SC e RS em Franz Heiderich/Adrian Balbi. Bispo, A.A..Rev. BRASIL-EUROPA 133/18 (2011:5). Academia Brasil-Europa e ISMPS





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BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 133/18 (2011:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2011 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2803




Conhecimentos do Brasil na Boêmia VI
Santa Catarina e Rio Grande do Sul na versão de Franz Heiderich (1893)
da Descrição Geral do Globo de Adrian Balbi (1782-1848)


Ciclo de estudos Boêmia-Brasil da A.B.E. No ano da morte de Otto von Habsburg-Lothringen (1912-2011). Universidade de Hradec Králové (Königgrätz)

 

A cidade de Hradec Králové (Königgrätz) distingue-se não apenas pela sua herança arquitetônica do Barroco, que lhe confere significado histórico e artístico de especial relevância na República Tcheca e que justifica as suas aspirações à inclusão pela UNESCO no registro do patrimônio cultural da Humanidade. (veja artigo nesta edição) Ela se destaca também pelas suas instituições culturais e pela sua vida estudantil, sendo impregnada por uma atmosfera que, resguardadas as proporções, é comparada com aquela do Quartier Latin de Paris. É, assim, uma das poucas cidades da antiga Boêmia que justificam aproximações ao modo de vida de estudantes, intelectuais e artistas conotado como "boêmio". (veja artigo nesta edição)


Esse ambiente que marca sobretudo algumas ruas centrais de Hradec Králové pode ser explicado pela sua universidade, a Univerzita Hradec Králové (UHK), criada no ano 2000 a partir da antiga Escola Superior Pedagógica de Hradec Králové. Trata-se de uma universidade ainda de não-grandes dimensões, com apenas duas faculdades, embora já oferecendo considerável número de cursos de graduação. O fato de ser procurada por estudantes provenientes de vários países da Europa, que ali realizam parte de seus estudos dentro de programas de intercâmbio, confere à cidade uma atmosfera cosmopolita, marcada por repúblicas de estudantes, centros de encontro, de esportes e de vida noturna. As dificuldades oferecidas pelo idioma contribuem a que a comunicação seja feita em inglês e sobretudo em francês, o que também acentua o clima parisiense que ali se respira.


A universidade local, porém, de constituição tão recente, não explica a atratividade dessa cidade para universitários europeus. Ela é devida sobretudo á imagem de Hradec Králové como centro intelectual de antigas tradições e que alcançou grande significado em fins do século XIX e início do XX. As suas remotas origens são vistas no fato de que já em 1362 ali se fundou uma escola particular de latim. O colégio jesuita local marcou a cidade à época da Recatolização como centro de ensino e estudos. Entretanto, foi a força de sentimentos de identidade cultural boêmica despertados no período de guerra do início do século XIX que contribuiu ao surgimento de correntes literárias que fizeram com que a antiga Königgrätz se transformasse num dos mais significativos centros literários da Europa Central.
Assim como várias cidades da Europa - fenômeno também conhecido no Brasil - Hradec Králové experimentou em fins do século XIX profundas transformações urbanas. Essas remodelações foram marcadas por obras de avançada arquitetura para a época, fazendo com que Hradec Králové assuma, hoje, uma posição de particular significado sob o ponto de vista da história da arquitetura e do urbanismo.  (Moritz Csáky, "Pluralistische Gemeinschaften: Ihre Spannungen und Qualitäten am Beispiel Zentraleuropas", Mythos Großstadt: Architektur und Stadtbaukunst in Zentraleuropa 1890-1937, ed. E. Blau e M, Platzer, Munique/Londres/Nova York: Prestel 1999, 44-56)

Algumas das suas construções representam exemplos de importância na história das tendências relacionadas com o Wiener Secession, o art nouveau ou Jugendstil do Império Austro-Húngaro. Entre essas edificações salienta-se o prédio do Museu da Boêmia do Leste, construído nos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra pelo arquiteto Jan Kotěra (1871-1927), aluno de Otto Wagner (1841-1918) em Viena e personalidade que marcou o panorama pré-moderno das partes remodeladas de Königgrätz e que testemunham intenções de relacionar tendências da modernidade com elementos da tradição popular. Como professor da Escola de Artes e Ofícios e da  Academia de Artes Plásticas em Praga, formou gerações de arquitetos (Jan Kotěra - The Founder of Modern Czech Architecture, Prag 2001).

Após a Guerra, o nível qualitativo das construções foi mantido sobretudo pelos projetos do discípulo, colaborador e sucessor de Jan Kotěra, o arquiteto Josef Gočár (1880-1945) (e.o. Zdenek Wirth, Josef Gočár. Hradec Králové, Wien-Berlin 1928).

A consideração cultural da história da Arquitetura e do Urbanismo e a atenção a processos urbanos nos estudos culturais têm constituido preocupação já há décadas no âmbito dos estudos brasileiros ou relacionados com o Brasil. Ela se manifesta também nos esforços de orientação culturológica da musicologia, podendo-se lembrar que já em 1973 se realizou, na antiga Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo um curso de tema "Música e Evolução Urbana de São Paulo".

Entre os eventos mais recentes, salientam-se seminários voltados às relações entre a música, a arquitetura e o urbanismo realizados nas universidades de Bonn e Colonia. Nos trabalhos, considerou-se de modo particular o desenvolvimento na Europa Central, fato motivado por exposição realizada pelo Ministério de Assuntos Culturais e Educativos de Viena, pelo Canadian Centre for Architecture, de Montréal e pelo Getty Research Institute, de Los Angeles. Esse projeto deu impulsos à discussão de questões relativas á criação de significados pela arquitetura em complexo contexto de heranças culturais múltiplas, de tendências políticas conflitantes e do desenvolvimento urbano em situações de modernização na Europa Central. Um dos principais focos de atenção foi dado ao papel desempenhado pelas cidades como principais centros da vida cultural pública na Áustria-Hungria multinacional e nos estados que dela derivaram no desenvolvimento da arquitetura em geral, questão de particular atualidade considerando-se a importância que hoje assume o estudo de relações entre cidades e situações multiculturais em época de globalização. (Mythos Großstadt: Architektur und Stadtbaukunst in Zentraleuropa 1890-1937, op.cit. 7)

A questão agora levantada pela A.B.E. disse respeito ao conhecimento de cidades brasileiras no Império Austro-Húngaro à Belle Époque, considerando-se em particular a situação da Boêmia, região de proveniência de considerável número de imigrantes que marcaram a formação cultural de estados do Sul do Brasil. A cidade de Hradec Králové ofereceu aqui condições particularmente favoráveis às reflexões por nela manifestar-se de forma significativa relações entre desenvolvimentos urbano-arquitetônicos e culturais em situação de mudança e na nova ordem estabelecida após a Guerra, quando passou a ser conhecida como "salão" da nova república.

O conhecimento relativo às cidades brasileiras na Europa Central de língua alemã pode ser avaliado a partir de uma obra de geografia destinada a ter ampla divulgação e consultada em Hradec Králové, a oitava edição da monumental "Descrição Geral da Terra" de Adrian Balbi, reelaborada e ampliada por Franz Heiderich e publicada em 1893 (Adrian Balbi's Allgemeine Erdbeschreibung, Achte Auflage, Neu bearbeitet und erweitert von Dr. Franz Heiderich, 3 Bde, Wien/Pest/Leipzig: A. Hartleben's Verlag 1893).

Adrian Balbi (1782-1848) em versão centro-européia

Essa publicação assume especial significado para os estudos euro-brasileiros por tratar-se de uma reelaboração de obra de importância para Portugal e o Brasil, frequentemente considerada como fonte de informações nos estudos culturais. O seu autor, o geógrafo veneziano Adrian Balbi, autor do Prospetto politico-geografico dello stato attuale del globo, publicado em 1808, esteve em Portugal, em 1820, obtendo os dados que possibilitou o  Essai statistique sur le royaume de Portugal et d'Algarve publicado em Paris, em 1822. Já Alfredo de Carvalho, na sua pioneira obra bibliográfica dedicada à literatura estrangeira relacionada com o Brasil, salientou que as Variétés politico-statistiques sur la monarchie Portugaise, de Balbi, dedicadas a Humboldt e publicadas em Paris, em 1822, oferecia "informações interessantes sobre o commercio de Portugal em geral, e com suas colonias, entre ellas o Brasil" (Bibliotheca Exotico-Brasileira por Alfredo de Carvalho, ed. Eduardo Tavares I, Rio de Janeiro: Pongetti 1929. 151)

A posição destacada que merece a obra de Baöbi numa história da Geografia de orientação cultural é justificada também pela publicação, em 1826 do primeiro volume de um atlas etnográfico, o Atlas ethnographique du globe, ou classification des peuples anciens et modernes d'après leurs langues. O seu Abrégé de Geographie, de 1832, alcançou ampla difusão, sendo traduzido em vários idiomas.

Com a publicação de uma oitava edição da obra de Adrian Balbi no Império dos Habsburgs pretendeu-se oferecer um "manual do saber geográfico para as necessidades de todas as pessoas de formação". A obra, porém, valeu-se sobretudo da autoridade possibilitada pelo nome de Balbi, uma vez que surgiu de forma quase que totalmente reelaborada. É de significado, porém, notar a importância do nome de um geógrafo tão especialmente relacionado com Portugal e o Brasil na história dos conhecimentos do mundo na Europa Central.

No prefácio da reedição, o seu responsável, Franz Heideich, menciona que, ao dar início à tradução da obra de Balbi, logo percebeu que necessitaria realizar uma reelaboração total do livro. A "Descrição" de Balbi não correspondia mais ao estado dos conhecimentos nem quanto ao conteúdo, nem com relação à disposição dos assuntos. O leitor poderia imaginar o trabalho que havia dado tal reescrita e o tempo que exigira. Heiderich redigiu completamente a parte relativa à geografia matemática, emprestando-lhe grandes dimensões, até mesmo desproporcionais com relação às outras áreas, assim como, em grande parte, aquela concernente à geografia física.

Da obra de Balbi, por fim, manteve no seu todo, salvo pequenas complementações, apenas os capítulos relativos aos "estados de religião do gênero humano" e às "situações sociais dos homens".

A parte dedicadas aos países foi completamente reelaborada em muitas de suas partes, recebendo capítulos novos, por exemplo quanto à história dos descobrimentos, à flora e à fauna. Os conhecimentos trazidos pelas atividades de colonização dos últimos decênios tinham causado mudança de fronteiras e de posses, sobretudo na África. Os capítulos dedicados à Austrália e à Polinésia receberam duas páginas impressas á mais, aqueles relativos à América, África e á Ásia de seis a sete páginas.Heiderich procurou oferecer uma obra altamente atualizada, tendo considerado não apenas publicações científicas, mas também dados das mais diversas fontes

Franz Heiderich (1863-1926), tradição de Balbi e Geografia Econômica Mundial

O responsável pela reedição da obra de Balbi, o Dr. Franz Heiderich, foi geógrafo que se destacou sobretudo por publicações voltadas à Geografia Econômica. Após ter realizado a sua monumental reelaboração do livro de Balbi, publicou, em 1896, uma obra dedicada ao conhecimento do globo e dos países (Die Erde, eine allgemeine Erd- und Länderkunde, 1896), que alcançou várias edições. Seguiram-se uma obra dedicada a países extra-europeus e outra dedicada à Europa que alcançaram numerosas edições entre 1897 e 1926 (Länderkunde der aussereuropäischen Erdteile; Länderkunde von Europa).

Como diretor científico de um instituto cartográfico, publicou obra dedicada ao ensino da Geografia nas escolas, o Kozenn-Atlas, editado entre 1906 e 1926. Entre 1910 e 1920, ou seja, no período da Guerra, editou, em colaboração, uma "Geografia do Comércio Mundial" (Geographie des Welthandels). Ocupou-se em particular com o futuro econômico e político da Dupla Monarquia no período da guerra, publicando uma obra a respeito, em 1916 (Die weltpolitische und weltwirtschaftliche Zukunft von Österreich-Ungarn); também relacionado com esse contexto tratou do significado do Danúbio como via de tráfego em livro publicado em 1916 (Die Donau als Verkehrsstrasse). Após a guerra, com a desintegração do Império dos Habsburgs, dedicou-se ao estudo da força econômica da Áustria alemã, publicando obra a respeito, em 1919 (Die Wirtschaftskräfte Deutschösterreichs).

A continuidade da tradição de Balbi, unida ao interesse pelo comércio mundial de Franz Heiderich, manifestou-se, após a Guerra, na obra significativamente denominada de "Geografia do Comércio Mundial: uma descrição geográfico-econômica da terra", publicada em 1926 (Geographie des Welthandels: Eine wirtschaftsgeographische Erdbeschreibung). Ainda que orientada sobretudo pela Economia, Heiderich continuou a destacar-se como especialista em países extra-europeus publicado o livro Die aussereuropäischen Länder, em 1927. O seu empenho pelos estudos do comércio mundial manifestou-se na criação de uma Escola Superior do Comércio Mundial a partir da Academia de Exportação de Viena.

O Brasil sob perspectiva da Geografia Econômica: emancipação e imigração

No seu texto introdutório ao capítulo dedicado ao Brasil, Heiderich salienta a relação entre a emancipação dos escravos e a imigração européia. Lembra de leis promulgadas em 1871 e em 1885 que já levavam a uma extinção gradual da escravidão. Deixa perceber, porém, no seu texto, e uma crítica ao ato da Princesa Isabel de 1888, salientando que com um simples "golpe de pena" tinha-se dado liberdade a todos os escravos, sem a menor indenização a seus antigos proprietários. A consequência desse ato havia sido a desorganização imediata das plantações e a queda da colheita do café de um terço. Procurou-se compensar a falta de braços trazida pela emancipação com uma intensificação da imigração.

Heiderich, cujo texto sugere simpatia pela instituição do regime republicano no Brasil, explica, assim, a razão pela qual a questão da imigração constituia uma das principais tarefas do Govêrno brasileiro. Ainda que o país tivesse feito muito progresso no campo da cultura material, a sua situação econômica não era favorável; necessitava, assim, fazer esforços em conseguir um maior número de trabalhadores, o que era apenas possível através da imigração e de novas colonizações.

Procurando esboçar um quadro da história da imigração, lembra que já em 1820 se autorizara a instalação de colonias estrangeiras no país, oferecendo-se aos colonos parcelas de terra, uma iniciativa que permanecera sem maiores resultados. A imigração ter-se-ia intensificado pelo fato de D. Pedro II ter feito "pressão enérgica" relativamente à coibição da entrada de escravos, o que levara a uma perda de forças de trabalho e ao aumento da procura de mão-de-obra livre. As determinações legais, porém, em si bem refletidas e bem intencionadas, não teriam sido executadas de forma correta pelas partes envolvidas. Com base em dados estatísticos, Heiderich demonstra um aumento considerável da imigração no decorrer da segunda metade do século, em particular na década de 80. Assim, em 1882, as estatísticas apontavam 27.197 entradas, em 1889, 65.161. Essa cifra era constituida por 34.920 italianos, 15.240 portugueses, 8662 espanhós, 1903 alemães, 470 austríacos, 584 franceses, 387 belgas, 76 inglêses, 126 suecos e 2793 de outras nações.

No seu texto, Heiderich salienta a importância do elemento alemão no Brasil. As colonias alemãs eram aquelas que se tinham desenvolvido de forma mais favorável. Iniciadas em 1818 com a Colonia Leopoldina na Província da Bahia (i.e. Espírito Santo), tomara significado maior com a fundação da Colonia São Leopoldo, na Província Rio Grande do Sul, em 1824. Dessa colonia, os alemães ter-se-iam espalhado por toda a província, fundando novos assentamentos. (op.cit. 724)

Nas descrições referentes aos vários Estados do Brasil, Heiderich salienta o significado da imigração alemã em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, oferecendo quadros particularmente favoráveis dessas regiões. As suas considerações, fundamentadas por uma orientação geográfico-econômica, e salientando o papel dos imigrantes, tratam de características e do desenvolvimento urbano de cidades.

Descrição de Santa Catarina

"Pela sua alta fertilidade, pelo seu clima saudável e agradável, pelos seus atrativos naturais, esse Estado é chamado às vezes de Paraíso brasileiro. A agricultura é aqui a principal fonte de renda, a pecuária é realizada em proporções menores. A indústria consiste na produção de farinha de mandioca, tapioca, mate do Paraguai e aguardente. Grande é o número de colonos alemães. Estima-se o número dos alemães imigrados e seus descendentes entre 70 e 80.000.

A cidade de Nossa Senhora do Desterro, na margem ocidental da bela e fértil Ilha de Santa Catarina, separana na sua parte mais delgada por um braço de mar de 400 m de largura do continente, propicia, vista do mar uma vista encantadora. Capital com 12.000 habitantes, entre êles muitos alemães. A cidade pratica o comércio de flores artificiais e objetos ornamentais, de escamas de peixe e penas. O porto de Desterro é protegido por vários lados por fortes e possui, desde 1860, um farol na sua entrada ao sul. Embora a cidade não possua edifícios notáveis e tenha ruas bastante estreitas e em parte sem calçamento, não proporciona impressão negativa." (op.cit. 750)

Heiderich oferece informações sobretudo sobre cidades do Estado habitadas por alemães. Cita, do outro lado de Desterro, São José, pequena cidade de porto, e, a oeste, a ca. de 430 metros acima do nível do mar, a Colonia Santa Isabel, fundada em 1847 por ordem de D. Pedro II e constituída de ca. de 150 alemães. No ano de 1872 contava a colonia com 1332 habitantes.

Heiderich menciona a Colonia Teresópolis às margens do Rio Cubatão, fundada em 1860 por 41 famílias alemãs e que ali viviam em condições prósperas. A oeste, no Rio Tijucas, havia a Colonia Angelina, e, a sudoeste, a de Santa Teresa, fundada por aquela em 1853.

Laguna é mencionada como sendo a mais antiga cidade do Estado, contando então com ca. de 4000 habitantes. Exportava produtos agrícolas vindos das colonias Azambuja e Grão Pará. Itajaí é mencionado como pequeno local de porto na desembocadura do rio do mesmo nome, de onde se exportava os produtos das várias colonias da região do rio Itajaí.

Como sendo a mais importante colonia no território do Itajaí, Heiderich salienta Blumenau, com a sua localidade principal no rio Itajaí-Assu, a 37 km. do porto de Itajaí. O Dr. Harmann Blumenau, de Braunschweig, que a fundara em 1852, havia sido feliz na escolha do território, favorável que era aos colonos alemães devido a seu clima saudável. Menciona ter sido o Dr. Blumenau apoiado pelo Govêrno com empréstimos, em parte com subsídios não retornáveis. Em 1860, a Colonia passara ao Estado. Os colonos plantavam cana, arroz, feijão, milho, mandioca, vários tipos de tubérculos, algodão, café, tabaco e praticavam a pecuária. A colonia, no todo, tinha uma área de 60.000 hectares, dos quais um quarto era cultivado. Em 1882 apresentava uma população de 15.710 pessoas, dos quais 11. a 12.000 eram alemães. A exportação anual da colonia era calculada em ca. de um milhão de marcos. Blumenau tinha ca. de 40 escolas, várias igrejas protestantes e católicas, 150 moinhos de cana, 140 de mandioca, 10 olarias, 8 produtoras de cervejas, além de vários aparelhos técnicos.

Heiderich menciona a presença de imigrantes italianos em colonias formadas pelo Estado a sudoeste de Blumenau, citando os nomes de Itajaí-Brusque, Príncipe Dom Pedro e Luís Alves.

A Colonia Dona Francisca merece do autor particular consideração por ter sido formada quase que exclusivamente por alemães. A cidade mais significativa era Joinville, que Heiderich qualifica como "linda", à margem direita do Rio Cachoeira. Os outros centros da Colonia eram Neudorf, Annaburg, Pedreira e São Bento. Os produtos da Colonia Dona Francisca eram comercializados através do porto São Francisco, cidade na ilha de mesmo nome e que é pintado com cores desfavoráveis por Heiderich: São Francisco tinha apenas duas ruas, casas muito modestas e uma igreja. As localidades do interior citadas - Palmas, Campos Novos, Curitibanos - são apresentadas como centros de extensos distritos pecuários, porém sem maior significado como cidades. (op.cit. 751)

Descrição do Rio Grande do Sul

Heiderich inicia o seu texto mencionando a salubridade do clima do Rio Grande do Sul. Além da agricultura e da pecuária, o que constituia a sua principal produção, a terra oferecia carvão de pedra, ouro, cobre com prata, achata e pedras semi-preciosas. Acentua o grande número de alemães nesse estado, que perfaziam em 1883 ca. de 100.000, imigrados desde 1824. Salienta as consequências negativas para a presença alemã no Brasil das medidas do govêrno alemão que colocaram obstáculos à emigração. Essas medidas levaram a que se procurassem colonos de outros países. Esses esforços tiveram particular sucesso com relação à vinda de italianos, de modo que já em 1884 o seu número era de ca. 40.000 pessoas. Havia assim o risco que o elemento italiano superasse o alemão, que antes predominava praticamente de forma quase que absoluta.

Heiderich oferece uma pormenorizada descrição de Porto Alegre, acompanhando-a de uma gravura baseada em fotografia.


"Porto Alegre, capital as margens do Jacuhy, com um porto e 45.000 habitantes. O comércio ali floresce e contribui de forma poderosa á expansão dessa cidade, na qual processavam-se muitos embelezamentos. A igreja principal e o palácio do Govêrno situam-se na Praça Dom Pedro II, uma grande praça à qual conduz uma bela via. Outros edifícios excepcionais são a casa de baile com a maior sala do Brasil, o mercado, o arsenal, o hospital, a prisão em forma de burgo, etc.. A cidade é disposta em forma de terraço, tem uma posição altamente pitoresca, boas ruas e bons passeios e tem a fama se ser a mais cordial das capitais de província do Brasil. Ela é a sede do Govêrno do Estado, de um juiz municipal, de um bispo, de alfândega etc. Entre as instituições de ensino há um seminário episcopal, um liceu de organização recente e algumas escolas primárias. Na vida social de Porto Alegre, os 3000 alemães que ali vivem constituem um importante elemento da população, pois através deles ali encontram-se representadas as classes mais bem situadas dos comerciantes, fabricantes e artesãos. Eles possuem uma grande casa social, a Germania, e numerosas sociedades humanitárias e sociais." (op. cit. 751)

O texto de Heiderich oferece, em tipos menores, uma visão das outras cidades do Estado, salientando também aqui aquelas de população alemã. Menciona que, mais a norte de Porto Alegre, a pequena cidadezinha de São Leopoldo, com ca. de 4000 habitantes, na sua maioria de língua alemã, possuia várias instituições de ensino. Nas fazendas das vizinhanças viviam numerosos alemães em boas condições materiais. Cita, ao norte de São Leopoldo, a colonia de Nova Petrópolis e a Colonia Mundo Novo com o seu povoado principal Taquara. Essas colonias, assim como aquelas localizadas mais a oeste de Maratá, Bom Principio, Escadinha, Feliz, Santa Maria da Soledade, eram habitadas exclusivamente por colonos alemães. Nas colonias Conde d'Eu, Dona Izsbel e Caxias, viviam, ao contrário, sobretudo tiroleses estrangeiros ("Wälshtiroler") e lombardos. Entre os rios Caí e Taquarí localizavam-se as colonias alemãs Estrela e Teutonia, e, no Rio Taquari, Conventos, Mariante, Forqueta, Neu Berlin e Santa Emilia. Heiderich cita os povoados de Vila Teresa e Vila Santa Cruz, pouco mais ao norte do Jacuí, salientando tratar-se aqui de região de intenso cultivo do tabaco. A nordeste de Santa Cruz, cita a Colonia Monte Alverne e, mais a oeste, com ela se limitando, a Colonia Rio Pardense. Esta é salientada por Heiderich como estando em pleno florescimento, tendo como principal cidade a localidade chamada de Germania. No alto Jacuí, por fim, localizavam-se a Colonia S. Angelo, com ca. de 4000 alemães e, a oeste, a cidadezinha de Santa Maria da Boca do Monte, quase que só habitada por alemães.

Das regiões mais a oeste do Estado, Heiderich cita, entre as mais significativas, as localidades Alegrete, com ca. de 5000 habitantes, e Uruguaiana, ás margens do Uruguai, cidade portuária de importância, com ca. de 5000 habitantes. Menciona também, às margens do mesmo rio, Itaqui, com 3000 habitantes, e São Francisco de Borja, com 4000 almas. As localidades do planalto mais ao norte citadas por Heiderich - Cruz Alta, Mato Castelhano, Passo Fundo e Lagoa Vermelha - são descritas como sendo sem maior significado, não tendo uma população de mais de 2000 pessoas. Das regiões ao sul do Jacuí cita Bagé, com ca. de 8000 habitantes, mencionando ser centro de distritos pecuários de posses materiais. Pelotas, no Rio São Gonçalo, próximo à sua desembocadura na Lagoa dos Patos, é descrita como sendo uma cidade bela, habitada por numerosos alemães. A 21 km ao norte localizava-se a Colonia São Lourenço, em região muito fértil, habitada sobretudo por alemães da Renânia e da Pomerânia. Também na cidade portuária de Rio Grande (São Pedro do Rio Grande do Sul) na entrada da Lagoa dos Patos, com ca. de 20.000 habitantes, o elemento alemão estava segundo Heiderich excelentemente representado, ainda que localizada localizada em terreno arenoso. Do outro lado do Rio Grande, à outra margem do canal, situava-se o pequeno porto São José do Norte. Por fim, Heiderich menciona a pequena cidade portuária de Torres, que se transformava cada vez mais cidade balneária. Nas suas proximidades localizavam-se as Colonias São Pedro e Três Forquilhas, que produziam mandioca e cana-de-açúcar. (op. cit. pág. 752)


Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Conhecimentos do Brasil na Boêmia VI. Santa Catarina e Rio Grande do Sul na versão de Franz Heiderich (1893) da Descrição Geral do Globo de Adrian Balbi (1782-1848)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 133/18 (2011:5). http://www.revista.brasil-europa.eu/133/Franz-Heiderich-Adrian-Balbi.html




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