Paisagismo e identidade em situações franco-inglesas. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 128/8 (2010:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2664


A.B.E.


Paisagismo e identidade em situações interculturais franco-inglesas
e suas relações com a imagem do homem no paradigma de Joana d‘Arc

Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins
Jardin Jeanne d'Arc, Québec e Parc des Champs-de-Bataille


 
  1. Jardim Joana d'Arc. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  2. Jardim Joana d'Arc. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  3. Jardim Joana d'Arc. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  4. Jardim Joana d'Arc. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  5. Jardim Joana d'Arc. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  6. Jardim Joana d'Arc. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  7. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  8. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  9. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  10. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  11. Quebec. Foto A.A.Bispo©


  12. Fotos A.A.Bispo
    ©Arquivo A.B.E./I.S.M.P.S.e.V.




 
Quebec. Foto A.A.Bispo©

Questões referentes ao binômio - e campo de forças e tensões - Cultura/Natureza surgem como de particular significado para estudos que relacionem o Brasil e o Canadá. Os dois países, respectivamente no Sul e no Norte do continente americano, foram e são marcados pelas suas florestas e pela extraordinária riqueza de sua vida vegetal e animal, assim como, tragicamente, por lamentáveis processos de destruição dos seus respectivos patrimônios naturais.


Esses processos destruidores, de grandes dimensões, graves consequências e denotadores de profundos problemas ético-culturais quanto ao respeito à vida, necessitam ser estudados nos seus vínculos com a formação colonial em ambos os contextos.


Um dos caminhos que podem ser aqui seguidos é o da consideração dos pressupostos culturais relativos à posição perante a vida vegetal e animal segundo as nações colonizadoras envolvidas, suas consequências, continuidades e transformações no continente americano.


Também aqui abrem-se vários caminhos para o desenvolvimento de estudos, sendo que um deles - apenas um - diz respeito à leitura do espaço urbano quanto ao papel nele concedido à natureza. Parques, jardins, arborização de ruas e logradouros públicos, e a própria localização e configuração paisagística de cidades podem ser objetos de análises urbanológicas e histórico-culturais que, a partir do constatado visualmente, direcionem a atenção a questões de sentidos, significados, explícitos e conscientemente seguidos, ou implícitos, intrínsecos a expressões de cunho paisagístico não refletidas.


O Canadá oferece, também sob a perspectiva dos estudos relacionados com o Brasil, importante campo para estudos relativos a concepções e expressões do cultivo da natureza e da natureza no cultivo.


Conhece-se, da história do paisagismo na Europa - como tematizado em diferentes contextos em números anteriores desta revista -, o significado de correntes de pensamento e de criação da Inglaterra e da França no desenvolvimento de parques e de jardins de diferentes países, de seus diferentes princípios e de seus vínculos com as mais diversas áreas dos conhecimentos, das ciências e das artes, com concepções relativas ao mundo e ao homem. Também no Brasil houve significativa recepção de correntes inglesas e francesas na história cultural do paisagismo, constatáveis em parques e jardins, ainda que muitas dessas obras tenham sido destruídas ou descaracterizadas.


O Canadá, devido à sua formação colonial, pelo fato de possuir uma considerável parcela populacional marcada pela França na sua identidade e diferenciação cultural, ao mesmo tempo integrando o mundo determinado por elos com a Grã-Bretanha, experimentou, no seu próprio contexto nacional, o encontro de diferentes correntes histórico-paisagísticas. Não se trata, assim, nesse caso, do estudo da irradiação e da recepção de impulsos da Inglaterra e da França em outros contextos, mas sim de suas interrelações em complexos coloniais de ambas as nações no continente americano.


Quebec. Foto A.A.Bispo©

Local de reflexões: Jardin Jeanne d‘Arc, Quebec


O Jardin Jeanne d‘Arc, de Quebec, situado em praça adjacente à vasta área histórica do Plain d‘Abraham, integrando conscientemente tradições francesas e inglesas, representa uma obra paisagística de particular interesse para os estudos culturais. Esse significado deriva de muitos fatores, sobretudo de natureza político-cultural. Entre êles, pode-se citar o local em que está levantado, a situação da comunidade de identidade cultural francesa de Québec no contexto global canadense, a época de entre-guerras em que foi criado, o seu significado simbólico de manifestação, ao mesmo tempo de afirmação de consciência franco-canadense e de unidade na diversidade cultural da nação.


A sua leitura pode distinguir diferentes complexos de significados, e essa riqueza de sentidos pode contribuir para sensibilizar a percepção nos estudos paisagísticos, contribuindo para o desenvolvimento desses estudos nas suas relações com processos histórico-culturais.


O jardim revela de imediato a intenção do projeto em relacionar tradições francesas e inglesas de paisagismo. No seu plano, é configurado segundo traços geometricamente definidos, refletindo concepções da história francesa da arquitetura de jardins. Possui forma retangular, com uma parte central levemente rebaixada, emoldurada por caminhos, alcançável por entradas frontais, abertas nos lados do paralelograma. Este é centralizado pela estátua equestre de Joana d‘Arc, que marca toda a área.


Numa primeira aproximação, o observador estaria tentado a considerar a configuração dessa praça como expressão de um projeto altamente convencional, sem maior creatividade na sua ordenação rígida. Em contemplação mais cuidadosa, porém, constata que a formalidade da figuração geométrica é relativada pela espontaneidade da vegetação dos canteiros que, em grande diversidade de plantas, não permitem que se reconheça critérios abstratos de disposição.


Ao contrário dos desenhos ornamentais de flores dos jardins franceses, que seriam de esperar segundo o plano da área, depara-se com uma profusão de flores e folhagens que sugerem a naturalidade das concepções paisagísticas inglêsas. O planejamento foi aqui dirigido não a aspectos formais, mas às características de florescimento das diferentes plantas, anuais, bi-anuais e sempre-vivas, de modo que o jardim se encontra, da primavera ao outono, constantemente em florescência, metamorfoseando as suas cores e perfumes.


Aquele que o contempla é levado automaticamente a refletir sobre relações entre forma e conteúdo, sente-se tentado em ver na obra uma musicalidade inerente determinada pelo fluir de cores e odores no tempo em contexto estruturado quanto à forma e mesmo à métrica e rítmica, e, sobretudo, a meditar sobre as diferentes possibilidades de sua interpretação no campo de tensões Cultura/Natureza.


Imediatamente lhe ocorre que a cultura seria aqui representada pela disposição refletida, racional do todo, na geometria, na simetria e nas proporções numéricas do todo, que criam sensações de harmonia, enquanto que a natureza estaria presente na própria vegetação. Uma corresponderia à França, orgulhosa de seu esclarecimento, da clareza e mesmo racionalidade de seu pensamento e cultura, a outra corresponderia à Inglaterra, ao país dos parques quasi-naturais. Em sentido figurado, a França teria fornecido aqui o plano, os fundamentos, as bases culturais do Canadá, a Grã-Bretanha distribuido as plantas, criando uma pujança de desenvolvimentos vegetais que naturalizam o plano.


Uma contemplação mais demorada, porém, traz à consciência que essa interpretação não necessita ser a única, que a cultura não necessita ser referenciada segundo a razão manifestada no plano, e que a cultura pode ser vista justamente no fato de como é dada à vida vegetal a possibilidade de transformar o racional, tirar a sua rigidez, dar-lhe luminosidade e mesmo a sua transparência atmosférica.


O observador percebe, assim, que a obra pode ser analisada segundo critérios antropológicos, que associa-se a concepções relativas a potências do homem, a um jogo interno de relações entre razão, sentimento e espírito e que caracterizam a realidade que se transforma no decorrer do ano.




Obra de diplomacia cultural paisagística


Criado em 1938, o jardim foi obra do primeiro arquiteto-paisagista de Québec, Louis Perron. Como primeiro filho da cidade diplomado na área, Perron criou aqui, em área de alto simbolismo para a história do Canadá, um manifesto que exprime a força da identidade franco-canadense em obra que pode ser vista como ato de diplomacia cultural.


O seu primeiro projeto, porém, havia sido outro, com características mais monumentais, com espelhos d‘água nos quais a imagem de Joana d‘Arc pudesse refletir-se. A época da Segunda Guerra, porém, exigindo contenção de despesas, levou à simplificação dos planos originais, e essa redução parece ter sido favorável à obra, emprestando-lhe uma simplicidade austera que reduz expressões de militância e fomenta a interiorização. Ao invés da monumentalização do heroísmo guerreiro que seria compreensível em tempo de guerra, a estátua oferece-se como objeto de interpretações de desenvolvimentos espirituais do homem, garantindo o seu significado imagológico para além de épocas de conflitos.


Ponto de partida: imagem de Joana d‘Arc


Ponto de partida para o projeto da área não foi inicialmente de natureza urbana, mas sim a necessidade de criação de uma praça adequada para a ereção de uma estátua de Joana d‘Arc oferecida a Québec. Essa doação foi feita por um casal dos Estados Unidos, que desejou permanecer anônimo. Tendo visitado Québec, onde se impressionaram com a consciência franco-canadense de sua população e com os fatos históricos decorridos nos plaines d‘Abraham, decidiram, em 1937, oferecer aos habitantes de Québec uma estátua eqüestre de Joana d‘Arc como preito de homenagem aos heróis de 1759/69.


Na batalha dos plaines d‘Abraham, ocorrida a 13 de setembro de 1759, como reflexo americano da Guerra dos Sete Anos, os franceses defenderam a vila de Québec, assediada pelos ingleses, quando morreram os generais comandantes dos dois lados, Louis-Joseph de Montcalm (1712-1759) e James Wolfe (1727-1759).


A estátua, pesando mais de duas toneladas e meia, é obra da escultora - e musicista - americana Anna Hyatt Hundington (1876-1973), especialista em representações de animais, autora da estátua eqüestre do poeta e herói nacional cubano José Marti (1853-1895), no Central Park de New York. A estátua, que possui réplicas em New York, San Francisco e Gloucester, Massachusetts, remonta a uma obra da artista realizada para Blois, na França, onde esteve em 1906/7 e 1910/11 e que lhe valeu a condecoração com a ordem da Legião de Honra. Principal estátua eqüestre de Joana d‘Arc na França encontra-se na Place du Parvis, em Reims, antiga cidade de coroação dos reis franceses.


Significado de Joana d‘Arc no século XX


A criação do monumento a Joana d‘Arc para Blois deu-se numa época de valorização da imagem e do culto a Joana d‘Arc nos anos imediatamente anteriores à Primeira Guerra Mundial. Já considerada como mártir desde 1456, em revisão à decisão da Inquisição que levou à sua morte, Joana d‘Arc foi beatificada em 1909. Após a Guerra, em 1920, foi santificada.


O significado que a sua veneração e simbologia adquiriu em diferentes nações, inclusive no Brasil, não tem sido até hoje suficientemente considerado. Em regiões de formação cultural francesa, sobretudo, os sentimentos patrióticos despertados pela vitória na Guerra valorizaram ocorrências da sua história de vida, dirigindo a atenção à época da Guerra dos Cem Anos, no âmbito da qual Joana d‘Arc liderou os franceses contra os ingleses. O seu processo, presidido pelo bispo de Beauvais, sob a influência inglesa, levou à sua condenação. A sua história de vida, o seu martírio - e a sua santificação - pertencem, assim à história de ambas as nações, o que explica a sua importância para o Canadá.


Significativamente, foi na América do Norte, em  Worcester (Mass.) que se criou, em 1914 a congregação das Sisters of Ste. Jeanne D‘Arc, cuja casa-mãe foi transferida para Québec, em 1917, aprovada pontificialmente em 1920.


As características dessa congregação indicam o caminho para a análise de concepções relacionadas com Joana d‘Arc. As religiosas dedicam-se à administração da vida doméstica em casas paroquiais e instituições eclesiásticas, assim como em institutos educativos e asilos de sacerdotes. Essa dedicação da existência, vista como sacrifício de uma vida voltada exclusivamente aos próprios exercícios religiosos, representa uma atualização da concepção de um terceiro caminho na condução da vida, ao lado da vita activa e da contemplativa.


É sob essa perspectiva que a leitura do Jardin de Jeanne D‘Arc atinge maior profundidade na percepção de seus sentidos. A imagem da heroína em atitude de militância não surge como sinal de beligerância, mas sim como da „menina“ visionária que sai para o mundo para coroar reis e mesmo dirigir exércitos no sentido figurado do termo. A configuração paisagística do parque assume, assim, um significado derivado dessas concepções espirituais. Contemplação e ação passam a constituir uma união, um terceiro caminho, integrando as qualidades contemplativo-emocionais do paisagismo inglês com aquelas racionais, ativas do domínio da realidade manifestadas no paisagismo francês.


Compreende-se, aqui, o significado desse jardim no complexo memorial do plain d‘Abraham, marcado pelas batalhas do passado entre as forças da França e da Grã-Bretanha. Compreende-se, também, que é a própria comissão dos campos de batalhas nacionais canadenses que cuida do cultivo das plantas, produzindo anualmente mais de 50000 plantas. Esses campos memoriais salientam-se também pela prática da mosaicultura, ou seja, da criação de desenhos e letras em rêlevo na paisagem, através de plantas especiais, representando um motivo de particular orgulho para Québec.




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Indicação bibliográfica para citações e referências:


Bispo, A.A.. "Paisagismo e identidade em situações interculturais franco-inglesas e suas relações com a imagem do homem no paradigma de Joana d‘Arc". Revista Brasil-Europa 128/8 (2010:6). www.revista.brasil-europa.eu/128/Paisagismo-e-identidade.html




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