São Nicolau: Brasil e Moldau. BRASIL-EUROPA 134/11. Bispo, A.A. (ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS





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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

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Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo


Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 134/11 (2011:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2820


A.B.E.


"São Nicolau da Clareira da Floresta" e a superação do mundo das trevas
nas igrejas de Ștefan cel Mare/Estêvão Magno (ca. 1433-1504) e Petru Rareș (ca. 1487-1546)

Igreja conventual de Probota


Ciclo de estudos da A.B.E. na Bucovina. Arbore , 2011. 20 anos da sessão acadêmica dedicada a Portugal e ao Brasil na Universidade Urbaniana, Roma

 


Em estudos dedicados à Romênia nas suas relações com outros contextos culturais europeus, deve-se dar uma especial atenção ao culto de São Nicolau. Este santo assume extraordinária relevância no mundo da Ortodoxia, sendo também muito venerado no Ocidente católico, sendo um culto que remonta à época em que a Cristandade não era dividida.

São Nicolau merece particular atenção nos estudos culturais, uma vez que determinou tradições populares em muitos países, até o presente, marcando sobretudo a época do Advento e do Natal.

Algumas expressões tradicionais adquiriram nos diversos contextos e sob a ação de interesses comerciais características que dificultam a sua consideração mais diferenciada e profunda. Os estudos relativos a essas tradições levantam, assim, questões não satisfatoriamente respondidas. A consideração de contextos relacionados a S. Nicolau na região da Moldávia pode abrir aqui novas perspectivas para o entendimento de expressões tradicionais e mesmo das narrativas hagiográficas.

Para o desenvolvimento desses estudos, surge como significativo considerar a igreja conventual moldava de Probota, a êle dedicada, a primeira da série de igrejas que, pelas suas pinturas murais, pertencem ao Patrimônio Cultural da Humanidade.

Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

Igreja conventual de Probota

O convento foi fundado por Estêvão I ou Petru I. Musatinul no século XV. Foi reconstruído a partir de seus fundamentos por Ștefan cel Mare (ca. 1433-1504) ou Estêvão Magno, passando a ser o maior e mais rico de sua época.

No século XVI, o príncipe Petru Rareș, inspirado pelo abade Grigore Rosca, que seria posteriormente o metropolita do Moldau, mandou que se construisse uma nova igreja (1530/2), que agora recebeu pinturas murais na parte externa (1536). Petru Rareș foi o líder do Moldau que possibilitou a pintura em afrescos da maior parte das igrejas conventuais da Bucovina, adquirindo assim uma posição de particular relêvo não apenas na história moldava como também na das artes. Em 1550, construiu-se, a pedido de Elena, mulher de Petru Rareș e seus filhos, os muros que cercam e protegem a área.

Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

O iniciador da obra, o abade Grigore Rosca, foi representado, a pedido, no conjunto das pinturas exteriores. Graças a êle, o convento tornou-se importante centro cultural e religioso da região, nele vivendo monges de grande erudição e que tiveram os seus nomes perpetuados na história do Moldau. Possuiu livros e manuscritos valiosos, entre êles o "Livro dos Quatro Evangelhos, doado por Elena, em 1551.

Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

A igreja abriga as sepulturas de Petru Rareș e outros membros de sua família. Na imagem votiva, na parte sul da parede ocidental do Naos, Petru Rareș é representado juntamente com o príncipe Ilias, Estêvão e Elena com os filhos Constantin e Ruxandra no ato de oferecimento da igreja a Cristo nos céus, mediado por São Nicolau.

As pinturas murais externas da igreja apresentam complexos programáticos que se tornaram comuns nas igrejas conventuais moldavas, entre êles sobretudo o do Juízo Final na parede oriental e a "Escada das Virtudes". Uma singularidade de Probota é a representação pictórica da "Oração de Todos os Santos". No interno, salientam-se imagens de sínodos e do calendário.

O convento possui 21 sepulturas, das quais três são provenientes do antigo mosteiro. Indicam que a igreja conventual reconstruída por Petru Rareș deve ser considerada na continuidade de uma tradição que remontava à primeira presença de eremitas no local.

Probota, Moldau. Foto A.A.Bispo

Aproximações ao numen do local: São Nicolau da Clareira da Floresta

Como ponto de partida para considerações teórico-culturais relativos á igreja conventual de Probota oferece-se a própria região onde se encontra edificada. Esta região caracterizava-se por ser coberta de florestas fechadas e cortada pelos rios Somuz e Probota, possuindo um terreno inseguro para construções. Era, assim, uma região escura, húmida, fria e lodosa, tão marcada pelas trevas das matas que o mosteiro ali edificado foi dedicado a "São Nicolau da Clareira da Floresta".

O termo "clareira" indica aqui o significado do ter-se aberto ou de ali existir um espaço livre na floresta, um claro no escuro, ou seja luz numa região escura, fria e húmida, luminosidade em mistura com trevas. Essas características naturais da região correspondem, sob o aspecto das associações, àquelas de determinada época do ciclo anual. Neste sentido, dizem respeito ao período mais marcado pela escuridão do ano, ou seja, à época das noites mais longas que precede ao solstício de inverno e que corresponde, no hemisfério norte, aos meses de novembro/dezembro. Esse período, antecedendo ao solstício, ou seja, ao momento decisivo no qual dá-se início à diminuição das noites e à parte ascendente do ano, representa uma preparação para essa mudança de relações entre a noite e o dia, o que levará ao predomínio dos dias que se manifestará a partir do equinócio primaveril. Na escrita do céu estrelado, essa parte do ano corresponde ao trecho do zodíaco caracterizado pelo Sagitário.

Na sua correspondência com o dia, essa situação do ciclo anual equivale àquela das horas que precedem à meia-noite, que é quando se inicia o novo dia. Tratando-se, na imagem da "clareira na floresta" da luz na noite, compreende-se a sua associação com a lua. Tem-se, aqui, a chave para a compreensão da linguagem de imagens da tradição mitológica relacionada com essa parte do ano e que a relaciona com divindades associadas à lua no complexo de concepções de Artemis/Diana. Esta surge no mito, compreensivelmente, como a grande sagitária, percorrendo as florestas com seu arco e flecha, senhora dos animais, virgem tal como o fogo sempre permanece virgem, tipo das virgens e da virgindade de meninas em idade pré-nupcial.

Para além das relações com o ano natural, a imagem da "Clareira na Floresta" deve ser interpretada também nas suas associações com o homem, na sua inserção no coletivo do povo e na sua vida individual, interior. A escuridão, o frio, a humidade e o lodoso correspondem aqui a uma situação tenebrosa do povo que se encontra imerso em atribulações, nas trevas de uma humanidade dirigida à matéria, escravizada ao trabalho, não livre, em situações de conflitos e guerra, perdida no emaranhado de situações, sem achar caminhos, que em sentido figurado se afoga cada vez, assolada pelas vagas e correntezas do tempo. Nessa noite, o povo e o indivíduo têm como luminar a lua, ou seja, são sujeitos, na linguagem mitológica, a Artemis/Diana.

Nessas condições, aquele que, sob o domínio da lua, como que movido por um fogo interno procure subir com objetivos mais altos, é constantemente levado a dirigir-se para baixo, a fins materiais. Encontra-se, assim, numa situação de roda-viva de fogo, tal como representado em imagens mitológicas e na sua correspondente constelação na escrita do céu estrelado. Está constantemente se dirigindo a diferentes objetivos, em contínua movimentação e inconstância, tal como um sagitário no interior de uma floresta.

O caminho da libertação das amarras dessa roda é aberto por aquele que se liberte da submissão ao tipo Artemis/Diana, orientando-se pelo seu anti-tipo modelar.

Esse homem exemplar é aquele que, não mais dirigindo o pensamento ao percebido pelos sentidos, desprendendo-se do material, é imbuído apenas pelo fogo interno, espiritual. Esse homem é o vitorioso do povo que se encontra em atribulações.


Ștefan cel Mare e seu tempo na cultura memorial

Sob o pano de fundo dessas reflexões relativas ao numen de Probota, pode-se compreender que ali, em meio a região coberta de florestas, se encontrasse o "campo da justiça" (Camp de Direptate), e que tenha sido nesse campo que se tivesse dado a coroação de Ștefan cel Mare, ou Estêvão Grande ou Magno (ca. 1433-1504).

O vulto de Estêvão o Grande assume extraordinário significado para os estudos culturais relacionados com a Moldávia, surgindo, em imagem idealizada, como fundador da nacionalidade e herói cultural, ao mesmo tempo vencedor de batalhas e promotor da cultura religiosa através da edificação de numerosas igrejas. A êle remonta o florescimento da arquitetura e da arte sacra que caracteriza a cultura monacal da Bucovina.

A imagem de Estêvão Magno, que tanto significado adquire sob o aspecto da construção da identidade moldava e romena, deve ser compreendida no contexto de sua época, marcada que foi por atribulações e contínuas guerras. O país encontrava-se assolado pelos otomanos, subjugados pelo seu predomínio militar, sujeito ao pagamento de tributos. O pai de Ștefan havia sido assassinado por Petru Aron, o seu precedente no trono, protegido pelos húngaros, o que levou a lutas com a Hungria, das quais entrou na história sobretudo a de 1467, com a vitória de Ștefan sobre grande exército húngaro sob o comando do rei Matthias Corvinus. Ștefan, como combatente dos turcos, alcançou também à maior derrota até então sofrida pelos exércitos muçulmanos.

Em época marcada pelas trevas de atribulações, assassinatos, escravização, ameças, invasões e guerras, Ștefan Magno surge como o vitorioso que lutou para cumprir justiça, para a libertação do seu povo de algemas e para a defesa da religião cristã, em particular para o fortalecimento da vida ascética e da cultura espiritual através dos conventos que construiu. Nesse contexto, compreende-se que surja vinculado a S. Nicolau na igreja de Probota.

S. Nicolau de Myra, o Vitorioso do Povo - Νικόλαος Μυριώτης

Segundo a tradição e as fontes, S. Nicolau nasceu na Lícia, região montanhosa da Ásia Menor, entre 270 e 286. Pertencendo, na época, ao Império Bizantino, esssa região possuia uma imagem de conotações negativas, como se manifesta na narrativa relativa ao santo. Ali se prestava culto sobretudo a Artemis/Diana, tendo sido essa divindade a mais combatida pelo santo. Esses dados relativos ao culto de Artemis/Diana da narrativa parecem vir de encontro a informações transmitidas já no século V A.C. por Herodoto, que salientara a importância das mulheres na cultura dos lícios que, segundo êle, teriam origens em Creta: as crianças eram denominadas segundo as suas mães e contavam-se os antepassados segundo a linha materna; também a situação civil da criança orientava-se segundo a da mãe (Historiae I, 173).

Segundo a tradição, S. Nicolau, de família de posses, desde cedo, presenteava os seus bens ao povo. Essa menção pode ser compreendida no sentido de que se diferenciava dos homens do seu tempo, presos à matéria.

Os elos com as escuras florestas, que Artemis/Diana segundo a narrativa mitológica percorria, pode ser também deduzida da ação de S. Nicolau em cortar uma árvore a ela dedicada. Segundo a narrativa, passou a ser então perseguido pela deusa. Esta teria, então, preparado um perigoso óleo, que, na forma de uma velha piedosa, entregou aos marinheiros que se dirigiam a Myra, dizendo que, deviam, com êle, untar as pedras da igreja. Esse óleo, porém, possuia o poder de incendiar água e pedras. Antevendo o artifício do demônio feminino, S. Nicolau dirigiu-se aos navegantes em pequeno barco, advertindo-os e fazendo com que lançassem o óleo no mar, o qual imediatamente incendiou-se.

Como essa narrativa expõe, a imagem do homem como marujo e o motivo da viagem marítima surgem como particularmente significativas no contexto de S. Nicolau. O santo passou a ser invocado por marinheiros em perigo. Em situações de atribulação na viagem, o santo aparece e, assumindo a direção do navio, o dirige ao porto, conseguindo até mesmo acalmar o mar.

O ato de dar presentes ao povo é tematizado em outra narrativa relativa a S. Nicolau. Durante um período de fome, sabendo que um navio que um navio que se encontrava no porto levava trigo para o Imperador em Bizâncio, pediu aos marujos que deixassem uma parte do trigo para mitigar a fome do povo, prometendo que nada lhes aconteceria. Ao chegarem em Bizâncio, os marinheiros constataram que a mercadoria não havia diminuido.

Nesse contexto, parece ser compreensível que Ștefan cel Mare tenha visto em S. Nicolau um paradigma modelar na situação em que êle próprio se encontrava. Tendo sido S. Nicolau abade do Mosteiro Sion, próximo de Myra, torna-se também compreensível que Ștefan cel Mare tenha voltado a sua atenção à vida ascética, fomentando a construção de mosteiros e igrejas que, com as suas pinturas, indicam elos com a cultura popular.

O motivo do óleo e da água, que surge na narrativa relacionada com Diana, retorna naquela que conta do milagre do surgimento de duas fontes na sepultura do santo: uma de óleo à sua cabeça, outra de água a seus pés. Enquanto o óleo de Diana era aquele que incendiava água e pedra, o de S. Nicolau deve ser entendido como o da luz ou do fogo espiritual nas trevas de um povo imerso nas trevas.

Petru Rareș (ca. 1487-1546)

Também o período de Petru Rareș, filho ilegítimo de Ștefan cel Mare, surge também como um período de atribulações e constantes guerras. Foi marcado pelas lutas húngaras e por intervenções de turcos, obrigando-o a constantes estrategias e ações bélicas. Foi obrigado a lutar contra um exército turco-tataro-polonês encabeçado por Suleiman, o Magnífico. Assim como Ștefan cel Mare, teve a sua imagem marcada como combatente de muçulmanos. Chegou a envolver-se em plano de uma nova cruzada, emprestando para isso soma a Joaquim, II de Brandenburgo, uma iniciativa que foi abandonada quando Buda foi vencida, em 1542.

Também as narrativas referentes a Petru Rareș indicam motivos que parecem justificar-se apenas a partir da linguagem de imagens. Entre êles, merece ser salientado o elo com a água e com florestas impenetráveis e escuras. Segundo a estória, teria sido pescador. À época do combate contra os exércitos de Suleiman, teria percorrido por três semanas as florestas da Transilvânia, perdendo-se. Foi encontrado por um grupo de pescadores que o reconheceram como companheiro de profissão; deram-lhe roupas de pescador e mostraram-lhe o caminho.



Círculo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."São Nicolau da Clareira da Floresta e a superação do mundo das trevas nas igrejas de Ștefan cel Mare/Estêvão Magno (ca. 1433-1504) e Petru Rareș (ca. 1487-1546)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 134/11 (2011:6). http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Probota-Sao-Nicolau.html



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