Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/11 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2895





Arte lírica na China e o ensino de canto de orientação italiana
de portugueses em Hong Kong
Il Guarany e Salvator Rosa de Antonio Carlos Gomes (1836-1896) em Kowloon



Ciclo de estudos em Peking/Beijing e Manchester
no ano da participação da China como nação convidada na Feira de Hannover 2012
pelos 500 anos de contatos de chineses com portugueses
em atualização de trabalhos da A.B.E. em Hong Kong e Macau
à época da transferência de soberanias européias à China (1996)

 

Os estudos desenvolvidos em Peking/Beijing e encerrados em Manchester, respectivamente em janeiro e em abril de 2012, foram motivados pela lembrança dos 500 anos de contatos entre chineses e portugueses e pela presença da China como convidada na Feira de Hannover 2012.

Manchester, cidade por excelência da Revolução Industrial, do Liberalismo Econômico, do comércio mundial e de movimentos sociais, possuidora de um dos mais vitais bairros chineses da Europa, ofereceu-se como local particularmente adequado para o desenvolvimento de estudos voltados às relações comerciais, tecnológicas e culturais da China com o Ocidente no passado e no presente (veja Tema em Debate).

Trabalhos em Macau e Hong Kong no ano do centenário de morte de Carlos Gomes (1996)

Esses estudos retomaram, sob novas perspectivas, trabalhos desenvolvidos em Hong Kong e em Macau, em 1996, por motivo da transferência de soberania desses territórios à China.

Essa iniciativa do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S.) foi resultado de programa de estudos de longos anos que tinham revelado o extraordinário papel exercido pela música nas relações entre o Ocidente e a China.

Esse evento de 1996 teve lugar em ano que se comemorou o centenário de morte do compositor brasileiro Antonio Carlos Gomes (1836-1896).

Por essa razão, pareceu ser oportuno considerar questões relativas à história da recepção da música brasileira no Extremo Oriente, ampliando geograficamente o campo de pesquisas que vinham sendo desenvolvidas sobre processos receptivos recíprocos nas relações músico-culturais euro-brasileiras desde a década de 70.

Nos trabalhos do I.S.M.P.S. e da Sociedade Brasileira de Musicologia, realizados em 1986 pela comemoração dos 150 anos do nascimento de Carlos Gomes, e que serviram como preparatórias para o Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia realizado no Ano Villa Lobos em São Paulo, em 1987, considerou-se a situação dos conhecimentos e o estado das pesquisas especializadas à luz das tendências mais recentes da pesquisa histórico-musical. (Boletim da Sociedade Brasileira de Musicologia 3, São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1997)

A atenção foi então dirigida à necessidade da reconsideração da vida e da obra de A. Carlos Gomes em contextos globais e sob orientações teóricas mais atualizadas, correspondentes às tendências renovadoras dos estudos musicológicos de natureza teórico-cultural. Essas tendências, que haviam tido a sua expressão na própria fundação européia do I.S.M.P.S. remontavam a iniciativas brasileiras de fins da década de sessenta e que propugnavam uma renovação dos estudos culturais através de um direcionamento das atenções a processos culturais.

Os trabalhos realizados em bibliotecas e arquivos de Hong Kong e Macau puderam revelar dados documentais que testemunham a difusão de obras de Carlos Gomes nesses longínquos centros em fins do século XIX, quase que concomitantemente à apresentação de suas obras no Brasil.

Esses dados foram considerados e estudados sob diferentes perspectivas em cursos em universidades alemãs dedicados à música no encontro de culturas e à música do Brasil. Esse foi o caso, em particular, em conferência dedicada a Carlos Gomes na história da música em contextos globais do século XIX realizada no Aula máxima da Universidade de Bonn, em 2004.

Carlos Gomes nos estudos interculturais pelos 450 anos de São Paulo

Em 2004, por ocasião das comemorações dos 450 anos de fundação de São Paulo, Carlos Gomes voltou a ser tratado, agora sob o aspecto do complexto temático do colóquio internacional da A.B.E. dedicado a estudos interculturais.

Em sessão realizada no Teatro Municipal, tratou-se da inserção de Carlos Gomes em movimentos sócio-culturais internos da Itália da segunda metade do século XIX, em particular em Milão, trazendo à consciência dos pesquisadores que uma consideração adequada da obra de Carlos Gomes nas suas dimensões internacionais exigem que esta seja estudada não apenas da perspectiva centralizada no Brasil, mas sim também a partir de situações e desenvolvimentos europeus, em particular italianos.

Somente assim pode-se ganhar perspectivas para uma necessária análise diferenciada de sua obra, do reconhecimento de seu significado e para a sua revalorização após o injusto detrimento por que passou em décadas de predomínio de correntes de pensamento marcadas por estreiteza de visões nacionalistas.

Os estudos que desde então vêm se desenvolvendo demonstram, porém, que os contextos e desenvolvimentos italianos em que a obra de Carlos Gomes se inseriu, longe de serem geograficamente delimitados à Itália, possuiram, para além de todos os seus elos regionais e nacionais dimensões amplas, que alcançaram os distantes centros europeus na China.

O reconhecimento desses contextos e o estudo dos processos histórico-culturais que os explicam permitem que as fontes levantadas em Hong Kong e Macau em 1996 surjam à nova luz.

Pertencendo esse passado agora também a um patrimônio cultural intangível da China, sobretudo por manifestar processos culturais que tiveram consequências para desenvolvimentos posteriores, os fatos registrados nessa documentação pertencem tanto à história cultural da China como à história cultural do Brasil compreendida no seu complexo todo e nas suas dimensões que exigem a extrapolação de limites nacionais.

Música de Carlos Gomes em programas de portugueses de Hong Kong

Se a presença de trechos de óperas de Carlos Gomes no Oriente deve ser vista como mais um testemunho da projeção internacional da sua obra, apenas pode ser compreendida considerando-se a difusão da música italiana em centros europeus do Extremo Oriente do século XIX e início do XX.

Esse fenômeno da história cultural em contextos globais merece ser considerado com atenção, uma vez que a Itália não esteve ali representada como potência colonial e comercial em intensidade que faça imediatamente compreensível a força de sua presença cultural.

Os fatores que explicam a importância da cultura musical italiana no Extremo Oriente são especificamente culturais, apenas indiretamente elucidáveis a partir de desenvolvimentos comerciais e de poder político-militar de nações européias na região.

Uma consideração mais atenta das fontes indica que se tratou antes de um processo de italianização de repertórios, de práticas de ensino e de execução, de organização de programas e, consequentemente, de substituição de nomes e de mudança de referenciações culturais.

Dos estudos histórico-musicais de Portugal e do Brasil conhece-se a intensidade dos vínculos que desde o século XVIII uniram a vida musical de ambas as nações com Nápoles e com os centros de cultivo de música italiana em outras nações da Europa, e as novas características que esses elos do mundo português com a Itália assumiram no decorrer do século XIX.

O estudo da presença italiana na vida musical de colonias européias na China dirige a atenção a aspectos até hoje pouco considerados e referentes a questões relacionadas com migrações e transformações de identidades. A fundação de Hong Kong às portas de Macau, o seu desenvolvimento extraordinariamente rápido, com a correspondente decadência da antiga colonia portuguesa, criou uma situação político-cultural e mesmo religioso-cultural que marcou desenvolvimentos que se oferecem como objetos privilegiados para estudos culturais.

Se Macau possuia, como colonia portuguesa e participante de desenvolvimentos culturais da metrópole vínculos com a cultura musical italiana, a intensidade que adquiriu o cultivo da música italiana em Hong Kong surge como singular e dificilmente explicável à primeira vista.

A elucidação dessa situação encontra-se nas atividades da Missão Italiana de Hong Kong, dirigida pelo Instituto Missionário de Milão. Com a fundação da colonia e as possibilidades comerciais que se abriram sob a proteção britânica, para ali se transferiram muitos portugueses de Macau. Sendo católicos, agora vivendo em contexto britânico e, assim, anglicano, tinham particular necessidade de vida comunitária e essa foi, em grande parte, proporcionada pela Missão Italiana. Diferentemente de Macau, marcado pela tradição do Padroado Português, Hong Kong oferecia a oportunidade para a ação mais imediatamente de direcionamento romano no sentido político-eclesiástico da Congregação de Propaganda Fide. 

Companhia de ópera italiana em Hong Kong e Macau em 1863

O rápido desenvolvimento de Hong Kong como porto e centro econômico e cultural que passou a ser visitado por artistas líricos da Europa é documentado pela atuação, com várias récitas, de uma companhia de ópera italiana que ali esteve em 1863.

Se Hong Kong havia sido ocupado pelos ingleses em 1841, em 1860 procedera-se a integração no território de Kowloon, que viria ser o centro cultural do território. Foi ali que sobretudo se fixaram portugueses vindos de Macau ou macaenses de ascendência portuguesa, criando-se uma comunidade latina que, juntamente com os italianos da Missão, constituiram um público receptivo a espetáculos musicais e teatrais.

Segundo o Ta-Ssi-Yang-Kuo de 10 de dezembro de 1863, realizou-se, no sábado, dia 12 daquele mês, no Teatro D. Pedro V° de Macau, uma apresentação dessa companhia de ópera italiana que se encontrava em Hong Kong e que extendia a sua atuação a Macau. Essa companhia tinha sido até então muito aplaudida pelos ingleses de Hong Kong, constando que trazia excelentes artistas de renome na Europa. O fato dessa companhia já ter dado récitas em várias cidades européias era visto como uma garantia da sua qualidade artística, uma vez que em geral apenas amadores de menor qualificação se aventuravam pelo Oriente à procura de sucesso.

Esforços para a criação de um público de óperas e concertos em Macau

Deve-se salientar, no caso, uma singular inversão na apreciação dessa visita: não era a ópera que devia agradar aos macaenses, mas sim os macaenses é que não deviam desapontar os artistas visitantes. Assim, o comentarista esperava que também em Macau a companhia recebesse as ovações merecidas.

Essa curiosa inversão pode ser percebida também em outras ocasiões. Tinha-se receio que os estrangeiros levassem má impressão da cidade e do seu público. Temia-se que o círculo dos apreciadores da arte lírica, relativamente pouco numeroso, deixasse o teatro vazio. Ao contrário de Hong Kong, território novo e de população sem raízes, a cidade de Macau, com a sua história secular e orgulhosa de sua tradição encontrava dificuldades para reunir público para espetáculos como o da ópera italiana.

Essa singular situação não pode ser explicada apenas pela decadência de Macau. A razão parece residir antes na necessidade sentida pela população mixta, formada por imigrantes de Hong Kong, de vivenciar e demonstrar o seu nível cultural, os seus elos com a Europa, a sua atualidade com relação a desenvolvimentos europeus e mesmo os seus desejos de sobrepujar culturalmente a tradicional e orgulhosa colonia portuguesa.

Tratar-se-ia, assim, de um fenômeno de natureza cultural relacionado com questões da instabilidade própria a situações de imigração, acompanhado por impulsos de auto-afirmação. Explica-se, assim, o desenvolvimento singular de Hong Kong como um dos centros de mais intensa vida cultural e maior público interessado em récitas e apresentações européias do Extremo Oriente.

As autoridades de Macau, confrontadas com esse desenvolvimento de Hong Kong que se manifestava como competitivo não apenas quanto ao comércio, mas sim também culturalmente, procuraram fomentar o interesse dos habitantes por manifestações culturais.

O Teatro D. Pedro V° de Macau, dirigido a partir de 1864 por uma comissão presidida pelo Barão do Cercal, passou a dinamizar a programação e oferecer melhores condições ao público. Como o periódico Ta-Ssi-Yang-Kuo de 14 de janeiro de 1864 documenta, de 1860 até ali tinha o teatro dado um "soffrivel numero de recitas, - e se mais não foram devem isto attribuir-se á falta que por vezes se deu de amadores d‘esta diversão". O edifício foi consideravelmente ampliado, "incluindo-se n‘este acrescimo uma excellente sala em que se estabeleceram duas bellas mezas de bilhar".

Para aumentar as rendas do teatro, o Govêrno permitiu a realização de uma loteria e o próprio Governador assumiu o patrocínio da instituição. Projetou-se também uma galeria para a sala de espetáculos, o que permitia que pessoas de menores posses assistissem a espetáculos.

"Está ella, segundo nos consta, orçada em mil patacas, e a ser feita com a elegancia que a belleza da sala reclama não nos parece elevado o custo. Além d‘isso segundo nos consta, a construcção das paredes da sala foi feita já com o projecto de se realisar a mesma obra, ainda que por então se addiou por falta de meios, e essa circunstancia facilita o melhoramento, que assim se reduz só ao trabalho de assentar a galeria, sem ser preciso tocar no edifício."

Ópera italiana por companhia francesa de ópera em Hong Kong e Macau em 1865

Dois anos mais tarde, os centros europeus do Extremo Oriente receberam a visita de uma companhia francesa de ópera composta de 13 pessoas. Tratava-se de um grupo profissional dirigido por Alfred Maugard e sua esposa, que percorreu várias cidades do mundo extra-europeu e que vem hoje recebendo cada vez mais atenção da pesquisa à medida em que se levantam dados a respeito de suas apresentações em diversas regiões do globo.

Esse é o caso dos estudos apresentados em mesa-redonda no âmbito de programa universitário de artes em Manila, em 2010, quando foram consideradas as 18 óperas de 10 compositores, em 49 récitas, oferecidas por essa companhia no renomado teatro local antes de dirigir-se a Java e Hong Kong.

A companhia, vinda em vapor da mala francesa, procedente de Java, aportou em Hong Kong em maio de 1865. A mais destacada artista dessa companhia era a esposa do diretor, um soprano. Entre as óperas que constavam do repertório dessa companhia, incluiam-se obras de Gaetano Donizetti (1797-1848), então populares em Paris, sobretudo La figlia del reggimento/La fille du régiment, ópera cômica em dois atos, com libretto de Jean-François-Bayard e Jules-Henri Vernoy de Saint-Georges e que teve a sua estréia na Opéra Comique em 1840, assim como Lucia di Lammermoor, em três atos, cuja versão francesa foi apresentada pela primeira vez no Théâtre de la Renaissance em Paris, em 1839, quatro anos após a sua estréia em Nápoles.

Estando a companhia em Hong Kong, a imprensa de Macau tornou-se porta-voz de um movimento no sentido de que fosse convidada a apresentar-se na colonia portuguesa.

Nas noites de 21 e 22 de maio de 1865 tiveram lugar, no teatro D. Pedro V, duas apresentações operísticas dessa companhia francesa de Maugard. Na primeira noite apresentou-se La fille du régiment, na segunda, El Cid.

Segundo os comentários em Ta-Ssi-Yang-Kuo de 25 de maio daquele ano, os espetáculos foram muito concorridos, e em ambas as noites as representações decorreram a bom grado, embora a companhia fosse apenas de sofrível qualidade.

Em La figlia del reggimento, a própria esposa do empresário Maugard desempenhou um dos principais papéis. Segundo o jornal, a voz dessa prima dona era harmoniosa e agradável, ainda que não pudesse ser considerada como admirável. A Sra. Maugard tinha, porém, qualidades de artista que cativavam o público: "além da naturalidade com que entra em scena e summamente sympathica, e o publico, em geral, mostrou-lhe affeição desde que ella appareceu no palco." (loc.cit.)

O barítono, um Sr. Merglet, também desempenhou papéis nas duas óperas; o seu nível foi considerado pelo comentarista como sofrível. Faltando um tenor, o diretor Maugard assumiu ele próprio os papéis correspondentes. Segundo o comentarista, não tendo voz educada, teve a vantagem "de nunca desafinar".

O acompanhamento da ópera foi "de piano e rabeca". O jornal lamentou a falta de uma orquestra, por pequena que fosse. O piano ficou a cargo de uma senhora de nome De-Liagre. Juntamente com o rabequista, essa pianista deu o melhor de si para o bom desempenho musical das óperas, como o crítico bem salientou. Os dois músicos não podiam, porém, substituir um corpo orquestral e a redução das obras para piano e violino não permitia a realização dos efeitos de colorido instrumental, de volume e de expressividade das versões originais das obras.

O público de Macau, em especial o círculo dos amadores de música, não contando com ocasiões freqüentes para a apreciação de óperas, como então acontecia, soube aplaudir a companhia francesa de Maugard. Com essa simpatia do público local, a imprensa esperava que os artistas, entusiasmados com a recepção, se decidissem a proporcionar à população mais alguns espetáculos.

Após as apresentações em Macau, a companhia realizou novos espetáculos em Hong Kong, retornando após alguns dias para oferecer uma récita extraordinária em Macu, na qual levou à cena a ópera cômica em 2 atos Galatea, considerada como uma das mais notáveis do repertório francês pela imprensa.

A companhia desejava estabelecer-se em Macau por um mês, com o propósito de dar por semana duas representações escolhidas e variadas do seu repertório. Como o jornal salientou, era tão difícil obter ali passatempos agradáveis que a companhia mereceria todo o acolhimento e apoio dos macaenses, "mesmo porque as exigências da companhia eram assaz pequenas e dignas de serem attendidas". (loc.cit.)

No dia 3 de junho, a companhia apresentou a ópera cômica em um ato Le Chalet, de Adolphe Adam (1803-1856) com libretto de Augustin Eugène Scriebe a Anne Honoré Joseph Mélesville, que tivera a sua primeira apresentação em Paris, em 1834, sendo também apreciada no mundo anglofone.

O programa foi completado com um Vaudeville. Segundo o comentarista, o sucesso foi modesto, uma vez que as óperas francesas não eram "em geral tão bellas, em música, e tão completas como as operas italianas." No domingo, dia 4, a companhia apresentou, para um público mais numero, La favorite, de Donizetti, ópera em quatro atos,com libretto francês de Alphonse Royer, e que tivera a sua primeira estréia em 1840 no Théâtre de l'Académie Royale de Musique em Paris.

No dia 15 de junho, o Ta-Ssi-Yang-Kuo publicou mais um longo comentário a respeito dessa companhia. As duas últimas apresentações foram repetições de La figlia del reggimento e Lucia di Lammermoor, esta última com pouco público. No dia 16, houve um espetáculo em benefício da prima donna, a Sra. Maugard. A ópera escolhida foi Don Pasquale, de Donizetti.

"A originalidade e a sua música lhe tem grangeado a completa acceitação em todos os theatros onde se tem representado. A noite foi de extraordinária concorrência e geral entusiasmo. A prima dona, no fim de cada ato, recebeu coroas de flores e lindos bouquets acompanhado de freneticas palmas." (loc.cit.)

A repetição dessa ópera levou ao teatro de Macau cento e cinquenta pessoas, das quais a terça parte era constituída por senhoras. O jornal salientou esse fato, pois criticava-se, na cidade, a imoralidade do assunto de La favorite:

"não nos consta tenham d‘ella a opinião que por ahi appareceu para vergonha dos que sabem apreciar aquella bella opera italiana. Folgamos com isto, para que o publico de Macau não seja julgado de modo differente ao que merece na epocha em que vivemos." (loc.cit.

De 22 a 24 de junho apresentou-se o Il trovatore (1853), de G. Verdi (1813-1901).

"Na primeira d‘estas recitas houve extraordinaria concurrencia, e a prima-dona foi muito applaudida pelo bem que representou o papel de Leonor, principalmente no Miserere do 3° acto e na scena da prisão no fim do 4° acto. Mad. Maugard comprehendeu a difficuldade do seu papel e elevou-se á altura precisa para bem o desempenhar." (loc.cit.)

O comentarista lamentou também aqui a falta da orquestra, "pois o Trovador não pode ser acompanhado a piano e rabeca, ainda que o rabequista seja um excellente professor de musica, como o sr. Emmanuel. Quando Verdi escreveu a melhor de suas produções nunca lhe passou pela ideia de que aquella opera seria representada por uma pequena companhia e com tão defficiente acompanhamento. O que é porém de justiça dizer-se é que com tão poucos elementos não se pode fazer mais, nem mais de devia exigir." (loc.cit.)

A última ópera foi encenada no dia 25, levando-se o Il maestro di cappella de Domenico Cimarosa (1749-1801). O diretor da companhia teve a lembrança de pedir à banda do batalhão de linha de Macau que se apresentasse durante um dos intervalos, tendo-se executado um hino do Governador, também músico.

Em outro vapor da mala francesa, Tigre, veio a Hong Kong um novo tenor, um Sr. Viard, que também se apresentou em Macau com Il barbieri di Sevigla de G. Rossini (1792-1868). Ao comentarista, a "voz pareceu fraca, ainda que harmoniosa e bastante agradável".

Na próxima encenação de o Il trovatore pela companhia francesa, a esposa desse tenor já nela tomou parte.

"O debute de mad. Viard em Macau, deve-lhe ser lisongeiro pelos applausos que com justiça recebeu do público que era numeroso. O novo tenor, o sr. Viard, cantou também debaixo de todo o preceito e mostrou ser um excellente artista. Houve palas, flores em abundância." (loc.cit.)

A companhia de Maugard, deixando Macau, dirigiu-se a Manilla, ali não podendo imediatamente se apresentar por falta de acordo entre a companhia e o empresário do teatro principal da localidade, o Príncipe Alfonso. Não podendo obter o teatro, a companhia conseguiu outro menor em Quiapo e ali principiou as suas representações em 23 de julho com a Lucia.

Os macaenses continuaram a seguir o roteiro e o sucesso da companhia através dos jornais filipinos. A desinteligência com o empresário local logo foi superada e a companhia passou a dar as suas récitas no Teatro Príncipe Alfonso. Alí levou à cena a Lucia, a La favorita e La figlia del reggimento. Os jornais elogiaram a companhia e os artistas, principalmente as sras. Maugard e Viard. Esta última e o seu marido passaram a ser chamados em Manila de "Viardinis".

Pelos dados que se conhecem - e que ainda não permitem reconstruções precisas dos trajetos dessa companhia e de grupo posterior sob a direção de Alfred Maugard atuou nas Antilhas, transferindo-se dali a Montréal e Québec, onde, com o nome de La Compagnie lyrique et dramatique française des Antilles procurou estabelecer-se definitivamente no Thêatre de la Place Jacques-Cartier, em 1871.

Da sua companhia passaram a fazer parte agora artistas parisienses que sairam da França por ocasião da Guerra Franco-Prussiana. Tudo indica que Maugard procurara, nas suas viagens, encontrar um local onde pudesse interromper o nomadismo de suas atividades, estabelecendo uma companhia fixa. Esse teria sido o caso de Macau, onde a companhia permaneceu por mais tempo. Somente em Québec, porém, cidade marcadamente francesa, é que Maugard e seus artistas encontraram condições que lhe pareceu serem ideais para a realização do seu plano. Ali, no centro da cidade baixa, procurou cultivar um repertório de cunho popular, com comédias, operetas e vaudevilles. Não contou, porém, com o conservadorismo da igreja canadense, que tudo fêz para que o projeto de estabelecimento de uma ópera fixa não pudesse ser realizado.

Enquanto a estadia de Maugard e sua companhia em Macau ainda não recebeu atenção merecida, a sua iniciativa no Canadá tem sido objeto de estudos que salientam o seu significado histórico-cultural.

A formação de cantoras portuguesas na tradição de ensino italiano em Hong Kong

Hong Kong transformou-se no principal centro da cultura musical italiana no Extremo Oriente - e um dos principais do mundo extra-europeu do século XIX - e esse fato foi devido às atividades ali exercidas pelo maestro italiano Niccola Cattaneo.

Cattaneo era não apenas personalidade de renome na Itália pelas suas atividades no campo da música sacra, onde defendia a sua renovação ou restauração, afastando a música teatral das igrejas, mas sim também como diretor de Conservatório. Estava, assim, integrado na tradição de ensino musical das instituições italianas, de sua estrutura, de seus métodos, dos programas de ensino e do repertório cultivado, transplantando-a a Hong Kong.

A vinda de um professor de música de renomada competência e forte personalidade e pontos de vista, demonstrados na sua atuação na Itália, não podia deixar de causar sensação no meio da incipiente comunidade. Como a educação musical, sobretudo em canto e piano, constituia parte integrante da formação cultural feminina em Macau, várias das senhoras que haviam passado para Hong Kong acompanhando os seus maridos comerciantes passaram a ter então a possibilidade de aprimoramento técnico e interpretativo com um professor de renome que acabava de chegar e que estabelecia pontes com desenvolvimentos recentes na vida musical italiana quanto a métodos e repertório.

Assim, logo após a sua chegada, Cattaneo passou a ser procurado por senhoras portuguesas, formando um círculo de discípulas com o qual teve a oportunidade de realizar apresentações. A atenção de Cattaneo era, quanto a método técnico-vocal e interpretativo, sobretudo de cunho restaurativo: o da recuperação de uma tradição de bel canto que teria sido perdida, dando especial atenção à colocação da voz e ao cultivo da "doçura" no cantar.

Esse intento era acompanhado pelo redescobrimento de obras do repertório representativo de escolas mais antigas de canto. Ao mesmo tempo, porém, Cattaneo possibilitava o conhecimento das óperas de maior sucesso da atualidade através de árias e outros trechos. Tornou-se, assim, um divulgador das obras de G. Verdi e de A. Carlos Gomes.

Il Guarany e Salvator Rosa em Hong Kong por Laura Leiria e Anna C. Gomes

No dia 16 de fevereiro de 1887, o Club Lusitano de Hong Kong realizou um concerto beneficiente a favor dos órfãos do convento italiano que incluiu trechos das óperas Il Guarany e Salvator Rosa, de Antonio Carlos Gomes. O clube, bem instalado, centro da vida cultural lusa da cidade, dispunha de uma sala de baile que servia também para conferências e concertos.

O jornal O Independente, de Macau (9, 26 de fevereiro de 1887) registrou o concerto, considerado como um dos "mais felizes que se teem dado nesta colonia. O seu organizador foi Cattaneo, sendo os cantores todos seus discípulos. Além desses alunos, participaram do evento pianistas, instrumentistas diversos e uma pequena orquestra. Como o comentarista menciona, o maestro, que dispunha de muitos contatos com os residentes locais, tinha a possibilidade de escolher os seus alunos entre os mais talentosos da cidade. Para o evento, o palco dessa sala foi ornado e "elegantemente ornado e os membros da commissão da festa foram incansaveis em obsequiar os espectadores." (loc.cit.)

"Não pudemos estar presentes a essa festa, mas asseveram-nos varios cavalheiros presentes que o concerto excedeu a expectação geral do publico e fez completa justiça á boa vontade e aos talentos musicaes das senhoras e cavalheiros que concorreram para abrilhantar aquella festa. O salão do Club estava apinhado de espectadores; o palco estava simples, mas elegantemente ornado e os membros da commissão da festa foram incansaveis em obsequir os espectadores.

Quanto aos meritos do concerto, dizem-nos tambem correspondentes fidedignos e imparciaes que para um concerto puramente composto de amadores, as cantoras, os cantores, os pianistas, os instrumentalistas, e o director da orchestra, todos brilharam pela mestria com que desempenharam os seus papeis.

Segundo as informações de pessoas que assistiram ao concerto, a audição foi extraordinária, pois falaram dela em termos muito lisongeiros; salientaram a excelência com que os cantores desempenharam os seus papéis, demonstrando, assim, a capacidade do professor." (loc.cit.)

Esse concerto do Mtro. Cattaneo representou uma novidade na vida musical de Hong Kong, pois revelou novos talentos locais. Sem ele, esses teriam ficado "adormecidos ou teriam vecejado na obscuridade, completamente perdidos para a communidade". (loc.cit.)

As cantoras apresentaram-se pela primeira vez em público. Como o jornal salientou, não era freqüente ver jovens e senhoras portuguesas apresentarem-se em público de forma tão liberal, expondo os seus talentos musicais e contribuindo para o entretenimento de toda a comunidade. Depois dessa noite, todos os que se achavam presentes se uniram "na doce esperança que de futuro o publico possa ter o prazer de ouvi-las mais vezes."

Como O Independente salientou, "teria talvez havido um ou outro defeito na execução d‘algumas peças; mas, como o publico não estava presenciando um concerto de artistas pagos, mas de amadores dedicados a liberalisar um entretenimento e a concorrer para uma obra de caridade, passava por alto as pequenas imperfeições, para admirar o conjuncto, que sem dúvida alguma foi excellente e digno do incançavel maestro e das suas adeantadas discipulas e discipulos". (loc.cit.)

Sendo os jornais da colonia lusa de Hong Kong por demais lisongeiros, o Independente de Macau preferiu diviulgar os comentários do Daily Press que, por ser da comunidade inglêsa, parecia ser mais imparcial e, portanto, mais justo na apreciação dos diversos números e dos diversos artistas.

Se todas as cantoras eram portuguesas, apenas um músico era português, o pianista Hugo dos Remédios. Um dos músicos participantes mais conhecidos dos auditórios inglêses de Hong Kong era W. Scott. Nesse concerto, porém, ele revelara um aspecto totalmente diverso de sua personalidade. Até então atuara apenas como cômico e cantor de peças bufas. Provara, agora, que possuía uma voz com qualidades suficientes para o cultivo de obras sérias e "boa de mais para desperdiçal-a nos ramos infimos da arte". Outros cantores bem conhecidos dos inglêses de Hong Kong eram Brewer, Robinson e Crow. Como cantor novo, debutante nos palcos de Hong Kong, os jornais destacaram o nome de R. Vithers, "uma voz de tenor muito agradavel e muito suave".

Dos nomes femininos, o comentarista salientou o da cantora Rosa Machado. Uma ária de Il Guarany de A. Carlos Gomes foi apresentada pela soprano Laura Leiria. Segundo o comentarista, a sua voz, embora não potente, era plena de doçura e de excelente alcance.

A obra de Gomes parece não ter causado especial admiração, uma vez que o comentarista salienta que o "maior mérito da canção estava no perfeito gosto e criterio com que foi executada, pois a sra. Leiria cantava como uma verdadeira artista". Essa mesma cantora apresentou depois como solista trecho do Stabat Mater de G. Rossini, sendo acompanhada por coro. A segunda parte do concerto incluiu também uma composição de A. Carlos Gomes, uma ária de Salvator Rosa, interpretada pela soprano Anna C. Gomes.

O crítico registrou a potência de sua voz, maior do que a das demais cantoras, lamentou, porém, uma falta de da doçura que caracterizava em geral a arte das discípulas de Cattaneo. Essa menção sugere que essa cantora, já de adiantado nível, encontrava-se ainda provavelmente no início de seu aperfeiçoamento ou mudança de escola com esse professor. Assim, foi a solista da peça coral La Caritá, de G. Rossini, que abriu a primeira parte do programa e o soprano do quarteto da ópera Rigoletto, de G. Verdi, que abriu a segunda parte, juntamente com a portuguesa Edith Carvalho e os ingleses J. Robinson e W. Scott. Também apresentou, com Silvia dos Remédios, um dueto da ópera Sapho, de G. Pacini (1796-1867) e o dueto The Fishermen, com o inglês W. Scott. Dessas suas múltiplas apresentações pode-se constatar que Anna C. Gomes era uma das mais ativas e aptas das cantoras do círculo de Cattaneo, já dominando também o inglês.

"Os cantores não são desconhecidos dos auditórios de Hong Kong; mas um dos mais familiares, o sr. W. Scott, é na realidade cantor novo, porque figurou num papel inteiramente novo. Até hoje o sr. Scott tem só comparecido como cantor de musica comica, e posto que possue talento reconhecido naquele oficio, tem uma voz boa de mais para desperdiçal-a nos ramos infimos da arte. Os srs. Brewer, Robinson e Crow são bem conhecidos dos auditorios de Hong Kong, mas não nos lembramos de tel-os ouvido com maior vantagem do que na quarta-feira. O cavalheiro que era debutante, ao menos nos palcos de Hong Kong, é o sr. R. Vithers, que possue uma voz de tenor muito agradavel e muito suave, empregando-a com grande gosto. Tratando individualmente das senhoras, cremos que seria difficil arbitrar a palma, sendo até tarefa desagradaval a de fazer selecções entre cantores que desempenharam tão bem os seus papeis. A sra. Roza Machado infelizmente estava constipada, e por causa d'isso e d'algum acanhamento, não pôde fazer justiça á sua capacidade musical. É de esperar que esta senhora dê ao publico outra opportunidade de ouvil-a, porque evidentemente possue uma voz de qualidade excelente e de bom timbre. O canto "Guarany" da sra. Laura Leiria foi felicissimo. A voz d'esta senhora não é forte, mas é um soprano cheio de doçura e de excellente alcance. O maior merito da canção estava no perfeito gosto e criterio com que foi executada, pois a sra. Leiria cantva como uma verdadeira artista. O solo "Stabat Mater" foi tambem cantado por esta senhora acompanhada por um excellente coro. A sra. Edith Carvalho deu iguaes indicios d'uma instrucção cuidadosa e habil e de verdadeiro gosto natural e aptidão. O seu canto "Vo danzar" era difficil, mas foi executado com grande facilidade, sendo os gorgeios muito bem desempenhados. A sra. Carvalho tem uma voz de soprano robusta, sonora e de força. Pediu-se calorosamente um encore para cada uma d'estas cantoras, mas como o programma era longo, não se podiam dar repetições. Na segunda parte a sra. Sylvia dos Remedios cantou "Non Torno" com grande successo; possue ella uma voz de mezzo-soprano muito melodiosa e deu em tudo provas de bom gosto. A sra. Anna C. Gomes foi egualmente feliz no "Salvator Rosa". Esta sra. tem uma voz de soprano mais forte do que as das outras cantoras, mas falta-lhe um tanto a doçura das vozes que acabamos de mencionar, havendo comtudo as mesmas provas de gosto bem cultivado. Esta senhora conclue a lista das cantoras de solo; mas quasi todas as senhoras que temos mencionado tomaram parte em duetos e num quarteto com igual successo. A unica vez que se usaram palavras inglezas foi no dueto "The Fishermen", que é traducção do italiano. Cantaram-no a sra. Gomes e o sr. Scott, e foi acolhido com os maiores signaes de approvação (...)"

Entre s peças executadas, salientou-se um canto de título Vo danzar, apresentado pela cantora Edith Carvalho, pelo que tudo indica em dialeto, de grande dificuldade devido aos "gorgeios".

Uma das principais atenções do Mtro. Cattaneo na formação de cantores em Hong Kong foi o do desenvolvimento adequado da impostação de voz, de forma natural e não forçada, além de uma forma de apresentação discreta, demonstradora de um "gosto cultivado". As menções à suavidade no caso indicam que procurou mitigar uma tendência a exagêros de volume nas cantoras portuguesas vindas de Macau. Entre as peças apresentadas na segunda parte do longo programa, sobressaiu-se a mezzo-soprano Sylvia dos Remédios com Non Torno, tendo obtido muito sucesso com a sua voz melodiosa.

Além dos solos, as cantoras tomaram parte em duetos e num quarteto. Cantaram sempre em italiano ou em português. Como o jornal salientou, a unica vez que se usaram palavras inglesas foi no dueto The Fishermen. Cantaram-no Anna C. Gomes e o único discípulo masculino do Mtro. Cattaneo, o inglês W. Scott. Essa peça era uma versão traduzida para o inglês do canto italiano, provavelmente devido à atuação de W. Scott, representando um primeiro testemunho da integração de portuguesas na esfera britânica de Hong Kong.

O programa, no seu todo, constou das seguintes obras:

      
Primeira Parte
Ouverture
1. "La Caritá" - Rossini - Sras. Gomes e Coro
2. Solo ao piano, "La Figlia del Reggimento" - Ascher - Sr. Hugo dos Remedios
3. Solo de soprano, "Non ti scordar di me" - Robaudi - Sra. Roza Machado
4. Solo de baritono, "My Queen" - Blumenthal - Sr. W. Scott
5. Dueto, "Uma notte a Venezia" - Sra. Edith Carvalho e Sr. J. Robinson
6. Solo ao piano da ópera Semiramis - Ascher - Sra. Carolina de Souza
7. Solo de soprano, "Guarany" - Gomes - Sra. Laura Leiria
8. Solo de tenor, "Non e Ver" - Mattei - Sr. R. Withers
9. Solo de rabeca, "Tanhauser" - Sr. A. L. Jordan
10. Solo de soprano, Valsa, "Vo danzar" - Sra. Edith Carvalho
Segunda Parte
1. Quarteto da ópera, "Rigoletto" - Verdi - Sras. Edith Carvalho e Anna C. Gomes, e Srs. J. Robinson e W. Scott
2. Solo ao piano, "Somnambula" - Leybach - Sra. Maria E. Alves
3. Solo de meio soprano, "Non torno" - Mattei - Sra. Sylvia dos Remedios
4. Solo de baixo, - Sr. JJ. S. Brewer
5. Dueto da opera, "Sapho" - Pacini - Sras. Anna C. Gomes e Sylvia dos Remedios
6. Solo ao piano, "Capriccio" - Raff - Sra. Izabel dos Remedios
7. Solo de soprano, "Salvador Roza" - Gomes - Sra. Anna C. Gomes
8. Solo de baritono, "Si è Ver" - Mattei - Sr. W. Crow
9. Dueto, "The Fishermen" - Sra. Anna C. Gomes e Sr. W. Scott
10. Solo de soprano, "Stabat Mater " - Sra. Laura Leiria e Coro

É digno de nota, portanto, o papel exercido por mulheres portuguesas na vida musical da comunidade lusa e luso-inglêsa de Hong Kong. Elas constituiam a grande maioria dos interessados em música e dos alunos do Mtro. Cattaneo. Em fins do século XIX, essas amantes da arte lírica já se encontravam em condições de oferecer apresentações públicas. Esse fato merece ser considerado não apenas sob o aspecto do nível técnico e artístico que já tinham alcançado. Ele demonstra também a evolução da sociedade lusitana da época, uma vez que eram senhoras de família que se apresentavam em palco, procedimento inusitado numa sociedade de rígidas normas morais. O ambiente cosmopolita de Hong Kong facilitava esse ato audacioso para a época. Mesmo assim, tornou-se apenas tolerável sob a premissa de ser um empreendimento dedicado a fins caritativos, ou seja, aos órfãos de Hong Kong, e realizado na casa da Missão.

Transformação de rotas e rêdes com a abertura do Canal de Suez (1869)

Em 1883, quando se tomou conhecimento de que uma companhia italina se achava no Ceilão, a caminho de Hong Kong, os amadores de Macau procuraram entrar em contato com ela para uma possível apresentação em Macau.

Em 1884, Macau recebeu a visita de uma companhia da Inglaterra que apresentou uma ópera cômica em língua inglêsa.

Um ponto alto da história lírica de Macau deu-se em 1915, quando a cidade teve a possibilidade de vivenciar uma grande temporada lírica com obras de Verdi e G. Bizet (1838-1875).

Como os jornais locais comentaram, há mais de vinte anos não se representavam óperas de Verdi na cidade. Macau sentiu-se "terra civilizada com as representações a que assistiu, do Trovador, da Traviada, do Rigoleto, do Ernani e da Carmen."

Como os cronistas do jornal O Progresso na edição de 7 de março de 1915 ressalvam, ninguém ousaria afirmar que os macaenses estivessem especialmente necessitados de música. Todas as atenções do povo tinham estado nos últimos anos mais voltadas à sobrevivência. Entretanto, a concorrência de público e o sucesso das récitas foram notáveis.

"Não dirão lá fora os artistas que nos visitaram, como nós proprios chegamos a recear, que Macau lhes haja dado pezar pela visita. Puderam, com efeito, verificar que as almas n‘esta terra que facilmente conseguem soerguer-se dos terrenos apetites para o goso espiritual, quando postas em contacto com arte que o desperte."

A companhia que visitou Macau sofreu, porém, com as dificuldades de encenação, uma vez que não pode trazer todos os materíais para uma realização operística de grandes efeitos. Sobretudo a falta de orquestra adequada prejudicou a temporada.

"Os efeitos, pois, arrebatadores que, em melhores condições, o quarteto, por exemplo do Rigoleto ou o grande concertante do Ernani com grandes artistas e numerosas massas coraes e orquestraes são capazes de produzir, não os tivemos nem os deviamos esperar aqui. Mas ouvimos com agrado varios trechos, e o publico os aplaudiu, como as belas arias, por exemplo, do "Addio del Passato" na Traviata, e do "Infelice", no Ernani; como ouvimos com sentido recolhimento o "Miserere" no Trovatore." (loc.cit.)

No programa incluiu-se também o Il barbeiro di Seviglia de G. Rossini. Nos intervalos da ópera, um festejado barítono italiano apresentou trechos do Pagliacci de R. Leoncavallo (1857-1919) e entoou cançonetas napolitanas.

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Arte lírica na China e o ensino de canto de orientação italiana de portugueses em Hong Kong: Il Guarany e Salvator Rosa de Antonio Carlos Gomes (1836-1896) em Kowloon". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/11 (2012:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Carlos-Gomes-na-China.html




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