Polinésia: Botânica. Revista BRASIL-EUROPA 125. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

O Brasil e a Polinésia ocupam posições de excepcional significado na história dos conhecimentos botânicos. Pela riqueza do mundo vegetal de ambas as regiões, pelo fato de terem permanecido desconhecidos dos europeus durante muitos séculos, representaram e representam fontes de descobrimentos e de novos conhecimentos, impulsionando o desenvolvimento da ciência.

Como tem sido salientado em números anteriores desta revista, a história cultural do Brasil e de várias regiões do mundo descobertas nos últimos séculos é acompanhada pela história da Botânica. História cultural e história científica interligam-se de tal forma que tornam indispensáveis aproximações entre as diferentes áreas de conhecimento e de pesquisa, assim como colaborações interdisciplinares. Esse intuito encontra obstáculos na delimitação de perspectivas causada pela própria contextualização histórico-cultural dos conhecimentos. A visão do observador brasileiro ou do pesquisador voltado ao Brasil tende a considerar contextos marcados pelos elos determinados pela formação colonial do país e pelo seu idioma. O pesquisador do Pacífico, em particular aqui da Polinésia, na sua cartografia mental, tende a privilegiar outros contextos da história cultural, também esses condicionados pelo desenvolvimento colonial. A aproximação entre a ciência natural e os estudos culturais de regiões tão distantes entre si como a  Polinésia e o Brasil pode contribuir para a superação dessas limitações.

Esses estudos deparam-se com similaridades e diferenças em ambas as regiões e que devem ser analisadas historicamente e na sua realidade atual. Complexos caminhos de transplantação vegetal no decorrer dos séculos levaram a transformações do mundo natural. Tanto as condições anteriores ao contato com os europeus como a situação criada com as mudanças devem ser levadas em consideração em intuitos de conservação do patrimônio natural, que também é cultural, de recuperação do meio ambiente, de melhoria da qualidade de vida e da configuração paisagística. O paisagismo - e o urbanismo - teem como pressuposto necessário uma cooperação com uma Botânica de orientação teórico-cultural e com estudos culturais conscientes de seus elos com as ciências naturais.

Desenvolvimento da Botânica á época do descobrimento do Taiti

A chegada dos europeus ao Taiiti, em meados do século XVIII, ocorreu numa época de particular relevância para a história da Botânica.

As contribuições de Carl von Linné (Carolus Linnaeus, 1707-1778)), professor dessa disciplina na universidade sueca de Uppsala, de 1742 a 1778, marcaram um novo interesse e uma nova fase dos estudos científicos. Sobretudo os seus princípios de classificação de plantas e animais abriram novas perspectivas de sistematização, passando a ser difundidos em vários países europeus. Os seus princípios foram divulgados por discípulos, entre êles Daniel Carl Solander (1733-1782) e Anders Sparmann (1748-1820).

Botânicos na primeira viagem de J. Cook (1728-1779)

Daniel Solander empenhou-se na propagação do sistema de Linné no meio especializado da Grã-Bretanha. Entre aqueles que adotaram o sistema encontrava-se Joseph Banks (1743-1820), entusiasta pelo estudo dos vegetais. Banks estudara em Oxford e correspondia com naturalistas de seu tempo. De grandes posses financeiras, possibilitou a ida de uma comitiva científica no empreendimento de James Cook (1728-1779). Foi Banks que convidou a Solander que o acompanhasse a bordo da nave Endeavour.

Com o apoio de Banks, a viagem de Cook, para além de suas finalidades exploratórias e estratégicas, tornou-se uma das mais significativas expedições científicas até então realizadas. Os trabalhos artísticos - no caso as representações das plantas - deveriam ser efetuados por Sydney Parkinson (1745-1771) e Alexander Buchan (?-1769), este último conhecido pelas suas imagens do sul da América do Sul.

Sabia-se que a viagem de Cook se dirigia a uma região do globo que oferecia grandes possibilidades para o descobrimento de espécimes até então desconhecidos, significando uma grande oportunidade para uma ciência que agora dispunha de critérios sistematizadores.

De fato, a colheita realizada foi considerável. No seu retorno, os cientistas viajantes trouxeram ca. de 30.000 espécimes. Haviam identificado 110 novos gêneros e 1300 novas espécies. Grande parte dessas espécimes foram conservadas no Museu de História Natural em Londres, partes da coleção encontram-se hoje em museus dos países de origem, em particular no Museu Nacional de Wellingon, no de Auckland e no Jardim Botânico de Sydney.

Solander descreveu as espécies trazidas no seu Florilegium, utilizando-se do sistema de Linné.

Johann Reinhold Forster (1729-1798) na segunda viagem de J. Cook

Em 1772, na segunda viagem de Cook, o lugar de Solander foi tomado por Johann Reinhold Forster, naturalista prussiano que foi acompanhado por seu filho Georg (1754-1794). Não eram botânicos, mas puderam contar com a assistência de Anders Sparmann, o já mencionado discípulo de Linné, que embarcou na Cidade do Cabo.

Forster trouxe para a Inglaterra 76 novos gêneros e ca. de 260 novas espécimes, publicando uma obra de título Characteres Generum Plantarum. O seu filho publicaria, na Alemanha, várias obras sobre o mundo vegetal das ilhas do Pacífico. Os manuscritos da viagem foram depositados no Museu Nacional de História Natural, em Paris. (Veja sobre Forster outros artigos nesta revista)

Charles Darwin e a riqueza botânica do Taiti

O desenvolvimento da Botânica na Europa não apenas co-determinou o empreendimento de Cook e a própria descoberta do Taiti, mas também foi fomentado pelo conhecimento das espéciemes trazidas e estudadas. A fascinação pelo mundo vegetal luxuriante do Taiti pode ser percebido de forma particularmente expressiva do relato de Charles Darwin. Se a elaboração posterior da Teoria da Evolução deu-se em estreito relacionamento com o Brasil, sobretudo pela correspondência com pesquisadores teuto-brasileiros (Veja números anteriores desta revista), o impacto causado pela vivência do mundo taitiano não pode ser considerado como de menor significado.

Admirando, passeei com os meus olhos pelo mundo vegetal que nos circundava. À direita e à esquerda havia verdadeiras florestas de bananas selvagens; as frutas, que podem ser usadas de tantas maneiras, encontravam-se dispersas por todo o lado no chão, e apodreciam. À nossa frente  estendiam-se amplas toiças de cana-de-açúcar silvestre; o riacho era ensombreado pelo tronco verde-escuro, nodosamente engalhado da pimenta de Kawa, cujas raízes eram apreciadas pelos polinésios pela sua ação entorpecente. Mastiguei um pequeno pedaço e achei que tinha um gosto amargo e desagradável, e que esse sabor deveria, na verdade, advertir a todos a respeito do veneno da planta. Os missionários conseguiram que essa planta agora apenas ainda se encontre em grotas distantes.

Ao lado da pimenta Kawa, crescia um Arum, cuja raiz tem bom sabor, quando cozida. As folhas novas são melhores do que espinafre. Também encontrei o inhame e uma outra planta parecida com cipó, cujas raízes, macias e marrons, foram comidas por nós como sobremesa; eram doces como sirup e tinham um aroma agradável. Havia aqui ainda mais frutas silvestres e plantas que podiam servir de verduras. O rio nos oferecia anguias e caranguejos. Fiz involuntariamente comparações com outros matos nas nossas latitudes e admirei mais uma vez esses países tropicais. Senti como é correta a suposição de que o homem, sobretudo os povos naturais com pouco exercício do pensamento lógico são puros filhos dos trópicos.

Ao cair da noite, subi mais um pouco o vale do riacho, alcançando logo a base de uma cachoeira de ca. 100 metros de altura, acima da qual havia uma outra. Tão íngrime é aqui a terra! No nicho da rocha, no qual a água caía, parecia nunca ter soprado nem um hálito de ar; mesmo a renda fina das folhas de banana, que em geral é rasgada, era molhada de água pulverizada, mas totalmente intacta. Do nosso pouco aos pés da subida da montanha podíamos olhar para baixo nos fundos vales vizinhos; mas o céu noturno ocultava-nos os picos altos das montanhas centrais, que em ângulo de 60 graus apontavam para o céu. Gradualmente, as sombras da noite rastrejaram-se também pelas agulhas mais altas; que espetáculo grandioso! (Charles Darwin: Ein Naturforscher reist um die Erde, ed. Conrad Vollmer, Leipzig: VEB F.A. Brockhaus 1968, 264)


Jardin d'eau de Vaipaihi


Um dos mais significativos projetos de recuperação natural da Polinésia francêsa é o Jardim de água de Vaipaihi. Trata-se de uma faixa de 1,5 hectares de jardins, no coração de uma área vasta de 45 hectares que pode ser facilmente atingida à partir da estrada que circunda a ilha, não distante de Papeete, e cujo tratamento paisagístico combina configurações naturais conservadas e áreas criadas com plantas locais. Há o projeto de ampliá-la, interligando-a com um outro projeto ecológico, o de Vaima.

O projeto possui objetivos de conservação ecológica, científicos, educativos, de lazer e cultural, este no sentido de oferecimento de possibilidades de contemplação da natureza. Pretende valorizar o patrimônio histórico, cultural e natural, relacionando vegetação, fontes, cascatas, vestígios arqueológicos (marae), avifauna e a recuperação de um antigo braço de mar. Procura detectar e trazer à tona vestígios naturais e culturais obscurecidos.


Rochas e sobretudo a água, através de fontes, cascatas e tanques são integradas no projeto de forma a desempenharem o papel principal, como indica o nome. A jardinagem, ou seja, a ação cultivadora do homem, diz respeito à água, à criação artística de nichos aquáticos, regatos, córregos, corredeiras, o que cria condições altamente propícias para o desenvolvimento vegetal. O visitante tem assim a possibilidade de contemplar espécimes de dimensões gigantescas, incomparavelmente mais impressionantes do que aquelas encontradas em jardins botânicos de outras regiões do globo, inclusive do Brasil.


Diferenciando-se o "jardim d'água" de jardins botânicos, diferencia-se também e sobretudo de áreas ajardinadas e parques pelo modêlo paisagístico que propõe. Ao contrário de grandes espaços gramados e concentração de conjuntos vegetais segundo critérios de ordenação estética, espacial ou colorística que caracterizam em geral obras do paisagismo moderno, o observador encontra aqui não grandes áreas abertas, relvas e amplas perspectivas, mas sim grotas escuras e micro-espaços criados por intricados complexos de plantas.

Das discussões

O projeto parece propor uma nova valorização das características próprias do universo vegetal dos trópicos, afastando de vez a imagem infeliz de "inferno verde" que tanto mal trouxe e traz ao Brasil. Não mais por assim dizer pastos artificiais em fácil soluções do tipo de estética de campos de futebol marca o paisagismo, mas a recuperação da densidade florestal, com a sua riqueza de formas que resiste a simplificações racionalizantes por parte do arquiteto-paisagista. Este cria apenas as condições para o seu desenvolvimento próprio, para a sua reabilitação segundo a terminologia francesa, e isso é procurado sobretudo através da água.

O Jardin d'eau de Vaipaihi sugere que é tempo de se despedir de projetos paisagísticos marcados por critérios de urbanização ou reurbanização ditados necessariamente por princípios técnico-racionais de vias de tráfego, sejam orlas e baixadas de Hilo em Big Island no Hawaii, em San Diego, nos EUA, seja o parque do Flamengo ou as áreas gramadas que marcam Brasília. Esses e muitos outros passam a ser obras a serem conservadas como representantes de um passado do paisagismo, não como modêlos para o futuro. A profusão de espécimes, a explosão luxuriante da riqueza tropical são os objetivos a serem recuperados numa orientação estética consciente dos valores próprios da natureza tropical e da necessidade de sua revalorização em época que exige uma nova atitude e sensibilidade para com a natureza a serviço do patrimônio natural e cultural das nações.

(...)


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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. (Ed.). "A Polinésia Francesa na história cultural da Botânica e o paisagismo de reabilitação natural". Revista Brasil-Europa 125/9 (2010:3). www.revista.brasil-europa.eu/125/Botanica_da_Polinesia.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa:
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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 125/9 (2010:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2596


©


A Polinésia Francesa na história cultural da Botânica
e o paisagismo de reabilitação natural




Reflexões no âmbito do programa Cultura-Natureza da A.B.E. no Jardin d'eai de Vaipaihi, Taiti, 2010
sob a direção de A.A.Bispo


 



















  1. Fotos A.A.Bispo©

 

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