Nova Inglatera na história do abolicionismo. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Os estudos culturais relacionados com os africanos e seus descendentes no continente americano representam parte integrante e fundamental de estudos de processos transatlânticos e interamericanos, implicando, também, em estudos de contextos euro-africanos e interafricanos.

Mais do que em muitas outras áreas de estudos, impõe-se aqui de forma particularmente intensa a necessidade de estudos fundamentados historicamente e de aprofundadas reflexões sobre as bases epistemológicas da pesquisa, de seus paradigmas, de suas perspectivas e de seus métodos. A alta carga emocional que se prende a questões relacionadas com a escravidão, assim como intenções de promover justiça e contribuir político-culturalmente à valorização da memória africano-americana e de suas expressões culturais podem levar a interpretações não fundamentadas e a construções históricas artificiais que se revelam por fim contraprodutivas aos próprios fins desejados, prejudicando processos de formação de consciência e de identidade com bases esclarecidas.

O significado da pesquisa histórica fundamentada e refletida manifesta-se nos museus de história africano-americana dos Estados Unidos. O The Museum of African American Story de Boston, também com um centro Nantucket, é o maior de sua natureza na New England, instituição exemplar dedicada à preservação de fontes, monumentos e locais de significado da história respectiva, procurando fomentar a sua interpretação adequada. Sem fins lucrativos, fundada em 1963, tornou-se conhecida em todo os EUA e também internacionalmente.

O trabalho dessa instituição assume sob diversos aspectos relevância para os estudos culturais relacionados com o Brasil. Demonstra que a pouca consideração da New England nos estudos relativos à história do abolicionismo das Américas significa uma lacuna que necessita ser superada.

The Museum of African American Story ao lado do Boston Athenaeum

O seu centro em Boston, situa-se significativamente ao lado do Boston Athenaeum, na Beacon Street, uma das instituições mais tradicionais da vida cultural dos Estados Unidos e secular centro intelectual de Boston, possuidor de grande biblioteca e museu, ao qual se vinculam nomes tais como  Daniel Webster (1782-1852), Ralph Waldo Emerson (1803-1882), e Henry Wadsworth Longfellow (1807-1882). Nele se conservam as bibliotecas de George Washington (1732-1799) e do General Henry Knox (1750-1806), assim como fotografias e documentos históricos, entre elas a coleção da King's Chapel, doada por Wilhelm III à Massachusetts Bay Colony.

Boston Athenaeum. A.A.Bispo©

O atual edifício, obra do arquiteto e pintor Edward Clarke Cabot (1808-1901), foi construído entre 1847 e 1849, projetado para abrigar, no térreo, a coleção de esculturas, no primeiro andar, a biblioteca, e, no terceiro, as pinturas. Em 1913/14, acrescentaram-se mais dois andares, obra do arquiteto Henrys Forbes Bigelow (1867-1907).

O Boston Athenaeum fundado em 1807, seguindo o modelo do Athenaeum e Lyceum de Liverpool, Grã- Bretanha, por membros de um Anthology Club, com o objetivo de criar uma biblioteca e uma coleção de obras do saber e da ciência, em todas as línguas. Foi aberto ao público em 1827.

No escopo dessa instituição percebe-se a concepção de que o estudo de textos, através de livros e fontes escritas, deve interagir com o estudo de obras e produções não-escritas, também vistas como documentos e fontes. Assim, o Athenaeum possui esculturas e obras de arte, considerando, hoje, também representações artísticas de temática relacionada com a história e a vida africano-americana.

O acervo de obras de pintura do Museu, que em grande parte passou ao Museum of Fine Arts, conta ainda com obras de renomados artistas americanos, entre estes de portraits de personalidades históricas criados por Gilbert Stuart (1755-1828) e Cephas Thompson (1775-1856).

Black Heritage Trail. A.A.Bispo©

De concepções museológicas: história no presente e o presente na história

Do ponto de vista do trabalho institucional, cumpre salientar o fato do Museum of African American Story não se limitar a salas de exposição, a serem percorridas pelos visitantes, mas sim a vincular diversos edifícios e locais de significado histórico para a vida africano-americana através de rotas, levando os interessados a percorrerem a cidade: os Black Heritage Trails.

Em Boston, com essa rota, criou-se uma rêde de vínculos paralela, interrelacionada e complementar àquela do Freedom Trail, que une os locais históricos da história da Independência americana, relacionando a história de concepções de liberdade em diferentes contextos, de emancipação política à história abolicionista.

Essas rotas revelam uma concepção de museologia não estática e nem "museal" no sentido convencional - e errôneo - do termo, mas sim de uma museologia no seu sentido próprio, abrangente e dinâmico, que insere os locais históricos no presente, estabelece elos espaciais e temporais e demonstra, de forma eficiente, os pressupostos de situações atuais, aguçando a sensibilidade para problemas e para o reconhecimento de processos históricos na sua vigência na atualidade.

O Museu empresta particular atenção à história organizativa dos africanos e seus descendentes, de como criaram igrejas, escolas, associações de debates sobre questões do quotidiano e da política, assim como de produção cultural e artística. Procura, assim, apesar de constantemente trazer à consciência a tragédia da escravidão e a mancha que constituiu na história do continente americano e das relações globais, dirigir a atenção aos aspectos construtivos da história dos africanos e seus descendentes.

OThe Museum of African American Story salienta que a história dos africano-americanos de Boston é marcada por esforços de criação de condições dignas de moradia, de estabelecimentos de instituições, eclesiais, educativas, e de associações que promoveram o movimento abolicionista em outras partes do país.

Atenção dirigida processos construtivos de movimentos associativos

Esse intento explica-se, no caso de Boston, por incluir a African Meeting House como a mais antiga casa de encontros de africanos e seus descendentes na América, construída em 1806, simbolizando a organização comunitária nos anos iniciais da nação independente.

Do ponto de vista arquitetônico, é uma adaptação de um projeto difundido em publicação de Asher Benjamin (1773-1845), arquiteto que marcou a história construtiva dos Estados Unidos entre o estilo "federal" e a renascença neo-grega.

A casa de encontros servia a atividades comunitárias, religiosas e educativas. O seu significado na história do movimento abolicionista foi relevante, nela inserindo-se a fundação da New England Anti-Slavery Society por William Lloyd Garrison (1805-1879), em 1832, o discurso epocal de despedida de Maria Stewart (Maria Miller) (1803-1879), em 1833, primeira mulher americana de ascendência africana a alcançar renome como oradora, o discurso contra a escravidão de Frederick Douglass (1817/18-1895), em 1860, e o recrutamento de descendentes de africanos para o 54th Regiment pelo Colonel Robert Gould Shaw (1837-1863), em 1863.

Iniciativas educacionais de associações e conflitos com tendências à escola igualitária

O significado emprestado ao movimento organizativo com a African Meeting House no Black Heritage Trail associa-se àquele de iniciativas educacionais, salientados na Abiel Smith School, edifício adjacente. Trata-se, aqui, do primeiro prédio escolar construido especificamente para abrigar uma escola pública para africanos nos Estados Unidos.

A criação dessa escola remonta históricamente a uma petição de Prince Hall (1735-1807), o fundador da maçonaria para africanos e seus descendentes, que, em 1787, visava o acesso de africano-americanos às escolas públicas, então recusada. Em 1798, os próprios pais de crianças de cor organizaram uma escola comunitária na casa de Primus Hall, filho de Prince Hall, transferida, em 1808, para a African Meeting House. A municipalidade criaria apenas na década de 20

No seu nome, Abiel Smith. recorda-se um homem de negócios, branco, que fêz uma doação para a educação de crianças de côr. Foi inaugurada em 1835, tornando-se centro da educação infantil da comunidade africano-americana. Entretanto, o museu chama a atenção a uma controvérsia desencadeada no seio da própria comunidade por William C. Neil relativamente à desagregação escolar causada pela existência de uma instituição africano-americana, criando-se uma associação para o fomento da educação igualitária, a Equal School Association. Com o fim da segregação nas escolas de Massachusetts, em 1855, a The Smith School encerrou as suas atividades.

Leitura urbana e memória de bairros de história africano-americana

O Black Heritage Trail de Boston leva o visitante ao North Slope do Beacon Hill, zona de Boston onde muitos africano-americanos viveram no século XIX. Algumas das ruas de Boston, sobretudo do West End, são particularmente marcadas pelo seu passado africano-americano, entre elas a Pinckney, Cambridge, Joy e Charles Streets.

A história da presença de africanos em Boston remonta ao século XVII, quando, em 1638, oito anos após a fundação da cidade, chegaram os primeiros escravos, trazidos da Ilha Providence, uma colonia puritana no litoral da América Central. Esse fato prenunciou os estreitos elos da New England com essa região do continente americano e com o Caribe.

O número de escravos cresceu consideravelmente nas décadas seguintes, alcançando, no início do século XVIII, acima de quatro centenas. Entretanto, nem todos os africanos eram escravos, já havendo, na época, uma comunidade de africanos livres na zona do North End.

A guerra da independência americana teve profundas consequências para a população de ascendência africana, em complexos desenvolvimentos que exigem considerações mais pormenorizadas. Entretanto, já em 1790, o primeiro censo federal americano já não registrava escravos em Massachusetts, sendo este o único estado americano nessas condições.

Tremont Temple.A.A.Bispo©

Significado da participação de africano-americanos na história militar dos EUA

Das várias estações do Black Heritage Trail, um monumento deve ser salientado por chamar a atenção à participação de descendentes de africanos na história militar dos Estados Unidos, um fato que surge de particular importância sobretudo para os próprios americanos, muitas vezes marcados por exaltado patriotismo. Essa participação é compreendida como prova de sentimentos patrióticos dos africano-americanos e de sua integração na história da sociedade nacional.

Na área do Boston Common, na Beacon e Park Streets, encontra-se o memorial do acima mencionado Robert Goul Shaw e do 54th Regiment. Foi erigido em bronze através de fundos levantados por Joshua B. Smith, em 1865, um escravo fugitivo de North Carolina, e que havia sido antigo empregado de Robert Goul Shaw. Foi criado pelo escultor August Saint-Gaudens (1848-1907) e inaugurado em 1897.

Lembra-se, aqui, que a admissão de soldados de côr nas forças militares estadounidenses tornou-se possível apenas em 1863, sob o Presidente Abraham Lincoln (1809-1865), como resultado de pressões de abolicionistas.

O primeiro regimento de soldados de ascendência africana recrutados no norte foi o 54th Regiment da Massachusetts Volunteer Infantry. O seu comando coube a um oficial branco, o citado Robert Gould Shaw. O regimento adquiriu renome pela sua atuação no assalto ao Fort Wagner, no âmbito das operações contra os confederados em Charleston, South Carolina. O primeiro africano-americano a receber uma medalha de honra do Congresso foi o sargento William Harvey Carney (1840-1908), de New Bedford, que salvou a bandeira americana de cair nas mãos dos confederados.

Significado para os estudos culturais: arquitetura e vida do quotidiano

Do ponto de vista arquitetônico, edifício mais significativo da Black Heritage Trail é a mais antiga casa construída por africano-americanas no bairro de Beacon Hill, cuja história se encontra estreitamente vinculada à Maçonaria africano-americana. Seus proprietários foram George Middleton (1735-1815), veterano da Revolução Americana, presumível líder da companhia de combatentes de côr (Bucks of America), e Louis Glapion, membros da African Lodge of Masons, fundada pelo mencionado educador Prince Hall.

O Black Heritage Trail é de relevância para os estudos culturais por relacionar questões históricas do abolicionismo com questões culturais relativas ao quotidiano de uma determinada parcela populacional, oferecendo subsídios para estudos da ascensão social de seus membros.

As profissões exercidas pelos africano-americanos residentes fomentam estudos de áreas profissionais tais como de costureiros, barbeiros, vendedores de lojas e pedreiros. A casa de John J. Smith (1820-1906), por exemplo, lembra que, após ter participado da Corrida do Ouro da California, em 1849, onde não alcançou riqueza, fêz de sua barbearia centro da atividade abolicionista e ponto de encontro de escravos fugitivos. Como em outros casos, de situação profissional modesta, John J. Smith chegou a assumir a cargos políticos, sendo eleito várias vezes à Massachusetts House of Representatives.


História de escravos fugitivos. Casas de Lewis Haydn (1816-1889) e John Coburn (1811-1873)


Uma estação do Black Heritage Trail, a casa de John Coburn (1811-1873), traz à consciência a história de escravos fugitivos e o abrigo que receberam por ativistas da abolição em Boston. Coburn, estabelecido com uma casa de roupas, passou a defender princípios do acima mencionado Garrison na década de 1830, tornando-se tesoureiro da New England Freedom Association e membro do Boston Vigilance Committee. Nessas atividades foi preso por ter dado abrigado a um escravo fugitivo. Foi o co-fundador e capitão da Massasoit Guards, uma compania militar de africanos.


Outra das estações da Black Heritage Trail particularmente vinculada com a história de fugitivos é casa de Lewis e Harriet Haydn (66 Phillips Street). A casa que apresenta uma placa comemorativa, construída em 1833, foi adquirida em 1853 por Francis Jackson, tesoureiro do Vigilance Committee, uma organização abolicionista, e, em 1865, adquirida por Harriet Hayden.


Nascido como escravo, em Lexington, Kentucky, Lewis Haydn fugiu da escravidão graças a uma rêde existente de contatos e apoios, a assim-chamada "via férrea subterrânea". Transferindo-se de Detroit para Boston, abriu uma loja de roupas. Aqui e na sua casa, dedicou-se a preparar encontros abolicionistas. Essa sua iniciativa assumiu particular importância com a intensificação, em meados do século, das medidas de proprietários de escravos do Sul em recuperar os fugitivos, de acordo com o Fugitive Slave Act.


Na casa de Haydn, transformada agora numa estação da "Underground Railroad", fugitivos e seus apoiantes se encontravam às escondidas e, em parte, mascarados.Harriet Beecher Stowe (1811-1896), autora do epocal  Uncle Tom's Cabin visitou a casa de Hayden, em 1853, para conhecer pessoalmente fugitivos.


Como em outros casos, procura-se aqui salientar o patriotismo de Lewis Haydn, a sua participação no 54th Regiment e a sua ascensão social: foi eleito para o legislativo, em 1873 e Messenger da Secretary of State. A sua mulher fundou m programa para estudantes de cor necessitados da Harvard Medical School.



Significado de movimentos religiosos: Thomas Paul, Sr. (1773-1831) e a African Baptist Church

O Black Heritage Trail de Boston traz à consciência as estreitas relações entre a história dos americanos de ascendência africana e a criação de igrejas para a comunidade.

Uma das principais personalidades relacionadas com a história religiosa dos africano-americanos é a de Thomas Paul, Sr..Nascido em Exeter, New Hamphire, foi educado na escola batista de Hollis, New Hampshire. Converteu-se em 1789, sendo batizado Assim como três de seus irmãos, tornou-se ministro, conhecido pela sua eloquência, tornando-se um pioneiro na organização da igreja independente africano-americana. Foi ordinado em 1804, em Nottingham West, New Hampshire.

Em Boston, reconheceu que pastores africano-americanos tinham pouca participação na igreja. Paul combateu essa situação em encontros, entre outros, no Faneuil Hall. O seu empenho levou à fundação da primeira igreja batista africano-americana independente, em Boston. Em 1805, em encontro na casa de um mestre-escola formou-se a congregação conhecida como First African Church, mais tarde redenominada de Joy Baptist Church. Paul tornou-seo primeiro pastor dessa igreja, em 1806, ali atuando até 1829. Desempenhou papel relevante no estabelecimento de igrejas para africanos e seus descendentes nos Estados Unidos. Apoiou os batistas da cidade de Nova Iorque no estabelecimento da African Baptist Society, que viria a ser a Abyssinian Baptist Church.


A igreja de Thomas Paul mudou várias vezes de denominação, sendo chamada de Independence Baptist Church, Abolition Church e St. Paul's Church.

A ação missionária de Paul extendeu-se ao Exterior. Em 1815, dirigiu-se ao Haiti, sob o patrocínio da Massachusetts Baptist Society, ali permanecendo seis meses. Devido ao idioma, não dominando o francês, não teve grande sucesso nas suas tentativas de conversão dos haitianos.

Paralelamente às suas atividades na igreja batista, Thomas Paul participou, em Boston, das atividades de maçons de cor, tornando-se membro da citada Grande Loja Africana, mais tarde Prince Hall Lodge.


Também os seus irmãos, Benjamin e Nathaniel, foram ministros batistas, participando de atividades abolicionistas. A sua filha, Susan, foi professora de escolas para crianças de cor e membro da Boston Female Anti-Slavery Society. O seu filho, Thomas, Jr., tornou-se o primeiro graduado de côr do Dartmouth College, em 1841.


Tremont Temple e o seu papel de "igreja multicultural" em Boston

Ainda que não incluída no Black Heritage Trail, o Tremont Temple não pode deixar de ser considerado nos estudos voltados à história africano-americana de Boston. Já pela sua situação central, ao lado da Catedral Episcopal St. Paul e da Igreja da Park Street, vizinho à faculdade de Direito da universidade de Suffolk e confrontando com cemitério onde se encontram sepultados personalidades da história americana, o Tremont Temple assume um papel emblemático para a história religiosa dos Estados Unidos sob o aspecto da organização da comunidade africano-americana do século XIX.


O edifício atual, aberto em 1896, projetado por Clarence Blackhall, arquiteto de outras construções de Boston, em geral relacionado com o Colonial Revival, surpreende o observador pela sua grandiosidade e representabilidade, marcado na sua fachada por citações de modêlos de cidades italianas da Renascença combinados com elementos clássicos na sua entrada e na sua parte superior, encimado por colunas jônicas.


O significado desse edifício é, porém, pode ser antes avaliado a partir de perspectivas histórico-culturais e que oferecem caminhos para aproximações mais adequadas relativamente à sua paradoxal linguagem arquitetônica. Foi construido como edifício multifuncional, para ser uma igreja com um grande auditório, capaz de ser também utilizado para fins comerciais. Possuia, no seu pavimento térreo, lojas de comércio e, nos andares superiores, escritórios também para fins comerciais. Essa curiosa mistura de arquitetura religiosa com a profana torna-se compreensível devido ao fato da igreja necessitar de rendas para a sua própria manutenção, servindo-se para isso dos aluguéis dos espaços comerciais e do próprio auditório. Este, com o grande órgão que possui, surge como adequado para a realização de concertos. Foi também utilizado como cinema e para apresentações de óperas.

Esse uso mixto do edifício é parte de um singular processo histórico de transformação de teatro em igreja e do uso da igreja como teatro estreitamente vinculado com a história da comunidade africano-americana de Boston. Assim, um teatro original, o Tremont Theatre, construído em 1827, foi adquirido pelo acima mencionado Thimothy Gilbert, em 1843, que o transformou em templo. Essa aquisição inseria-se no movimento de Gilbert, segundo o qual todos, ricos e pobres, brancos e pessoas de cor deviam ter um mesmo nível religioso, devendo ser a casa do "Sabbath" aberta a visitantes e passantes. Esse movimento resultara do fato de que, até então, os descendentes de africanos serem desprestigiados nas salas de congregação, devendo tomar lugares nas galerias. Uma das razões dessa discriminação era de ordem econômica. Muitas das igrejas, para a sua própria manutenção, alugavam os seus bancos ou os compartimentos e camarotes - uso não conhecido no Brasil -, o que excluia, naturalmente, pessoas sem maiores posses. Na tentativa de modificação dessa situação segregacionista, também vigente na Charles Street Baptist Church, Timothy Gilbert, passou a ser excluído da comunidade, fundando a First Baptist Free Church, em 1839, a primeira igreja integrada na América. O aumento de seus membros foi acompanhado por mudanças de local, para o Congress Hall e, entre outros, para a Tremont Chapel. Com a aquisição do teatro, em 1843, passou a ser denominado inicialmente de Tremont Street Baptist Church e, posteriormente, Union Temple Baptist Church. Em 1891, adotou-se o nome de Tremont Temple Baptist Church.

Se as igrejas, no passado, alugavam os seus bancos e cabines, obtendo da renda meios para a sua manutenção, com a modificação trazida pelo movimento anti-segregacionista, que exigia assentos livres para todos, colocou-se a questão de como obter-se recursos para a igreja. Compreende-se, assim, a existência de um prédio mixo, com lojas comerciais e uso profano do auditório para fins comerciais e espetáculos vários.

O Tremont Temple de Boston oferece, assim, um exemplo significativo para a necessidade de perspectivas teórico-culturais nos estudos da arquitetura e da história das artes. É, sobretudo, de importância para o alcance de maior profundidade histórica a um fenômeno do presente, constatável em várias cidades do mundo, também no Brasil: o da transformação de teatros e sobretudo de cinemas em igrejas evangélicas livres, de diferentes correntes, em geral, porém, de vínculos com desenvolvimentos norte-americanos.




Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:


Bispo, A.A. (ed.). "Do Boston Athenaeum ao Black Heritage Trail como Freedom Trail da história africano-americana. A New England nos estudos culturais do abolicionismo nas Américas". Revista Brasil-Europa 128/19 (2010:6). www.revista.brasil-europa.eu/128/African-American-Story.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 128/19 (2010:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2675



Do Boston Athenaeum ao Black Heritage Trail
como
Freedom Trail da história africano-americana
- a Nova Inglaterra nos estudos culturais do abolicionismo nas Américas -



Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins
Boston: The Museum of African American Story e o Black Heritage Trail

 















  1. Fotos A.A.Bispo
    ©Arquivo A.B.E./I.S.M.P.S.e.V.


 

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