Ultramontanismo e arquitetura. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
Ultramontanismo e arquitetura. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 128/11 (2010:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência
e institutos integrados
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 2667
Do ultramontanismo e da arquitetura da unidade com Roma
no Catolicismo político do continente americano
D.Ignace Bourget (1799-1885) versus l'Institut Canadien
Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins
Montréal: Cathédrale Marie-Reine-du-Monde
Fotos A.A.Bispo
©Arquivo A.B.E./I.S.M.P.S.e.V.
O cotejo do desenvolvimento histórico-cultural dos dois países possibilita ao pesquisador brasileiro uma visão mais diferenciada do século marcado, no Brasil, pela independência e o Império.
Passa a perceber, com a comparação, que a sua imagem do século XIX, condicionadas pela situação brasileira, não empresta a necessária atenção ao significado e às consequências de correntes ultramontanas em contextos globais e não valoriza à altura as condições de liberdade relativas aos estudos culturais e científicos que predominaram no Brasil sob Pedro II, protetor de instituições culturais tais como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Local de reflexões: Catedral de Montréal
Uma das perplexidades que o Canadá causa ao pesquisador de relações culturais diz respeito à catedral de Montréal, consagrada em 1894, basílica menor desde 1919 e, desde 1955, dedicada a Maria, Rainha do Mundo, pelo Papa Pio XII.
Acostumado a encontrar, em todas as regiões colonizadas edifícios históricos inspirados em maior ou menor grau em modêlos europeus, o observador não se surpreenderia em deparar-se com uma igreja que revelasse elos com monumentos do passado. A catedral de Montréal, porém, não apenas mostra vestígios ou demonstra a ação de impulsos, mas representa uma evidente reprodução, em modêlo menor, nada menos do que a Basílica de São Pedro de Roma!
O observador fica atônito em ver no seu interior, várias réplicas de obras de arte do Vaticano, também em ponto menor, entre elas da imagem de São Pedro e mesmo do baldaquim de altar de Bernini.
Uma observação mais cuidadosa do edifício revela diferenças entre o original e a sua reprodução. Assim, a série dos 12 apóstolos da fachada foram substituídos por uma série de padroeiros de paróquias locais. Se São Pedro revela ser o centro para a igreja mundial, a catedral de Montréal apresenta-se como centro da igreja local.
Essa surprêsa em encontrar uma cópia do Vaticano no Canadá levanta questões e traz à mente diversas apreciações negativas relativas à falta de originalidade e à força da imitação no continente americano, em particular na América do Norte.
Como se explica, pergunta-se, que se tivesse investido tanto trabalho e meios financeiros na execução de uma obra de tais dimensões e de tal qualidade construtiva que representa apenas uma cópia em modêlo menor, uma obra que jamais poderá ser valorizada segundo critérios de originalidade e criatividade?
O que representaria de „canadense“ nesse monumento, o que representaria na história da sociedade do Canadá e nos seus processos de formação de identidade?
Após o incêndio que destruiu a antiga catedral de Montréal, dedicada a Santiago Maior, em 1852, decidiu-se a sua reconstrução em outro local.
Tanto o local escolhido como o seu estilo foram resultados de decisões de significado simbólico e político-cultural por parte do bispo de Montréal, D. Ignace Bourget (1799-1885).
A nova catedral foi levantada não nas partes da cidade de população católica franco-canadense, mas sim na zona ocidental da cidade-baixa, em meio sobretudo a habitantes inglêses.
Do neo-gótico à reprodução de monumentos de Roma no Catolicismo Político
A escolha desse local relativamente distante para os católicos, em geral de língua francesa, levou a protestos. Representou uma manifestação enérgica de auto-consciência da autoridade eclesiástica em marcar a predominância do Catolicismo romano na sociedade. A esse intento correspondeu a decisão de se criar uma reprodução da Basílica de São Pedro, em Roma. A catedral de Montréal marcava a presença de Roma no Canadá, a absoluta orientação político-cultural segundo a autoridade pontifícia.
A decisão de se recriar a Basílica de São Pedro em tamanho menor marcou uma nova fase no desenvolvimento histórico-artístico e arquitetônico canadense. Até então, a tendência predominante era a do neo-gótico, correspondente ao espírito romântico e historicista de valorização da Idade Média e sua cultura predominante desde a Restauração. O neo-gótico era preconizado tanto pelos Sulpicianos, como o evidenciava a Basílica de Notre-Dame, como pelos anglicanos.
O programa construtivo do bispo de Montréal, porém, orientava-se sobretudo por Roma como centro do Catolicismo, em especial a da época do Concílio de Trento. Esse direcionamento tinha uma fundamentação marcadamente político-cultural e os seus resultados o significado de manifestações.
O intuito motor já não era o da recuperação romântica de um espírito da Cristandade que se via incorporado no Gótico, mas sim o da afirmação da fidelidade ao Papa. Essa demonstração de lealdade tinha a sua atualidade devido à situação dos Estados Pontifícios, então em risco pelo movimento de unificação nacional italiana.
O intuito do bispo de Montréal em dotar a cidade de uma imagem do Vaticano em ponto menor foi recusado pelo arquiteto Victor Bourgeau, então dos mais renomados arquitetos de Québec e que seria também o responsável pela igreja dos jesuítas de Montréal. Tudo indica que essa recusa não se deu tanto por motivos estéticos, mas sim por razões de responsabilidade técnico-construtiva. É provável, porém, que Bourgeau (1809-1888), como arquiteto da Notre-Dame-de Montréal (Veja artigo nesta edição) se prendesse a uma outra corrente de fundamental espiritual da estética, a dos sulpicianos, distinta das tendências ultramontanas.
O bispo de Montréal, porém, com a consciência de sua autoridade, enviou a Roma o Ir. Joseph Michaud, então capelão dos Zouaves papais, voluntários de Montréal, com o objetivo de se conseguir um modêlo da Basílica de São Pedro como base da réplica.
As obras tiveram início em 1875. A catedral foi consagrada em 1894, como Catedral de Santiago, sendo, na época, a maior do Canadá francês.
Ignace Bourget, segundo bispo de Montréal, cuja vida abrangeu grande parte do século XIX, foi, pela intensidade de sua ação, pela sua energia e zêlo, uma personalidade que marcou a história cultural do Canadá francês.
Nascido no Baixo Canadá, na freguesia de Saint-Joseph, hoje Lauzon, como décimo-primeiro filho de família numerosa, teve, na sua origem e formação, os pressupostos de uma orientação extremamente conservadora e tradicionalista.
Com os seus estudos no Petit Séminaire de Québec e, a seguir, no Séminaire de Nicolet, foi marcado pela tradição sulpiciana e, em consequência, pela „escola francesa de espiritualidade“, tornando-se homem de grande introspecção, atento à sua vida interior à altura do sacerdócio.
Foi, porém, intensamente influenciado pelas tendências ultramontanas de Jean-Jacques Lartigue (+1840), bispo auxiliar de Montréal, do qual tornou-se secretário e pelo qual foi ordenado, em novembro de 1822. Em 1837, foi nomeado a co-adjutor do bispo de Montréal, com direito à sucessão. Assim, tornou-se, em 1840, bispo de uma diocese de enorme área, cujos limites eram a fronteira americana, a do Alto Canadá e a linha demarcatória entre Montréal e Quebec, mantendo-se à frente da diocese até setembro de 1876.
Bourget determinou a organização da vida eclesiástica e cultural do Canáda, atuando na criação das dioceses de Kingston, Bytown (Ottawa), da província eclesiástica de Quebec e da Universidade Laval. A sua reação perante o desenvolvimento rápido de Montréal em meados do século, com o crescimento da população através de grandes ondas imigratórias e o da parcela de trabalhadores na sociedade foi a de fomentar a vinda de religiosos de diferentes congregações européias. Possibilitou, assim, uma intensificação da ação de ordens que, pelas suas atividades sociais e sobretudo educativas, marcaram a formação de novas gerações.
A ação de Bourget foi marcada pelo combate persistente ao liberalismo nas idéias e nas instituições. Esse conflito manifestou-se sobretudo nas relações da Igreja com o Institut Canadien, fundado em 1844. Combatia a ação desse instituto, que difundia e discutia no Canadá obras de pensadores europeus por êle consideradas como perniciosas e mesmo demoníacas. A sua diligência e intransigência, assim como as suas convicções rigoristas levaram a conflitos mesmo em instituições eclesiásticas, tais como no Petit Séminaire de Québec, no Séminaire de Saint-Sulpice de Montréal e com outros membros da hierarquia eclesiásticas.
O conceito de ultramontanismo empregado para caracterizar as idéias e as posições representadas por Ignace Bourget e concretizadas no seu plano construtor exige que seja considerado com maior atenção.
Trata-se de um termo apenas compreensível na sua contextualização original européia. Aquele que deseja compreender o que significa o „ultra montes“, necessita situar-se em contextos de países europeus situados acima dos Alpes, para os quais Roma se localizava para além dos Alpes.
Sobretudo em regiões marcadas culturalmente pela Reformação, os católicos, em particular aqueles manifestadamente leais à autoridade pontifícia em Roma, surgiam, aos olhos de seus críticos, como ultramontanos. O termo, assim, foi primeiramente utilizado com sentido negativo, não como auto-definição, mas sim como caracterização pejorativa, servindo à polêmica.
Despertava associações com falta de patriotismo e relativa lealdade para com a autoridade civil regional ou nacional, uma vez que acima dela colocava a autoridade romana e que, no passado, era também a de soberania sobre os Estados Pontifícios. Em situações de crise, o católico orientava-se segundo o Papa.
"Kulturkampf" na Alemanha e as Américas
Sobretudo na Alemanha, essa posição católica de obediência a Roma e a sua crítica marcaram a história cultural desde o início do século XIX.
Uma nova e intensa fase experimentou o ultramontanismo na segunda metade do século, a partir da década de 70, empregado no âmbito da „Luta cultural“ (Kulturkampf), marcado por conflitos entre o Império sob o Chanceler Otto von Bismarck (1815-1898) e a Igreja Católica. O termo, aqui, assumiu conotações do ser não- ou antialemão, antipatriótico e inimigo do Império.
Na França e em países predominantemente católicos, o termo foi empregado em sentido mais amplo, designando autoridades e pensadores que criticavam tendências liberais no Catolicismo. Não tanto questões políticas de lealdade, de patriotismo ou de fidelidade para com a autoridade filiavam-se ao uso do termo, mas sim as de uma obediência cega, doutrinária e disciplinar à Cúria Romana. O termo passou a associar-se com a pieguice e com posições voltadas para o passado, anti-liberais e anti-esclarecedoras, contrárias ao progresso e, portanto, reacionárias.
Serviu para designar sobretudo aqueles que defendiam a Infabilidade papal e do Primado jurisdicional, assim como as posições dos pontificados de Gregorio VII e Inocêncio III. Submetendo-se diretamente ao Papa, tal como a Companhia de Jesus, no século XVI, eram criticados também como adeptos de um Jesuitismo.
No Canadá, com os elos católicos dos franceses e os anglicanos dos inglêses, o ultramontanismo passou a designar os primeiros, sobretudo aqueles rigoristas cujo maior representante foi o bispo de Montréal. Levantando a catedral em meio a ingleses e segundo o modêlo de São Pedro em Roma, esse bispo demonstrava ser a autoridade pontifícia a instância suprema, desafiava, assim, opiniões que associavam a sua posição a uma duvidosa lealdade para com a Coroa, ao combate ao esclarecimento de mentes na tradição do Iluminismo e ao progresso do pensamento e das ciências.
O ultramontanismo e as relações - e diferenças - entre o sulpicianismo e as tendências ultramontanas foram também de relevância no Brasil. Marcou, em grande parte, o início dos estudos brasileiros na Europa, a época da fundação de revista e de sociedade de estudos brasileiros em França, assim como do desenvolvimento dos estudos amazônicos e a primeira obra dedicada ao Folclore Brasileiro. A personalidade que mais representou essa tensão dentro do Catolicismo foi a de Francisco José de Santa-Anna Nery (1848-1901). Formado sob a influência sulpiciana no Amazonas, liderada pelo bispo do Pará, D. Antonio de Macedo Costa. tendo estudo em Saint-Sulpice a partir de 1862, separou-se posteriormente, em Roma, dos "velhos católicos" do círculo do P. Hyacinthe Loyson (1827-1912). (Veja http://www.academia.brasil-europa.eu/Materiais-abe-84.htm)
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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (ed.). "Do ultramontanismo e da arquitetura da unidade com Roma no Catolicismo político: D.Ignace Bourget (1799-1885) versus l'Institut Canadien". Revista Brasil-Europa 128/11 (2010:6). www.revista.brasil-europa.eu/128/Ultramontanismo-e-arquitetura.html
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