Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©

Fotos A.A.Bispo. Berlim (2012),

©Arquivo A.B.E


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 140/12 (2012:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2950


A.B.E.


Forum Humboldt: a Humboldt-Box nos 775 anos de Berlim
Reflexões da perspectiva dos Estudos Culturais em relações Europa-Brasil

 
Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©
Pela celebração dos 775 anos de Berlim - e pela passagem dos 300 anos de Friedrich "O Grande" (1712-1786) - desenvolveram-se em 2012 ciclos de estudos euro-brasileiros na capital alemã, hoje uma das metrópoles mais vitais e multiculturais da Europa.


A atualidade de Wilhelm von Humboldt (1767-1835), o fundador da Universidade de Berlim, devido ao lema de Lübeck como Capital da Ciência 2012 (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-em-debate.html), levou a que este irmão do grande pesquisador da América Alexander von Humboldt (1769-1859) constituisse o centro das atenções.


Os nomes de ambos designam o Forum-Humboldt, que se apresenta como o mais importante projeto cultural da Alemanha da atualidade.


Esse Forum deverá ocupar o espaço do Palácio Real que está sendo em parte reconstruído, onde serão reunidas coleções provenientes de países extra-europeus conservadas nos vários museus da cidade, entre elas também de objetos provenientes do Brasil. O Forum propõe-se tornar um centro do diálogo de culturas.


Pelas suas dimensões e significado, o projeto vem sendo acompanhado há anos com atenção nos trabalhos da A.B.E.. Como referido, considerou-se em visita anterior sobretudo a questão da reconstrução do Palácio de Berlim e da correspondente demolição do Palácio da República da antiga República Democrática Alemã, um empreendimento que levantou naturalmente inúmeras questões sob diferentes aspectos, não apenas econômicas e arquitetônicas, mas sim também políticas, levando a polêmicas. Sobretudo questões relativas ao
Berlim. Foto A.A.Bispo 2012©
sentido de construções e de-construções para a memória surgiram como de especial interesse sob a perspectiva brasileira (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/108/Berlim-Forum-Humboldt.htm)


O núcleo do Palácio de Berlim é constituído pela residência medieval dos Príncipes Eleitores de Brandenburg. O edifício passou por repetidas reformas e ampliações. No início do século XIX, ampliando-se o palácio barroco, tomou a a sua feição característica através do trabalho do arquiteto Andreas Schlüter (1659-1714). A sua cúpula foi construída entre 1845 e 1853.


O palácio dos Honzenzollern tornou-se local de residência e centro real e simbólico do Império Alemão, conhecido em todo o mundo. Após o término da monarquia com o fim da Primeira Guerra Mundial, abrigou museus.


Na Segunda Guerra, foi consideravelmente danificado, mas mantiveram-se as paredes externas, o que teria possibilitado uma reconstrução. Caindo porém na parte Leste da Alemanha dividida, por motivos políticos e como sinal de superação do antigo regime capitalista foi dinamitado pelo govêrno da então República Democrática Alemã.


Berlim, Humboldt-Box. Foto A.A.Bispo 2012©
No local levantou-se então o Palácio da República entre 1973 e 1976 na praça do palácio, redenominada de Marx-Engels, construção considerada avançada para a época. O palácio, que abrigava a Câmara Popular, servia também como centro cultural, ali realizandos concertos e apresentações teatrais. Com a mudança e reunificação alemã, o palácio foi fechado em 1990 e desmontado até as suas estruturas por razões de encontrar-se infetado, desaparecendo por fim entre 2006 e 2008.


Tanto a dinamitação dos restos do Palácio de Berlim como o da desmontagem do Palácio da República corresponderam a intuitos políticos e tiveram sentidos de mudança de imagens e símbolos de identificação da cidade e do país, fato compreensível pela sua posição central na capital e pelo seu significado histórico-cultural e político.


Berlim, Humboldt-Box. Foto A.A.Bispo 2012©
É significativo que já em 1992 tenha-se constituído uma sociedade de fomento à reconstrução do Palácio que, no ano seguinte, levantou um cenário pintado do palácio nas suas dimensões reais no local, desencadeando assim uma ampla discussão.


Para a reconstrução da fachada, a sociedade, de utilidade pública, passou a arrecadar fundos. Em 2009 criou-se a Fundação Palácio de Berlim - Humboldt-Forum, que financia a reconstrução de parte da fachada barroca e a instalação do Forum Humboldt no espaço interior.


Um dos principais argumentos para a reconstrução do palácio é de natureza urbanística e diz respeito à recuperação de um complexo edificado e de ordenação de espaços no qual o palácio surgia como centro nas suas dimensões monumentais, ao lado da catedral e circundado por outros edifícios de alto significado cultural como aqueles da Galeria Nacional e da Universidade.


Com o cenário ali construído, a população pôde acostumar-se aos poucos com os volumes e sentir os espaços. Uma maquete da cidade, com elucidações várias, acompanhou esse processo gradativo onde o visualizar uniu-se a visões.


Essas visões foram necessárias para a justificação do empreendimento, uma vez que levanta-se a questão do que fazer, de qual a função a ser dada a edifício de tais proporções. Para além do seu sentido urbanístico - necessidade de preenchimento de uma lacuna no centro da capital - a sua reconstrução apenas se legitimaria se também tivesse um sentido cultural e emblemático correspondente à situação político-cultural do presente.


O edifício apenas teria razão de ser se coadunasse a função urbana com um sentido político-cultural de alto significado, que unisse a história às tarefas do presente e do futuro. Essa orientação levou às decisões políticas do Parlamento alemão em 2002/3 que possibilitaram a continuidade dos esforços.


Um dos principais argumentos traz à consciência a chance que se abre a Berlim com a criação de um acento urbano-cultural no seu centro que demonstre a abertura da Alemanha ao mundo, complementando e estabelecendo elos de interação com os demais museus da cidade. O significado dos museus no centro da cidade foi salientado pelo fato da UNESCO ter declarado, em 1999, a Ilha Museu de Berlim como parte do patrimônio da Humanidade. Nessa ilha, encontram-se importantes instituições possuidoras de valiosas coleções da cultura européia, do Oriente Próximo e da Antiguidade.



Esse reconhecimento foi um marco de um processo de revalorização de grandes proporções dessas instituições: a Antiga Galeria Nacional foi restaurada e reinaugurada em 2001, o Museu Bode ressurgiu em 2006, e em 2009, o Novo Museu.


Sobretudo o Museu Pergamon demonstra o desenvolvimento renovador e ampliador de instituições museológicas do centro de Berlim no início do século XIX. O novo edifício de entrada da ilha, a Galeria James Simon, leva no Masterplan ao Museu Pergamon, e este recebe uma quarta ala. O visitante tem assim uma oportunidade única de percorrer um caminho da arquitetura   que vai da Antiguidade egípcia ao antigo Oriente, ao mundo greco-romano e ao período islâmico primitivo. Com as galerias subterrâneas, procura-se criar um espaço de exposições que, interdisciplinarmente, abre perspectivas e sugere questionamentos superadores de tempo e espaço.


O argumento do Forum Humboldt é que essas valiosas coleções arqueológicas e histórico-artísticas podem ser complementadas e ampliadas no seu significado com a vinda para o centro da capital de coleções etnológicas conservadas em museus dispersos em bairros, um procedimento que teria uma função de sinal político-cultural. Traz-se à consciência, assim, que Berlim não apenas colecionou um grande patrimônio cultural de tradição ocidental e de seus pressupostos na Antiguidade, como também objetos provenientes de culturas extra-européias, o que indica o interesse pelo Outro no mundo.


O Forum pretende oferecer experiências com a arte e a cultura extraeuropéia e saber sobre o mundo, possibilitar encontros interculturais e entusiasmar as pessoas por outros mundos. Procurar formas aptas ao futuro no conviver com o estrangeiro e com o outro é uma questão premente em mundo no qual as culturas se encontram cada vez de forma mais rápida, diversificada e complexa. A compreensão da diversidade cultural e a abertura ao diálico surgem como pressupostos para o futuro. O Forum Humboldt surge também como indispensável para a Alemanha, pois o pais necessita de um local de intercâmbio de posições, de objetivos e de experiências de culturas diferentes. Como um tal projeto não existe em outra parte do mundo, surge como sendo não apenas de interesse para Berlim e para a Alemanha, mas para todo o mundo.


Argumenta-se, também, que Berlim, com a valorização dos seus museus e do seu centro, corresponde a um desenvolvimento que pode ser registrado em várias metrópoles do mundo, assumindo até mesmo uma posição de liderança. Esse papel desempenhado pela cultura na valorização de centros e na imagem de cidades e mesmo nações tem sido sobretudo uma característica de Paris. A transformação valorizadora de museus no centro da capital francesa foi marcada pela construção da pirâmide de vidro no pátio do Louvre. Em 2006, inaugurou-se então o Musée du quai Branly, que valoriza a cultura extra-européia. Berlim passa a representar um polo correspondente a Paris, podendo assumir até mesmo uma função condutora a partir de sua tradição e da lacuna no seu centro, que passa a representar então uma chance.


Esse movimento de valorização cultural de centros de cidades sobretudo através de museus não se limita ao eixo Paris-Berlim, mas é global. Similares desenvolvimentos podem ser registrados em Londres, em S. Petersburgo e Moscou, assim como em Beijing, marcado que é pelo maior complexo museal do mundo.


Humboldt-Box: Infocenter Palácio de Berlim Forum Humboldt


O estágio atual dos trabalhos, a concepção e o desenvolvimento do projeto estão sendo apresentados ao público numa construção provisória que surge como um novo marco temporário no centro da capital alemã. Com grandes aberturas envidraçadas na fachada, oferece aos visitantes diferentes perspectivas da cidade, demonstrando o intuito do projeto em trazer à consciência a inserção excepcional do local no conjunto urbano.


Em cinco andares, a construção inclui, além do térreo de entrada, no seu primeiro andar, a exposição sobre o Castelo de Berlim com um modêlo que o apresenta na situação da passagem do século XIX ao XX. Em painéis e por meios visuais eletrônicos, oferece-se uma visão geral da história e do futuro da praça do palácio.


Os dois últimos andares são dedicados a exposições temporárias, com um cinema, levando a terraços panorâmicos de onde os visitantes podem descortinar os trabalhos que se realizam e a inserção do futuro Forum no conjunto urbano do centro da capital.


Obtém-se, assim, uma impressão sensível das relações da concepção do museu com outros edifícios de significado histórico-cultural e emblemático, defrontando-se mais de perto com a catedral, com a Galeria Nacional e a Ilha-Museu, o Museu Histórico, o Jardim Lustgarten, a Praça do Palácio e o eixo representado pela avenida Unter den Linden, a principal artéria do plano urbano monumental da cidade e que dirige o olhar à Porta de Brandenburgo.



O segundo e o terceiro andar são dedicados a exposições multi-media que indicam como o Forum deverá ser no futuro. Conceitos novos, interativos mostram como coleções históricas do mundo extra-europeu podem ser apresentadas em contexto atual. Com o apoio da Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano, da Universidade de Berlim e da Biblioteca Central e da Região de Berlim, o visitante é defrontado de forma atraente e convidativa sensorialmente com temas relativos a diferentes partes do globo. Os complexos temáticos são introduzidos sob a orientação do Museu de Arte Asiática e do Museu Etnológico dos Museus Estatais de Berlim.


O Brasil se encontra representado nesse espaço sobretudo através de máscaras de grupos indígenas de regiões limítrofes com a Colombia relacionadas com o vulto de Theodor Koch-Grünberg (1872-1924). Esse etnólogo, que realizou viagens de pesquisas pelo Noroeste da Amazônia, teve contatos, entre outros, com os Cubeo. As máscaras apresentadas foram adquiridas sob encomenda pelo Museu de Berlim, pois as originais são normalmente destruídas após o seu uso em danças rituais por ocasião de mortes. Feitas de fibras de casca de de árvores, representam imagens de seres com conotações animais, entre êles borboleta, taturana, onça, peixe, aranha e papagaio.


O sentido imagológico dessas representações, porém, não é apresentado de forma adequada ao visitante segundo o estado atual dos conhecimentos e das reflexões.


O complexo temático relacionado com a dança de máscadras vem sendo discutido desde os anos 70 no âmbito dos trabalhos euro-brasileiros, em colóquios, seminários e congressos de natureza músico-antropológica.


Foi um dos principais temas do projeto internacional dedicado às culturas musicais indígenas lançado no Congresso Internacional pelos 500 anos da América, em 1992, e subvencionado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha e no qual participaram muitos pesquisadores, instituições de pesquisa e museus do Brasil, em particular também da Amazônia.


A consideração das máscaras nas suas inserções no edifício de imagens da visão do mundo e do homem foi um dos principais fatores que levaram à escolha do tema "Música e Visões" para o congresso de abertura do triênio científico pelos 500 anos do Brasil e dos trabalhos euro-brasileiros do terceiro milênio.


O Brasil encontra-se também representado através de exemplos musicais indígenas (Parintintim, Makuxi) em painel com um "mapa do mundo da música" (MusikWeltKarte)  e que traz o subtítulo de "O Fonógrafo de Edison e a Cartografia Musical da Terra".


O significado do fonógrafo de Edison para o registro de idiomas e da música é salientado, sendo elucidados alguns de seus pressupostos técnicos e o papel por êle desempenhado no desenvolvido dos trabalhos músico-psicológicos e músico-comparativos do psicólogo Carl Stumpf (1848-1936) e de seus assistente Otto Abraham (1872-1926).


O painel lembra, assim, do papel de Berlim no desenvolvimento histórico da Musicologia Comparada e, portanto, da área disciplinar atualmente mais conhecida sob o nome de Etnomusicologia.


Ainda que mencionando ter sido o fonógrafo já utilizado anteriormente em trabalhos dedicados a grupos indígenas norte-americanos, citando-se aqueles de Jesse Walter Fewkes entre os Passamaquoddy e os Zuñi, salienta-se ter sido Stumpf aquele que primeiramente reconheceu as perspectivas que o aparelho abria para a pesquisa músico-psicológica e músico-comparativa.


Marco inicial nos experimentos com o fonógrafo neste sentido foi o do registro da música de um grupo de teatro siamês que se apresentou em 1900 no Jardim Zoológico de Berlim. Os 20 cilindros de cera ali gravados constituiram o fundamento de um dos maiores arquivos sonoros do mundo.


Esse painel se propõe a apresentar as possibilidades que o futuro visitante das exposições do Forum terá para participar ativamente dos complexos temáticos. Meeting Points deverão servir como plataformas para que os visitantes se aprofundem no conteúdo das exposições, obtendo assim diferentes perspectivas das culturas e de sua contínua transformação, sendo convidados a workshops e a diálogos com curadores e pesquisadores. 


A música desempenha aqui importante papel, pois possibilita de forma particularmente sugestiva a realização do empenho participativo. A partir do mapa do mundo da música, os visitantes podem ouvir sonoridades de todos os continentes ou, de forma lúdica, encontrar o instrumento certo para determinado exemplo sonoro. Aquele que se movimenta num determinado campo sonoro, desencadeia sequências sonoras de diferentes culturais e que se recompõem segundo novos rítmos. Assim, os visitantes, através dos seus movimentos de corpo tornam-se compositores de uma música global.


Apesar da criatividade da proposta, também aqui se constata uma insuficiente consideração do estado atual das pesquisas e das reflexões. A aproximação teórica reflete perspectivas marcadas por uma concepção de Etnomusicologia que vem sendo questionada há décadas no âmbito dos esforços renovadores dessa área de estudos a partir de sua orientação culturológica.


O pêso dado à introdução do fonógrafo no painel indica a permanência de concepções convencionais e já há muito questionadas de um início da pesquisa de culturas musicais extra-européias no sentido científico do termo a partir das possibilidades de registros sonoros.


Essa idéia, que marcou durante décadas a auto-consciência da área disciplinar, indica uma compreensão insuficiente de cientifificidade e uma perspectivação do desenvolvimento científico em contextos globais. Ela corresponde a uma questionável tensão e mesmo animosidade entre etnomusicólogos e musicólogos de orientação histórica que marcou de forma lamentável a pesquisa e o ensino universitário.


A necessária superação dessas delimitações, determinadas por último por perspectivas que partem de categorizações do objeto de estudos, constituiu um dos principais pontos de discussão que levaram à fundação da entidade que hoje é representada pela Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais/A.B.E. e pela introdução da disciplina Etnomusicologia no Brasil, em 1972.


Já nessa época salientou-se que a interação de conhecimentos obtidos por métodos empíricos e aqueles provenientes de fontes históricas deve ser intensificada e acompanhada por reflexões teóricas para que se possa superar impasses de uso inadequado de conhecimentos e concepções.


Apesar de animosidades para com a pesquisa histórica, etnomusicólogos sentiram sempre a necessidade de interpretar ou tirar conclusões de cunho histórico no tratamento de fatos obtidos por registros ou observações empíricas, o que levou à consideração seletiva de fontes e mesmo à sua instrumentalização para a corroboração de hipóteses. Por sua vez, explicações dadas por autores que assim procedem foram utilizadas por historiadores para a leitura de fontes e o tratamento de épocas pouco documentadas, criando-se uma problemática circularidade.


O argumento sempre utilizado para a desqualificação de fontes históricas do passado foi o de que estas refletiam perspectivas eurocêntricas, como se textos de períodos posteriores ao desenvolvimento de técnicas de registro sonoro também não estivessem marcados pela inserção cultural dos pesquisadores e refletissem correntes de pensamento europeu/norte-americano.


A consideração adequada de complexos temáticos relacionados com a música, para corresponder ao escopo do Forum Humboldt necessita, assim, partir de uma fundamental crítica teórica da própria Etnomusicologia, na qual um importante momento reside justamente na superação de uma compreensão disciplinar que tem como marco o fonógrafo como início de uma "cartografia musical" do mundo.


Questões teórico-culturais. "Uniar a si tanto mundo quanto possível"


De forma simpática e de alto significado diplomático-cultural, a Alemanha demonstra com o projeto Forum Humboldt que a lacuna no seu centro não é preenchida com uma instituição que dirige a sua atenção para si própria,  mas sim para o mundo. A participação das diferentes culturas no coração de sua capital traz também uma reciprocidade, pois serve para uma reconscientização alemã no âmbito de um mundo que se apresenta cada vez mais articulado.


O palácio em reconstrução pretende transformar-se em local de reflexão em um mundo interligado globalmente, possibilitando a Berlim dedicar-se a uma tarefa de relevância internacional.


A legitimação maior de Berlim para assumir um papel condutor como metrópole cultural e como centro de reflexões culturais no mundo é manifestada no seu próprio nome Humboldt. Lembrando que os irmãos Wilhelm e Alexander von Humboldt atuaram em Berlim, que realizaram trabalhos pioneiros no estudo das culturas e no conhecimento do mundo, o Forum torna-se porta-voz de uma herança cultural, estabelecendo uma ponte com correntes exemplares do passado prussiano do início do século XIX e o futuro.


Significativo testemunho dessa intenção é a menção a uma frase de W. von Humboldt: "unir a si tanto mundo como possível" como uma espécie de lema do Forum Humboldt.


Essa frase, porém, não pode ser interpretada independentemente do contexto global do pensamento de Wilhelm von Humboldt, marcado que foi por grande coerência.


O termo "mundo" adquire no edifício de suas concepções um sentido amplo, não correspondente àquele do seu uso na linguagem quotidiana do presente. O seu complexo de sentidos apenas pode ser compreendido sob o pano de fundo das concepções relativas ao processo de formação de Humboldt, ou seja, dos conceitos de Forma e Matéria nas suas interações dinâmicas. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Ideal-formativo.html)


O conceito de "mundo" surge, nessa acepção, antes como correspondente à "matéria" em sentido amplo e abstrato do termo, e que recebe o cunho do princípio da Forma. Este princípio, por sua vez, materializa-se e atualiza-se apenas na sua interação com a matéria ou o mundo assim compreendido, resultando da atuação recíproca um terceiro que, por sua vez, dá continuidade a um processo sem fins determinados. Esses fundamentos teóricos do seu pensamento, que remontam à recepção da antiga Filosofia, fornecem também as bases para a sua compreensão das línguas e do processo formativo de nações.


Tem-se considerado que esses fundamentos teóricos do edifício de pensamento humboldtiano, remontantes por último a abstrações filosófico-naturais refletem um ponto de vista próprio do condicionamento geocêntrico do homem na sua existência e que levam a uma visão do mundo fundamentalmente antropocêntrica.


A expressão "unir a si tanto mundo como possível" surge, sob esse pano de fundo como questionável como expressão de centrismo cultural e, portanto, inadequada para corresponder plenamente aos intentos do projeto, representando apenas o ponto de vista alemã.


Na visão a que o projeto se propõe, um verdadeiro diálogo exige que os participantes estrangeiros não sejam "mundo" ou matéria que recebam a ação de uma forma que o configure, mas sim que sejam êles próprios compreendidos como princípio capaz de configurar outros mundos.


Para isso, porém, tem-se a necessidade de uma consideração do todo a partir de uma perspectiva à distância, externa, fora do sistema que deu origem a esses princípios de um processo formativo/configurativo. Essa perspectiva à distância exige o superar de visões do mundo e do homem geocêntricas e antropocêntricas e, portanto, considerar os processos culturais sob um ângulo que permita a inclusão de outros seres viventes.


É essa ausência de outros seres viventes na visão cultural do Forum, e, portanto, um fundamental antropocentrismo, o seu principal problema teórico.


Além do mais, o edifício de pensamento de W. von Humboldt tem, na sua coerência, implicações econômicas e políticas. O "Teórico da Liberdade" surge também como teórico do Liberalismo e sobretudo de uma concepção determinada de Estado minimizado nas suas funções, reduzidas estas quase que exclusivamente à manutenção da segurança e da ordem, e que, hoje, lembram aquelas do Republicanismo norte-americano. Essas implicações teórico-econômicas, políticas e partidárias de um edifício teórico marcado pela frase "unir a si tanto mundo quanto possível" correspondem a uma unilateralidade de concepções que não pode ser aceita.


Aceitando-se o convite à participação de pensadores nas reflexões do Forum Humboldt, torna-se necessário lembrar que justamente a partir do processo reflexivo que vem sendo há muito desenvolvido, o diálogo, para ser produtivo no sentido das intenções deve iniciar-se com a discussão e a resignificação dos fundamentos de um edifício cultural que se vincula com o nome de W. von Humboldt apesar da luminosidade e exemplaridade da sua personalidade e obra.



Antonio Alexandre Bispo





Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."Forum Humboldt- a Humboldt-Box nos 775 anos de Berlim. Reflexões da perspectiva dos Estudos Culturais em relações Europa-Brasil". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 140/12 (2012:6). http://revista.brasil-europa.eu/140/Forum-Humboldt.html





  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.