Triangulações mercantís e processos culturais. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 128/17 (2010:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2673


A.B.E.

Triangulações mercantís e cultura, comércio de escravos e discurso de liberdade
Paradoxias no estudo de processos transatlântico-interamericanos

Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins

Boston: Faneuil Hall, "Cradle of Liberty"

 
  1. Samuel Adams. Boston. A.A.Bispo©

  2. Boston. A.A.Bispo©

  3. Boston. A.A.Bispo©

  4. Boston. A.A.Bispo©

  5. Boston. A.A.Bispo©

  6. Boston. A.A.Bispo©

  7. Boston. A.A.Bispo©



  8. Fotos A.A.Bispo
    Arquivo A.B.E./I.S.M.P.S.e.V.



 
Boston. A.A.Bispo©

Os estudos transatlânticos são em geral desenvolvidos sob a perspectiva de relações bi-laterais, sobretudo naqualas baseadas na tradição de antigos vínculos coloniais e migratórios entre as nações. Assim, perspectivas referentes a relações transatlânticas na Alemanha diferem daquelas de Portugal, da França ou da Inglaterra. O Brasil tem-se inserido no transatlantismo marcado pela perspectiva portuguesa, fato compreensível devido à formação histórica do país.

A aproximação dos países europeus entre si no âmbito da União Européia, assim como daqueles do continente americano, por exemplo no contexto do Mercosul, exigem a reconsideração dessas tradições de enfoques bi-laterais a partir de perspectivas mais amplas no tratamento das relações entre a Europa e o continente americano.

Como a organização Brasil-Europa vem defendendo há décadas, sobretudo a partir de forum internacional realizado em 1983 pelos 300 anos da imigração alemã aos Estados Unidos, processos culturais transatlânticos necessitam ser considerados no seu estreito relacionamento com processos culturais interamericanos. Ao mesmo tempo, o interamericanismo exige a consideração da inserção de processos históricos no continente em contextos transatlânticos.

Nesse intento, não apenas desenvolvimentos mais recentes, mas a própria história das relações coloniais e de processos de emancipação dos países americanos passam a ser vistos sob novos enfoques.

Boston. A.A.Bispo©

Local de reflexões: Faneuil Hall, Boston

Boston. A.A.Bispo©
Um dos edifícios históricos de maior significado simbólico dos E.U.A. é o Faneuil Hall, em Boston, Massachusetts. É local onde vultos da história da independência americana realizaram discursos que marcaram época e influenciaram desenvolvimentos revolucionários que levaram à independência americana, entre êles Samuel Adams (1722-1803) e James Otis (1725-1783).

O Faneuil Hall pertence à série de monumentos da "rota da liberdade" (Freedom trail) que faz de Boston cidade de excepcional significado emblemático e histórico relativamente à independência das antigas colonias inglesas que constituiram os Estados Unidos.

À época revolucionária, até mesmo o indicador de tempo no alto do edifício - o Grasshopper weather vane - tornou-se um símbolo de Boston. Conhecer o seu significado foi visto como teste para saber se uma pessoa era ou não espião do govêrno colonial. Restaurado em 1992, o Faneuil Hall é considerado como National Historic Landmark e registrado no National Register of Historic Places.

Boston. A.A.Bispo©
O Faneuil Hall é um edifício presente na formação e na consciência histórica dos americanos, conhecido em todo o país. O seu significado simbólico manifesta-se na história política mais recente, continuando a constituir moldura a pronunciamentos de significado nacional. Assim, em 1979, foi palco do discurso do Senador Edward M. Kennedy, quando declarou a sua candidatura à presidência. Em 2004, ali falou o Senador John Kerry por ocasião das eleições presidenciais.

O Faneuil Hall possui também alto significado como centro cultural e artístico, sendo sede da Boston Classical Orchester.

Leituras do Faneuil Hall - Quincy Markt

Boston. A.A.Bispo©

O observador não-americano que visita o Faneuil Hall se surpreende em constatar que esse espaço, de tão excepcional importância histórica, integra um edifício de mercado, situado na Quincy Market, uma praça marcada pelo comércio e configurada por edifícios de grandes dimensões: além do citado Quincy Market, o North Market e o South Market.

O térreo do edifício é ocupado ainda hoje por um mercado que conserva algum mobiliário museal do passado.

A sala histórica, de monumentais dimensões e sempre ornamentada festivamente, trazendo insígnias patrióticas, quadros e bustos de vultos da história americana, situa-se no pavimento superior.

Mais acima, no quarto andar, encontra-se um dos mais importantes museus militares dos Estados Unidos, a sede principal da Ancient and Honorable Artillery Company of Massachusetts, presente no edifício desde 1746. Esse museu, que conserva uma valiosa coleção de relíquias de batalhas, medalhas, estandartes e quadros de combates e vitórias militares, apresenta salas altamente representativas, ornamentadas no sentido de despertar consciência patriótica e sentimentos de orgulho nacional.


Passada a primeira impressão, marcada pela força simbólica da sala histórica, do museu militar e da representativa escadaria solenizada com quadros de vultos históricos, o observador se conscientiza da singularidade do fato de vê-las integradas num edifício localizado em área marcada pelo comércio e que abriga um mercado no seu pavimento térreo.

Passando em revista o que conhece do Brasil e de outros países latino-americanos, dificilmente pode-se recordar de outros exemplos de casos similares, ou seja, de locais de tão alto significado histórico-nacional, cívico-patriótico e militar situados em andares superiores de um edifício de natureza tão prosaico-pragmática.


Conscientiza-se, assim, do fato singular de que grandes oradores do passado e do presente, assim como os seus ouvintes, assim como todos aqueles que ali participaram de atos que entraram na história americana tiveram que atravessar um mercado e entrar no edifício por uma porta ao lado daquela que leva às atividades mercantís e que, no passado, eram necessariamente acompanhadas por detritos e odores desagradáveis.

Assim refletindo, o observador sente-se tentado a ver não apenas o significado histórico da solene sala e do museu, mas sim também um sentido quase que emblemático do edifício no seu todo: acima da base constituída pela economia de mercado situa-se solenemente o espaço dos discursos da liberdade e da emancipação, mais acima, abrangendo o todo, cobrindo figurativamente o comércio e a liberdade, a força militar.

Expressão de determinada concepção do homem?

O edifício histórico, assim lido, propicia reflexões sobre relações entre processos econômicos, políticos e seu ideário e a história militar no passado e no presente americano. Recordando-se de outros edifícios de concepões e imagens que organizam atividades humanas e modêlos político-sociais num complexo global de múltiplos significados, como no Estado de Platão, percebe-se que o edifício de Boston representa uma configuração particular, apta de ser refletida nas suas associações e implicações.

Em todo o caso, diferindo do modêlo platônico, não são os filósofos que, como guardiães, combatentes do espírito, se encontram no alto do edifício, mas sim a artilharia que se encontra por cima dos pensadores que se pronunciam sobre a liberdade de mercado que deve reinar no pavimento inferior.

Refletindo-se, aqui, que o modêlo platônico não foi entendido através da história apenas como exemplo da organização do Estado no sentido de sua coletividade, mas sim também como representação figurada da disposição interna de potências ou faculdades do homem, pergunta-se se a disposição lida no edifício de Boston não possui também implicações antropológicas.

Ponto de partida: história do edifício

Uma questão que então se coloca diz respeito às origens e à história do edifício, à razão pela qual assumiu tal significado na história americana. Toma-se consciência, então, que as suas origens estão estreitamente relacionadas com o seu fundador: Peter Faneuil (1700-1743).

Não se trata, aqui, de um vulto da história das idéias, injustamente desconhecido por estudiosos estrangeiros, mas sim o de um comerciante que adquiriu grande fortuna, estando em condições de oferecer um mercado à cidade.

Essa oferta, feita em 1740, não foi aceita sem discussão pelas autoridades e pela população de Boston. Temia-se que a criação de um mercado público - ao contrário de entregas de mercadorias em domicílios - implicaria em detritos, ruídos e problemas derivados da concentração de atividades. Assim, em 1737, mercados construidos na cidade haviam sido destruidos pelo povo. Apenas poucos votos levaram a que Boston Town Meeting aceitasse a oferta de Faneuil. O edifício, assim, representou um marco na história do comércio da cidade, resultado de um desenvolvimento que justificava a sua existência e início de uma nova fase, caracterizada pela presença aberta, vigorosa e representativa do mercado público no espaço urbano.

Por fim aceito, o Faneuil Hall foi obra fo artista escocês John Smibert (1688-1751), entre 1740-1742, conhecido sobretudo como pintor, tendo inclusive retratado Peter Faneuil. O edifício correspondeu a modêlos tradicionais de mercados de cidades rurais da Inglaterra. Tendo-se incendiado em 1761, foi reconstruído em 1762.

No início do século XIX, o edifício foi ampliado por Charles Bulfinch (1763-1844), adquirindo o seu terceiro andar. Bulfinch é considerado como o primeiro arquiteto profissional nascido na América do Norte, autor de projetos de alto significado histórico, entre êles o Massachusetts State House, de 1798, o University Hall da Harvard University, em 1813/14, assim como do Capitólio de Washington na sua segunda fase (1846). Para os estudos culturais, assume particular significado o fato de ter sido o primeiro americano a realizar uma viagem ao redor do mundo, no navio Columbia Rediviva, sob o comando de Robert Gray (1755-1806).

As concepções estético-arquitetônicas de Bulfinch foram marcadas por impulsos neoclássicos recebidos durante uma viagem à Europa, de 1785 a 1787. O conhecimento da teoria da arquitetura da época explica a importância de concepções relativas à ordem expressa em colunas e capitéis nas obras do assim-chamado "estilo federal" americano. Também o Faneuil Hall passou a apresentar pilares dóricos nos dois primeiros pavimentos; para o terceiro andar, escolheu-se a ordem jônica. A reforma de Bulfinch correspondeu, assim, a um intento de dignificação do mercado.


Peter Faneuil  e o tráfico de escravos

Peter Faneuil foi um dos filhos de um de três irmãos huguenotes, que sairam da França após a revogação do Edito de Nantes, em 1685, e que se estabeleceram em New Rochelle, New York, e, posteriormente, na Massachusetts Bay, em 1691.

Já tendo vindo da França com posses, tornaram-se dos mais ricos habitantes de Boston. Peter Faneuil adquiriu nome quando, em 1728, ajudou um parente a fugir para a França depois de ter matado um contraente no primeiro duelo realizado em Boston.

Tornando-se membro da comissão de Boston e do comércio marítimo, revelou-se mercador extraordinariamente hábil. Ajudou a seu tio no estabelecimento de um comércio mercantil que compreendia regiões centro-americanas, tais como Antigua, Barbados, mas também a Inglaterra, a Espanha e as Ilhas Canárias. Com a grande fortuna que amealhou, viveu em luxo e prodigalidade.

Singular na perpetuação histórica do nome de Peter Faneuil no contexto dignificado expresso no edifício que doou é o fato de ter alcançado a sua riqueza em parte no tráfico de escravos.

O tráfico triangular nas relações transatlântico-interamericanas-euroafricanas

Esses elos de Peter Faneuil com o comércio entre regiões americanas, a Europa e a África dirige a atenção a uma estrutura no processamento de negócios que, embora considerada na história econômica e social, mereceria análises mais pormenorizadas sob o aspecto histórico-cultural das relações transatlântico-interamericanas.

Trata-se do triângulo de vias de tráfego constituído, nas suas arestas, pela ligação de continentes - América/Europa; Europa/África; África/América, sendo os ápices do triângulo respectivamente portos europeus, africanos e americanos.

As relações transatlânticas correspondem, nessa triangulação, às ligações América/Europa e África/América. Por essa razão, quando se salienta a necessidade de relacionamento de estudos transatlânticos com os estudos interamericanos, inclui-se aqui, naturalmente, as relações entre a África e o Novo Mundo. O elo Europa/África indicaria aqui relações euro-africanas, tão pouco consideradas nos estudos culturais.

As relações interamericanas fundamentavam-se sobretudo no fato de que a aresta do triângulo correspondente ao elo entre o continente africano e o americano podia levar ao Caribe, e de lá às colonias americanas, podendo transformar o triângulo em quadrilátero. Relativamente ao sistema referencial geográfico constituído pelos três continentes, essas interrupções - e que poderiam ocorrer também na Europa e na África - não modica o esquema básico de um triângulo.

A justificativa desse modêlo de estrutura triangular de vias de trânsito naval e de elos marítimos reside sobretudo nas diferentes características do comércio praticado nas diferentes arestas, integrados, porém, num todo complexo.

De forma sumária, pode-se descrever a rêde da seguinte forma: os navios transportavam escravos e produtos - sobretudo naturais - da costa ocidental da África ao Caribe e às colonias americanas; o resultado da venda dos produtos e dos sobreviventes era empregado na compra de produtos agrícolas que serviam como dinheiro vivo ("cash crops"), sobretudo açúcar, algodão ou tabaco; esses produtos eram enviados à Europa, sendo o resultado da venda empregado na aquisição de bens europeus, entre êles armas, roupas, panelas, outros objetos manufaturados e quinquilharias, enviados para a África, onde eram então vendidos em troca de bens naturais e, sobretudo, escravos.

Esse modêlo triangular serve, assim, sobretudo para elucidar a natureza do intercâmbio comercial segundo três fases de um processo. Não significa que não pudessem ocorrer variações e mesmo que o triângulo fosse realizado no seu todo por um mesmo navio. Os navios que faziam a rota África/América, dispostos de forma a comportar grande número de escravos, e que depois de limpos e desinfetados eram utilizados para o transporte de açúcar ou outros bens agrícolas, não se mostravam sempre adequados para tal carga. Voltavam, então, a seu porto de origem carregando bens de fácil aquisição nas Américas, preenchendo a sua capacidade vazia com lastros. O transporte humano, com as incertezas de duração de viagens, não permitia também manter datas determinadas de chegada, o que também teria contribuído ao desenvolvimento paralelo de navios para a consecução de outras arestas do triângulo.

Transformações do triângulo e diferenciações de processos transatlânticos

Uma das diferenciações do sistema foi condicionada pela distilação do açúcar. Os escravos trazidos da África, no Caribe, eram trocados por açúcar. Passando este a ser distilado na New England, produzindo-se rum, a sua venda possibilitava meios para a aquisição de bens manufaturados que eram enviados à África para a compra de escravos.

Dessa forma, aqui naturalmente apenas exposta de forma esquemática, o triângulo sofreu, gradualmente, uma modificação sensível. A aresta América/Europa passou a ser substituida por uma aresta interna ao continente, assumindo sobretudo New England a função da Europa na própria América. Com isso, também a aresta Europa/África foi substituída por outra: América/África. Grande parte dos mercadores eram da New England, especialmente da Rhode Island; entretanto, não se conhece comerciantes da região que tivessem completado todo o circuito triangular.

Poder-se-ia aqui visualizar geométricamente uma metamorfose do triângulo, agora já não definido basicamente segundo o critério geográfico determinado pelos três continentes. Geograficamente, ter-se-ia aqui sobretudo dois continentes envolvidos, a América e a África, podendo-se falar simplesmente em elos americano-africanos ou africano-americanos; quanto à função ou ao conteúdo dos elos, porém, ter-se-ia a manutenção do triângulo, apenas tendo-se a transferência de um de seus ápices para o próprio continente americano.

Poder-se-ia, assim, continuar a falar de processos americano-europeus e europeus-africanos, apenas que estariam, aqui, com essa assimilação do papel da Europa pela própria América, antes inseridos em processos interamericanos e americano-africanos. Essa transformação do triângulo poderia ser vista como um modêlo elucidativo, útil como esquema - ainda que por demais simples - para a análise do movimento emancipatório das colonias britânicas que constituiram os Estados Unidos.

Assim, Peter Faneuil levava escravos africanos para as Indias Ocidentais e trazia açúcar, também em forma líquida, às colonias americanas. Também trazia mercadorias da Europa e exportava rum, peixes e produtos, dedicando-se também à construção de navios. Dedicou-se, assim, tanto ao comércio transatlântico como ao litorâneo no próprio continente. Nem todas as suas atividades desenvolviam-se no âmbito da legalidade. Tinha, porém, a consciência da liberdade de comércio, vendo medidas controladoras como atos de cerceamento de liberdade.

A liberdade surge, neste contexto, basicamente compreendida como liberdade de tráfego, de livre uso de mares e de vias, na medida do possível sem isenções ou medidas controladoras, mesmo legais. A fundamentação argumentativa dessa exigência, de feição de ideário filosófico, surge como uma segunda etapa, um segundo pavimento de um edifício. Compreendida tal liberdade de comércio como um direito, dela deriva também a convicção de um direito de defendê-la, ainda que com o uso de armas.

O problema, nessa construção, evidencia-se na aquisição de escravos como pressuposto ou pelo menos fator de importância da triangulação. Para a aquisição de armas, bens manufaturados e quinquilharias, os africanos tinham que pagar, e os bens de maior valor eram os escravos. Para conseguí-los, precisavam desencadear guerras internas e saques.

Um ideario da liberdade derivado da liberdade do comércio, não é apenas luminoso; é acompanhado por uma terrível sombra, aquela de problemas derivados sobretudo de mecanismos que desencadeia, ainda que de forma indireta - problemas esses altamente questionáveis do ponto de vista ético.

Análises teórico-culturais de processos formativos nas colonias

Tais tentativas de análises, ainda que sumárias, podem fornecer subsídios para interpretações de  desenvolvimentos histórico-culturais e suas expressões. Exames mais propriamente de natureza teórico-cultural necessitariam, porém, considerar outros aspectos.

Se houve, no período pré-emancipatório um deslocamento de ápices e arestas do triângulo, de transferências de portos de origem da Europa à própria América, não se pode esquecer que o início do processo teve início na Europa.

Foram de determinadas camadas da população européia que vieram os maiores contingentes de seus colonos, no caso da América do Norte de círculos sobretudos marcados pela Reformação e pelo separatismo de protestantes ingleses, oposicionários a hierarquias e que procuraram o novo continente para alcançarem sucesso com maior liberdade. Seria no edifício de suas concepções e imagens - assim como nas suas fundamentações bíblicas - que deveriam ser procuradas bases para análises mais aprofundadas.

Esses europeus, nas colonias, não apenas transferiram situações conflitantes do Velho Mundo, mas passaram a estar sujeitos a processos transformatórios. Esses processos têm sido em geral considerados sob a perspectiva do não-europeu submetido à missionação e à cristianização, do indígena ou do africano; êles deveriam, porém, ser examinados também relativamente ao europeu colonizador e seus descendentes.

Se no caso do não-europeu cristianizado e seus descendentes tem-se salientado aspectos tais como instabilidade, labilidade, ao mesmo tempo ímpetos de auto-afirmação e superação, com consequências para as expressões culturais, esse campo de tensões necessitaria também ser examinado sob a perspectiva do agente europeu.

O ímpeto à superação, ao demonstrar que, na distante colonia, o marginalizado na Europa, na liberdade do Novo Mundo, pode fazer o mesmo, ainda mais e melhor do que o europeu, mesmo o de camadas mais privilegiadas da Europa, pode tornar compreensível uma tendência à imitação, à cópia, à reprodução em expressões culturais, em geral a ímpetos de emulação e superação. Para a compreensão mais aprofundada desses fenômenos torna-se necessário examinar ordenações de imagens na cultura.

O estudo dessas imagens e seus significados reconduzem, aqui, as atenções aos primeiros portos de origem da triangulação, e ali, no edifício de concepções da Europa é que devem ser procurados os fundamentos dos processos desencadeados, mesmo das concepções relativas à liberdade do comércio e a seu ideário como epifenômeno justificante, também com os seus efeitos colaterais negativos e eticamente insustentáveis.

O reconhecimento das expressões e das consequências dos processos postos em vigência, porém, dá-se a partir do exame histórico-cultural das ocorrências na América. Assim, estudos transatlânticos são necessários para ambos os lados, e esses não podem ser separados da consideração de desenvolvimentos ocorridos no próprio continente americano.



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Indicação bibliográfica para citações e referências:


Bispo, A.A. (ed.). "Triangulações mercantís e cultura, comércio de escravos e discurso de liberdade. Paradoxias no estudo de processos transatlântico-interamericanos". Revista Brasil-Europa 128/17 (2010:6). www.revista.brasil-europa.eu/128/Comercio-e-liberdade.html




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