Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©


Título e coluna: Aeroporto de Beijing.
Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 137/1 (2012:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2885


A.B.E.


China e Brasil: potências emergentes em processos globais
- análises culturais no esclarecimento de desenvolvimentos e mentalidades -


Ciclo de estudos em Peking/Beijing e Manchester
no ano da participação da China como nação convidada na Feira de Hannover 2012
pelos 500 anos da presença portuguesa na China
em atualização de trabalhos da A.B.E. em Hong Kong e Macau
à época da transferência de soberanias européias à China (1996)

 
A. Alexandre Bispo
Na presente edição da Revista Brasil-Europa-Correspondência Euro-Brasileira publicam-se relatos de ciclos de estudos iniciados em Peking/Beijing em Janeiro e encerrados em em Abril de 2012 em Manchester, importante centro da presença chinesa no Ocidente.

Após ter-se considerado a passagem dos 500 anos da conquista de Goa (http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Indice_131.html) e de Malaca pelos portugueses (http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Indice_127.html), assim como da sua presença na Tailândia (http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Indice_135.html ), cumpria trazer à consciência os 500 anos de contatos de chineses com os portugueses.

Reclame no Aeroporto de Beijing. Foto A.A.Bispo©

Esses estudos na capital da China e em Manchester foram motivados pela participação da China como nação convidada da Feira de Hannover 2012, na Alemanha, o maior evento tecnológico do globo.

Manchester - cidade histórica da Revolução Industrial, do desenvolvimento técnico, do liberalismo econômico, do capitalismo, de sua crítica e de reinvidicações sociais - surge na atualidade como exemplo da procura de soluções para problemas de relações entre tecnologia e cultura, de ecologia e urbanismo em contextos metropolitanos.

As propostas de reconfiguração de zonas degradadas pelo seu uso industrial no passado, de reestruturação infra-estrutural da urbe e de refuncionalização de edifícios e espaços, transformando Manchester um centro cultural e da mídia - agora sede da BBC - fazem com que essa cidade britânica adquira relevância especial para a discussão dos temas condutores da Feira de Hannover 2012: Greenintelligence (Industrial Greentec) e Metropolitan Solutions.



Atualidade de problemas urbanológico-ambientais e culturais em relações China/Ocidente


Urbanismo na China.Foto A.A.Bispo©

Urbanismo na China.Foto A.A.Bispo©
Se Manchester procura e apresenta soluções para problemas urbanos causados pela industrialização do passado, a China experimenta no presente implantações de malhas viárias e complexos habitacionais de extraordinárias proporções que, embora correspondendo a exigências desenvolvimentistas, levantam questões urbanológico-culturais e ambientais, permitindo a previsão de problemas futuros de muito maior complexidade do que aqueles da metrópole por excelência da Revolução Industrial.
Urbanismo na China.Foto A.A.Bispo©

A atualidade de Manchester para os estudos relacionados com a China decorre também do papel que exerceu na história do socialismo e do comunismo, oferecendo fundamentos e impulsos para as doutrinas de Friedrich Engels (1820-1895) e Karl Marx (1818-1883). Com a atualidade de tendências críticas ao capitalismo, em particular do movimento Occupy, constata-se um renovado interesse também por concepções teórico-culturais do pensamento de tradição marxista que pareciam estar há muito superadas.


Programa Simposio. Foto-motivo A.A.Bispo©
Expressão desse interesse é o Forum Manchester/Shanghai em Estética Marxista, cuja segunda edição realizou-se de 12 a 14 de abril de 2012, uma iniciativa de membros da School of Arts, Histories and Cultures da Universidade de Manchester em colaboração com a Faculdade de Humanidades da Universidade Shanghai Jiao.


Nesse Forum, critica-se a orientação predominante dos estudos culturais das últimas décadas marcadas pelo Pós-Modernismo, e que teriam, sob o aspecto político, antes levado a uma atitude de resistência, não à de alcance de emancipação do Homem. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Primado-do-Carater.html)

Entendimento mútuo e análises culturais

A relevância atual de estudos relacionados com a China é da consciência de brasileiros que atuam nas mais diversas áreas profissionais e de conhecimentos.


Esse interesse leva à crescente inclusão da China em viagens de estudos de profissionais e estudantes de várias regiões do Brasil. Esse foi o caso do grupo que visitou a China em janeiro de 2012, cujos participantes, provenientes de Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Maceió e Salvador demonstraram, sob diferentes pontos de vista, o grande interesse pela cultura  e vida dos chineses existentes no Brasil.


Mais especificamente, os estudos e reflexões aqui relatados dizem respeito às possibilidades oferecidas por análises culturais em contextos globais para a abertura de perspectivas e o fomento do entendimento recíproco na consideração das relações entre a China e o Ocidente.

A presença cada vez mais intensa da China no cenário das relações comerciais, econômicas, tecnológicas e científicas internacionais é acompanhada por questões de natureza cultural, de entendimento mútuo de modos de pensar e agir, de percepção de intenções, objetivos e estrategias, de procedimentos adequados no diálogo e em cooperações e, sobretudo, da necessária consideração de Direitos Humanos - e de Seres Viventes em geral - também em políticas de orientação pragmática a serviço de interesses e proveitos.

Análises culturais tornam-se importantes e mesmo indispensáveis para o esclarecimento de muitas dessas questões que se levantam no presente.

Originando-se da procura do entender de contextos, do sentir o pulso de desenvolvimentos e do captar tendências que permitam previsões e direcionamentos de situações futuras, o intento de analisar relações culturais entre a China e o Ocidente exige, antes de mais nada, compreensão mútua e, para isso, posicionamentos empáticos de ver situações a partir de outras visões, configurações e estágios mentais.

Os estudos e reflexões aqui relatados são assim primordialmente dirigidos ao presente e ao futuro; não podem, porém, deixar de considerar que situações atuais, nas suas potencialidades, estruturas e mecanismos determinadores do amanhã são resultados de desenvolvimentos iniciados no passado.

Análises culturais não podem limitar-se a observações do presente, nascidas da vivência e da experiência, mas exigem estudos de fontes documentais de decorrências, em complexas relações de procedimentos empíricos e históricos.

Somente um trabalho inter- e metadisciplinar de estudos culturais de natureza antes empírica e dirigidos ao presente com aqueles de cunho historiográfico pode prometer resultados que contribuam à compreensão de processos históricos e configurações sistêmicas com os seus mecanismos intrínsecos.

Também aqui vale a exigência de um esforço de compreensão mútua, o que pressupõe tentativas de ver de outros ângulos as processualidades desencadeadas no passado com as suas atualizações e transformações, no tempo, de edifícios de imagens, concepções e normas.

Necessidade de distanciamento auto-crítico

Esse esforço apenas pode ser empreendido em atitude de auto-reflexão e mesmo de auto-crítica, pois o considerar desenvolvimentos históricos a partir da perspectiva do outro implica em relativações da própria visão e interpretação de ocorrências e decorrências, de próprios procedimentos e suas justificativas.

Essas re-visões de panoramas e da compreensão de contextos e sua dinâmica não são fáceis, pois podem trazer à consciência a questionabilidade de ações praticadas no passado e, sobretudo, por implicar em relativações de sistemas referenciais daquele que assim procede e aos quais pertencem também princípios considerados como inalteráveis.

O intento de considerar-se processos a partir da visão do outro não pode ser simples trick, estrategia para conhecer estruturas de pensamento, motivações, aspirações, objetivos e planos do parceiro para o alcance precípuo de proveito e implantação camuflada dos próprios sistemas referenciais.

Os estudos do passado das relações entre a China e o Ocidente demonstram que o "fazer-se de chinês" para conquistar mentalmente chineses foi procedimento empregado sistematicamente pelos europeus imbuídos de consciência missionária, primeiramente de forma mimética, a seguir através da ciência e da tecnologia.

A análise cultural no presente não pode ser uma reedição de tais procedimentos do passado, que são antes em si um objeto de análise, mas sim  um caminho mútuo para, em cooperação, discutir-se o que é relativo ou relativável e o que não é passível de relativações. A atenção dirige-se, assim, à esfera da Filosofia, mais particularmente da Ética.


500 anos da presença portuguesa na China

Devendo a análise cultural das relações entre a China e o Ocidente impreterivelmente considerar processos desencadeados no passado, o estudo da ação dos portugueses assume primordial relevância. Mesmo se precedidos por viajantes e elos comerciais por complexos caminhos anteriores à época dos Descobrimentos, os portugueses inauguraram há cinco séculos com a sua presença no espaço chinês a era moderna dos contatos com a Europa.

Esse relacionamento - de comerciantes navegantes de ambos os lados - teve as suas bases lançadas no contexto da rêde criada pelos portugueses através dos mares, dando origem a uma configuração transcontinental à qual também o Brasil pertenceu.

Esse passado também diz respeito ao Brasil, também êle participou de processos postos em vigência pela chegada e pela ação dos portugueses, também êle depara-se com tarefas de questionamento de perspectivas historiográficas (Rio 92-Sydney 2012: Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Indice_136.html).

Como nação também emergente no panorama internacional de potências, a análise da história das relações culturais sino-européias contribui para a sua auto-análise cultural, para o esclarecimento de processos em que se insere, o mesmo valendo reciprocamente para a China. Sendo um país marcado pelo idioma e pelos fundamentos culturais lançados por Portugal, a êle compete até mesmo uma posição de particular significado nos esforços de análise cultural das relações entre a China e o Ocidente em geral.

Marcos no desenvolvimento dos estudos euro-brasileiros concernentes à China

A análise cultural aqui propugnada se insere no movimento de renovação dos estudos culturais através do direcionamento das atenções a processos iniciado pela entidade fundada em São Paulo, em 1968, e que hoje é representada pela Organização Brasil-Europa de Estudos de Processos Culturais e sua academia A.B.E...

O levantamento de referências documentais e o estudo das inserções contextuais de dados histórico-culturais para o estudo de processos de expansão européia que incluiram tanto o Brasil como a China foram realizados no decorrer das décadas de 70 e 80 e tiveram como objetivo a institucionalização, na Europa, do Instituto de Estudos Músico-Culturais do Mundo de Língua Portuguesa (I.S.M.P.S., 1985). 

Esses trabalhos foram em grande parte possibilitados através do apoio, com os seus acervos especializados, do Anthropos-Institut e outras instituições da Sociedade Steyler (SVD), mantenedora da Haus Völker und Kulturen com o China-Zentrum, em St. Augustin, Bonn.

A publicação dos resultados desses estudos (A.A.Bispo, Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit: Der Raum des früheren portugiesischen Patronatsrechts, Musices Aptatio 1987-88, Roma/Colonia 1989) ) deu ensejo à realização do primeiro colóquio internacional do I.S.M.P.S. de pesquisadores culturais do Brasil e de Portugal na Alemanha, em 1989, assim como a uma sessão acadêmica na Universidade Urbaniana, em Roma, em 1991, promovida por outro instituto, o de estudos hinológicos e etnomusicológicos, cuja seção de etnomusicologia também se encontrava nas mãos do editor desta revista.

Nesta sessão, presidida pelo então Prefeito da Congregação pro doctrina fidei, atual Pontífice, o editor deste órgão procurou trazer à consciência, como resultado dos trabalhos desenvolvidos, não apenas o papel exercido por Portugal no lançamento de bases de processos que marcaram o desenvolvimento das relações entre a Europa e mundo extra-europeu, como também a necessidade, para os estudos culturais, de uma consideração mais diferenciada e justa da instituição do Padroado Português.

Para países que tiveram os seus contatos com o Ocidente marcados pelas instituições, pelas ações e pelos centros do Padroado surge como conditio sine qua non considerar esse instituto de jurisdição político-eclesiástica, uma vez que determinou esferas geográfico-culturais, rêdes de contatos e intercâmbios, assim como sistemas de referenciação histórica e de identidade cultural.

Essa necessidade, porém, apenas pode ser suprida se proceder-se a uma reconsideração do Padroado Português, alvo que foi de movimento secular de crítica e combates para a sua substituição por uma ação apostólica sob a égide da Congregação de Propaganda Fide (1622), o que marcou a sua consideração historiográfica e a sua imagem.

Esse movimento a serviço da Propaganda, apoiado por instituições missionárias sobretudo da França e da Itália, correspondeu também a mudanças na intensidade da ação das diferentes nações européias no mundo extra-europeu, dando origem a esferas de influência e a campos de tensões que marcaram desenvolvimentos em dimensões globais, em particular no Extremo Oriente.

Reconsiderar o Padroado Português, portanto, a partir de critérios adequados que permitam o reconhecimento de suas ações e consequências surge como tarefa de importância para os estudos culturais em contextos globais.

Trabalhos realizados pela transferência de Hong Kong e Macau à China em 1996


Em janeiro de 1996, o I.S.M.P.S. promoveu, em Hong Kong e Macau, uma série de trabalhos que procuraram tratar das relações culturais entre a China e o Ocidente à luz da transferência de soberania de ambos os territórios à China.

Se a sessão romana havia procurado trazer à consciência o significado do Padroado através dos séculos, considerado unilateralmente na literatura devido à perspectivação historiográfica que o faz surgir sob luz negativa, o empreendimento de 1996, agora na própria China, realizou-se pelo previsto fim do Padroado Português do Extremo Oriente.

Para a consideração adequada desse fato de relevância não apenas emblemática, pois marcava o término de uma história de séculos de confrontos e interrelações de esferas no Extremo Oriente nas suas relações com diferentes nações européias, o I.S.M.P.S. realizou, sob a direção do editor desta revista, um colóquio no Palácio Episcopal de Macau.

Esse encontro foi presidido por D. Domingos Lam Ka-tsezung (1928-2009), primeiro bispo de origem chinesa de Macau, personalidade particularmente envolvida nos trabalhos de transição e que então fundava o Instituto Inter-Universitário de Macau. Compositor, com sólida formação musical, D. D. Lam Ka-tsezung dedicava, ao lado de suas preocupações pelo educação e pelo fomento dos estudos humanísticos na China, particular atenção a questões musicais.

A principal intenção desse colóquio foi a de preparar um vasto programa de estudos sobre a época histórica que chegava ao fim, destinado a acompanhar com reflexões a passagem de Hong Kong e Macau à China e a preparar caminhos para intercâmbios e cooperações intelectuais no futuro.

Esse programa devia ser aberto com um congresso internacional no próprio território, um projeto que não pôde ser realizado devido às circunstâncias de momento, marcadas pela saída de muitos macaenses de ascendência européia de Macau. Decidiu-se, assim, pela a sua substituição por um simpósio a ser levado a efeito no Ocidente. (A.A.Bispo, "Einführung in die Musikforschung von Macau, 1966", Brasil-Europa & Musicologia, Colonia 1999, 343-353)

De obstáculos e retrocessos no desenvolvimento dos trabalhos

Considerando o fato de que a presença e a ação portuguesa no Oriente - como no mundo extra-europeu em geral - foram estreitamente relacionadas com o escopo de propagação religiosa, os participantes do colóquio do I.S.M.P.S. em Hong Kong e Macau decidiram que deviam ser convidadas organizações eclesiásticas voltadas à cultura para o evento a ser realizado na Europa. O relacionamento entre instituições era possibilitado pelo fato acima mencionado do editor desta revista dirigir então concomitantemente o departamento de Etnomusicologia da organização pontifícia de música sacra.

A realização do evento em Portugal tornou-se possível através do empenho da Comissão Municipal dos Descobrimentos de Lagos e do seu Centro Gil Eanes. A sua responsável, em visitas à Alemanha, foi instruída a respeito dos objetivos e do desenvolvimento dos trabalhos que vinham sendo desenvolvidos, realizando a seguir, em Portugal, esforços para a concretização do programa definido nos encontros com o I.S.M.P.S..

O evento foi dividido em duas fases, uma no sul de Portugal, concentrada em Lagos, com uma orientação antes teórico-cultural, outra no norte, centralizada em Guimarães, onde seriam tratados temas sob perspectivas das organizações eclesiásticas convidadas. Como eixos simbólicos entre essas duas fases, o programa incluiu uma celebração no Mosteiro da Batalha e um concerto na Universidade de Coimbra.

Infelizmente, esse simpósio, apropriado e instrumentalizado por instituições e pessoas que tinham sido primeiramente
procuradas como colaboradoras, não pôde contribuir de forma positiva ao desenvolvimento dos trabalhos, obscurecendo as suas intenções e representando sob diferentes aspectos um retrocesso no debate teórico.

Significado de estudos China/Ocidente em relações com o Brasil

O significado, a atualidade e mesmo a necessidade de retomada dos trabalhos sob perspectivas adequadas para a análise de processos culturais em geral e para a cooperação internacional com bases competentes foram objeto de conferência realizada pelo editor desta revista na Faculdade de Filosofia da Universidade de Colonia, em 1997. ("Die historische Rolle der Musik in der Begegnung von Abendland und China“, Brasil/Europa & Musicologia, Colonia 1999, 357-366)

Em sessão que se seguiu no Centro de Estudos Brasil-Europa, foram recordados em especial os elos que unem o Brasil e a China.

Esses vínculos fundamentam-se na orientação histórica ao Oriente de Portugal, esfera do globo que lhe coube no desenrolar dos Descobrimentos. O Brasil, descoberto no decorrer da viagem de armada dirigida ao Oriente, insere-se na complexa configuração transcontinental desse império colonial e dos processos culturais derivados desse direcionamento determinado pela divisão do mundo em esferas de interesses dos países iberico, cujo principal documento foi o Tratado de Tordesilhas.

Para além dessas bases históricas lançadas em passado já remoto, com consequências cujas dimensões nem sempre estiveram suficientemente presentes na pesquisa, os elos que unem a China ao Brasil justificam-se em posteriores imigrações chinesas para o Brasil, o que deve ser considerado em contextos globais de movimentos emigratórios chineses a várias regiões do mundo.

Salientou-se já nessa ocasião que a China e o Brasil surgem como potências emergentes no panorama internacional da atualidade, prevendo-se uma intensificação do papel que desempenham no futuro, o que faz com que a análise cultural de processos segundo tendências mais recentes do pensamento teórico apresente-se como necessária e mesmo como exigência para todas as partes envolvidas.

Orientações antropológico-culturais nos estudos de relações China/Ocidente

Dando prosseguimento às tentativas de realização adequada do projeto euro-brasileiro de Macau em correção à desorientação por que passara no simpósio levado a efeito em Portugal, realizou-se um colóquio internacional no Brasil, em 1997/8, e que relacionou a passagem dos 500 anos do Descobrimento do Caminho às Índias com questões de Antropologia Cultural, em particular daqueles concernentes à linguagem de imagens e o seu papel em intercomunicações. (A.A.Bispo, "Sincretismo no Brasil e no Oriente Portugues", Brasil-Europa & Musicologia, Colonia 1999, 354-356.

Sem agora ter-se convidado círculos eclesiásticos romanos e alemães que tinham defendido posições político-eclesiais marcadas por estreiteza de concepções, - mas agora com a participação de representantes de orientação mais esclarecida da Igreja do Brasil -, foram retomados os debates entre pesquisadores brasileiros e europeus, sobretudo portugueses, em sessões realizadas em cidades de São Paulo.

A pesquisa especializada de Macau esteve representada nesses trabalhos pela Profa. Dra. Beatriz Basto da Silva, que desempenhara papel relevante em várias instituições macaenses, entre elas como membro do Conselho de Gestão da Fundação de Macau, Deputada à Assembléia Legislativa, pertencendo ao Conselho de Cultura do Govêrno, à Comissão Territorial para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, à Associação para a Instrução dos Macaenses e à Asianostra/Estudos de Culturas e autora de muitas publicações relativas à cultura do território e do Extremo Oriente em geral, salientando-se, em particular, a sua monumental Cronologia da Historia de Macau, em cinco volumes (Macau: Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, 1992-1998).

Renovação de orientações teóricas e problemas de Poder em rêdes acadêmicas

Uma das necessidades particularmente apontadas pela A.B.E. nesse evento realizado no Brasil foi a do envio a Macau de pesquisadores qualificados em áreas de estudos culturais e conhecedores dos debates teórico-culturais mais recentes para a fundamentação de um diálogo de natureza mais propriamente culturológica segundo perspectivas atualizadas.

Pesquisadores que participavam do projeto relativo às culturas indígenas iniciado em 1992  ofereciam-se como particularmente adequados para essa tarefa, uma vez que estavam familiarizados com a questão de perspectivações historiográficas no estudo de processos desencadeados pelos Descobrimentos. Esses pesquisadores estavam envolvidos na tentativa de consideração da visão do Outro na história e, assim, sensibilizados para a necessidade de superar-se a unilateralidade dos enfoques centralizados em Roma e nas antigas potências coloniais européias.  (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/136/Australia-Melanesia-Brasil.html; A.A.Bispo, "Cultura Musical Indígena e o Oriente", Brasil-Europa & Musicologia, Colonia 1999, 356)

Infelizmente, também esse projeto não pôde ser realizado de forma teoricamente adequada e segundo as suas intenções. Também aqui constatou-se a apropriação de projetos, de concepções e a instrumentalização de iniciativas para fins de poder de determinados círculos que tinham sido convidados como colaboradores. Os trabalhos por fim desenvolvidos em Macau, sob a égide desses grupos não puderam ser levados a efeito de forma competente e útil para o desenvolvimento qualificado dos debates e das cooperações.

Essa mais uma vez constatada falência e desorientação de projetos em assunto de tal relevância como a da análise das relações culturais entre a China e o Ocidente por motivos pouco dignos da comunidade científica trouxe mais uma vez à consciência da necessidade da condução de estudos culturais em estreito relacionamento com estudos da própria ciência e da consideração de rêdes de pesquisadores (science studies).

Como a A.B.E. vem salientando no seu próprio escopo, ciência da cultura e ciência da ciência se relacionam, e o estudo da produção do saber e a análise das rêdes envolvidas representam êles próprios importante tarefa dos estudos culturais. A Ética desempenha aqui papel de fundamental importância, e esse significado deve ser considerado com especial atenção nos estudos voltados às relações entre a China e o Ocidente.

Pós-Colonialismo, Imigração, Identidade, Memória e Futuro em relações China/Ocidente

Os estudos euro-brasileiros relacionados com a China receberam nos anos marcados pela transferência de soberanias de Hong Kong e Macau impulsos do debate relativo ao Pós-Colonialismo nas suas relações com questões de transformações de identidades, imigrações e de estudos de memórias e mentalidades.

As possibilidades da aplicação de tendências teóricas pós-coloniais desenvolvidas sobretudo no mundo anglofone em esferas culturais relacionadas com o mundo marcado pela ação portuguesa marcaram os trabalhos do congresso de encerramento do triênio de eventos científico-culturais pelos 500 anos do Descobrimento do Brasil. (Musik, Projekte und Perspektiven: Aus dem Internationalen Kongress zum Abschluss des Trienniums Wissenschaftlicher Tagungen zum Anlass der 500-Jahr-Feier der Entdeckung Brasiliens, Colonia: A.B.E./I.S.M.P.S./I.B.E.M. 2003)

Para além do tratamento das relações China-Ocidente nesse direcionamento teórico em cursos e seminários em universidades européias, deve-se salientar os vários estudos desenvolvidos pela A.B.E. em instituições de pesquisa e museus de bairros chineses em cidades de diferentes países e regiões, entre êles em ilhas do Havai, nos E.U.A., em Singapura, na Austrália, na Tailândia e na Malásia, como exposto em números anteriores desta revista (Veja, entre outros: http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Mazu-em-Singapura.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Japoneses-e-chineses-no-Havai.html; http://www.revista.brasil-europa.eu/135/Chineses-do-Estreito.html)

Esses trabalhos da cultura chinesa em diferentes contextos da imigração trouxeram à consciência a necessidade de realização de novos estudos in loco na própria China, retomando anelos do passado dentro de contextos e rêdes mais adequadas para as exigências já há muito constatadas de consideração de processos culturais a partir da perspectiva chinesa.

Procedimentos na história das relações e metodologia do estudo de métodos

A consideração de métodos impõe-se de forma singular nos estudos referentes às relações entre a China e o Ocidente. Nenhum outro contexto da história cultural de relações internacionais apresenta-se marcado de tal forma debates e polêmicas referentes a métodos como aquele do campo de tensões China-Ocidente.

A "controvérsia dos ritos", que teve dimensões e consequências que extrapolaram fronteiras, remontou a questões de métodos.

A acomodação passou a ser vista na época pós-conciliar até mesmo como princípio de procedimentos à luz positiva do respeito às diferentes culturas a ser observado na ação religiosa, pastoral e missionária. O debate sobre métodos conduzido em esferas eclesiásticas, caracterizado por conceitos como inculturação, teve repercussões nos estudos culturais em instituições e países marcados pela Igreja. Consequentemente, reflexões sôbre a acomodação, inculturação e conceitos afins, nas suas diferenciações, também foram particularmente consideradas no colóquio pelo fim do Padroado Português do Extremo Oriente de 1996.

Sob o ponto de vista da pesquisa histórico-cultural, os estudos de fontes desenvolvidos na década de 80 demonstraram a diferença de procedimentos dos primeiros missionários no Brasil e na China. Em ambos os casos foram resultantes das circunstâncias ou do contexto cultural encontrado. A exigência da acomodação foi primeiramente constatada pelos Jesuítas no Brasil, fato que causou polêmica na Companhia de Jesus e preparou desenvolvimentos posteriores. No Extremo Oriente, após uma fase inicial de acomodação antes externa, através de similaridades de expressões culturais e de imagens, o método missionário assumiu características singulares, que surpreendem até hoje os pesquisadores: o do caminho da erudição e da ciência para a entrada e integração em círculos influentes da sociedade com o objetivo da influenciação de mentalidades e, por fim, da conquista espiritual.

O estudo dos procedimentos e o do papel dos missionários no âmbito das matemáticas, da teoria musical, da astronomia e de técnicas na China adquire especial relevância no contexto das atuações preocupações pela internacionalização das ciências, pois possibilita o aprofundamento histórico das reflexões e o reconhecimento de pressupostos de processos internacionalizadores.

Esse intuito de cooperação intelectual e científica no presente apenas pode alcançar o seu objetivo se for precedido e acompanhado por uma auto-reflexão quanto ao caminho até hoje percorrido no estudo de procedimentos e métodos.

Mudança de perspectiva na consideração de métodos acomodativos

Na tentativa empática de consideração das decorrências a partir de outro posicionamento, a atenção é dirigida a processos desencadeados tanto por procedimentos não-refletidos, ocorridos espontaneamente no encontro de culturas, como aqueles postos em ação através de métodos conscientes e refletidos para o alcance de fins. Com a mudança de perspectiva, a atenção não é dirigida ao europeu mas ao não-europeu, não àquele que age estrategicamente e com método, mas sim àquele que é alvo e que vê aquele que age ou que atua premeditadamente.

Críticas, polêmicas e valorizações de métodos de cunho acomodativo no passado e no presente foram conduzidas até hoje primordialmente à luz do apto para a consecução dos objetivos de conversão, assim como o do adequado, condigno, aceitável e permitido pelo culto, tradição e normas. Mesmo estudos não valorativos, não de natureza teológica e eclesial, a perspectiva na consideração dos procedimentos tem partido do agente que intenciona a transformação da cultura e, portanto, de posicionamentos eurocêntricos.

A tentativa de assumir a posição do receptor aguça a sensibilidade para a percepção de outros problemas de métodos acomodativos. Toma-se consciência que aquele que foi confrontado com agentes que procuravam atraí-lo, conquistá-lo por simpatia imitando os seus costumes e modos de vida, ou, especialmente na China, de ganhar a sua amizade através de afinidades intelectuais e de interesses de erudição, ciência e tecnologia, na verdade era constantemente movido, ainda que de forma inicialmente não explícita, por escopo de sua transformação espiritual, de mentalidades e normas.

Dessa posição do receptor, o procedimento acomodativo do agente surge com características questionáveis, pois aproxima-se, nas suas intenções veladas, da falsidade, inveracidade e mesmo da falta de integridade. Compreende-se, assim, que, logo que o receptor percebe ter sido objeto de métodos aliciantes a serviço de fins não explícitos, indigne-se e passe a acusações do agente, que surge como hipócrita e mesmo como traidor.

A questão ética nos procedimentos adquire nesta perspectiva importância fundamental, e esse significado acentua-se no caso das relações entre a China e o Ocidente devido ao papel central desempenhado pela Ética no edifício consuetudinário de pensamento na tradição confuciana.

Da Tecnologia e da Ciência à Ética como prioridade nas relações sino-ocidentais

Aquele que considera o significado da Ciência na história das relações entre a China e o Ocidente não pode deixar de sentir o incômodo de constatar que a transmissão de conhecimentos e a cooperação intelectual e científica foi instrumentalizada para fins religiosos e de transmissão de um sistema de referenciais culturais baseado na história religiosa do Ocidente.

Essa constatação pode levar à conclusão que, sob o pano de fundo das decorrências de séculos, o caminho para as relações entre a China e o Ocidente parece ser não primordialmente o da cooperação intelectual, científica e tecnológica, como até agora acontece, mas sim o da Filosofia, e, mais especificamente, o da Ética.

A Filosofia intercultural, concepção e anelo discutidos nos últimos anos em publicações, cursos e seminários, tem nas relações entre a China e o Ocidente importante campo de trabalho e possibilidades de diferenciação e desenvolvimento. Trata-se, aqui, antes de mais nada, da necessidade de uma atenção mais intensa das relações recíprocas entre a Cultura e a Filosofia.

A consideração empática da perspectiva chinesa pode, aqui, abrir caminhos para resignificações de visões do Ocidente a respeito de seu próprio patrimônio cultural.

Um exemplo a ser mencionado é o da perspectiva chinesa de Camões como "Sábio por excelência" e "Confúcio do Ocidente", o que desperta a atenção para possibilidades inesperadas de interpretação cultural em substituição à de orientação literária predominante. Abrem-se aqui perspectivas para a compreensão para além de fronteiras, uma vez que essa resignificação dirige a atenção a valores relativos ao Humano em geral, lançando bases para um novo papel a ser desempenhado por povos de língua portuguesa ou determinados culturalmente no passado pela ação dos portugueses, mesmo em situações já marcadas pela perda da lusofonia. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Portugueses-no-Havai.html)

O relativo e o não-relativo na discussão. Direitos Humanos e de Seres Viventes em geral

A atenção dirigida à Filosofia, em particular à Ética nos estudos culturais referentes às relações entre a China e o Ocidente significa também considerar de forma mais aprofundada e diferenciada o Relativo e o Não-Relativo na cultura e no pensamento de ambos os lados.

Essa constitui, provavelmente, a tarefa que irá se impor como prioritária no intercâmbio intercultural, uma vez que o confronto e o diálogo podem contribuir para que se perceba reciprocamente a relatividade de concepções e normas que, devido a condicionamentos culturais, surgem como não-relativas e, vice-versa, a não-relatividade de concepções e normas que surgem como aptas a relativações por serem vistas como expressões de diferentes culturas.

O estudo das relações entre a China e o Ocidente confronta-se sob diversos aspectos com problemas de relações entre tradições culturais e Direitos Humanos.

Esse é o fato da questão dos Direitos da Mulher, uma vez que um dos aspectos da cultura chinesa que mais marcaram a imagem da antiga China no Ocidente disse respeito à prática do aleijamento de mulheres. O estudo da mulher na China possui um texto de cunho etnográfico baseado em observações empíricas já de meados do século XIX e que adquire particular significado por ter sido escrito por uma mulher: Anna de Sousa Caldas.

Os seus registros, assim como a consideração de referências à prática de aleijamento em relatos de viajantes europeus permitem que se reconheçam, para além de todas as narrativas históricas que procuram explicar a origem desse uso, bases imagológicas de remotas origens e que denotam similaridades surpreendentes com aquelas conhecidas de expressões culturais ocidentais, particularmente vivas no Brasil.

A análise dessas imagens e suas associações em cooperação internacional surge assim como fundamental para esclarecimentos de práticas tradicionais, sobretudo também para a desativação de potencialidades de concretização de questionáveis e mesmo inaceitáveis consequências.

Mudanças de configurações político-econômicas no século XIX e suas consequências

Os estudos das relações entre a China e o Ocidente não podem naturalmente restringir-se aos séculos anteriores ao XIX. Justamente as transformações político-culturais ocorridas na Europa e suas repercussões nas esferas comerciais e coloniais pela Revolução Industrial marcaram novas dinâmicas e configurações político-culturais que determinaram o surgimento de novos centros internacionais no Extremo Oriente e a modificação de sistemas referenciais.

A China, que apresenta hoje expressões e práticas ocidentalizadas em várias esferas culturais, passando a estar presente internacionalmente com intelectuais e artistas que dominam formas culturais e artísticas de origem ocidentais, não pode deixar de ocupar-se com esse complexo passado de contatos e que já pertence à sua própria memória e mesmo patrimônio.

Uma visão da posição chinesa modifica sob vários aspectos aquela dos estudos em português, baseados na perspectiva de Macau. O pesquisador passa a perceber que Macau, perdendo a sua posição privilegida de séculos, em particular após a fundação de Hong Kong, exige também que se atente nos estudos às mudanças e interrelações de configurações geográfico-culturais no Extremo Oriente, as novas rotas no tráfego com o Ocidente, os novos centros referenciais, canais de difusão e intercâmbio.

Acostumado a ver o Extremo Oriente a partir da História dos Descobrimentos portugueses e do Caminho às Índias contornando a África, a geografia mental do pesquisador lusófono é orientada segundo elos de Macau com a Índia e Moçambique, enquanto que, no século XIX, os caminhos e as rêdes passaram a ser sobretudo da costa ocidental do continente americano à esfera do Pacífico, ao Havai, a Java, à esfera colonial holandesa em geral e, sobretudo, a Hong Kong, à Austrália e Nova Zelândia.

Contemplando panoramas a partir de uma perspectiva chinesa, a atenção é dirigida a uma complexa sobreposição e transformação de rêdes e correntes. Fatos, pessoas e ocorrências que poderiam passar despercebidos sob outras perspectivas ganham novo significado. Esse é o caso, por exemplo, das atividades de uma pianista de origem holandesa proveniente de Batavia em Macau, cujos descendentes, nascidos em Macau, desempenharam papéis de relevância na Indonésia e nos Países Baixos. Uma consideração não-nacionalista em sentido português ou chinês de Macau possibilita, assim, que se reconheça o singular significado de macaenses e seus descendentes, ainda que sem ascendência lusa, na vida cultural internacional. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Emmarentia-Anna-Peter-Van-der-Hoeven.html)

Relações do Extremo Oriente com a costa pacífica das Américas - San Francisco

A consideração de outras configurações geográficas permite também que se reconheça o significado da rota contornando o continente americano e o de cidades Chile, do Peru, da Colombia, da América Central e dos Estados Unidos na vida e na atuação de virtuoses viajantes, contribuindo para o surgimento de um novo tipo de artista de projeção mundial e influenciado desenvolvimentos estéticos. Como vultos exemplares nesse sentido podem ser citados Rod Sipp e Anton de Kontski (1817-1899), que transmitiram escolas técnicas, estilos e repertórios da vida internacional centro-européia ao Oriente e às Américas à luz de uma nova imagem do artista, marcada por um "quixotismo" romântico em espírito de empreendendorismo que tanto marcou o mundo industrial britânico do qual Manchester foi o centro.

O significado de San Francisco como centro referencial de rêdes de contatos e de tendências na cultura e nas artes, compreensível apenas através de uma perspectiva adquada na compreensão das configurações econômico-culturais abre novas possibilidades para a compreensão de desenvolvimentos na vida cultural e artística em várias cidades da China nos seus elos com a América.

O processo de integração cultural de macaenses na esfera britânica de Hong Kong e as suas repercussões na vida cultural de Macau, o que pode ser analisado de forma expressiva através do repertório das bandas de música, revela-se como relacionado com desenvolvimentos norte-americanos, também aqui marcados pela imigração e correspondentes expressões de afirmação e diferenciação culturais, por exemplo através da acentuação de tradições celtas

Vitória da Propaganda: restauração e italianização em esfera britânica - Hong Kong

A partir de uma perspectiva chinesa, esse complexo panorama de rêdes e relações deve ser ainda mais diferenciado considerando-se tensões transformatórias já existentes na esfera religiosa do Cristianismo, cujo centro irradiador havia sido Macau há séculos.

Hong Kong, a colonia britânica estabelecida defronte a Macau como centro do Padroado Português do Extremo Oriente, possuindo considerável população de imigrantes macaenses, tornou-se foco de ação de institutos missionários que serviam à Congregação da Propaganda Fide.

Submetido primeiramente ao Instituto das Missões Estrangeiras de Paris e, a seguir, entregue ao Instituto Missionário de Milão, criou-se ali um centro de irradiação de impulsos restauradores-musicais de cunho historicista referenciado pela cultura italiana.

Não apenas os residentes portugueses de Hong Kong passaram a ter uma vida cultural marcada por modêlos e tendências italianas, mas, em repercussão, a própria tambem cidade de Macau. Esta, em desenvolvimento históríco paradoxal, tornou-se centro condutor da Reforma sacro-musical no Extremo Oriente e também um centro do cultivo da música lírica italiana.

Apenas neste contexto compreende-se que o nome do compositor brasileiro Antonio Carlos Gomes (1836-1896) surja em programas de concertos de Hong Kong quase que concomitantemente à apresentação de suas obras no próprio Brasil.

O Patrimônio Cultural Intangível na China e a sua diversidade cultural na atualidade


O observador constata, em Peking/Beijing, o significado que também na China assume hoje a valorização do "patrimônio cultural intangível" ou imaterial de diferentes proveniências. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Romenia-Brasil.html)

Em grandes cartazes, a atenção de visitantes é dirigida à diversidade cultural da China atual.

Assim como no Brasil, em particular em regiões de colonização européia dos Estados do Sul, expressões tradicionais, danças e música de grupos populacionais descendentes de imigrantes passam  hoje a ser valorizadas na China não apenas para a memória local, mas também so o aspecto de um patrimônio cultural diversificado.

Nesse contexto, danças e expressões portuguesas de Macau são apresentadas como atrações e como elementos de um patrimônio com conotações multiculturais.

Assim como no Brasil relativamente às danças e outras expressões em regiões de imigração, a consideração da diversidade no patrimônio cultural não pode resumir-se a estereotipos que são, muitas vezes, resultados de política cultural nacionalista do passado nas diferentes regiões de origem. Os estudos culturais devem ser conduzidos em profundidade capaz de considerar essas expressões típicas elas próprias como resultados de desenvolvimentos culturais.

Também as expressões populares remontantes ao passado colonial português de Macau deveriam ser consideradas sob perspectivas mais diferenciadas, uma vez que esse patrimônio secular não pode resumir-se ao Vira e a outras danças de um folclore típico regional de compilação relativamente recente.

Muito menos pode ser essa herança manchada pela abominável propaganda de touradas em Macau que, em nome da manutenção da cultura portuguesa, ali intensificou-se ja à época da transferência de soberania. Seria triste se essa expressão ibéríca de desrespeito à vida de criaturas e de crueldade que designifica a cultura ocidental fosse vista como contribuição da presença secular da Europa à China, e isso sobretudo no Sul do país, já marcado por lamentáveis práticas alimentares que exigem ser combatidas e superadas.

As fontes documentais indicam que também na esfera marcada pelos portugueses do Extremo Oriente existiram formas de expressão comuns àquelas ainda hoje vivas no Brasil. Esse é o caso, por exemplo, de formas da música popular de fins do século XIX e início do XX, constatando-se nos círculos lusófonos de Hong Kong e Macau um intenso cultivo de instrumentos de corda da família da guitarra e de conjuntos de flauta, cavaquinho e violão.

Hong Kong insere-se, aqui, em esfera dos instrumentos de corda dedilhados que deve ser considerada não tanto nos seus vínculos com a antiga geografia cultural colonial portuguesa do mundo índico-africano, mas com aquela da costa do Pacífico da América e ao centro de irradiação representado pelo Havaí com a sua imigração insular atlântica

Os indícios de expressões mais remotas em Hong Kong e Macau, vinculadas ao ciclos festivos do ano, dirigem a atenção aos fundamentos de edifícios de concepções e imagens que possibilitam análises mais aprofundadas de interações culturais no contexto das relações entre a China e Ocidente. Esse é o caso dos Presépios e de uma Paródia da Bastiana que corresponde, como imagem, à Negra Catarina de tradições brasileiras.

Abrem-se, nesse contexto, perspectivas para cooperações para além de fronteiras e de identidades culturais. Fundamental, porém, é que se siga também aqui a lição que o estudo das relações entre a China e o Ocidente ensina: o intercâmbio tecnológico e a ciência não podem ser separados do respeito a princípios éticos de procedimentos.

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "China e Brasil: potências emergentes em processos globai. Análises culturais no esclarecimento de desenvolvimentos e mentalidades". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 137/1 (2012:3). http://www.revista.brasil-europa.eu/137/China-Brasil.html





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