Luise Ey, Carolina de Michaelis e Bernard Schädel. Revista BRASIL-EUROPA 130/5, Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa. Organização de estudos culturais em relações internacionais



Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revendo documentação referente à história institucional dos estudos relacionados com Portugal, o Brasil e a Alemanha, constata-se uma singular atenção a comemorações de personalidades e fatos históricos nos anos de 1934 e 1935.


Essa frequência de atos comemorativos pode ser vista como testemunho do particular significado que passava a ser reconhecido nas relações entre o mundo alemão e o de língua portuguesa.


Esse reconhecimento levava a uma valorização mútua do trabalho realizado por determinadas personalidades e instituições em Portugal e na Alemanha e vinha de encontro a intuitos de aproximação das duas nações.


Esses intuitos não eram apenas de natureza específicamente acadêmica. Correspondiam a uma situação política marcada por afinidades no sistema de govêrno e de concepções nacionalistas e totalitárias das nações envolvidas.


As comemorações de nomes e entidades, oportunas nessa situação, representavam, sob determinados aspectos, apropriações ou mesmo instrumentalizações de obras de vida e de desenvolvimentos.


Nem todas as personalidades então lembradas haviam atuado segundo as concepções políticas que determinavam os intuitos comemorativos. A consideração diferenciada dos motivos condutoras da ação desses estudiosos representa, assim, uma exigência para a pesquisa e não deve ser turvada pelo interesse dado ao intercâmbio entre a Alemanha e Portugal sob o signo das afinidades políticas dos dois países na década de trinta.


Portugal na Alemanha: Luise Ey (1854-1936) homenageada em Portugal


Luise Ey
O Diário da Manhã publicou, no dia 16 de fevereiro de 1934, um artigo de Manuel de Paiva Boleo (1904-1992), leitor de português na Universidade de Hamburgo, em homenagem a Luise Ey/Luiza Ey, que completava os seus 80 anos no dia 18 daquele mês. (Veja a respeito de Boleo http://www.revista.brasil-europa.eu/124/Brasil_na_Europa.html). Luise Ey ensinara português em Hamburgo por mais de 14 anos, primeiramente no Instituto Colonial, a partir de 1909, e, posteriormente, entre 1919 e 1923, na Universidade.


O autor inicia o seu texto lembrando que essa data não deveria passar despercebida em Portugal. Alguns organismos oficiais e outras personalidades já haviam sido informadas do fato, importava, porém, chamar a atenção de todos os portugueses, despertando um sentimento de gratidão para com uma personalidade a quem a divulgação da língua portuguesa na Alemanha talvez mais devesse nos últimos vinte e cinco anos. Assim, Manuel de Paiva Boleo transmitia aos portugueses o endereço da homenageada, sugerindo que a ela fossem endereçados cumprimentos e preitos de gratidão.


O texto de Manuel de Paiva Boleo baseou-se em visita que havia feito há poucos meses a Luise Ey.


Luise Ey era autora de várias gramáticas, de métodos práticos de aprendizado da língua e de um dicionário, com o auxílio dos quais talvez milhares de alemães tinham aprendido a ler, escrever e falar o português. Manuel de Paiva Boleo salienta os grandes esforços que esses trabalhos exigiram da autora. Para a elaboração do vocabulário alemão-português e português-alemão, Luise Ey trabalhara mais de seis anos, com uma média de dez a quinze horas diárias. Para elaborar o seu curso de português sem mestre, segundo o método de Toussaint-Langenscheidt, consagrara ca. de doze anos às pesquisas e à sistematização dos conhecimentos. Para poder realizar esse trabalho, Luise Ey fora obrigada a deixar de lado os seus trabalhos domésticos, contratando até mesmo uma pessoa para substituí-la nas suas obrigações de mãe.


Entretanto, Luise Ey não recebera recompensa à altura por todo o seu trabalho a favor da língua portuguesa na Alemanha. Lembrando que um trabalhador que consagrasse a sua atividade interamente a uma obra encomendada, deveria poder viver dessa obra, Manuel de Paiva Boleo lembra que Luise Ey não o teria podido fazer, sendo até mesmo obrigada a sustentar processos contra o seu editor. A gratidão dos portugueses viria, em parte, suprir essa injustiça.


Portugal na Alemanha
Na área da literatura, Luise Ey organizara uma coleção de escritores portugueses recentes (Neuere portugiesische Schriftsteller), publicada pela casa J. Groos, de Heidelberg.


Os volumes publicados, com introduções de Ey, foram dedicados a José Francisco Trindade Coelho (1861-1908), Abílio Manuel Guerra Junqueiro (1850-1923), Julio Dantas (1876-1962), António Correia de Oliveira (1878-1960) e José Maria Eça de Queiróz (1845-1900). Particularmente intensa foi a sua influência sobre Trindade Coelho. A seu pedido, o escritor português escreveu a sua autobiografia e redigiu as cartas publicadas em 1910.


Luise Ey traduziu, em verso, a Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas, representada em vários teatros da Alemanha. Em artigos publicados em jornais e revistas, procurou difundir a prosa e a poesia de Portugal. Por ocasião da viagem do Imperador alemão a Portugal, em 23 de março de 1905, traduziu e difundiu o prólogo do D. Jaime, de Tomás Ribeiro (1831-1901).


Manuel de Paiva Boleo salientou, no seu artigo, a sensibilidade artística de Luise Ey e o seu amor pela Natureza. Após ter concluída a sua formação literária, frequentando a Academia de Música de Berlim, Luise Ey alcançou renome como pianista. Em Portugal, foi aluna de Teixeira Lopes na arte de modelar.


Enquanto viveu em Portugal, procurou, ao lado de suas atividades docentes em colégios e casas particulares, conhecer o país e suas paisagens em longas andanças. Esse espírito de pedestrianismo alemão de Luise Ey não era derivado apenas de um interesse turístico superficial, mas sem de uma devoção para com o mundo natural.


Em artigo escrito em 1912 sobre a sua amiga D. Carolina Michaelis de Vasconcelos, confessara ter encontrado em Portugal uma segunda pátria. Apesar de manter profunda consciência de sua "alemanidade", o seu pensamento ter-se-ia mantido continuamente prêso a Portugal e à língua portuguesa.


Manuel Paiva Boleo sugere, no seu texto, os elos de Luise Ey com o movimento feminino alemão. Menciona algumas de suas contribuições aos jornal feminino bi-semanal Korrespondez Frauenpresse, onde procurou difundir aspectos da cultura e das tradições portuguesas. Assim, a 25 de julho de 1932, publicou Reise und Kulturbilder aus Portugal, onde salientou a beleza da paisagem e do mar do Minho; a 30 de março de 1933, escreveu texto sobre a "Sabedoria popular portuguesa" expressa em provérbios, comparando-os com equivalentes alemães.


1935: dez anos de relações culturais da Alemanha com o Estrangeiro


Seguindo-se às comemorações de Luise Ey, o ano de 1935 foi marcado pelas comemorações dos dez anos do Instituto Alemão de Coimbra.


Hamburg. Foto A.A.Bispo
O Ibero-Amerikanischer Rundschau, de Hamburgo, publicou, a respeito, um pormenorizado artigo de Ernst Gerhard Jacob, de Leipzig, um autor que gozava de renome como especialista em história colonial e assuntos correlatos (Ernst Gerhard Jacob, "Das Deutsche Institut in Coimbra 1925-1935", Ibero-Amerikanische Runschau, Hamburg 6/1935).


Esse texto merece ser relido por diferentes razões.  Uma delas é a de que representa  mais um testemunho do interesse por Portugal na Alemanha em meados da década de 30, com características que apenas podem ser entendidas sob o pano de fundo do desenvolvimento político-cultural dos sistemas autoritários dos dois países.


O texto serve para chamar a atenção dos leitores do trabalho já desenvolvido no âmbito da intensificação das relações entre a Alemanha e Portugal. Assim como a passagem dos 10 anos da existência do "Instituto Alemão" foi comemorada em Portugal, servindo à memória da colonia alemã à luz dos intuitos político-culturais, esse artigo testemunha a sua comemoração na Alemanha, também servindo à memória, desta vez dos círculos interessados e especializados alemães.


Ernt Gerhard Jacob inicia o seu texto lembrando que dez anos antes, ou seja, em 1925, o nome "Coimbra" era praticamente desconhecido da maior parte dos alemães. Apenas em círculos acadêmicos dedicados à ciência da cultura românica sabia-se da existência da famosa e tradicional cidade universitária portuguesa, há séculos o centro intelectual de Portugal.


O ano de 1925 representara, para Jacob, uma data importante na história das relações culturais e políticas da Alemanha para com o Estrangeiro. Fora marcado por conferências políticas (Locarno) e pela fundação de instituições culturais, como a Academia Alemã, em Munique. Nesse ano, o Senado da Universidade de Hamburgo, partindo de iniciativa vinda de Portugal, havia feito um apelo a todas as escolas superiores e editôras da Alemanha para que apoiassem a fundação de um Instituto Alemão na Universidade de Coimbra. Fora essa, para o autor, a primeira vez que o nome de Coimbra tornara-se presente na Alemanha. A atenção de muitos círculos voltara-se, de repente, a Portugal e à sua tradicional universidade. Com gratificante surprêsa, tomou-se consciência que existia um importante centro de cultura alemã no distante país do extremo Ocidente.


Nos anos que se seguiram, muitas vezes de forma despercebida na própria Alemanha, muito se fizera no Exterior a favor da cultura alemã, assim como de suas relações com o Estrangeiro. Entre essas iniciativas, o Instituto Alemão de Coimbra assumia uma posição de destaque. Representava a Alemanha num antigo centro cultural nos limites da Europa e, reciprocamente, tornava Coimbra familiar em toda a Alemanha. Coimbra resplandecia na História da Cultura do espírito como símbolo irradiante do intercâmbio e do desejo de entendimento entre a Alemanha e Portugal.


Ernst Gerhard Jacob salienta que, nos anais do Instituto Alemão de Coimbra, via-se, na primeira página, em letras douradas, o nome de uma alemã, Carolina Michaelis (1851-1925), filha de um professor de Berlim e espôsa do historiador de arte Joaquim de Vasconcellos (1849-1936). Com o seu trabalho de décadas, e tendo lecionado língua e cultura alemã em Coimbra de 1911 a 1925, lançara as bases para o Instituto Alemão.



Bernhard Schädel (1878-1926): "Apóstolo de Portugal na Alemanha"


Um de seus alunos, João da Providencia Sousa Costa, desenvolvera o plano de criação de um Instituto Alemão na Faculdade de Letras da Universidade. Ernst Gerhard Jacob salienta o fato de ter sido Providencia Sousa Costa apoiado por Bernhard Schädel, o fundador do Instituto Ibero-Americano de Hamburgo, em 1927.


Em 1924, em nome da união das escolas superiores alemãs (Verband deutscher Hochschulen), Bernhard Schädel viajou a Portugal com a finalidade de examinar as possibilidades de um intercâmbio cultural mais intenso entre a Alemanha e Portugal. Encontrou, em Coimbra, o centro mais receptivo para tal intento. Ali já existia, desde o século XIX, uma tradição de estudos da literatura e da filosofia alemãs. Na disputa literária coimbrã, de 1865, de relevância para o desenvolvimento da literatura portuguesa, constatou-se a predominância da orientação alemã sob a liderança de Antero de Quental (1842-1891) e de Teófilo Braga (1843-1924).


Providencia Sousa Costa e Bernhard Schädel fundaram, em novembro de 1924, uma Sala de Leitura Alemã na Faculdade de Filosofia, berço de origem do Instituto Alemão. Em março de 1925, Schädel lançou, então, o seu apelo de apoio a Coimbra às instituições alemãs.


O "Dia Alemão" em Portugal em jornais na Alemanha



Um relato sobre as solenidades realizadas em Coimbra pela passagem dos dez anos do Instituto Alemão foi publicado pelo Berliner Börsenzeitung a 1 de novembro de 1935 ("Deutscher Tag in Portugal", Berliner Börsenzeitung, 1. November 1935).




Além do embaixador Barão von Huene (Veja artigo a respeito nesta edição), estiveram presentes prestigiadas personalidades da colonia alemã em Portugal, sobretudo na abertura de uma exposição gráfica alemã, na sessão solene e no chá e baile que se seguiram.


O ministro responsável pela instrução, Eusébio Tamagnini (1880-1972), assim como o fundador do instituto, Providencia e Costa, além de decanos e muitos professores assistiram aos atos. Em vários pronunciamentos salientou-se a excelência das relações políticas e culturais teuto-portuguesas. Finalizando o ato, o embaixador alemão ofereceu a cruz da Cruz Vermelha alemã ao ministro Tamagnini e ao diretor do instituto.


O artigo dedicou um amplo espaço à história da Universidade de Coimbra. Lembrou que a fama de Coimbra remontava à alta Idade Média. Antes um local de peregrinação ao lado de Salamanca para todos os estudiosos, a universidade tinha sabido manter através dos séculos tradições do grande passado de Portugal. Nesse contexto, o leitor alemão teve a oportunidade de tomar conhecimento das tradições acadêmicas de Coimbra e do significado de algumas de suas expressões.





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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.."Luise Ey (1854-1936) e Carolina de Michaelis (1851-1925). O Instituto Alemão de Coimbra e Bernard Schädel (1878-1926) - o 'Apóstolo de Portugal na Alemanha'. Relembrando comemorações sob o signo da política de intercâmbio luso-alemão em 1934/35 (I)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 130/5 (2011:2). http://www.revista.brasil-europa.eu/130/Luise_Ey.html


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 130/5 (2011:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
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Doc. N° 2719




Luise Ey (1854-1936) e Carolina de Michaelis (1851-1925)
O Instituto Alemão de Coimbra e Bernard Schädel (1878-1926)
-  o "Apóstolo de Portugal na Alemanha" -

Relembrando comemorações sob o signo da política de intercâmbio luso-alemão em 1934/35 (I)

Ciclo de estudos Portugal-África-Alemanha-Brasil em Frankfurt a.M. e outras cidades pelos
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