Anos trinta nos EUA. BRASIL-EUROPA 129. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Os estudos de contextos Brasil-Estados Unidos revelam um papel singularmente importante desempenhado por mulheres no decorrer da história das relações culturais e artísticas do século XX.

Se na Europa do século XIX - e na América Latina - salões mantidos por damas de sociedade com ambições culturais levaram ao convívio entre intelectuais e artistas, determinando correntes e tendências, nos Estados Unidos a influência sócio-cultural exercida por círculos, clubes e organizações femininas resultou sobretudo de uma orientação mais especificamente filantrópica.

Causas beneficientes  foram frequentes motivos a reuniões sociais e elegantes, realizadas com a justificativa de angariar fundos.

Motivos beneficientes contribuiram também para empenhos de personalidades femininas com interesses culturais que poderiam ser mal-entendidos como expressões de projeção pessoal, poder e vaidade, mal vistos segundo normas de comportamento e convenções sociais.

No contexto das ações desses círculos, amparadas por motivos elevados de ação de benemerência, artistas puderam projetar-se mais facilmente, sem despertarem críticas quanto a ambições e demonstrações pouco dignificantes de desejos de exibição pessoal e procura de aplausos.

Salões europeus e clubs femininos norte-americanos

Se o papel histórico-cultural dos salões europeus, na diversidade de suas orientações, já tem sido objeto de estudos, também nas suas repercussões no Brasil, o papel da mulher na vida social e cultural das Américas necessitaria maior atenção diferenciadora sob a perspectiva desse caminho de atuação sócio-cultural através de ações beneficientes.

Entretanto, o direcionamento mais acentuadamente benemérito desses círculos, onde o convívio era menos determinado por discussões estéticas e intelectuais do que por ações pragmáticas de auxílio social, comunitário e patriótico, parece ter levado a um cunho político mais conservador, de afirmação de status quo social, onde o estar em condições de ajudar surge como prova de poderio econômico e de posição privilegiada na sociedade.

Compreende-se, assim, a importância da ação feminina em épocas críticas da história dos Estados Unidos, por exemplo nos anos da Primeira Guerra, como exposto em outros artigos desta edição.

Distinção social e política afirmativa - esteios do establishment

Parece ser assim compreensível que, diferentemente dos salões europeus do passado, nos quais se destacaram não raro personalidades de alta individualidade e mesmo de independência quanto a convenções e normas, os círculos sócio-culturais de benemerentes norte-americanas surjam com uma mais acentuada feição nobilitadora de seus membros, atentas a portes dignificantes e de atitudes sobranceiras.

Um período no qual se reconhece uma especial influência de círculos femininos na vida sócio-cultural americana é aquele que se seguiu à grande depressão, à crise econômica eclodida em outubro de 1929.

Os estudos que procuram relacionar economia, história social e cultural encontram sob esse aspecto, na década de trinta, amplas possibilidades de questionamentos. Nos anos mais graves da crise econômica, de 1933 até meados da década, o desemprêgo em massa e a miséria reinante em amplas camadas populacionais dos Estados Unidos deram ensejo ao empenho benemérito de círculos femininos de esferas da sociedade não tão atingidas pela crise.

Uma das tarefas da pesquisa seria a análise político-cultural mais aprofundada desses círculos, nas suas relações contrastantes com tendências políticas de esquerda de movimentos sociais da época.

Se essa foi uma época marcada por expressões culturais politizadas e de crítica social nas várias esferas da cultura, em filmes, em peças teatrais, na música e nas artes visuais, a presença do Brasil entrou na história antes através de personalidades femininas de projeção em círculos sociais privilegiados e conservadores, entre elas Guiomar Novaes (18905-1979) e Bidu Sayão (1902-1999), ou na esfera do entretenimento popular desviador das atenções de problemas sociais e políticos, salientando-se aqui Carmen Miranda (1909-1955).

A participação do Brasil na esfera da vida de concertos e sua entrada no mundo popular de divertimentos norte-americana dessa época merecem, assim, exames mais aprofundados de suas implicações políticas.

Um panorama de ações caritativas femininas em Nova York, em 1936


O jornal The New York Times, de domingo, 5 de janeiro de 1936, é uma fonte significativa para o reconhecimento do papel desempenhado pela mulher na situação econômicamente crítica de meados da década de 30.


Sob o título de "Women who are working to insure the success of forthcoming charitable events here", o jornal, na sua página de atualidades sociais, comentou várias promoções sociais, culturais e beneficientes de iniciativa ou com predominante contribuição feminina em Nova York. Dentre as personalidades consideradas, o jornal salienta Elizabeth Sillocks, Margaret Sillocks, Nancy Shiverick, Jeannette M. Genius e a Sra. Alexander H. McLanahan.


Mr. Bagbys 393rd Musical Morning. Arquivo A.B.E.

Mir. Bagbys 393rd Musical Morning. Arquivo A.B.E.
Clubs femininos, círculos militares, militarização


Dos eventos anunciados ou comentados, pode-se constatar o significado daqueles de cunho militar. Assim, Miss Le Brun Rhineländer, presidente de um comitê de debutantes do Baile Militar e Naval, oferecia um almoço na quinta feira, dia 23 de janeiro, no Versailles, 151 East Fiftieth Street. O baile teria lugar no Waldorf-Astoria e seria em benefício ao club de soldados e marinheiros de Nova York. 


O comitê de debutantes, que havia sido recentemente organizado, era composto pelas senhoras Jane Pope, Barbara Hope Gatins, Phyllis Gillespie, Faith Lock, Lucy Saunders, Frederica Poor, Virginia French, Florence Sullivan, Thayer Gibbons, Eve Mortimer, Anne Hoguet e Harriet Adams. Outras senhoras de sociedade ativamente interessadas no baile eram membros de vários comitês encabeçados pelas senhoras Alexander McLanahan, L. Gordon Hamersley e Fergue Reid.


NY. Foto A.A.Bispo©
Um dos maiores eventos de cunho militar era o Blue and Gray Ball dedicado aos veteranos da Guerra Civil do Norte e do Sul, a ser realizado no dia 31 de janeiro e para o qual se contava com a presença de 5000 participantes. Incluiria uma cerimônia militar para o alistamento de grupos militares de todo o país. Esse evento marcava o 110° aniversário da Old Guard da Cidade de Nova York, então sob a direção do Colonel Edward Havemeyer Spyder.


Uma cerimônia à meia-noite, incluindo centenas de representantes de organizações ativas e veteranas de todas as partes do país, com fogo simbólico, constituiria o ponto alto do evento. Uniformes usados na Guerra Americana desde a Revolução seriam vistos em parada militar, uma cerimônia tradicional do baile, desde o primeiro realizado, em 1826. 


O jornal anunciava o baile de debutantes de 11 de fevereiro, quando se dançariam quadrilhas no Lace Ball em auxilio à Children's Village no Dobbs Ferry, no Waldorf-Astoria. Grandes quantidades de fitas seriam usadas nas decorações da sala de baile, e senhoras que participavam deveriam usar trajes históricos de 1860. A presidente honorária do baile seria a Sra. William L. Harkness, a presidente ativa a Sra. George Henry Warren Jr..


Jascha Heifetz (1901-1987) em benefício à Women's Trade Union League


Os elos entre a vida artístico-musical e os círculos de mulheres beneméritas eram muitos. Esses clubs podiam realizar encontros sociais elegantes, chás, jantares e mesmo concertos para angariar fundos, ou então artistas ofereciam-se para, renunciando a parte de seus honorários, realizarem concertos a favor dos círculos femininos, para que estas tivessem fundos para as suas atividades.


Essa última opção era considerada ativamente pelos agentes promotores de concerto,  e já havia desempenhado um papel de importância à época da Primeira Guerra Mundial, quando o manager da pianista brasileira Guiomar Novaes procurava oportunidade para tais atuações. Para os artistas, o motivo beneficiente justificava que se apresentassem com um honorário mais baixo sem prejuízo de sua reputação ou sem criar precedentes para outros concertos.


Um recital altamente significativo nessa tradição foi o do violinista judeu Jascha Heifetz (1901-1987), imigrado da Lituania em 1917, naturalizado americano em 1920, em auxílio ao Women's Trade Union League, sociedade de assistência a mulheres trabalhadoras, no dia 14 de janeiro de 1936.


Esse recital de artista de tão alto renome foi organizado pela senhora Phyllis Konta à frente de um grupo de jovens de sociedade que procuravam vender bilhetes para o benefício: Nancy Shiverick, Winnie Wylle, Elizabeth Russell, Natalie Erdman, Elva Louise Lacey, Ethel Meredith, Ruth Mary Ruxton, Olivia Taylor, Patricia Magor, Jeannette Parker, Joan Howson, Vivian Dixon, Cornelia Dickerman, Yvonne Polly Chjilds, Helen Adams, Elizabeth Merrill, Jerry BNergh, Madeline Mason-Manheim, Dorothea Dutcher, Thayer Gibbons, Julia Booth, Ella Marie Poor, Barbara Crim, Ruth Ryan, Lucy Hutchinson e Angela Dunham.


O comitê executivo do recital era dirigido por Myron I. Borg, e a própria First Lady, Anna Eleanor Roosevelt (1884-1962) assumira a presidência de honra. Entre as senhoras associadas a Myron I. Borg encontrava-se a senhora Claire Raphael Reis.


Claire Raphael Reis (1888-1978) e mulheres judias na vida benemérita e musical


Claire Raphael Reis (1888-1978) era agente musical e escritora, proveniente de família do Texas, que se casara em 1915 com Arthur M. Reis, de influente familia judia, presidente da Robert Reis and Company, fundada em 1885. 


De sólida e ampla formação, tendo realizado estudos na França, na Alemanha e em Nova York, estudara música no Institute of Musical Art, entre outras com a renomada professora Bertha Fiering Tapper. Durante a Primeira Guerra e nos anos que a seguiram empenhou-se na fundação do People's Music League do People's Institute em Nova York, com o objetivo de oferecer concertos gratuitos para imigrantes e para educandários públicos. Como professora de música de jardins da infância, procurou adaptar o método Montessori à música, contribuindo ao estabelecimento da Walden School, em 1914. 


Na década de vinte, juntamente com outros compositores, criou a League of Composers, tornando-se diretora executiva e desenvolvendo intensa atividade promotora de concertos e de fomento de novas criações musicais. Foi uma das fundadores do Women's City Club e participou do Conselho de Nova York do Work Projects Administration. Após o evento de 1936, iria ser apontada pelo Presidente Roosevelt, em 1939, para a Comissão de Música do New York World's Fair, em 1939. Um de seus filhos, Arthur Reis Jr. (1916-2008), tendo estudado na Deerfild Academy e na Princeton University, seguindo o exemplo de sua mãe, tornou-se excepcional levantador de fundos; foi um dos mais jovens executivos da Pan American Airways e atuou como capitão do Air Transport Command das forças aéreas americanas durante a Segunda Guerra.


Greenwich Woman's Club e expressões de um culto a Roosevelt


Uma outra atividade feminina a ser salientada do ano de 1936 foi a da festa anual realizada no clube de campo de Greenwich. Nessa sua edição, os grandes nomes que nela participaram com recital beneficiente no Rosemary Hall foram os dos artistas de origem francesa George Barrère, flautista, (Veja artigo) e Carlos Salzedo.  Essa era a terceira na série da Chamber Music Society of America daquele inverno.


O primeiro encontro do Greenwich Woman's Club do ano teve lugar no templo maçonico, quando a condessa Irina Skariatina falou sobre o tema Russia of Yersterday and Today. Na casa da Sra. William J. Willson teve lugar uma festa com jogo de cartas de Angell Husted Chapter,membro da Daughters of the American Colonists.


A patronesse do baile foi a esposa do filho do Presidente Franklin D. Roosevelt, James Roosevelt (1907-1991), General de Brigada da US Marine Corps. Esse baile era o terceiro anual de aniversário em homenagem ao aniversário do Presidente Roosevelt. Realizou-se no dia 30 de janeiro no Waldorf-Astoria. O comitê de organização incluia as senhoras Cornelius Vanderbilt, James W. Gerard, Charles Fellowes Gordon, James Lees Laidlaw, Gordon Auchincloss e Eugene W. Ong.  Juntamente com esse baile teriam lugar ca. de 5000 outros pelo país e um no Exterior, nas Bermudas.


Esse baile de aniversário para o presidente a ser realizado nas Bermudas representava uma novidade, pois era a primeira vez que seria celebrado por estrangeiros e em terra estrangeira. A sra. George B. St. George do Tuxedo Park NY, presidente do Birthday Ball em Manhattan do ano findo, auxiliava o comitê de Bermudas sob o mecenato da sra. Cubittz, esposa de Sir Thomas Astley Cubitt (1871-1939). O evento havia sido secretariado pela senhora Charles H. Heisler, esposa do consul dos EUA nas Bermudas. Seria em benefício aos Warm Springs Foundation para a reabilitação de crianças paralíticas: o Lady Cubitt Compassionate Fund.


Uma outra festividade a ser mencionada do ano de 1936 foi o anual Yankee Doodle Ball para o aúxílio do Stony Wold Sanatorium, na sala de baile Louis XVI do Park Lane. Jere Raymond Wickwire encabeçava o grupo de damas envolvidas no projeto.


Russian Students' Ball - Old Czarist Festival


O baile anual dos estudantes russos tinha como objetivo angariar meios para o Russian Student Fund e o Russian Alumni and Student Association. O evento, em 1936, teria lugar no dia 24 de janeiro, no Ritz-Carlton Hotel, e marcaria o 15. aniversário da fundação do fundo e do Russian Student Christian Association, assim como a do 10 aniversário da sua Alumni Association.


Comemorava-se, ao mesmo tempo, o Tatiana's Day, a santa russa padroeira dos estudos, celebrada no dia 23 de janeiro. Esse dia era um dos mais festejados pelos estudantes na antiga Rússia. A presidente executiva do baile era a sra. Edwin Phillips Kohl, auxiliada por Goldthwaite Higginson Dorr, Jeannette M. Genius, G. Griswold Frelinghuysen, Russell Higginson Dorr, L. Clark Winter, Eleanor Wendell, Kenel Winslow, C. Russell Griffin, Mitchell Carroll e Albert Bristol Turner. A lista das patronesses era encabeçada pela Grã-Duquesa Marie, Princesa Paul Chavchavadze (Princesa Nina da Rússia) e Princesa Xenia. O fundo fora estabelecido em 1921 e era destinado a ajudar estudantes russos  a obter a sua educação superior nos EUA.


Tea Dance: Adopt-a-Family Committee


Um Tea-Dance foi dado em benefício dos serviços médicos da Adopt-a-Family Committee. A organização do programa estava a cargo de Margaret M. Gillmore, auxiliada pela Sra. Johnston L. Redmon, Lawrence Cooper, Howland S. Davis, James Lingston Freeborn, Quincy A. Gillmore Jr., Gilbert Kinney e Wakefield Wordester.


O Adopt-a-Family Committee foi organizado em 1932 pela sra. August Belmont como uma extensão do trabalho da Women's Divison of the Emergency Unemployment Relief Committee. O seu interesse primordial era o dee encontrar trabalho remunerado para mulheres que estavam dersempregadas. O comitê colocava o desempregado a trabalhar numa agência sem fins lucrativos que poderia oferecer um emprêgo para o treinamento e habilitação. Todas as contribuições iam diretamente para as famílias adotadas. Um comité de debutantes foi organizado para auxiliar a festa, encabeçada por Elise Merrill, juntamente com Dorothy Pratt Williams, Phylllis Gillespie, Jane Witherspoon, Barbara Crim, Julia Donahue, Emily Tuckerman, Lucy Sauders, Eve Mortimer, Phyllis Konta, Virginia French, Barbara Hope Gatins, Julia Hildt, Anne Hoguet e Abbey Kissell.


Para angariar fundos, a sra. Eweretta Kernochan dava, na sua casa, 155 East Segeny-second Street, um chá beneficiente para possibilitar a execução beneficiente do Tristan und Isolde na Metropolitan Opera House. As entradas da matinée seriam doadas à Florence Crittenton League.


Charity Bridge - The Catholic Boys Brigade


No âmbito católico, salienta-se a ação da sra. Thomas J. O'Neill, presidente da Association for Catholic Action Among Boys. Dentre as ações beneficientes, essa sociedade promoveu uma festa no dia 27 de janeiro em St. Regis, cujas entradas iriam auxiliar o treinamento de meninos necessitados não alcançados por outras organizações. Era auxiliada por várias outras damas, entre elas senhoras Joseph T. Ryan, Arthur J. Morgan, Ashley T. Cole, Edward P. Mulrooney, William J. Pedrick, Corinne Roche, Francis J. Quillinan, Walter A. Burke, James A. Farley, James F. McDonnell, James A. Foley, William Calton Shanley, Thomas J. Reilly e Eugene D. Wood.


Recital de Guiomar Novaes no Town Hall de Nova York como acontecimento artístico-social


É nesse contexto da vida sócio-cultural de Nova York em período que se notava uma moderada estabilização e a superação do ponto mais grave da crise econômica e de trabalho que pode ser considerado o segundo recital da artista brasileira da estação de 1935/36 no Town Hall de Nova York, no dia 4 de janeiro de 1936, um sábado à tarde, às 15:00 horas.  O evento foi promovido pelo management da intérprete brasileira, Hansel & Jones, divisão da Columbia Concerts Corporation da Columbia Broadcasting System.


O programa incluiu várias obras do repertório da pianista, entre elas a Chaconne de Bach-Busoni de abertura, apresentou, porém, o significativo fato de incluir uma obra do compositor brasileiro Camargo Guarnieri, o Choro N° 5. Essa peça foi precedida, na segunda e na terceira partes do programa, pelo  Theme and Variations in F major, opus 34 de Beethoven, o Scherzo from „Midsummer Night‘s Dream“ de Mendelssohn-Ritter, e a Sonata in B minor, opus 58 de Chopin. Abrindo a IV parte, Camargo Guarnieri foi seguido pela Dance of Fear, from El amor Brujo de Falla, e Evocation e Navarra de Albéniz.


Grena T. Bennett (1884-1946): ...like steel enclosed in velvet...


O evento representou um acontecimento social, sendo comentado na coluna "Social News" do The New York Times, de domingo, dia 5 de janeiro.


Grena T. Bennett, conhecida pelas suas estórias de cunho de mistério e ficção, publicadas em magazines populares (The Tilting Island, com Thomas J. Vivian, Everybody's Magazine, setembro de 1909), salientou na sua coluna que o auditório estava totalmente lotado para ouvir a artista brasileira.


As suas palavras salientam o seu toque aveludado e o cuidado pelos detalhes, o seu sentido por comedição apesar de todo o brilhantismo, o seu acentuado romantismo na sua concepção de Beethoven, onde o sentimento podia correr o risco de transformar-se em sentimentalidade.


Guiomar Novaes, pianist from Brazil, gave her second recital at Town Hall yesterday afternoon before an audience that completely filled the auditorium.


She performed the Bach work with remarkable brilliancy, negotiating its speedy and involved measures with confidence and ability; her fingers, like steel enclosed in velvet, neither faltering nor hesitating in passages requiring technical accuracy and tirelessness. (...) The romantic content of Beethoven was rather overaccentuated, with sentiment transformed to sentimentality. Despite this inclination to overemphasize its dramatic import, Miss Novaes' reading had the saving grace of precision in its technical details. (Grena Bennett, Social News, The New York Times, Sunday, January 5, 1936)


Camargo Guarnieri, música do "tipo latino" e "Dança do Fogo" para as damas de NY


O recital da artista brasileira mereceu comentários nos demais jornais de Nova York. O New York Herald Tribune, salientou a individualidade de sua interpretação da sonata de Chopin e registrou a inclusão do Choro N° 5 do compatriota da pianista, Camargo Guarnieri, no grupo final das obras oferecidas, o grupo "ibérico", sendo seguido por peça do El Amor Brujo de Manuel De Falla e duas peças de Albeniz.

 

Guiomar Novaes gave her second recital here this season yesterday afternoon at Town Hall, where the justly admired Brazilian pianist began the program with Bach's Chromatic Fantasy and Fugue and a relatively unfamiliar work of Beethoven, the theme and variations in F. Op. 34. Chopin's sonata in B minor preceded the intermission, and the final group, beginning with Choro N° 5 by the pianist's compatriot Camargo Guarnieri, continued with an excerpt from De Falla's El Amor Brujo and two works of Albeniz.


Mme. Novae's interpretation of the Chopin sonata was individual but not excessively unorthodox. The work, perhaps, has a potentially larger emotional content than was revested in this performance, but the buoyancy of the second movement and the lyric meditativeness of the third were notably well set forth, and the planist's noted technical mastery, the ingratiating quality of her instrumental tone and the artistic proportion and clarity of detail which characterize her playing were again in evidence. The large audience manifested merited and warm enthusiasm. ("Guiomar Novaes Gives 2d Recital at Town Hall", New York Herald Tribune,  F.D.P. 5 de janeiro de 1936, 15)


Dois dias após o recital, o New York World-Telegram registrou o acontecimento, também mencionando a sua interpretação de Chopin e que Camargo Guarnieri fora seguido pela "Dança do Fogo" do El Amor Brujo de Falla e pela Evocation e Navarra de Albeniz.


In a program of old and modern music Guiomar Novaes, the noted Brazilian pianist, gave her second recital of the season on Saturday afternoon in the Town Hall. A large audience waxed enthusiastic over the artist's playing. She rendere especially well Chopin's sonata in B minor, achieving a rousing climax in her exposition of the Scherzo. The other numbers were a Choro by Camargo Guarnieri, the Dance of Fear from de Falla's El Amor Brujo and Evocation and Navarra by Albeniz. (New York World-Telegram R.C.B., Monday, January 6 , 21)


Comentários mais detalhados ofereceu o crítico do The New York Sun (O.T.). Para êle, a pianista alcançara a sua maior expressão na música de "tipo latino" de Guarnieri, De Falla e Albeniz. Ela não era uma executante de proclamações heróicas de conotações masculinas.


Thereafter Guarnieri, De Falla and Albeniz were drawn upon for music of a Latin type in which Mme. Novaes excels. The Dance of Fear from De Falla's El Amor Brujo was a marvel of crisp and coloristic utterance in its adaptation of the resources of the instrument to the tone-painting of the orchestra. The Albeniz Evocation, for once, was all that the designation would imply; the inspiration of the performance transcending that of the composition. The same composer's Navarra, however, hat its moments of blur, due to inaccuracies of the fingers. As has been observed before, Mme. Novaes is not a player for heroic proclamations. Nor is sheer technical brilliance the basis of her appeal. When she tossed a rose into the audience on Saturday she symbolized an art that would stand to lose, rather than gain, through a further cultivation of a masculine approach at the expense of the feminine. (The New York Sun, O.T. Segunda Feira, 6 de janeiro de 1936)


Para o New York Evening Journal, Camargo Guarnieri representava um dos números espanhóis, que bem se adaptavam ao temperamento sul-americano da pianista:


She is always so true to her musical instinct, that her very sincerity expresses to the full the message she would convey. Her program included classic music played with beautifully clear design and the close brought Spanish numbers well suited to her South American temperament. (New York Evening Journal, Segunda Feira, 6 de janeiro de 1936, 14)


Para o Sunday Mirror, (pá´g. 25), o concerto reafirmara a grandeza da proficiência técnica e musicalidade femininas: calma e momentos de stress, ágil em passagens dificeis, sempre compreensível. (Sunday Mirror, Segunda Feira, 6 de janeiro de 1936, 25)





Bagby Morning Musical, Waldorf Astoria - A aura de Liszt


A participação de Guiomar Novaes na 393a. Matiné Musical do Sr. Albert Morris Bagby's no sala de baile Waldorf-Astoria, na Segunda-Feira, 21 de Dezembro de 1936, às onze horas, representa outra testemunha a integração da pianista na alta sociedade de Nova York.


O convite à sociedade foi feito em name da Madame Kirsten Flagstad, Sr. Mario Chamlee e Efrem Zimbalist. A pianista brasileira presentou-se justamente com a cantora Lotte Lehman e o cantor Richard Bonelli, acompanhados ao piano por Walter Golde e Ernö Balogh.


Novaes executou obras de Chopin, - o Noturno em Fá maior e três Escocesas -, assim como Danse de La Peur de Falla e Triana de Albeniz. O programa terminava com a 10. Rapsódia de Liszt. 


Lehmann apresentou um programa que incluiu obras de Wagner, Massenet, Schumann, Brahms, Schubert, Reinaldo Hahn e Amy Worth.


A inclusão da rapsódia de Listz pela pianista brasileira correspondia significativamente à tradição do evento. Esse remontava ao pianista Albert Morris Bagby, que representava um dos últimos elos com o mundo de Liszt. Ainda que nunca tivesse com êle estudado, havia sido seu parceiro de jogo. Havia escutado Brahms e, retornando aos Estados Unidos, proferira uma conferência no Newport's Town e no Country Club, a pedido da poetisa e escritora Julia Ward Howe (1819-1910), dando origem a conferências Bagby com acompanhamento de piano e, delas, à tradição de concertos do Bagby Morning Musical.


Nesses eventos, Morris Bagby contratava os mais distintos artistas, prestava atenção, porém, a que o repertório fosse acessível aos círculos sociais envolvidos. O fator principal desses concertos era o o sucesso na fina sociedade. Após o Musical Morning, oferecia um almoço para ca. de 60 convidados, entre elas jovens senhoras da sociedade e músicos aceitáveis socialmente. A Bagby Music Lovers Foundation passou a angariar fundos para artistas necessitados.



Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.."A mulher nas relações culturais Brasil/Estados Unidos II: Em anos de depressão: a distinção da beneficiência Choro de Camargo Guarnieri (1907-1993) e a aura de Liszt do Bagby Morning Musical no Waldorf Astoria". Revista Brasil-Europa 129/17 (2011:1). http://www.revista.brasil-europa.eu/129/Brasil_nos_anos_trinta_nos_EUA.html



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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 129/17 (2011:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2703




A mulher nas relações culturais Brasil/Estados Unidos II:
Em anos de depressão: a distinção da beneficiência
Choro de Camargo Guarnieri (1907-1993)
e a aura de Liszt do
Bagby Morning Musical no Waldorf Astoria


Trabalhos da A.B.E. em Nova York, Los Angeles e Boston - Ano Edward MacDowell 2010 e Ano Listz 2011

 

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