Práticas do ciclo anual no Brasil e na Romênia. BRASIL-EUROPA 134/22. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Vida rural, Romenia. Foto A.A.Bispo

Vida rural, Romenia. Foto A.A.Bispo

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Vida rural, Romenia. Foto A.A.Bispo

Vida rural, Romenia. Foto A.A.Bispo


Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/22 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2831


A.B.E.


Minorias, Patrimônio e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural
Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia VII: práticas do ciclo anual


Ciclo de estudos da A.B.E. na Romênia dedicado a questões de patrimônio cultural. Saschiz/Saschitz, 2011

 
Vida rural, Romenia. Foto A.A.Bispo

Em círculos de pesquisadores de Folclore no Brasil, tem-se voltado a levantar recentemente a necessidade de uma maior atenção ao patrimônio "imaterial" constituído por ex. por danças, música, cortejos e outras expressões culturais tradicionais nas reflexões e na política patrimonial. Essas preocupações fazem-se notar também em grupos populacionais de ascendência imigratória, onde questões de resgate, estudo e conservação de expressões e práticas tradicionais surgem não apenas como exigência da memória de coletividades e localidades, como também de defesa e manutenção de patrimônio cultural de regiões marcadas pela colonização em passado não muito distante.

O levantamento do repertório dessas expressões através de pesquisas empíricas e de documentos passou a ser de significado para instituições e pesquisadores de tradições culturais populares de Estados particularmente marcados por parcelas populacionais descendentes de imigrantes, como é o caso do Rio Grande do Sul. Projetos nesse sentido foram apresentados e discutidos por pesquisadores de entidades gaúchas de estudos Folclore no Forum Rio Grande do Sul do Congresso Internacional de Estudos Euro-Brasileiros, em 2002, quando manifestou-se o desideratum de uma intensificar-se a cooperação internacional na discussão de questões relacionadas com a temática, em particular nos seus elos com a Educação.

Tem-se procurado, desde então, dar cumprimento a essa moção, e uma das expressões desses esforços foi a série de trabalhos euro-brasileiros realizados na Romênia, em 2011, dos quais a presente revista traz diversos relatos.

arquitetura de alemães, Romenia. Foto A.A.Bispo

Nas populações de ascendência alemã na Rumênia conservaram-se através dos séculos várias práticas tradicionais de remota proveniência e que podem ser consideradas em cotejo com expressões similares no Brasil. O fundamento dessas similaridades reside nos elos com o ciclo do ano religioso.

Patrimônio "imaterial" e Educação: o ciclo natalino no Brasil e na Romênia

As festividades da época do Natal em regiões de colonização alemã assumem excepcional significado no calendário cultural do Sul do Brasil, adquirindo crescente importância para a caracterização de determinadas cidades.

O significado do ciclo constituído pelo Advento, Natal e Reis no conjunto do patrimônio cultural do Brasil é conhecido de outras regiões, em particular nos Estados do Nordeste. As expressões tradicionais dessas regiões, porém, remontantes em grande parte a processos coloniais desencadeados com o Descobrimento, diferem sob muitos aspectos daquelas das localidades de passado colonial europeu do século XIX. O reconhecimento e a análise dessas diferenças surge, assim, como objeto de particular interesse para os estudos de processos e de contextualização histórico-culturais.

As expressões conhecidas de regiões de antigo passado colonial, como no Nordeste, surgem como "mais antigas" do que as das regiões de colonização alemã do Sul, uma vez que estas foram introduzidas apenas no século XIX. Também características de certos folguedos, danças e encenações de regiões de antigo passado colonial demonstram a permanência de princípios organizativos, expressões e formas de passado mais remoto, em grande parte conhecidos da Idade Média européia.

O fato de terem sido introduzidos apenas no século XIX, porém, não significa que as expressões culturais de colonos alemães também não remontem a desenvolvimentos seculares. A consideração de tradições natalinas transplantadas por colonos alemães para o Leste e o Sudeste europeu na Idade Média pode oferecer, neste contexto, materiais para cotejos e para o aprofundamento das reflexões.

No ensino de minorias de ascendência alemã na Romênia, os escolares são levados a observar de forma refletida e distanciada as expressões da época de Natal e que, pela familiariade, lhes parecem naturais.

Como no Brasil, as representações do presépio desempenham papel central no contexto dessas festividades. O presépio é representado por crianças na maior parte das localidades do país, tanto em comunidades católicas, como evangélicas. Sendo as representações de presépio de origem medieval, anteriores à Reformação, que marcou de forma decisiva a população alemã na região, trata-se aqui de sobrevivências modificadas de expressões culturais anteriormente difundidas. Expressões e imagens que apenas podem ser compreendidas à luz de hermenêutica medieval, não do sentido literal da leitura das Escrituras, não permaneceram, dando lugar a representações antes de cunho histórico-ilustrativo.

Uma tradição que merece particular atenção é a do "auto de Herodes" praticado em Oberischau/Viseul de Sus. Supõe-se ter sido introduzido por imigrantes da Zips, região no passado pertencente à Hungria, hoje à Eslováquia. Essa origem explicaria algumas de suas singularidades. Os Zipser, de fala alemã, eram originalmente provenientes do Sul da Alemanha e da Áustria Superior. Dessa região, levaram expressões católicas medievais e narrativas populares para a área da Zips e, posteriormente para Maramures e para o Sudoeste da Bucovina. Tornaram-se conhecidos pela manutenção de antigas tradições, de contos e história oral.

O "auto de Herodes" foi mantido através dos séculos; após uma interrupção em fins da Segunda Guerra Mundial, foram reintroduzidos em 1948. Esse "auto" adquire particular interesse sob o ponto de vista musical pelos muitos cantos pastorais que nele se cultivam. Sob o aspecto do conteúdo dramático, nele se representa a procura de abrigo por Maria e José a caminho de Nazaré e Belém, o seu recolhimento ao estábulo onde Jesus nasceu, a vinda dos pastores e dos três magos do Oriente guiados pela estrêla, com presentes ao recém-nascido. Como o nome indica, a atenção é dirigida a Herodes que, ao tomar conhecimento do nascimento, ordena a morte das crianças nascidas em Belém. No fim da representação, a sua alma é levada pelo diabo. A tradição refere-se, portanto, antes à festa dos Santos Inocentes de 28 de dezembro, que foi, na Idade Média, uma das mais significativas sob o aspecto das expressões culturais.

Até passado relativamente recente, os protagonistas desse "auto" eram convidados pelas famílias, recebendo para isso donativos. Realizavam-se, assim, várias representações no decorrer do ciclo festivo, mas precisamente do período das 12 noites entre Natal e Reis. Com a intensa emigração alemã ocorrida desde o início da década de 90 do século XX, a mudança demográfica levou à transformação da prática. Atualmente, é apresentado apenas uma vez, no "forum" cultural alemão ou na igreja local.

folclore alemão na Romenia

Expressões tradicionais do carnaval

Menção deve ser feita a um elemento das tradições do período do carnaval persistente em determinadas regiões de colonização alemã da Romênia e que correspondem a similares práticas conhecidas de alguns centros do carnaval na Alemanha, o que indica a sua antiga proveniência. Trata-se da figura designada por "João" da região de Dognatschka/Dognecea. Como um boneco feito de feno e palha, que por fim morre e é queimado, corresponde a uma imagem similar conhecida, por exemplo, da tradição carnavalística de Colonia.

Na Romênia, a prática surge inserida em contexto mais complexo e diferenciado, tendo mantido, pelo que parece, elementos mais antigos. Assim, ao preparar o boneco, jovens de ambos os sexos entoam cantos tradicionais, fato já não mais observado, em geral, na Alemanha. Uma singularidade é também o fato de ser o "João" cada ano relacionado com uma determinada profissão, reconhecida através de suas vestes e outros atributos. Essa característica, que revela traços de crítica social e moralizante da própria comunidade, poderia ser estudada em comparações com outras expressões conhecidas da pesquisa de tradições culturais de diferentes regiões da Europa.

Do domingo à noite de terça-feira de carnaval, o "João" é levado pelo festeiro pela aldeia, acompanhado por grupo de jovens, entoando-se "cantos de João" de casa em casa. É decantado como "homem belo" e apresentado a mulheres e meninas para ser beijado. Na terça à noite, agora já chamado de "pobre João", é levado, morto, ao salão de baile. Pouco antes da meia-noite, aparece o "padre dos bobos" ou foliões, trajando vestimentas sacerdotais, que celebra a cerimônia de enterramento do João. Nessa fala, critica fatos e pessoas locais, em particular aquelas da profissão representada pelo boneco. A seguir, com choros e lamentos, o "João" é levado em cortejo fúnebre a um riacho, onde é queimado à meia-noite.

Expressões tradicionais do ciclo da Páscoa e Pentecostes

Do ciclo de Páscoa salienta-se a "Lavagem de Páscoa", praticada, entre outros, pelos suábios de Sathmar. Essa tradição, já documentada em 1745, foi várias vezes proibida.

Na segunda-feira de Páscoa, jovens levantam-se cedo para molhar meninas e jovens, de preferência quando ainda se encontram na cama. Essas, por sua vez, procuram fugir, sendo agarradas e levadas a um poço, onde são molhadas com baldes de água para que se tornem frescas e floresçam. Se se conseguem esconder, são procuradas até serem encontradas. Molhadas, são levadas pelos rapazes para as suas respectivas casas. Aqui, os jovens recebem alimentos das mães das meninas. Entrando na sala de estar, já ali usando trajes sêcos, são elas borrifadas com perfume pelos rapazes; recitam poesias e recebem ovos de Páscoa de presente.

Na Bucovina, os alemães trouxeram de sua terra natal diferentes tradições, entre elas a da prática de enfeitar casas com ramos por ocasião de Pentecostes. Colonos provenientes da Suábia costumam enrolar jovens que muito dormem num pano e surrá-los com ramos de urtiga.


Expressões tradicionais de festas de padroeiro

As festas de padroeiro (Kirchweihfest) são celebradas em várias comunidades de origem colonial da Romênia no próprio dia de festa ou em fim de semana próximo. Em algumas aldeias, guarda-se um pinheiro de ano em ano e, antes da festa, levado por rapazes ao centro da aldeia. Como mastro, é enfeitado aqui com guirlandas de flores e fitas coloridas, representando a árvore da sagração da igreja (Kirchweihbaum).

No alto da coroa de fitas e flores pendura-se um chapéu, um pedaço de pano ou uma garrafa de vinho. Essa garrafa é ganha pelo jovem que consegue subir no mastro e pegar chapéu e o pano, que, a seguir, são leiloados pelos guias da dança. Na tarde de sábado, os "meninos do mastro", ao som da banda de música, dirigem-se aos hóspedes de honra para convidá-los. No domingo, vestidos com trajes típicos, reunem-se junto aos dançadores, responsáveis também pela caixa que financia a prática. Da casa do primeiro dançador sai o cortejo para a igreja. Após a missa, ao redor do mastro, dança-se polcas, ländler e valsas, leiloando-se os objetos da festa. Os principais protagonistas fazem pronunciamentos que se relacionam com acontecimentos da comunidade.

Festas juninas: festa da Coroa e o Korb

A Festa da Coroa ou da Coroa de São João, entre os jovens de Siebenburgen, é a última daquelas que antecedem o período da colheita, realizando-se em domingo próximo à festa de São João ou de São Pedro e São Paulo.

Às vésperas da festa, os rapazes vão buscar em mata próxima um alto tronco de árvore, retiram a sua casca e o alisam, levantando-o na praça da aldeia. As meninas ajuntam flores e ramos verdes, fazendo uma coroa de forma de sino, tendo, no alto, um ramalhete de flores do campo. Esta é colocada no cimo do mastro no dia da festa.

No centro da coroa, pendura-se uma cesta (Korb), na qual se colocam um bolo, uma garrafa de vinho e doces. Após o almoço do dia da festa, jovens e moças marcham ao som da banda de música pelo povoado. Chegando ao mastro, formam uma roda e um dos rapazes sobe até a coroa. Dali, faz um pronunciamento e atira os doces às crianças reunidas ao redor do mastro, descendo com o bolo e o vinho. Os participantes, ao redor do mastro, entoam cantos tradicionais e dançam.

Nas aulas referentes ao folclore no ensino das minorias alemãs na Romênia, os escolares devem procurar detectar e descrever semelhanças e diferenças entre as expressões tradicionais alemãs e aquelas de outras comunidades do país. Dada a diversidade dos costumes de Páscoa no país, os alunos devem realizar pesquisas na sua própria comunidade, descrevendo, em sala, as respectivas tradições. Devem, também, saber reconhecer as diferenças entre as festas do padroeiro (Kirchweih) e da coroa (Kronenfest).

Também nas regiões do Sul do Brasil colonizadas por alemães no passado, conhece-se o Korb, uma designação que tem levantado questões entre folcloristas quanto a seu significado e função. A consideração de tradições ainda conservadas em populações de ascendência alemã na Romênia pode trazer esclarecimentos a essas questões. Indicam que a palavra se refere literalmente ao cesto colocado no alto da Coroa do mastro e que não deve ser identificada sem maiores diferenciações à festa de padroeiro ou de fundação da igreja. Os elos com a época do ano caracterizada pela colheita apenas podem ser estudados a partir dos vínculos dessa tradição com o ano natural do hemisfério norte.

Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Minorias, Patrimônio e Educação em situações de pluralidade étnica e cultural Grupos populacionais de ascendência alemã no Brasil e na Romênia VII: práticas do ciclo anual". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/22 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Teuto-Romenos-Ciclo-Anual.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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