Universidade de Québec em Montreal. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 128/25 (2010:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2681


A.B.E.



Da universidade na sua inserção em processos culturais transatlânticos III
Université du Québec à Montréal (UQAM)
Collège Sainte-Marie: restauração jesuítica no século XIX e seu significado para o ensino, pesquisa e artes no Canadá francês - a Virgem Negra no Canadá


Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins
Montréal, Université du Québec à Montréal (UQAM)


 
UQAM. Montreal.Foto A.A.Bispo©


Montreal.Foto A.A.Bispo©


Montreal.Foto A.A.Bispo©




Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


  1. Fotos A.A.Bispo
    ©Arquivo A.B.E./I.S.M.P.S.e.V.

 
Montreal.Foto A.A.Bispo©
Por motivo da declaração, na Alemanha, de 2010 a "Ano da Ciência", a A.B.E., como exposto na primeira edição desta revista do corrente ano, vem considerando diferentes universidades na sua inserção em contextos e processos culturais.

O objetivo desses trabalhos é trazer à consciência o fato de que universidades não apenas representam centros de pesquisas e estudos, determinando desenvolvimentos nas ciências, na cultura e nas artes. Elas são expressões de processos históricos, representando, assim, elas próprias objetos para estudos científico-culturais.

Montreal.Foto A.A.Bispo©
A atualidade dessas considerações é criada por desenvolvimentos recentes em universidades européias. No intuito de criarem equivalências em sistemas de ensino, programas curriculares e titulações, correm o risco de perder características que representam as suas singularidades, com consequente empobrecimento cultural.

A consideração das próprias universidades como expressões culturais corresponde também ao escopo da A.B.E. de salientar que estudos culturais devem ser conduzidos em estreito relacionamento com aqueles voltados à análise das condições de produção de saber.

Sobretudo as universidades do continente americano necessitam ser consideradas na sua inserção em processos culturais, uma vez que surgiram em geral no âmbito da história da colonização, da emancipação e da expansão de sociedades, recebendo modêlos e impulsos da Europa e transformando-os.

O significado cultural das universidades européias pode ser estudado a partir dos resultados e das consequências da recepção de impulsos e imagens por elas fornecidos no Novo Mundo. Esse estudo em relações euro-americanas tem, assim, utilidade para ambos os lados.

Dentre as universidades visitadas com esse escopo, considerou-se uma de formação mais recente, originada, porém, de instituições anteriores inseridas em contextos histórico-culturais aptos a serem considerados sob a perspectiva das relações históricas entre a Europa e o continente americano: a Université du Québec à Montréal (UQAM).

Essa universidade surgiu em 1969 através da integração da Escola de Belas Artes de Montréal, do Collège Sainte-Marie e outras escolas superiores, passando a pertencer ao conjunto da Université du Québec.

A consideração dessa universidade relativamente nova serve para chamar a atenção ao fato de que mesmo universidades de recente fundação podem e devem ser analisadas a partir de de instituições, grupos e correntes de pensamento que as condicionaram.

Significado da UQAM

O significado da Université du Québec à Montréal reside não apenas no fato de ser uma das mais prestigiadas instituições de pesquisa do Canadá, sobretudo na área das ciências sociais, naturais e das artes, possuindo centros de investigação especializados e seis institutos interdisciplinares. A internacionalidade dos seus estudantes é também um fator que justifica a consideração especial da UQAM, uma universidade que conta anualmente com mais de 2000 estudantes de ca. de 80 países, também da América Latina.

A diversidade das instituições que constituiram a universidade corresponde também à sua configuração arquitetônica.

O visitante surpreende-se em constatar que a área ocupada pela universidade, em área central de Montréal, é caracterizada por um projeto, de autoria de Dimitri Dimakopoulos, que procurou conectar edifícios vários, entre êles também antigas igrejas, criando uma unidade na diversidade. Já pela sua disposição espacial, o campus da UQAM difere de áreas universitárias com características de parques, tais como a McGill University de Montréal.

O visitante pode ler, nos diferentes edifícios que foram integrados no projeto, traços de continuidade e de discontinuidade de correntes de pensamento, de ensino e prática, das dificuldades que se relacionam com interrelacionamento de instituições de diferentes origens e desenvolvimentos históricos. Mais do que em outros casos impõe-se, nesta situação, o estudo dos diferentes pressupostos para o desenvolvimento coerente e refletido de procedimentos quanto ao ensino e á pesquisa.

Uma das instituições que conformaram a UQAM merece uma particular atenção por estar vinculada a um movimento religioso-cultural que marcou a história do pensamento, da cultura e das artes no Canadá de língua francesa: o Collège Sainte-Marie.

Local de reflexões: "Le Gesù" - centro educativo-cultural e de teatro

L‘Église du Gesù de Montréal é um dos principais monumentos da arquitetura religiosa do Canadá e, ao mesmo tempo, um centro cultural de significado para Montreal e a província de Quebec, em geral.


Com um grande pavimento baixo, „les salles du Gesù“, abriga um auditório, considerado como o mais antigo teatro da cidade, assim como salas de exposição e estúdios, dando possibilidades de exercício de criatividade a artistas de diferentes origens culturais e étnicas. As suas atividades revelam particular sensibilidade para expressões culturais de grupos de migrantes de esferas culturais não-européias, vindo de encontro, assim, à situação multicultural da metrópole canadense, assim como para atividades culturais de crianças e jovens, ou seja de natureza educativo-cultural. Esse papel exercido na vida cultural de Montréal é visto na tradição da valorização de expressões culturais pelos jesuítas, salientando o cultivo das artes à luz do humanismo e da vida espiritual.


Dando continuidade à tradição jesuítica, na qual o teatro sempre desempenhou importante papel na ação missionária, o Le Gesù ocupa um papel significativo na história da arte dramática canadense do século XX. Um dos principais nomes de religiosos jesuitas que se salientaram no teatro foi o do Pe. Émile Legault SJ (1906-1983), professor do Colégio Saint-Laurent de Montréal a partir de 1937 e fundador do grupo teatral Les Compagnons de Saint-Laurent, dissolvido em 1952.


Esse grupo possibilitou a formação e a projeção de atores, entre êles Jean Gascon e Jean-Louis Roux, que, após uma estadia de estudos na Europa e sob a impressão de representações da companhia de Louis Jouvet, fundaram, juntamente com alguns outros colegas, o Théâtre du Nouveau Monde, em 1951. Essa iniciativa foi uma expressão do dinamismo cultural que tomou conta do Canadá no período posterior à Segunda Guerra e, ao mesmo tempo, significativo motor do desenvolvimento das artes teatrais franco-canadenses das últimas décadas.


Esse desenvolvimento decorreu, assim, de uma gradual emancipação do teatro cultivado pelos Jesuítas. Designando-se como „o teatro de todos os clássicos, os de ontem e os de amanhã“, Le Théâtre du Nouveau Monde tem como objetivo o de produzir e difundir obras de importância do repertório internacional e nacional, dando, nessas atividades, lugar importante à criatividade interpretativa. Entende-se como um apelo a um teatro de encantamento, manifestando que também nos tempos atuais a vida real é transpassada por utopias que permitem imaginar uma outra realidade, onde o artista expressa o seu desejo de reconciliar contrários, de explorar tensões entre a arte e a vida.


Le Gesù.Montreal.Foto A.A.Bispo©


O Collège Sainte-Marie e a Université du Québec à Montréal (UQAM)


O observador que hoje contempla a Église du Gesù tem uma impressão insatisfatória do complexo em que se integrava e que possibilita a compreensão da sua função na sociedade e na cultura do Canadá francês.


Ela representava uma das partes do Colégio dos Jesuítas, localizado ao sul da igreja, demolido em 1975. Conservando-se apenas a igreja, esta representa apenas um torso, elevando-se de forma um tanto perdida ao lado de vasta área aberta. A prioridade do Colégio já não mais existente manifesta-se no fato da igreja ter permanecido inacabada, sem as suas torres, uma vez que os meios financeiros foram empregados para a manutenção da instituição.


O Collège Sainte-Marie foi fundado pelos jesuítas, em 1848. Dedicado à formação da juventude de língua francesa, passou a incluir posteriormente seções para alunos de língua inglesa, o St. Mary‘s College. Este, emancipando-se, levou, em 1896, à criação do Loyola College que, juntamente com a Universidade Sir-George Williams, passou a integrar a Universidade Concordia.


O Collège Sainte-Marie era afiliado à Université Laval, em Québec, prendendo-se, assim, à antiga tradição decorrente do Seminário local. Em 1920, passou a ser afiliado à Université de Montréal. Hoje, está integrado na Université du Québec à Montréal (UQAM).


Estudar o Colégio e a sua igreja, portanto, significa, sob muitos aspectos, estudar a história das universidades do Canadá, em particular da província de Québec.


Obra de dramaticidade artístico-arquitetônica



A igreja, construída em 1865, revela de imediato o seu modêlo, o Il Gesù, de Roma, do século XVI, igreja que abriga o túmulo de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus.


O seu interior, de grandes dimensões, com  4400 metros quadrados e uma cúpula de quase 23 metros de altura, impressiona pela magnificência da ornamentação de suas paredes e teto, assim como pelos seus altares. Esses são dedicados à veneração sobretudo de religiosos da Companhia, salientando-se aqui aqueles de Santo Ignácio de Loyola e São Francisco Xavier.


Com a veneração de santos e beatos da Companhia, o canadense tinha a sua atenção dirigida a amplos contextos geográficos da história missionária nas quais o mundo de expansão ibérica e, portanto, também latinoamericano, desempenhava papel de particular significado.


As pinturas do interior da igreja, nas suas cinco arcadas, que contribuem decisivamente ao impacto que causa, de extraordinária qualidade executiva, revelam sobretudo impulsos obtidos de obras de mestres alemães. Foram realizadas, com técnica especial pelo pintor Daniel Müller, em 1865/66, atuante em New York.


Telas a óleo, de grandes dimensões, pintadas por Pietro Gagliardi (1809-1890) e irmão, apresentam temas marianos ou da hagiografia jesuítica. Esse pintor gozava de alto renome em círculos eclesiásticos, em particular jesuíticos; obras suas encontram-se em várias igrejas dos jesuitas, entre elas na de St. Francis Xavier, em Dublin e em igrejas de Malta, salientando-se aqui a sua representação da Assunção de Maria (1887) e de Nossa Senhora do Carmo (1889).


A igreja de Montréal salienta-se também pelas suas qualidades acústicas e pelos órgãos que possui. O primeiro deles, inaugurado em 1866, de tração mecânica, foi construído por Louis Mitchell e Charles Forté, provenientes da oficina do organeiro Samuel Russel Warre. Apresenta 15 jogos, duas claviaturas e pedal. Em 1965, foi transferido para o Musée du Québec, sendo, em 1985, entregue ao Conservatório de Música de Québec, em Chicoutimi. Em 1991, o instrumento foi reinstalado na igreja como empréstimo permanente do Museu.



Como segundo órgão, Louis Mitchell construiu, em 1884, instrumento de 29 jogos, com três teclados e pedal. Esse instrumento foi vendido, em 1901, à firma Casavant Frères em troca de um grande órgão de 52 jogos, de quatro teclados, de tração eletro-pneumática. Esse órgão, cuja fachada marca o interior da igreja, foi inaugurado pelo organista americano Gaston Dethier, de New York.


Com a orientação dos organistas Conrad Letendre e Raymond Daveluy, esse órgão foi reformado pela firma Casavant, sendo inaugurado em 1955. Uma nova restauração deu-se em 1986, pela firma Guilbault-Thérien, sendo inaugurado pela organista Aline Letendre, em 1987.



Questões de História da Artes e da Cultura: Recapitulação do Barroco no século XIX


Sob o ponto de vista arquitetônico e histórico-artístico, a igreja se diferencia de várias outras construções religiosas de Montréal edificadas no século XIX. Enquanto em outras igrejas predomina o neo-gótico, o Le Gesù representa uma recapitulação do Barroco no panorama arquitetônico canadense.


A constatação desse fato levanta, naturalmente, muitas questões. Se o neo-gótico correspondia às concepções historicistas e românticas de um século marcado pela Restauração, a reconscientização do Catolicismo nas suas expressões da Europa cristã medieval, como se explica a edificação de tal monumento remontante a modêlo de meados do século XVI?


A resposta a essa questão da História das Artes não pode ser procurada apenas através de análises estilísticas e formais, como se a obra fosse resultado exclusivamente de um desenvolvimento interno da linguagem artística e da estética. Ela  pode ser respondida a partir de uma consideração mais atenta do contexto cultural em que surgiu e das correntes de pensamento em que se inseriu, e essas apenas podem ser compreendidas nos seus vínculos com acontecimentos europeus.


A construção de uma igreja jesuítica de tal magnificência, em 1865, apenas tornou-se possível pelo retorno dos Jesuítas ao Canadá em 1842. Convidados a voltar, consagraram-se à educação.


Essa restauração da Companhia de Jesus inseriu-se na política eclesiástico-cultural do Catolicismo político do bispo de Montréal D. Ignace Bourget (1799-1885) (Veja artigo nesta edição).


A posição da autoridade eclesiástica por êle representado, por sua vez, correspondia a movimentos supra-nacionais, de significado crucial na história cultural de vários países europeus.


Dimensões político-culturais da "cópia" na América do Norte


Criticado por alguns pelo seu „ultramontanismo“, o pensamento de D. Ignace Bourget caracterizava-se por um centralismo romano, pelo pêso nele dado à autoridade pontifícia e à unidade da Igreja. Essa orientação, explicável também por razões histórico-políticas relativas aos Estados Pontifícios, em risco com o desenrolar de movimentos de unificação da Itália, levou a que D. Bourget desejasse configurar a diocese que dirigia segundo o modêlo de Roma. Para isso edificou igrejas emblemáticas que estabelecem pontes de significados com o centro do mundo católico.


Esse intuito levou a que Montréal passasse a ter obras arquitetônicas não apenas inspiradas em modêlos do passado, mas sim réplicas mais ou menos próximas de igrejas romanas. Se a sua catedral reproduz nada menos do que São Pedro, o Le Gesù recapitula o Il Gesù da Companhia, a igreja que abriga o túmulo de Santo Ignácio de Loyola.


Esse significado da cópia no patrimônio arquitetônico canadense levanta, naturalmente, críticas desvalorizadoras por parte de observadores orientados por critérios de apreciação artística que salientam o fator da originalidade em obras de arte.


Somente uma modificação de perspectivas através de uma orientação teórico-cultural da história da arte pode contribuir para uma consideração adequada desse fenômeno da história cultural, particularmente intenso na América do Norte, constatável porém em outras partes do continente americano, inclusive no Brasil.


Uma consideração mais cuidadosa do significado das „cópias“ na América do Norte, em particular no Canadá, dirige a atenção à necessidade de diferenciações de termos e de tratamento do fenômeno. Como o Le Gesù o demonstra, „cópias“ não são necessariamente resultado de emulações irrefletidas, mas podem expressar intenções e decisões conscientemente tomadas, no âmbito das quais a obra de arte ou arquitetura surge como declaração, como statement.


No campo de tensões da sociedade e da cultura do Canadá, com os seus elos com a França e com a Grã-Bretanha, aquela católica e esta predominante protestante, a edificação de uma igreja monumental que dirigia a atenção à época da Contra-Reformação, que implantava o modêlo por excelência da igreja da Companhia em Montréal representava um sinal que marcava um direcionamento do movimento cultural e do pensamento. Com a tomada do poder pelos inglêses, os jesuítas não haviam mais podido aceitar noviços, tendo sido, em 1733, dissolvida a Companhia pelo Papa Clemente XIV.


Significativo para o papel decisivo desempenhado por D. Ignace Bourget na reorientação arquitetônica de Montral segundo os seus objetivos político-culturais foi o fato de que também na igreja do colégio dos jesuítas, assim como na catedral, teve de impor-se contra opiniões contrárias dos Sulpicianos, advogados do neo-gótico e, no caso, dos próprios jesuítas. Assim, recusou plano apresentado pelo Pe. Félix Martin SJ (1804-1886), superior do Colégio, responsável pela configuração interna da igreja de St. Patrick. (Veja artigo nesta edição)


Assim como no caso da catedral, D. Ignace Bourget assumiu a iniciativa, encarregando um arquiteto irlandês, Patrick Charles Keely (1816-1896), atuante em Brooklyn e em Providence/Rhode Island, de apresentar novos projetos explicitamente inspirados na igreja Il Gesù, de Roma.


A igreja dos jesuítas de Montreal insere-se, assim na longa série de igrejas construídas por esse arquiteto nos Estados Unidos e no Canadá, entre outras em New York, Boston, Massachusetts, Chicago e várias cidades da New England.


Reatamento de continuidades: A Virgem Negra de Liesse


O retorno dos Jesuítas significou uma restauração de continuidade interrompida não apenas relativamente à história de uma instituição específica.


A intenção de um reatamento de elos de continuidade com um passado anterior ao corte causado pelas expulsões da Companhia de vários países no decorrer do século do Iluminismo e mesmo pela sua suspensão, manifesta-se da forma mais evidente no culto a Notre-Dame de Liesse, fomentado no Le Gesù.


Procurou-se dar continuidade, aqui, a uma tradição que remontava ao século XII e que marcara o culto mariano na França.


O santuário de Liesse, em Aisne, na Picardia, próxima à Laon, construído em 1134 pelos Chevaliers d‘Eppes, é salientado, em placa colocada no interior do templo, como o mais frequentado centro mariano da França no passado, onde se venerava uma imagem vista como milagrosa.


De fato, a igreja de Liesse, reconstruída em 1384 e ampliada em 1480, no seu estilo de Gótico flamejante, testemunha a importância do culto e da peregrinação à Virgem Negra de Liesse em fins da Idade Média.


Como a placa em Montreal lembra, em decorrência à Revolução Francesa, em 1793, a imagem foi queimada. Em 1802, remodelou-se a estátua, nela integrando-se cinzas da antiga. Essa imagem foi, então, oferecida a Le Gesù, de Montreal.


Assim, a igreja jesuítica canadense passou a inserir-se numa corrente histórica que o transformava numa nova Liesse, ou melhor, transportava Liesse ao Canadá. Assim como na França, salienta-se, em Montreal, que a Virgem negra de Liesse é „a fonte e a causa da nossa alegria“.


Virgens negras em contextos político-culturais e o Brasil


A veneração da virgem negra, ou de Nossa Senhora de côr preta é, assim, de grande significado para a cultura religiosa do Canadá. Esse culto insere-se em determinado contexto histórico-cultural e histórico-político, claramente identificável, e que leva às tradições francesas da devoção à virgem negra. Em número anterior desta revista, salientou-se, como exemplo, a importância da veneração da virgem negra na Bretanha. O significado simbólico da côr escura de pele da Virgem tem sido estudo sob diversos aspectos. As suas bases, bíblicas, podem ser examinadas sob a perspectiva tipológica de pré-figurações do Velho Testamento e de relações imagológicas com tradições da linguagem simbólica de contextos culturais não-bíblicos.

Também no Canadá, a veneração da Virgem Negra não teve o seu início com a vinda da imagem com as cinzas de Liesse. Já a vinda de um dos modêlos da "virgem na árvore" de antiga veneração nos Países Baixos para Montréal no século XVII, culto retomado e fomentado pelos jesuítas, indica concepções relacionadas com a simbologia da virgem negra e com o mistério da Imaculada Conceição. Teria havido, assim, no século XIX, com a restauração jesuítica, uma revitalização, sob novos e mais profundos elos históricos, de forma de veneração já há muito conhecida.

A veneração da Virgem Negra no Canadá aproxima-o do Brasil, marcado que é pela veneração de Nossa Senhora Aparecida. O estudo desse culto e de sua simbologia em contextos que relacionam o Canadá, a França e o Brasil podem abrir novas perspectivas para considerações mais profundas da expressão religioso-cultural brasileira. Aguça, sobretudo, a sensibilidade para a percepção de vínculos desse culto hiperdúlico com processos histórico-culturais supra-nacionais, e mesmo com suas implicações político-culturais.




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Indicação bibliográfica para citações e referências:


Bispo, A.A. (ed.). "Da universidade na sua inserção em processos culturais transatlânticos III. Collège Sainte-Marie: restauração jesuítica no século XIX e seu significado para o ensino, a pesquisa e as artes - a Virgem Negra no Canadá". Revista Brasil-Europa 128/25 (2010:6). www.revista.brasil-europa.eu/128/UQAM-e-Jesuitas-no-Canada.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

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