Judeus na vida musical dos EUA. BRASIL-EUROPA 129. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Iniciativas e políticas de difusão cultural e das artes, nos seus múltiplos aspectos, constituem objeto importante nos estudos de processos culturais. O reconhecimento desse fato, em meados da década de sessenta do século XX, expressou-se na denominação, da entidade fundada em São Paulo (Nova Difusão) e que hoje constitui a Organização Brasil-Europa. Considerou-se, de início, sobretudo questões relativas a mecanismos, concepções e estrategias de difusão cultural no Brasil, em particular na esfera musical, onde a participação de artistas estrangeiros e a realização de concertos populares desempenharam papel relevante.

O direcionamento da atenção a contextos transatlânticos e interamericanos oferece a possibilidade de comparação de situações, do reconhecimento de similaridades e diferenças, assim como da inserção da problemática brasileira em processos de maior amplitude.

Se a promoção, a divulgação, a atuação e a recepção de artistas estrangeiros e seus repertórios no Brasil representaram importante escopo dos estudos, o mesmo acontece com a participação de artistas brasileiros em empreendimentos de difusão cultural no Exterior. A diferente perspectiva na apreciação da difusão cultural - agora a do brasileiro no estrangeiro - pode contribuir a procedimentos mais diferenciados de análise no próprio Brasil.

World-Famous Artists' Series

No âmbito das relações Brasil-Estados Unidos, um empreendimento de difusão músico-cultural realizado logo após a Primeira Guerra Mundial merece particular atenção: as "World-Famous Artists' Series" em Newark, Nova Jersey, iniciadas em 1919.

Tem-se, aqui, a possibilidade de examinar como um artista estrangeiro - no caso, uma brasileira - integrou-se em projeto de difusão cultural, e como este procurou corresponder a necessidades e interesses internos, aproveitando condições e possibilidades oferecidas por circunstâncias externas.

Tratando-se, no caso americano, de um empreendimento particular, que unia intenções de propagação e formação cultural com objetivos comerciais, a atenção é aqui dirigida mais explicitamente aos fatores econômicos atuantes em processos difusivos.

Evidencia-se, no caso de Newark, que não apenas questões de repertório, de difusão de autores, obras e estilos determinaram intentos de propagação cultural, mas sim interesses comerciais e exigências econômicas do ganho de vida de artistas. Estes, por sua vez, haviam sido em grande parte premidos a colocar os seus ideais artísticos a serviço de objetivos existenciais à época da Guerra, e agora aproveitam-se da situação favorável que se abria no país vitorioso. Fatores relacionados com a imigração ou com o retorno, e, assim, com processos identificatórios, agiram nas suas realizações.

Uma perspectiva exclusivamente histórico-musical no sentido convencional na análise de processos difusivos, dirigindo a atenção sobretudo a repertórios, não levaria ao reconhecimento adequado do significado de um empreendimento como as World-Famous Artists'Series sob o aspecto das relações Brasil-Estados Unidos, uma vez que nenhuma obra de autor brasileiro ali foi apresentada.

Também uma perspectiva exclusivamente histórico-econômica não seria adequada, oferecendo-se, para tal, objetos de estudos mais prometedores. Um enfoque teórico que considere os processos de formação e transformação de identidades em que se inseriam os artistas pode, ao contrário, revelar o significado dessa iniciativa para os estudos culturais.

World Famous Artists' Series. Arquivo A.B.E.

A realização de concertos populares, com preços acessíveis, na procura de atingir camadas da sociedade que não frequentavam salas de concerto, não era nova. Sobretudo em Paris, a instituição de concertos populares marcara a vida musical da segunda metade do século XIX e influenciara tendências estéticas e movimentos político-culturais (Veja artigo).

Nos Estados Unidos, porém, com a sua sociedade marcada pela heterogeneidade pluricultural e -étnica, essa tradição assumiu conotações próprias, dirigindo-se mais especificamente aos trabalhadores, operários, moradores de periferias e cidades marcadas pela industrialização, sem a pujante vida cultural dos grandes centros. 

Como o próprio texto de reclame das World-Famous Artists' Series explicava aos "amantes da música da cidade de Newark", o pioneirismo dessa iniciativa residia no fato de que pela primeira vez se criava a possibilidade de que aquela cidade tivesse um contato direto com os maiores artistas da época. Tratava-se de um intento decentralizador, no qual artistas que se apresentavam nas grandes salas de Nova York se dirigiam a uma cidade conhecida sobretudo pelas suas indústrias e pela alta porcentagem de africano-americanos, de judeus e imigrantes na sua população.

O acento do texto explicativo, porém, caía na possibilitação de tal empreendimento, ou seja, no alcance de "arrangements" que forneceriam as condições financeiras para a realização. Ao "management" da iniciativa era reconhecido, assim, papel fundamental no vir-a-ser da série. Sob a direção de Joseph A. Fuerstman, advogado de Newark, tinha-se encontrado caminhos para que mesmo pessoas de poucas posses pudessem assistir aos recitais, uma vez que as entradas eram de preços módicos, variando de 40 cents a um dólar por poltrona.

O empreendimento tinha uma intenção experimental. Serviria para constatar se Newark já estava apta, no seu desenvolvimento sócio-cultural, a comportar a apresentação de concertos de alto nível qualitativo. Os esforços feitos nesse sentido no passado não haviam chegado a resultados encorajadores. Antes de se trazer grandes orquestras, procurava-se, assim, sentir a receptividade do público através de recitais. Para isso, confiava-se no magnetismo dos grandes nomes.

A concepção do projeto baseava-se na atratividade que teria não uma apresentação isolada como no passado, mas sim uma série de oito recitais de artistas famosos, consagrados pelo público e pela críticas dos grandes centros culturais. Tratava-se de sentir se havia na cidade condições de público para ciclos ou estações de maior amplitude, incluindo várias apresentações.

A estrategia concepcional do empreendimento baseava-se expressamente no nome e no prestígio dos artistas. A atenção do público deveria ser chamada através dessas qualidades dos artistas como artistas, de seu brilho como personalidades, como executantes de altas qualidades técnicas e interpretativas, como virtuoses, prima-donas e divas.

O interesse não era dirigido primordialmente ao repertório, às obras apresentadas, mas sim ao intérprete. Correspondentemente, a divulgação foi dirigida no sentido de salientar características da personalidade e da capacidade dos intérpretes que irradiassem simpatia e atratividade, criando fascínio. A integração de um centro periférico, como Newark, no grande mundo das artes da cosmopolita Nova York dava-se, assim, não por uma programática de conteúdos, mas sim através da participação no encanto do mundo artístico através de glamour.

The Lauter Piano Company of Newark

O "arrangement" que possibilitou financeiramente a realização dessa iniciativa baseou-se fundamentalmente no comércio de instrumentos. Assim como em Nova York, em Boston e em outras cidades, - e como no Brasil -, as casas de pianos exerceram em Newark papel importante no estabelecimento de salas de concerto (Veja artigo). A cidade de Nova Jersey possuía já há décadas uma casa de venda de pianos bem estabelecida e em expansão, a Lauter Piano Company. À época de sua fundação, em 1862, na Broad Street, por S. D. Lauter (†1885), havia sido exclusivamente um casa comercial para a venda de instrumentos.

A partir de fins do século XIX, porém, sobretudo sob a administração de Charles E. Cameron, essa firma passara a fabricar pianos. Os pianos Lauter, hoje apenas conhecidos por antiquários, alcançaram considerável renome, sobretudo também fora dos Estados Unidos, uma vez que a firma se dedicava à exportação de pianos para o Caribe e a América do Sul.

A reconstrução da história dos pianos Lauter surge, assim, como em outros casos, de significado especial sob enfoques histórico-musicais em contextos globais (Veja artigo).

Após a Guerra, correspondendo à euforia geral, a firma possuia salas de amostras - Lauter & Co. Piano Warerooms - que, pela sua posição central na cidade, desempenharam papel de ponto de encontro de músicos e aficcionados. Assim, as entradas para as World Famous Artists' Series podiam ser ali obtidas.

New York. Foto A.A.Bispo©
Aeolian Hall, Newark, 895 Broad St.

Uma nova fase na história comercial de instrumentos musicais em Newark deu-se com a abertura do Aeolian Hall da The Aeolian Company, localizado em 895 Broad Str..

A companhia, na sua expansão, criava em Nova Jersey, em posição urbana privilegiada, um centro de vendas e uma sala de audições a exemplo daquela que criara em Nova York, em 1912, ainda que em menores dimensões. Ali vendia pianos Steinway, Steck, Stroud, tanto de cauda como de armário, oferecendo condições favoráveis de pagamento mensais e oferecendo abatimentos em troca de instrumentos antigos. Correspondendo à nova época posterior à Guerra, e às características sociais de Newark, o pêso dado no comércio da Aeolian residia na venda do Duo-Art Pianola, e do fonógrafo Aeolian-Vocalion. (Veja artigo)


Criando "World-Famous Artists"

Os artistas apresentados na série experimental de recitais de 1919 eram, com apenas uma exceção, jovens talentos em ascensão. A sua promoção como artistas de fama mundial exigia dos seus managers e daqueles da Série esforços no sentido de que fossem "vendidos" como personalidades excepcionalmente fascinantes e artistas de extraordinárias faculdades.

Tratando-se de artistas de tão diversas proveniências e disciplinas, um exame dos aspectos escolhidos pelos seus promotores para a exaltação de suas qualidades surge como significativo para estudos de formação de imagens que, em grande parte, fixaram nomes e determinaram carreiras.

Sophie Braslau (1892-1935)

A World-Famous Artists' Series foi aberta com um recital, a 2 de março de 1919, de uma cantora de renome em Nova York pelas suas apresentações no Metropolitan Opera, já agora na sua quinta estação: a contralto Sophie Braslau.

O nome do Metropolitan possibilitava, aqui a aura de prestígio que a série deveria irradiar. Além do mais, Sophie Braslau era filha de um médico prestigiado, o Dr. Abel Braslau, de origem russa, assim como a sua mãe, também judia, conhecida nos meios hebraicos da cidade.

Os promotores salientavam sobretudo a sua americanidade, o fato de ser um produto de professores americanos, ou seja, de cantores atuando nos Estados Unidos.

Ainda que tivera a sua arte reconhecida com o seu lançamento como Marina na ópera Boris Godunov, de Modest Mussorgsky (1839-1881), em 1913, o seu nome ficara ligado à sua recente participação no papel principal ópera Shanewis, do compositor americano Charles Wakefield Cadman (1881-1946), conhecido como o mais americano dos compositores, como criador e pesquisador empenhado na valorização da cultura musical nativa dos indígenas. A sua ópera Shanewis, levada no Metropolitan em 1918, na qual o compositor utilizou-se de melodias indígenas, correspondeu tanto ao entusiasmo nativista da nação vitoriosa que foi representada em duas estações em seguida.

Essa aura nativista de Shanewis emprestava a Sophie Braslau uma especificidade com conotações russo-americano-judaicas que explicava o seu sucesso em 1919, ano em que realizava nada menos do que 30 concertos, além de seus atuações regulares na ópera. Entre as críticas encomiásticas escolhidas pelos seus promotores, salientavam-se vozes de Richard F. Aldrich (New York Times), Pierre V. Key (New York World), W. J. Henderson (New York Sun), Walter J. Flanigan (Newark Evening News).

Mabel Garrison

Com referência à soprano Mabel Goshell Garrison Siemonn, os promotores da World-Famous Artists' Series salientavam também as suas origens americanas, de Baltimore, onde se formou no Peabody Institute, em 1911, a sua ascensão rápida dos coros de igreja ás alturas do Metropolitan Opera como cantora com inegualáveis coloraturas.

O americanismo de Mabel Garrison foi salientado sobretudo pelo seu empenho patriótico por ocasião da Primeira Guerra Mundial. Em Richmond, Virgina, cantara nas escadarias do City Hall, conseguindo subscrições de Liberty Bonds no valor de mais de $1.000.000 dólares. Havia, há pouco, realizado uma apresentação, juntamente com Enrico Caruso (1873-1921), em benefício de soldados italianos cegos durante a Guerra.

Mabel Garrison foi uma das cantoras que utilizava-se na época mais amplamente das possibilidades oferecidas pela técnica de gravação, registrando, para Victor Talking Machine Co. 31 discos entre 1916 e 1924. Com relação ao Brasil, entraria na história pela sua interpretação de peça da rara Perle du Brésil, de Félicien-César David (1810-1876). (Clement Barone 6136).

Leo Ornstein (1892-2002)

Na promoção do pianista e compositor russo Leo/Lew Ornstein, os organizadores da série de recitais salientaram também aqui as suas origens judaicas.

Para aumentar o fascínio pela sua personalidade e história de vida, descreveram como êle, nascido em aldeia próxima a Odessa, ao sair de uma aula de música, teria presenciado cossacos aprisionarem pessoas para a deportação à Sibéria. Os gritos e os lamentos das viúvas deixadas desamparadas nunca haviam sido esquecidos.

A seguir, passando a comentar as suas composições, avançadas, salientavam preventivamente ser êle "um futurista dos futuristas", fato que podia ser talvez compreendido a partir de suas experiências de juventude (!).

Também com relação a seu estilo de execução e interpretação, salientavam que, embora controverso, era considerado por grandes autoridades como o maior dos modernos compositores-pianistas, com uma tendência a interprétações simbólicas de obras alheias. Como vozes de críticos, citavam Horatio T. Parker (Boston Transcript) e Charles L. Buchanan (Harper's Weekly).

Max Rosen

Outro músico de origem judaica incluido na programação foi o do jovem violinista Max Rosen, então com apenas 19 anos. Também aqui os seus promotores procuraram cativar a atenção do público mencionando a sua história de vida.

Quando criança tocara violino em ruas até ser descoberto por uma senhora amante de música, que o encaminhou à violinista canadense Kathleen Parlow (1890-1963). Estudou posteriormente com David Mannes (1866-1950 e Leopold Auer (1845-1930), nas proximidades de Dresden e na Noruega, salientando-se, assim, também aqui, o contexto cultural judaico em que se inseria.

Rosen retornara aos Estados Unidos apenas em dezembro de 1917, tendo realizado o seu début com a Philharmonic Orchestra no Carnegie Hall. Entre as vozes encomiásticas citadas na divulgação, encontravam-se as de Henry T. Finck (New York Evening Post) e Richard F. Aldrich (New York Times).

Sascha Jacobsen (1895-1971/2):

Os violinistas judaicos e os músicos de ascendência russa estavam representados na programação também com Sascha Jacobsen, salientado como um mestre e um gênio do violino. Também a sua americanidade foi alvo de particular menção, pois comprovava não ser necessário sair dos Estados Unidos para se obteer uma sólida educação musical.

Embora nascido na Rússia, emigrara para os EUA com apenas 11 anos de idade, nunca mais tendo deixado o país. Havia recebido a sua formação com Franz Kneisel (1865-1926) e era visto como um dos mais promissores violinistas da geração mais jovem, com uma capacidade de introspecção, uma atitude e calma raramente encontradas em jovens de sua idade. Entre as vozes citadas, salientavam-se as de Pitt's Sanborn (New York Globe), W. J. Henderson (New York Sun) e Reginald De Koven (New York Herald)

John Powell (1882-1963)

A americanidade salientada na promoção dos artistas tinha a sua maior expressão no jovem pianista e compositor John Powell. Este havia em pouco tempo ultrapassado todos os demais pianistas americanos.

Nascido em Richmond, Virgina, a sua carreira surgia como tipicamente americana pela rapidez com que alcançou sucesso. Após o seu debut no Richmond Spring Festival, com apenas 12 anos, com o concerto em do menor de Beethoven, e estudos na University of Virginia em Charlottesville, realizara uma viagem a Viena, onde estudou com Teodor Leszetycki (1830-1915) durante cinco anos.

Passou a realizar viagens artísticas pela Europa, retornando aos Estados Unidos apenas durante a Guerra, em 1915. Enquanto viveu na Inglaterra, estabeleceu intensos contatos com personalidades da vida pública, sendo visto como um dos mais representativos músicos americanos.

Na América, passou a apresentar-se com as mais renomadas orquestras, mas o seu fascínio residia sobretudo nas suas próprias composições. Aqui se revelava sobretudo a americanidade de John Powell, pois utilizava-se de temas folclóricos colhidos por êle próprio em pesquisas de campo, sobretudo entre os trabalhadores negros das plantações. Passara a elaborar temas africano-americanos nas suas composições, o que se manifestou na sua Rhapsodie nègre para piano e orquestra.

Como comentários elogiosos a respeito de John Powell, os organizadores mencionam Henry T. Finck (New York Evening Post), H. E. Krehbiel (New York Tribune) e Max Smith (New Sork American).

Ernestine Schumann-Heink (1861-1936)

A única exceção, quanto à idade, nessa série de artistas participantes das World-Famous Artists' Series foi a contralto Ernestine Schumann-Heink. Os promotores do evento indicam sutilmente esse fato, salientando que o mais belo nessa grande diva seria o ter mantido a beleza de sua voz.  O público estava familiar com ela por mais de uma geração. E ainda que sempre se renovasse na sua tournée pelo país, continuava a ter auditórios repletos, com antigos admiradores e novos, como um ídolo de todo o povo.

Há muitos anos se apresentara ao público americano, pela primeira vez em Chicago, em 1898, e fizera nome como intérprete de obras de Wagner desde a sua primeira apresentação no Metropolitan, em 1899. Em 1909 cantara na primeira audição de Elektra, de Richard Strauss.

Apesar de sua origem austríaca, os divulgadores salientavam o seu profundo patriotismo norte-americano. Casada desde 1905 com um advogado de Chicago, e nacionalizada americana, empenhara-se de forma surpreendente ao lado dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial.

Assim como Garrison, Schumann-Heink tinha-se dedicado à obra patriótica do ano da entrada na Guerra do EUA, em 1917, deixando até mesmo de lado toda a sua atividade artística. Embora dois de seus filhos servissem nos exércitos alemães e quatro outros estivessem na armada e na marinha do seu país, ela própria levava tão a sério a sua cidadania americana que cantara para soldados em casernas em várias regiões do país, colaborando na venda de Liberty Bonds para a Cruz Vermelha. Tão grande foi o sucesso junto aos soldados que estes a nomearam, em 1917, coronel honorário do 21° Regimento de Infantaria. No ano em que cantava em Nova Jersey, coletava fundos para a edificação de um monumento aos caídos na Guerra a ser edificado no Balboa Park.

Guiomar Novaes (1895-1979)

É no contexto desses outros participantes das World-Famous Artists' Series que deve ser considerada a presença do Brasil nesse empreendimento de difusão cultural de Newark.

A divulgação da pianista brasileira no reclame da série apenas transmite os principais passos de sua surpreendente carreira e a sua juventude, então com 22 anos.

O fato de ter obtido o primeiro prêmio entre 388 candidatos no Conservatório de Paris foi salientado como uma promessa cumprida, pois já se tornara a primeira entre as mulheres nos palcos americanos da época e, possívelmente, de todas as eras.

A sua primeira apresentação nos Estados Unidos havia causado uma verdadeira ovação. Entre as vozes da imprensa, citam-se trechos de críticas de Henry T. Finck, onde é salientada como sendo a mais inspirada das pianistas do sexo fraco de todas as épocas, superando até mesmo Joseph Hofmann, "o mágico do piano" e à altura de Paderewsky. A divulgação inclui também opiniões de Horatio T. Parker (Boston Evening Transcript) e W. J. Henderson (New York Sun).


Conclusões a respeito da World-Famous Artists' Series

A consideração dos demais artistas da série demonstra claras tendências na escolha de nomes. Chama a atenção, assim, para além de se tratar, na sua maioria, de imigrados e retornados, a preponderância de artistas e contextos judeus, e em estreita vinculação, de músicos de ascendência russa.

A grande exceção é a da cantora de mais idade, de origem austríaca e que fizera o seu nome, antes da Guerra, sobretudo com obras do repertório alemão. Essa exceção é explicada pela extraordinária demonstração de patriotismo que dera durante a Guerra. Constata-se, assim, que o sentimento patriótico e a americanidade surgem como fatores fundamentais na escolha dos participantes, superando aqueles de natureza étnica. Tanto o indianismo de um Cadman e o fascínio pelas tradições africanas de um John Powell coadunavam-se nesse exacerbado sentimento patriótico e americano do país vitorioso. Uma Rapsódia Negra de Powell não surgia tanto como expressão de interesse por tradições africanas, mas sim como manifestação de nacionalismo patriótico.

A pianista brasileira, também ela não tendo permanecido na Europa devido à Guerra, não se enquadrava nas muitas categorias que determinara a escolha do programa. Ela não era judia, nem tinha ascendência russa. Somente a americanidade poderia explicar a sua tão grande aceitação, e os seus promotores a salientavam dizendo ser ela a primeira entre todas as mulheres já aparecidas nos palcos das Américas. Essa menção explica-se também pelo fato de ter a pianista brasileira, como as cantoras mencionadas, empenhado-se ativamente em concertos patrióticos.

Uma consideração mais pormenorizada do empreendimento de difusão cultural de Newark demonstra, assim, como um enfoque teórico-cultural que atente a processos identificatórios pode levar ao reconhecimento de significados de ocorrências históricas que, à primeira vista, não teriam maior interesse.

Joseph A. Fuerstman e a concorrência desleal na "metropolização" de Newark

Joseph A. Fuerstman, o promotor dessa série de concertos unia em si intentos idealistas e interesses financeiros. Era advogado e o presidente do Fuerstman Concerts, sendo que muitos de seus programas foram realizados no Mosque Theater em Newark. A pessoa e as atividades de Joseph A. Fuerstman necessitariam ser melhor estudadas. Documentos - correspondência comercial, material impresso, recortes de jornal relacionados tanto com as suas atividades de advocacia como de promoção de concertos e apresentações de dança encontram-se conservados nos arquivos da Nova Sociedade Histórica de New Jersey (The New Jersey Historical Society). Os documentos abrangem os anos de 1920 a 21 e 1936 a 1938.

Com o sucesso dos eventos de 1919, Joseph A. Fuerstman contratou outros artistas para a estação de 1920. Entre êles, previam-se recitais do harpista Alberto Calvi eom Ana Case no Recital Hall, Eugene Ysaye e Mischa Elman no Newark Armory.

Joseph A. Fuerstman foi vítima de um procedimento questionável da The National Symphony. Segundo o New York Times, de 25 de julho de 1920, a The National Symphony decidiu considerar Newark como parte do distrito metropolitano e levar as suas programações para aqueles que não podiam ir ao Carnagie Hall. Dos quatro concertos orquestrais, dois deveriam ser dirigidos por Artur Bodanzky e dois por Willem Mengelberg. Também se previam recitais.

A orquestra reconhecia estar Newark suficientemente preparada para o recebimento de concertos orquestrais de alta qualidade. O manager da orquestra, S. E. Macmillen, após uma cuidadosa análise, considerou a cidade suficientemente apta.

Dessa forma, o trabalho realizado pioneiramente por Fuerstman, com todos os riscos, foi aproveitado pela orquestra.

Tratou-se aqui claramente de um procedimento de concorrência questionável que prejudicou os interesses de Fuerstman, levando a protestos de sua parte, como registrado na New York Tribune a 23 de maio de 1920. A National Symphony, porém, não voltou atrás de suas intenções, afirmando pela imprensa que ao invés de serem rivais, deveriam cooperar, aumentando o número de ouvintes e amantes da música de Newark.

Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.."Presença hebraica em processos de difusão cultural e promoção artística nos Estados Unidos e a participação brasileira no The World-Famous Artists' Series de Joseph A. Furstman)". Revista Brasil-Europa 129/12 (2011:1).http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Judeus_na_vida_musical_dos_EUA.html



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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 129/12 (2011:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2698



Presença hebraica em processos de difusão cultural e promoção artística nos Estados Unidos
e a participação brasileira no The World-Famous Artists' Series de Joseph A. Furstman

Trabalhos da A.B.E. em Nova York, Los Angeles e Boston - Ano Edward MacDowell 2010 e Ano Listz 2011

 

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