitários a favor da nação. Esse elo de Guiomar Novaes com o círculo de mulheres líderes dos Estados Unidos influenciaria fundamentalmente a sua carreira, a sua aceitação e a sua integração na sociedade americana, repercutindo também nas suas atividades no Brasil.

The Woman's Club Concert, Greenfield

No dia 1 de fevereiro de 1917, às 20.00 horas, a pianista brasileira ofereceu um recital no Washington Hall do Woman's Club de Greenfield, Massachussets. Também esse club possuia uma tradição vinculada à história abolicionista.

O programa foi aberto com Gluck/Saint Saens (Airs de Ballets), incluindo Schumann (Carneval op. 9), Chopin-Liszt (Chant Polonais), Chopin (Ballade in F. op. 38, Étude 1); Granados (Danse), MacDowell (Shadow Dance), Isidor Philipp (Feux-follets) e Moszkowski (The Waves).

A pianista repetia aqui algumas das obras já apresentadas no Aeolian Hall. Oferecia também nesta oportunidade um programa cujo centro era constituído por Chopin, em particular pelo Chant Polonais tão significativo no ambiente político-cultural da época.

Ela considerava novamente o repertório ibérico-francês,incluia uma obra de compositor americano, uma composição do seu professor Isidor Philipp e terminava o recital com obra de brilho.

"A quintessentially feminine art"

No contexto internacional determinado pela Guerra européia, a atenção a compositores franceses e a artistas de formação francesa na vida artístico-cultural de Nova York passou a assumir cada vez mais relevância político-cultural.

Mesmo programas que, sob outras condições, poderiam ser considerados como convencionais adquiriram significado político, o que foi favorável para a imagem da jovem pianista brasileira formada em Paris.

Essa situação foi particularmente bem expressa nas palavras do crítico do Evening Post ao comentar o concerto no qual se apresentou Guiomar Novaes no concerto de encerramento da estação de inverno de 1916/1917, a segunda de sua carreira nos Estados Unidos.

Na edição de 3 de fevereiro de 1917, o autor menciona existir uma dicotomia na vida musical de Nova York perante a atualidade da situação européia. Enquanto que o Metropolitan Opera House continuava a negligenciar a música francesa, as salas de concerto da cidade testemunhavam a força e o significado da corrente provinda de Paris.

A New York Philharmonic apresentara, no dia 2 de fevereiro de 1917, sob a regência de Josef Stránsky (1872-1936), o regente tcheco que sucedera a Gustav Mahler (11860-1911), em 1911 , um programa dedicado inteiramente à música francesa, com obras de C. M.Widor (1844-1937), C. Franck (1822-1890) e E. Chabrier (1841-1894), sendo a única exceção o concerto de E. Grieg (1843-1907), apresentado por Guiomar Novaes. Assim, o programa "inteiramente" francês incluia obras de compositores franceses e uma pianista que representava Paris, e que alcançou, com a sua execução, grande sucesso.

While the Metropolitan Opera House perseveres in its amazing neglect of French music (think of Faust not being given there for several seasons, although, if done as well as Carmen, it would draw equally large audiences), our concert halls are flooded with Parisian products. The Philharmonic joined the procession yesterday afternoon by giving a programme devoted entirely to French music, excepting the Grieg concerto. It began with Widor's third symphony for organ and orchestra, which was a novelty to New York audiences. It seems to antedate the Debussy epoch, for it is full of Wagnerian allusions, which are the best things in it. (...) It was well done by the orchestra, and Mr. Stransky also made the most of the other French pieces on the programme: César Franck's symphonic poem, The Wild Huntsman, and Chabrier's brillant rhapsody, España. Franck's piece is less austere than most of the other works of the Belgian Brahms. (...) The Grieg Concerto was played by Miss Novaes, who can add this occasion to the growing list of her triumphs.

O New York Evening Journal, também de 19 de março, salienta um dos aspectos que explicava o sucesso da jovem brasileira, para além de suas qualidades propriamente técnicas: a fascinação de sua arte que manifestava a máxima beleza do aveludado: uma arte "essencialmente feminina":

Guiomar Novaes Gives Final Concert.  The art of Miss Guiomar Novaes, the young Brazilian pianist who came to New York for the first time last season, when she received immediate critical recognition, hast at last found its permanent popular following. At her recital yesterday afternoon in Aeolian Hall - her final appearance here of the Winter - the place was filled and chairs hat to be placed on the stage for the overflow. And she was greeted with abundant enthusiasm, a tribute of unusual appreciation since there is little of the dramatic and none at all of the spectacular in her playing.

Miss Novaes's art raises gentleness to its maximum of velvet beauty - a quintessentially feminine art, with all that the phrase holds of loveliness, with her own individuality and has thereby created for herself a distinctive style. Miss Novaes, however, is still extremely young, and youth and individuality evolve the limitations of their qualities. (The New York Evening Journal, March 19, 1917)

The New York Diet Kitchen Association no Waldorf-Astoria

Uma das entidades femininas de significado nessa fase de integração da pianista brasileira no meio social americano foi a The New York Diet Kitchen Association. Essa entidade representava a antiga tradição da ação social de Nova York de amparo aos pobres, à infância abandonada e às mulheres nas prisões, e que substituiu ou completou formas mais antigas de atividades caritativas.

Uma das mais destacadas ativistas desse trabalho social feminino foi Abigail Hopper Gibbos (1801-1893), de tradição religiosa Quaker, abolicionista e fundadora do Labor and Aid Society para o auxílio de veteranos, de viúvas e órfãos por ocasião da Guerra Civil, e uma das fundadoras da The New York Diet Kitchen Association.

Essa associação tinha como objetivo colaborar com o trabalho dos dispensários de Nova York no amparo dos pobres e doentes, possibilitando que fossem visitados por médicos e que obtivessem uma alimentação sadia segundo prescrições de nutreólogos. Esse trabalho de amparo aos pobres, às viúvas e à infância órfã ganhou nova atualidade à época da Primeira Guerra Mundial. Para o pagamento de médicos e de alimentos, as participantes da The New York Diet Kitchen dedicavam-se sobretudo a angariar fundos entre os círculos sociais de maior poder aquisitivo da sociedade americana.

À época, as suas mais influentes patronesses eram as senhoras Theodore J. Abbott, Frederick Thompson Adams, Abram A. Anderson, John D. Archbold, Thomas Cleveland Assheton, William C. Atwater, Edgar S. Auchincloss, Hugo D. Auchincloss e Joseph S. Auerbach.

Para colaborar com os objetivos da entidade, Guiomar Novaes, juntamente com a soprano Maude Fay (1879-1964) e a The Philarmonic Orchestra, sob a regência de Josef Stránsky, ofereceu um concerto beneficiente na grande sala de baile do tradicional hotel Waldorf-Astoria, na tarde de segunda-feira, dia 19 de fevereiro de 1917, às 14:30 horas.

O programa constou da abertura "Spring" de Goldmark, pela Philharmonic Orchestra, do concerto de Grieg por Guiomar Novaes, do Scherzo do "Aprendiz de Feiticeiro" de Paul Dukas, e, após o intervalo, do Idílio de Siegfried, de Wagner, do "Dich theure Halle" de Wagner e de ária da Tosca, de Puccini, por Maude Fay, terminando com o Tema com Variações de Tschaikowsky.

Chant Polonais através dos Estados Unidos - B. of L. E. Auditorium, Cleveland

A intensidade das atividades musicais da jovem brasileira no período imediatamente anterior à entrada na Guerra dos Estados Unidos surpreende.

Pelas características de seu repertório, e sempre incluindo o emblemático Chant Polonais de Chopin/Liszt nos seus programas, transformou-se em pianista que correspondia, com o seu repertório, à atualidade político-cultural de momento.

Assim, no dia 22 de março, às 20:15 horas, a pianista brasileira ofereceu um recital no B. of L. E. Auditorium em Cleveland, então a mais significativa sala de concertos da cidade. O programa repetindo em grande parte obras já apresentadas em outras cidades, incluiu de Glück-Saint Saens (Les Airs de Ballet d'Alceste), Glück-Brahms (Gavotte), Schumann (Carnaval), Chopin-Liszt (Chant Polonais), MacDowell (Shadow Dance), I. Phillipp (Feux-follets) e Moskowski (The Waves).

Recital à entrada dos Estados Unidos na Guerra - Henrique Oswald (1852-1931)

No dia 6 de abril desse mesmo ano de 1917, os Estados Unidos declararam Guerra às potências centro-européias. Alguns dias depois, na Quinta-Feira, dia 13 de abril, às três horas da tarde, a pianista brasileira ofereceu um segundo recital no Aeolian Hall.

O programa desse recital revela também uma criteriosa escolha das obras apresentadas. A pianista abriu novamente o seu programa com J.S.Bach (Bach-Móor, Organ Praeludium et Fuga in A minor), seguindo-se composições clássicas e românticas (W.A.Mozart, Sonata in A major; R. Schumann, Abendlied). O fato de ter incluido Schumann no seu programa, como única peça com título em alemão, merece atenção no contexto político internacional da época, uma vez que alguns pediam até mesmo a exclusão de autores alemães dos programas de concertos.

Mais uma vez Guiomar Novaes incluiu obras de F. Chopin (Two Etudes, Ballade in F) no centro do seu programa. De particular significado, porém, foi o de ter apresentado uma obra de compositor brasileiro, o Chauve souris de Henrique Oswald. Também a música brasileira, assim, que teve a sua entrada na vida musical de Guiomar Novaes nos Estados Unidos por via da França e da cultura francesa, esteve presente nessa fase de exacerbado patriotismo.

A música do compositor brasileiro, ainda que de conotação francesa, substituiu aqui o grupo dos "espanhóis" na constituição do programa.

Encerrando o recital de forma adequada para a demonstração das suas habilidades técnicas, a pianista apresentou uma obra do compositor e virtuose francês de origem judia, Charles-Valentin Alkan (1813-1888), que de forma sugestiva descrevia uma viagem de trem (Le chemin de fer), um motivo que correspondia também a uma fascinação pela ferrovia que se refletiu na obra de vários outros compositores.

Recital no Wells College, Aurora, New York: Habere et Dispertire

Poucos dias após esse evento, a pianista brasileira apresentou-se em recital no Wells College Aurora, na região dos lagos Finger, Cayuga County, em Nova York, na tarde de segunda-feira, dia 9 de abril, às quatro horas.

Tudo indica que também esse concerto foi possibilitado por elos criados por círculos femininos influentes da sociedade de Nova York. O Wells College, particular, possuia uma história estreitamente vinculada ao movimento de promoção da educação feminina em artes liberais, tendo sido criado como colégio feminino em 1868 por Henry Wells, o fundador do Wells Fargo e da companhia American Express.

Com esse evento, Guiomar Novaes entrou em contato mais estreito com o meio acadêmico, uma vez que o colégio mantinha vínculos com universidades. O Wells College possuia uma intensa vida musical, dirigida por Emil K. Winkler, sendo o concerto de Guiomar Novaes, da estação de 1916/17, o de número 523.

No seu recital, a pianista brasileira executou obras de César Franck (Prelude, Choral et Fugue), várias composições de F. Chopin (Impromptu opus 36, Prelude, Sonate opus 35), Gluck (Air de Ballet), Granados (Danse), I. Phillipp (Feuy-Follets), encerrando com Liszt (Rhapsodie).

O programa teve aqui também um cunho acentuadamente francês, não apenas por ser aberto por obra de César Franck. Incluiu, como de hábito, uma peça do repertório ibérico, refletindo o fascínio francês pela Espanha, assim como a composição do seu professor, Isidor Philipp. Também aqui uma constituição de programa conservadora e mesmo convencional assumiu, pela situação político-cultural de momento, atualidade, vindo de encontro a estados de espírito do público e da crítica.


Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.."Habere et Dispertire .Beneficiência e neo-patriotismo de artistas no Exterior
Recitais brasileiros a favor da juventude negra e a da The New York Diet Kitchen Association (1917)". Revista Brasil-Europa 129/11 (2011:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Concertos_beneficientes_no_Exterior.html



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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 129/11 (2011:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2697




Habere et Dispertire
Beneficiência e neo-patriotismo de artistas no Exterior
Recitais brasileiros a favor da juventude negra
a da The New York Diet Kitchen Association (1917)

Trabalhos da A.B.E. em Nova York pelo ano Liszt 2011 e pelos 150 anos de Edward A. Mac Dowell (1860-1908)

 

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