Tradicionalismo escocês na América. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 



Army Museum Fort George, Halifax. Foto A.A.Bispo©

A A.B.E. vem desenvolvendo há décadas o seu programa de estudos destinado à renovação dos estudos transatlânticos, relacionando-os com os estudos interamericanos. Consciente de que os estudos transatlânticos têm sido marcados pela respectiva perspectiva de países bilateralmente envolvidos, sobretudo com base em elos derivados da história colonial, tem-se procurado analisá-las na sua inserção em contextos histórico-culturais. Transformando as próprias perspectivas transatlânticas e interamericanas em objeto de estudo, procura-se contribuir a uma atualização das reflexões sobre processos culturais, tornando-as mais adequadas a corresponder às tendências de aproximação das várias nações entre si, na Europa e nas Américas.


Relações transatlânticas e interamericanas e perspectivas historiográficas


O desenvolvimento de estudos culturais voltados às relações entre o Brasil e o Canadá, assim como entre o Brasil e os Estados Unidos, trazem à consciência a complexidade das perspectivas historiográficas das partes envolvidas.


Army Museum Fort George, Halifax. Foto A.A.Bispo©
O observador que se dedica ao Canadá encontra um país que manteve fortes elos de continuidade com a Grã-Bretanha através dos séculos, uma monarquia parlamentar, cujo Chefe de Estado é a rainha Elisabeth II, também rainha do Canadá, representada por um Governador Geral.


O observador depara-se, assim, com uma situação distinta daquela dos Estados Unidos, marcada pela independência das colonias da soberania inglesa em fins do século XVIII, o que determina fundamentalmente a consciência da nação, refletindo-se na historiografia - assim como em quase todos os campos do saber -, determinando até mesmo uma visão determinada das decorrências históricas e do vir-a-ser dos países do continente americano.


O observador encontra, também, no Canadá, uma considerável parcela populacional e regiões de língua francesa, assim como elos históricos, expressões e mesmo grupos com uma consciência de identidade marcada pela ascendência e pela cultura francesa, e que, como no caso de Québec, demonstra a sua força em tendências separatistas.


O observador constata, assim, de forma particularmente intensa, o cuidado que deve tomar em não assumir irrefletidamente enfoques particulares que possam levar a delimitações particularizantes, eventualmente impedindo o reconhecimento diferenciado de processos relevantes para estudos culturais em contextos globais.


Army Museum Fort George, Halifax. Foto A.A.Bispo©
Consciência histórica e sentimentos de lealdade


Um dos fatores que devem ser considerados nesse contexto diz respeito a expressões de sentimentos de lealdade. Para um canadense anglofone, consciente de seus elos históricos e culturais com a Grã-Bretanha, dos muitos sacrifícios e mesmo de perdas de vidas de seus antepassados em guerras ao lado da Inglaterra, leal e até mesmo vinculado por laços emocionais à Coroa, movimentos separatistas surgem como desintegradores e mesmo como expressão de infidelidade e falta da patriotismo.


Isso vale, para o passado, para aquelas colonias do Sul que se rebelaram contra a Grã-Bretanha, constituindo os Estados Unidos. Vale, ainda hoje, para aqueles que visam uma separação do Canadá marcado predominantemente por elos com a cultura francesa. Os independentistas das colonias que constituiram os Estados Unidos, por sua vez, viam aqueles que permaneceram fiéis à Grã-Bretanha como sustentáculos do poder colonial e avessos a ideais emancipatórios e americanos.


Essas reflexões poderiam ser aplicadas também ao contexto do observador brasileiro. Também no Brasil houve aqueles que permaneceram leais a Portugal à época da Independência, conscientes das suas raízes, dos sacrifícios de seus antepassados, cientes das dimensões mundiais de um projeto do Reino Unido. Esses lealistas do passado são esquecidos na historiografia ou vistos negativamente como adeptos do poder colonial e anti-patrióticos. Se o Brasil tivesse continuado unido a Portugal, o julgamento histórico seria diferente.


„O direito dos vencedores“, porém, não pode valer para estudos culturais preocupados na análise diferenciada de complexos culturais. Se assim o fosse, não se justificaria a preocupação atual de considerar-se mais adequadamente grupos minoritários e marginalizados nos estudos culturais.


Com a consideração da Nova Scotia, o observador deve estar consciente que se defronta com uma situação determinada pela perspectiva do poder colonial europeu e de desenvolvimentos decorrentes sobretudos de situações de lealdade para com êle. Exige, assim, um esforço de empatia, de tentar compreender visões do vir-a-ser histórico com as quais não está familiarizado, uma vez que a tendência dominante da historiografia dos países americanos é marcada por uma valorização de emancipações e independências.


Army Museum Fort George, Halifax. Foto A.A.Bispo©

Local de reflexões:  Museu militar do Fort George,  Citadel Hill


Nova Scotia assume, sob muitos aspectos, um significado especial nos estudos culturais em contextos globais, em particular naqueles marcados pela Grã-Bretanha. Desempenhou importante papel quando da formação da Confederação Canadense, em 1867, e, em 1868, foi a primeira colonia do Império britânico que alcançou direitos de administração própria.


O monumento histórico-arquitetônico mais significativo da principal cidade da Nova Scotia, Halifax, é o Fort George, localizado na colina da citadela, e que abriga um museu militar, o Army Museum. Esse museu, particular, instalado na Citadel‘s Cavalier Block, conserva objetos históricos e relíquias militares - medalhas, bandeiras, armas e uniformes - , oferecendo subsídios para o estudo da história da Nova Scotia nos seus elos com a Grã-Bretanha, nas suas inserções em guerras européias e nas suas relações conflitantes com os Estados Unidos do passado.


Army Museum Fort George, Halifax. Foto A.A.Bispo©
Nas proximidades da citadela encontram-se importantes edifícios da cidade, entre elas a Province House, prédio histórico construído entre 1811 e 1818, o Old Town Clock e o Halifax City Hall. A fortaleza não domina apenas uma elevação próxima à cidade, como em muitos outros casos, mas encontra-se praticamente próxima, a ela integrada.


Trata-se um fortaleza de amplas dimensões, em forma de estrêla, exemplo importante de arquitetura militar no continente americano, um patrimônio no qual também o Brasil se insere com as suas várias e importantes construções fortificadas do passado.


A sua posição estratégica de defesa é imediatamente reconhecível: situada ao alto de uma colina, inexpugnável na sua arquitetura, tendo a cidade a seus pés, dela se descortina livremente o porto de Halifax e as ilhas de George e McNab. Guarda, assim, hoje mais como um símbolo, um dos maiores portos do mundo, de de fundamental importância para os elos marítimos entre a América do Norte e a Europa Ocidental, controlando a rota do „Grande Círculo“ do Atlântido do Norte. A fortaleza, juntamente com outras fortificações de defesa do porto, fizeram de Halifax a base estratégica mais segura da Royal Navy no Este da América do Norte: Warden of The North.


A fortaleza, na sua configuração atual, é de época relativamente tardia, de 1856, quando foi completada, após 28 anos de trabalhos. O seu projeto seguiu, porém, uma tradição muito mais antiga, denotando inspiração na arquitetura militar do General Sébastien Le Prestre, Marquês de Vauban (1633-1707), construtor de fortalezas de Louis XIV, representante de concepções racionais de cunho matemático na arquitetura militar e na estrategia bélica. A adoção desses critérios na construção de fortalezas pelos inglêses manifestou-se também na de Québec, construida entre 1820 e 1831.


Army Museum Fort George, Halifax. Foto A.A.Bispo©
Bastião britânico perante a presença francesa na Acádia


Observa-se que as atuais representações e a imagem histórica do Fort George são fortemente marcadas por ocorrências e situações de meados do século XIX.


A fortificação da colina de Halifax, porém, é mais antiga. A sua necessidade decorreu, para a Grã-Bretanha, sobretudo da crescente presença francesa e da importância militar do forte de Louisbourg na década de 40 do século XVIIII. Tendo devolvido de novo aos franceses a fortaleza de Louisbourg, de acordo com o tratado de Paz de Aix-la-Chapelle, de 1748, os ingleses construiram, em 1749, um novo bastião de defesa na península Chebucto.


Defrontando-se com a necessidade de marcar a sua posição no litoral e, ao mesmo tempo de criar um ponto de defesa na península, viram na colina e no porto condições ideais para a solidificação de sua soberania. A citadela oferecia possibilidades para o abrigo da população em situações de ataques, o que valia também, no início, como prevenção a incursões de indígenas.


A 9 de julho de 1749, o Capitão Geral Edward Cornwallis (1713-1776), à frente de ca. 2500 colonos, ali chegou com a tarefa de fundar uma colonia protestante. Essa colonia e sua fortificação deveriam servir como uma cunha na área dominada pelos franceses ao norte, revelando-se posteriormente como de importância para separá-los dos independentistas das colonias do sul. A colonia foi denominada segundo o Lord Halifax, presidente da Câmara de Comércio da Grã-Bretanha. Após um ano, fundou-se, também, dentro do sistema de defesa, Dartmouth. O primeiro forte, na parte ocidental da cidade, era protegido por outros fortes: Horsemans Fort, Cornwallis Fort, Fort Lutrell e Grenadier Fort.



Presença militar britânica e elos de lealdade para com a Coroa


A forte presença militar britânica em Halifax garantiu a persistência de elos de lealdade para com a Coroa. O forte pode ser vista, assim, como um dos fatores determinantes de uma identidade marcada por laços emocionais e de fidelidade para com Grã-Bretanha, e que se expressa no apego a expressões tradicionais.


Em 1755, os inglêses expulsaram ca. de 12000 acádios de língua francesa e católicos da Nova Scotia. Em 1758, realizou-se a primeira assembléia de representantes e deu-se início à construção do porto, o que marcaria o destino da cidade, transformando-a também como base para ações contro o forte francês de Louisburg.


Essa fidelidade se manifestou em várias ocasiões bélicas, entre elas através da participação de Halifax como 14a. colonia inglesa na Guerra dos Sete Anos (1756-1763), assim como durante e após a Guerra da Independência Americana.


O significado da Guerra dos Sete Anos, da Prússia com a Grã-Bretanha e Hannover de um lado, a Áustria, França e a Rússia de outro, não pode ser suficientemente salientado nas suas relações com os interesses europeus nas colonias americanas e suas consequências para a América do Norte. Nela, a oposição entre a Grã-Bretanha e a França atingiu uma fase decisiva, levando à perda, pela França, da maior parte de seu império colonial e, consequentemente, à passagem dos territórios de história, cultura e língua francesa à Grã-Bretanha. Compreende-se, nesse contexto, o apoio francês à causa da emancipação das colonias americanas no decorrer da guerra da Independência.


Ao redor da década de 70 do século XVIII, Halifax, tornou-se base de operações terrestres e marítimas. Construiu-se, entre 1776 e 1789,  na sua colina fortificada, uma grande construção octogonal, com uma bateria de 14 fogos. O sistema de defesa foi constantemente ampliado e atualizado, e a sucessão das várias fortificações contribuiu até mesmo a que o nível da colina fosse constantemente elevado.


Loyalism de europeus e Black Loyalists


Uma das ocorrências aparentemente surpreendentes nesse contexto foi a vinda para a Nova Scotia de africanos e caribenhos, em particular jamaicanos. Esse fato histórico demonstra mais uma vez a necessidade de considerações mais diferenciadas de processos históricos, uma vez que o Loyalism ("United Empire Loyalists") é, em geral, associado apenas com europeus e seus descendentes, brancos, vindos para a Nova Scotia após o término da Guerra de Independência Americana.


Os "Black Loyalists", africanos livres, escravos libertos, pessoas de ascendência africana ou caribenha e suas famílias, que em parte tinham lutado a favor da Coroa com a expectativa de terras, vinham também à procura de abrigo em temor de uma situação marcada pelos interesses dos proprietários das colonias emancipadas. A comunidade de ascendência africana e caribenha na Nova Scotia cresceria no âmbito de ações anti-escravagistas da Grã-Bretanha, quando navios de tráfico em direção aos Estados Unidos passaram a ser atacados e os escravos, libertados, trazidos para a Nova Scotia.


Os sentimentos de lealdade para com a Grã-Bretanha e os elos afetivos com as tradições foram mantidos vivos devido à situação da região como bastião inglês à época de conflitos europeus resultantes da Revolução Francesa e das vitórias de Napoleão. Halifax, como posto britânico, inseriu-se cono contexto global criado pelas investidas bonapartistas na Europa e, como centro lealista, dos vizinhos estadounidenses independentistas e republicanos.



Consciência de legitimidade e aumento da população escocesa. Vinda de irlandeses


A força dos sentimentos de lealdade e o tradicionalismo da região não seriam compreensíveis sem a convicção de que a presença britânica baseava-se em antigos direitos, resultantes de descobrimentos e de antigas colonizações.


Já em 1620, o rei da Inglaterra havia declarado que a costa atlântica, da Acádia até a Baia de Chesapeake, na Nova Inglaterra, pertencia à Grã-Bretanha. Em 1621, Sir William Alexander, Earl of Stirling (ca. 1570-1640) recebera a autorização para uma primeira povoação, em Port Royal, e, em 1622, vieram os primeiros colonos da Escócia, criando-se baronatos como forma de estruturação administrativo-colonial. A importância simbólica dessa época remota da colonização de Nova Scotia para a consciência histórica revela-se na heráldica, sendo o Coat of Arms da Nova Scotia o mais antigo da Commonwealth fora da Grã-Bretanha.


Apesar do pouco êxito dessas remotas colonizações britânicas e de situações de alternância de poderio das décadas seguintes - a França fundara a Acadia em 1604 -, a Inglaterra teve reconhecida, em 1713, na Paz de Utrecht, o domínio da região, permanecendo francesas apenas algumas ilhas (Ile St Jean/Prince Edward Island e Île Royale/Cape Breton), onde os franceses levantaram o forte Louisbourg, guardando a entrada naval a Québec. Em 1763, também o Cape Breton tornou-se parte da Nova Scotia, vindo, para a sua colonização, escocêses de regiões montanhosas da Grã-Bretanha.


Entre 1759 e 1768, vieram ca. de 8000 plantadores da região da Nova Inglaterra, povoando o Annapolis Valley. Após a Guerra de Independência dos Estados Unidos, vieram mais 16000 loyalists para a Nova Scotia, e, para a parte central da Nova Scotia vieram ca. de 1000 escoceses de Ulster. No decorrer do século XIX, a situação econômica na Irlanda e na Escócia causaram a vinda de grandes contingentes de imigrantes ao Canadá, provindos sobretudo de zonas rurais e estreitamente vinculadas às tradições, marcando o caráter da Nova Scotia.



Significado do Fort George para a identidade de Halifax


A consideração do Fort George nos estudos culturais justifica-se pelo seu significado simbólico e determinante da identidade de Halifax, vigente no presente e constantemente renovado. Este manifesta-se no cerimonial diário do tiro de canhão e, em ocasiões solenes e festivas, em salvas de 21 tiros. Em datas especiais, como foi o caso do centenário, em 2006, quando realizaram-se encontros de corpos militares e bandas de música de várias regiões do Canadá.


O forte mantém um programa histórico, onde participam soldados do 78th Highland Regiment, do Third Brigade of the Royal Artillery, além de atores que representam comerciantes e pessoas do povo de meados do século XIX. Essas representações, assim como visitas acompanhadas procuram salientar o papel da Citadela na história de Halifax e da América do Norte.


Por ocasião das festas natalinas, realiza-se um Victorian Christmas, o que marca de forma particular a fortaleza aos olhos de seus habitantes. O observador externo, numa primeira aproximação, dificilmente associaria a Citadela de Halifax com concepções relacionadas com o Natal, e apenas reflexões mais aprofundadas revelam os elos e a sua relevância para estudos da imagologia cultural.


O Fort George não representa, assim, apenas um monumento histórico que domina a cidade de Halifax, mas sim um palco de encenações que oferecem possibilidades para um frequente reviver de ocorrências históricas que marcaram a consciência e a auto-imagem da comunidade. Como em outros contextos, essas encenações podem ser analisadas sob a perspectiva do estudo de processos de formação identificatória e afirmação diferenciadora de grupos. A atenção passa aqui a ser dirigida às imagens, à percepção de seus significados imanentes e de suas normas condutoras.


Tradições escocêsas e Celtic music na Nova Scotia


Sob o pano de fundo das circunstâncias históricas da fundação, da função da colonia de Halifax e da configuração populacional da Nova Scotia em geral, compreende-se o significado do cultivo de tradições escocêsas na região e a vitalidade da Celtic music no panorama da música popular de várias cidades.


Se alguns dos músicos regionais não apresentam elos mais estreitos com tradições escocesas, outros, porém, de famílias da Nova Scotia, ainda que provindos de outras regiões do Canadá, salientam-se como marcados pela cultura musical tradicional, o que se manifesta, entre outros aspectos, na tradição do canto de  baladas.


Há musicistas que procuram conscientemente expressões associadas com raízes celtas, baseando-se em práticas vocais, instrumentais e de dança transmitidas sobretudo em pequenos povoados, onde, em salões comunitários, baila-se ao som de fiddle e piano, podendo-se a êles ajuntar-se um violão.


Essas práticas, que agora experimentam uma valorização, são vistas como tradições que remontam ao povoamento por colonos vindos dos planaltos da Escócia, região montanhesa conhecida pelo seu apego a tradições. Tem-se, assim, a consciência de que, em regiões mais isoladas do Canadá, como Cape Breton, sobrevivem remoas formas de expressão e práticas musicais. Na parte mais ao sul de Cape Breton, devido à imigração irlandesa, constata-se particular intensidade de expressões musicais tradicionais da Irlanda.


A música para fiddle da Nova Scotia desempenha papel significativo em festivais de cultura celta. A popularidade dessas expressões e a consciência do valor das tradições musicais populares levam também a relações criativas com a "música antiga" de músicos acadêmicamente formados, enriquecendo mutuamente praticas de execução com instrumentos históricos e aquelas de cunho popular tradicional.


Constata-se, assim, estreitas relações entre pesquisadores, executantes de fiddle, cantores populares que se acompanham ao violão e músicos que, conscientemente, procuram difundir expressões e práticas musicais de conotação celta.


Se na região de Cape Breton a música para fiddle é mais acentuada, dando sequência à tradição de músicos de renome, como  Winston "Scotty" Fitzgerald, em Halifax, cidade maior e cosmopolita, constata-se antes interferências criativas com correntes atuais da música popular internacional.


A difusão da celtic music da Nova Scotia através de gravações possibilitou que essa se tornasse popular mesmo em regiões do Canadá de expressão cultural francesa. Pode-se, assim, encontrar musicistas que se inspiram em tradições escocêsas e irlandesas em ruas de Québec.


Gaita de foles


Ao lado do fiddle, a gaita de foles é o instrumento mais conotado com a cultura tradicional de remota proveniência escocesa e de maior significado como expressão da identidade cultural da Nova Scotia.


Ainda que presente em práticas populares, a sua importância para a consciência histórica da região se manifesta sobretudo no seu uso regular no Fort George em Halifax. O toque da gaita de foles pertence aqui a uma encenação histórica que assume o caráter de um cerimonial desempenhado com a seriedade de soldados compenetrados da importância de sua função.


Como acima mencionado, para além de ocasiões solenes e comemorativas, o ponto alto da vida cultural da citadela de Halifax ocorre à época dos festejos natalinos. O pesquisador familiarizado com os estudos de organologia simbólica percebe aqui a vigência de imagens de remotas proveniências. Essas imagens possibilitam, de forma para muitos inesperada, reconhecer elos comuns com antigas expressões da cultura portuguesa, de relevância também para os estudos brasileiros.


A gaita de foles na Nova Scotia surge como um vínculo com as terras altas da Escócia, com o mundo do homem das montanhas, não com o homem do mar. É o instrumento dos pastores, vinculado à vida animal, trazendo em si própria, não raro, atributos animais, como o próprio fole, antes de couro. O seu uso por soldados do 78th Highland Regiment denotam esse elo de lealdade para com o mundo montanhês da Escócia.


Também em Portugal e na Galícia a gaita de foles pertence a um patrimônio cultural que era particularmente vivo à época dos Descobrimentos. Como tratado em publicações e eventos da A.B.E., não se tem considerado suficientemente a importância da gaita de foles nas viagens dos portugueses e em estudos de encontros músico-culturais.


Tem-se referências, em documentos da época, que gaitas de foles foram levadas por marinheiros vindos do interior de Portugal nos navios, soando em costas da África, e mesmo por ocasião do Descobrimento do Brasil, como tem sido diferenciadamente discutido.


A construção artesanalmente difícil do instrumento levou que a saída de músicos e instrumentos causasse até mesmo faltas na vida festiva de aldeias interioranas de Portugal, que perderam a sua alegria, silenciando-se. Poder-se-ia ver, aqui, uma das razões da diminuição da presença do instrumento no populário português de séculos posteriores.


A dificuldade artesanal na construção do instrumento impediu, também, que fosse produzido e se tivesse implantado nas regiões descobertas. A função eo  significado - e talvez mesmo características da música produzida pela gaita de foles - foram assumidas por outros instrumentos e marcaram, assim, expressões musicais que se mantiveram tradicionalmente.


Como os estudos organológicos de orientação cultural revelam, a gaita de foles possuia um importante significado imagológico, compreensível no conjunto das concepções relativas ao homem e vigentes nas festas do ciclo religioso.


Com as suas características "animais", era vista como um sinal do homem da velha humanidade, carnal, do mundo onde ocorreu o mistério da incarnação da Sabedoria, ou seja, o instrumento dos pastores das montanhas representandos em presépios da época natalina, cuja música era imitada nas Missas pastorais da noite de Natal.


Era, assim, o instrumento de pastores, daqueles que conduzem o rebanho, em sentido figurado também de guardas que, numa citadela no alto da colina, têm como função vigilar e manter a paz nas zonas rústicas da nova Arcádia, a Acádia da Nova Scotia.


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:


Bispo, Antonio Alexandre. "Tradicionalismo escocês no continente americano e elos comuns com o mundo de formação portuguesa. Sentido músico-antropológico da gaita de foles". Revista Brasil-Europa 128/3 (2010:6). www.revista.brasil-europa.eu/128/Tradicionalismo-escoces.html




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 128/3 (2010:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2659



Tradicionalismo escocês no continente americano
e elos comuns com o mundo de formação portuguesa
- significado músico-antropológico da gaita de foles -


Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins
Army Museum Fort George, Halifax/Nova Scotia

 























  1. Fotos A.A.Bispo
    ©Arquivo A.B.E./I.S.M.P.S.e.V.

 

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