Mathieu da Costa. Revista BRASIL-EUROPA 128. Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 128/6 (2010:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2662


A.B.E.


Monumentos e murais: consciência histórica, trompe-l'oeil e multiculturalismo canadense
- o africano-português Mathieu da Costa em construções históricas -

Ciclo "Indian Summer" preparatório aos 300 anos da ida ao Canadá de Joseph-François Lafitau (1681-1746)
pioneiro dos estudos culturais comparados, da Antropologia Cultural e disciplinas afins
Québec: Fresque des Québécois

 
  1. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  2. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  3. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  4. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  5. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  6. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  7. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  8. Quebec. Foto A.A.Bispo©

  9. Fotos A.A.Bispo
    ©Arquivo A.B.E./I.S.M.P.S.e.V.


 
Quebec. Foto A.A.Bispo©


Louis XIV.Quebec. Foto A.A.Bispo©
Um observador sensível a questões de leitura urbana no diálogo intercultural surpreende-se, em Québec ao constatar o significado que monumentos de vultos históricos assumem no espaço urbano. Sobretudo os grandes nomes da história colonial encontram-se perenizados em estátuas e bustos, alguns deles em conjuntos plásticos de grande expressividade dramática.


Distribuidos em praças, edifícios, em encontros de ruas e sobre plataformas a serem alcançadas por escadarias, conferem à cidade, já por si pitorescamente situada e marcada por seu patrimônio arquitetônico histórico, através da géstica acentuada de figuras e grandiloquência glorificante de conjuntos, um cunho acentuado de encenação dramática.


São, em geral, obras de escultura de fins do século XIX e início do XX, e que contribuem a que o patrimônio histórico original da urbe seja relido à luz das tendências do historismo romântico que representam. Em Québec, a história e o historismo interrelacionam-se de forma complexa, oferecendo múltiplas possibilidades para reflexões sobre a importância da memória na vida da comunidade.


Esse extraordinário significado da consciência histórica na cidade e na província de Québec torna-se compreensível quando se considera a situação do Canadá francofone, com características próprias quanto à língua, elos históricos e cultura, ciente de sua específica identidade e de suas diferenças com relação à nação marcada pelos seus vínculos com a Grã-Bretanha.


Quebec. Foto A.A.Bispo©
Pessoas do povo no pathos escultórico


Não apenas líderes políticos, militares e autoridades eclesiásticas tiveram a sua memória perpetuada em plásticas, mas sim primeiros colonos e indígenas.


Este é o caso, entre outros, de Louis Hébert (ca. 1575-1627), o primeiro boticário do Canadá. Também é o caso do primeiro colono nobilitado por Luís XIV: Guillaume Couillard, Sieur de L'Espinay (ca. 1591-1663).


Guillaume Couillard.Quebec. Foto A.A.Bispo©
Nascido na área de Saint-Malo, esse bretão emigrou para a Nouvelle France em 1613, onde trabalhou como carpinteiro e em outras atividades artesanais. O seu casamento em Québec foi o primeiro registrado nos livros paroquiais e foi o primeiro a ter descendência no Novo Mundo. É visto como o introdutor da agricultura em Québec e, assim, como pioneiro do cultivo das terras e da cultura em geral. Em 1654, pelos seus serviços a favor da colonia, foi nobilitado.
Marie Rollet.Quebec. Foto A.A.Bispo©

Pinturas murais e trompe l'oeil

Não apenas as estátuas levantadas no passado e mesmo nas últimas décadas reforçam e atualizam constantemente a consciência histórica e a identidade cultural do habitante de Québec.


Na atualidade, a cidade é caracterizada por grandes pinturas murais, em geral preenchendo espaços vazios, paredes tornadas livres devido a demolições de edifícios vizinhos, muros e pilares de pontes.


Não se trata, aqui, de grafites ou ações espontâneas ou clandestinas, mas sim de pinturas concebidas e habilmente executadas do ponto de vista técnico, consideradas em geral como um enriquecimento de espaços, sobretudo em situações deterioradas ou feridas, e que passaram a ser consideradas como valores culturais e de interesse turístico.


Sem pretensões inovativas quanto à linguagem visual e à expressão, as pinturas murais de Québec se distinguem pelas qualidades do desenho, de perspectiva e pelas representações quase que fotográficas de objetos, edifícios, plantas, animais e pessoas.


A habilidade na representação de edifícios e figuras ao tamanho natural em primeiro plano, possibilita que o mural pintado se confunda com a realidade envolvente, de modo que, à certa distância, o observador não distingue o real do pintado. Compreende-se aqui, a razão pela qual a pintura surja sob critérios convencionais de apreciação estética como triviais ou ilustrativas.


A intenção ilusionista dessas pinturas, e que se manifesta no todo e em pormenores, sugerindo espaços e movimentos no espaço na superfície mural, corresponde à tradição do trompe l'oeil no Canadá.


Pinturas do gênero encontram-se em varias igrejas, podendo-se mencionar, entre as mais extraordinárias as pinturas murais de François-Cavier-Édouard Meloche (1855-1914), por exemplo na igreja de Notre-Dame-de-Bon-Secours, em Montréal, baseadas nas imagens da Bíblia ilustrada alemã de Julius Schnorr (1794-1872). (Veja exemplos no artigo a respeito nesta edição)


Os elos da história religiosa do Canadá com  movimentos da Contra-Reforma e a ação dos jesuitas podem explicar esse significado e a habilidade alcançada na técnica do trompe l'oeil no Canadá.


As pinturas murais de Québec, porém, não criam apenas ilusões espaciais. Em especial no grande Fresque de Québecois, vultos da história surgem ao lado de figuras com costumes e em atividades do presente. Dá-se, assim, um interação de épocas, o passado mistura-se com o presente, é atualizado, e o presente convive com o passado.


As pinturas murais de Québec possibilitam, assim, talvez ainda mais do que o antigo mobiliário escultórico da cidade, reflexões acerca da consciência histórica e da identidade cultural. Se nos monumentos as personalidades históricas apresentam-se de forma heróica, glorificada, nos murais descem ao dia-a-dia, transmitem aos habitantes a impressão de serem um deles, de com êles viverem. Os elos tornam-se muito mais próximos. Também aqui, porém, personagens e ocorrências históricas são interpretadas e utilizadas para fins de construção de uma consciência histórica que, como a natureza ilusionista da pintura o sugere, nem sempre se fundamenta em fatos verídicos.


Multiculturalismo canadense e construções historiográficas


O Canadá é insuficientemente considerado nos estudos culturais relacionados com grupos populacionais de ascendência africana no Brasil e em outros países da América Latina. Se esses estudos atentam, pelo menos em panoramas gerais, à história da escravidão e às expressões culturais de origem ou características africanas nos Estados Unidos, orientando-se em grande parte em literatura ali publicada e transmitindo ao Brasil perspectivas e tendências contextualizadas em situações estadounidenses, o mesmo não pode ser constatado relativamente ao Canadá.


A consideração da história e do presente da população de ascendência africana no Canadá, porém, pela sua importância, representa uma exigência para os estudos respectivos, podendo oferecer significativos subsídios para a percepção e a análise mais diferenciada de processos e expressões culturais.


O observador brasileiro pode surpreender-se em constatar o significado que a população de ascendência africana desempenhou e desempenha na vida cultural canadense. A imagem que possui do Canadá, pela sua história e situação política, é marcadamente européia, e a diversidade cultural que apresenta surge, em primeira aproximação, somente à luz das relações entre as suas parcelas populacionais de origem européia, sobretudo francêsa ou britânica. Que essa imagem não corresponde à realidade, isso o demonstra o significado de iniciativas voltadas ao multiculturalismo em geral e à valorização da história e das expressões culturais relacionadas com grupos populacionais de ascendência africana promovida por órgãos oficiais e instituições particulares.


O caso de Mathieu d‘Acosta ou da Costa (+ 1623)


Um nome constantemente lembrado em iniciativas canadenses voltados a expressões culturais da população de ascendência africana é o de Mathieu d‘Acosta, de Costa ou da Costa, frequentemente mencionado como a primeira „black person“ registrada em documentos históricos referentes ao Canadá. O seu nome português, que o identifica como originário de contextos lusófonos, o faz de particular significado para os estudos culturais dedicados a relações entre contextos marcados pela ação histórica portuguesa - incluindo o Brasil - e o Canadá.


A memória de suas atividades no Canadá é registrada em placa comemorativa em Port Royal Habitation National Historic Site of Canada em Annapolis Royal, na Nova Scotia. Essa placa faz parte do Mathieu da Costa African Heritage Trail, rota com uma série de que marcam a história africana da Nova Scotia no Annapolis Valley.


O Mathieu da Costa Challenge é um concurso anual de escrita creativa e artesanato promovido pelo Department of Canadian Heritage, desde 1996. Esse concurso fomenta o descobrimento da diversidade na história canadense e do papel do pluralismo na sociedade do país.


Pouco se sabe de forma historicamente segura a respeito da origem e das atividades de Mathieu da Costa. Sabe-se que participou de empreendimento exploratório e colonial de particular importância para a história colonial do Canadá no início do século XVII. Foi um marujo que alcançou posição de relêvo junto a europeus pela sua destreza em línguas e pela sua habilidade no trato, por suas qualidades de comunicação e perspicácia. Segundo o que se sabe, além do português, falava francês, inglês, holandês, pidgin basco (!) e Mik'mak, um idioma utilizado no comércio com os aborígenes norte-americanos. Foi, assim, procurado por franceses e holandeses, sendo empregado como tradutor. Os seus serviços de mediação eram tão úteis para o trato que se discutia qual a nação européia que deles mais se aproveitaria. Tem-se referências que trabalhou para a administração de Port Royal, em 1608. Exerceu atividades ao longo do Rio São Lourenço e em várias localidades da costa atlântica do Canadá.


Discussão acerca da origem e da vida de Mathieu d'Acosta


Supõe-se que Mathieu d'Acosta tivesse vindo ao Canadá no início do século XVII, ainda antes que 1603, quando teria aprendido a língua Mi‘kmaq. Teria atuado, ainda muito jovem, em navio português. Esse navio podia tê-lo trazido da África numa de suas viagens ou êle poderia ter já nascido em Portugal, de pais de ascendência africana, o que seria perfeitamente possível, uma vez que muitos africanos viviam no país já há mais de um século.


Tudo indica, porém, ter vindo da África e ser, pelo seu sobrenome Costa, de família de raíz judaica, talvez de avô judeu e avó africana, como seria possível sobretudo em São Tomé, ou de avó judia e avô africano, como seria possível sobretudo na costa da Guinea, na do Marfim e do Ouro. A pesquisa histórica tem demonstrado a atuação de descendentes de judeus em São Tomé como mediadores em transações comerciais no Congo e Angola, sobretudo também como "pombeiros" no trato de escravos.


Que Mathieu d'Acosta falava um pidgin basco, isso poderia ser explicado pela presença de espanhóis em possessões portugueses da África à época da união pessoal de Portugal com a Espanha. O fato de falar holandês e inglês explicar-se-ia pela presença de navios dessa nação em incursões de pirataria e roubo nas possessões portuguesas, justificadas pela situação política sob a égide espanhola, país inimigo.


O domínio do francês explicar-se-ia sobretudo pelo processo de galicização de grande parte da costa que havia sido inicialmente marcada pelos portugueses, sobretudo no Senegal. Poder-se-ia também aventar a hipótese - pouco considerada - de que o nome d'Acosta não represente sobrenome familiar, mas a sua proveniência, ou seja, da costa africana. Mathieu d'Acosta seria, assim, um Mateus - denominação depreciativa comum para indicar personagem de origem simples, mediador, falador, ainda hoje presente como palhaço ou bôbo desenvolto em expressões culturais populares, correspondente ao "trickser" de outros contextos - vindo da costa, ou seja: um "Mateus" da Costa.


Esse Mateus ou Mathieu passou, provavelmente ainda muito jovem, a trabalhar como grumete em navio português, realizando viagens a Portugal e às Índias Ocidentais, talvez em tráfico escravo. Foi, então raptado por um mercador de Rouen, o que faz supor ter sido o navio interceptado; foi, então vendido ou transferido a Pierre Dugua Sieur de Mons (c. 1558/1650-1628) para servir de intérprete. É possível - tudo dependendo de sua ascendência judia ou não - ter sido anteriormente livre, sendo escravizado pela sua côr da pele, o que seria, então resultado de um mal-entendido. Também nesse roubo por mercador de Rouen evidencia-se a necessidade de considerar-se Mathieu d'Acosta no contexto político dos conflitos entre as nações à época da união pessoal entre Portugal e a Espanha.


Aonde teria, porém, Mathieu d'Acosta aprendido o idioma dos indígenas Mik'mak? É possível que, com a sua facilidade de línguas e a sua desenvoltura, o tivesse assimilado com rapidez. Poderia, sobretudo, já ter estado anteriormente no Canadá, talvez em viagens portuguesas no contexto de pesca de bacalhaus.


A passagem de Mathieu d'Acosta ao serviço francês e a sua atuação no Canadá exige que sejam considerados os pressupostos dos vínculos da França com a América do Norte. Matthieu d'Acosta insere-se no contexto histórico das tensões de rivalidade entre a França e a Grã-Bretanha, pertencendo à história francesa da presença na Acadia, legitimada pelas expedições de Giovanni da Verrazano (1485-1528) e Jacques Cartier (1491-1557).


Pressupostos: Jacques Cartier e vínculos com a Normândia e Bretanha


Nascido em Saint-Malo, Jacques Cartier se insere na tradição marítima do litoral bretão e normando. A sua figura surge como fundamental nos elos históricos entre a França e com o continente americano.


Relações de parentesco e circunstâncias favoráveis levou a que Cartir se tornasse comandante de dois navios que, em 1534, o rei Francisco I (1494-1547) enviou para a exploração do hemisfério ocidental. Com vento favorável, Cartier alcançou, em vinte dias, a costa da Terra Nova, dando continuidade à viagem até o litoral do Labrador. Tomou direção sul, esperando encontrar uma passagem para o Oriente. Não a descobrindo, tomou posse do pais em nome do rei da França. Esse ato tem sido visto como o da fundação do império colonial francês no Canadá. 


No ano de 1535, à frente de três navios, voltou a procurar a passagem a oeste, subindo o rio São Lourenço. Alcançou a aldeia de Hochelaga, a atual Montréal. Com grandes dificuldades e à vista de perigos representados pelos indígenas, retornou à França. A terceira expedição, de 1541, foi um empreendimento colonial destinado ao desenvolvimento das terrar adquiridas. Sem sucesso, Cartier retornou à França.


O relato de Cartier oferece valiosos dados relativos ao encontro com os indígenas, representando significativo documento para a história cultural. („Jacques Cartier, Land für den König von Frankreich“, H. Harrer e H. Pleticha, Entdeckunsgeschichte aus erster Hand: Berichte und Dokumente von Augenzeugen und Zeitgenossen aus drei Jahrtausenden, Würzburg: Arena 1968, 202-204)


O huguenote Pierre de Chauvin de Tonnetuit (+ 1603) e o dubioso comércio de peles


O elo de Dugua de Mons, e, portanto, o pressuposto da ação Matthieu d'Acosta no Canadá vincula-se com a viagem de Pierre de Chauvin de Tonnetuit, na qual de Mons participou como passageiro.


Nascido em Dieppe, na Normândia, Pierre de Chauvin de Tonnetuit pertenceu à família de posses de tradição naval-mercantil da região, em particular atuante na cidade de Honfleur. Foi capitão da marinha e na armada, tornando-se tenente geral da Nouvelle-France. Calvinista, participou de guerras contra a Liga, tendo sido recompensado cin um posto influente na corte.


Em 1583, Pierre de Chauvin de Tonnetuit serviu em tropas do admiral católico Aymar de Chaste (+1603), nos Açores, ação também a ser entendida no contexto determinado pela situação política da União Pessoal entre a Espanha e Portugal. Comandou ali as forças navais franco-portuguesas que apoiaram António, Prior de Crato, na sua tentativa de defender os Açores da Espanha e fazê-lo ponto de partida para a libertação portuguesa.


Em 1588, serviu na guarnição huguenote de Honfler, comandada por M. Du Gua de Monts em 1588. Em 1596, passou a interessar-se por empreendimentos comerciais marítimos. Com quatro navios, participou regularmente no comércio de peles e da pesca no Canada e na Terra Nova.


Juntamente com François Gravé Du Pont (1560-1629), de Saint Malo, que havia feito varias viagens ao São Lourenço, conseguiu, em 1599, um monopólio decenial do comércio de peles. Para abrigo e defesa do posto comercial canadense, decidiram construir um forte.


Em 1600, devido a protestos de Troilus de La Roche de Mesgouez (1536-1606), que tinha concessão similar, foi reconhecido pelo rei da França apenas como um dos tenentes de La Roche.


O empreendimento no qual Dugua de Mons participou teve o seu ponto de partida em Honfleur, em 1600, quando quatro navios e colonos, acompanhados por Gravé Du Pont, como tenente, partiram para o Canadá. Chauvin de Tonnetuit escolheu como local para assentamento Tadoussac, hoje visto como a mais antiga povoação francesa remanescente nas Américas.


Tadoussac era situado em local estratégico proximo a um porto e em caminhos de indígenas para o interior, parecendo ser local apropriado para o comércio de peles e como posto de pesca.


Em situação conhecida do Brasil de meados do século XVI, ocorreu no Canadá, com o comércio, modificações na política interna das relações tribais. Assim, com as armas adquiridas, os montaignes expulsaram os iroqueses, e esses, por sua vez, os compeliram ao interior. Sendo os franceses ligados com os primeiros, assim como com os algonquins e hurões, inimigos dos iroqueses, cairam em riscante situação. Os colonos se dedicaram ao comércio de peles por alguns meses, até o outono, deixando em Tadoussac apenas 16 homens para hibernar. Devido ao rigor do inverno canadense, apenas cinco sobreviveram.


Em 1602, Chauvin comandou uma outra expedição de Honfleur à Nouvelle-France. O sob muitos aspectos questionável comércio de peles passou a ser ampliado, nele se envolvendo comerciantes de Rouen e de Saint Malo. Uma comissão reunida em Rouen, com a participação de comerciantes de Saint-Malo, responsabilizou-se pelo exame e arbítrio de questões relativas a monopólios e condições de colonização. A. de Chaste comandou uma expedição ao Rio São Lourenço, onde participou Pierre Dugua, Sieur de Mons, François Gravé Du Pont e Samuel Champlain, sendo nomeado Vice-Rei do Canadá e tendo como um dos objetivos escolher um melhor local para o assentamento.


Samuel Champlain.Quebec. Foto A.A.Bispo©
Pierre Dugua Sieur de Mons e seu significado na atualidade


O significado de Pierre Dugua Sieur de Mons na atualidade se manifesta no fato de, em 2007, a êle ter sido levantado um busto em situação privilegiada de Quebec. Esse busto reproduz obra existente em Annapolis Royal, na Nova Scotia.


Nascido em Royan, protestante, esse mercador chegou a desempenhar papel de influência na França nas primeiras décadas do século XVII. Decisivo para as suas atividades no Canadá foi a mencionada viagem que realizou ao nordeste da América do Norte, em 1599, com Pierre de Chauvin de Tonnetuit.


Em 1603, Henrique IV (1553-1610) garantiu a Dugua o direito de colonizar terras entre as latitudes 40° e 60°, com monopólio para o comércio de peles, sendo nomeado TenenteGeral da Acadia e da Nouvelle France. Para isso, obrigou-se a trazer 60 colonos por ano ao novo assentamento. Em 1604, entre os 74 colonos, encontrava-se Samuel de Champlain (1567-1635), cartógrafo real, e, entre outros, Mathieu de Costa. Adentraram na Baie Française (Bay of Fundy) em junho de 1604, fundando uma colonia na Ilha St. Croix. A colonia foi transferida, em 1605, a Port-Royal.


Em 1606, Hendrick Lonck (1568-1634), capitão da Companhia das Ilhas Ocidentais Holandesa, abordou dois botes de Dugua, pilhando peles e munições. Em 1607, outros mercadores protestaram contra o monopólio, que foi revogado pelo rei, o que levou ao abandono da colonia e ao retorno à França. Dugua, passando a dirigir a sua atenção à colonia de Nouvelle-France no vale do São Lourenço, cedeu Port-Royal a Jean de Biencourt Poutrincourt et de Saint Juste(1557-1615). Dugua enviou Samuel Champlain para lançar as bases da colonia de Québec, em 1608.


Samuel Champlain


Matthieu d'Acosta passou a prestar os seus serviços de mediação a Samuel Champlain. Nascido em Brouage bei Rochefort, Champlain foi um oficial francês que se tornou um dos pioneiros da história colonial francesa, sendo considerado o fundador do Canadá francês ou "pai da Nova França". Havia estado no Caribe, em 1600, a serviço da Espanha, e era, desde 1601, geógrafo real de Henrique IV. Atingiu, em 1603, a região do atual Montreal, entre 1604 e 1606 explorou a Nova Scotia, e, em 1608, fundou Québec.  Em 1609, descobriu o lago que foi denominado segundo o seu nome em Vermont e, em 1611, fundou Place Royale, origem de Montreal. De 1613 a 1616, explorou o rio Ottawa até o lago Nipissing e o lago Hurão.


Champlain retornou a Québec atravessando o lago de Ontario e o Niagara, onde participou de um ataque a aldeia iroquesa no lago Oneida. A partir de 1627, foi governador da Nouvelle France, colocando pretensões de posse francesa a territórios ao norte das colonias da Nova Inglaterra, alcançando sucesso com o trato de Saint-Germain-en-Laye, de 1632, que garantiu os direitos franceses na Acádia.

Matthieu d'Acosta como mediador


A atividade de Mathieu d'Acosta deve ser considerada no contexto dos empreendimentos de Champlain. Entretanto, os poucos dados que se conhecem a seu respeito impedem de analisar com segurança documental o papel que desempenhou. A sua função corresponde àquela conhecida de mediadores em outros contextos - inclusive brasileiros -, que vem sendo discutida sob o aspecto de situações de transformação cultural a que estavam submetidos, e deveria ser analisada antes sob o aspecto teórico-cultural.


O observador constata, assim, na projeção atual da figura Mathieu da Costa, similares problemas conhecidos dos estudos brasileiros: nas melhores intenções de se contribuir à valorização histórica e cultural de grupos populacionais de ascendência africana criou-se um quadro mítico-fantasioso, de vulgarização de imagens, sem fundamentação documental, capaz de levar a êrros na consideração de contextos e processos históricos e que exige do pesquisador particular cuidado de diferenciação analítica.


Tem-se discutido, neste contexto, a necessária diferença a ser feita entre a adequada e justa consideração de situações multiculturais e o multiculturalismo. Este, em correspondência a outros ismos, ainda que compreensível nas suas intenções político-culturais, levanta questões sob o aspecto da pesquisa histórica, podendo contribuir à construção de edifícios historicamente não fundamentados.




Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:


Bispo, A.A. (ed.). "Monumentos e murais: consciência histórica, trompe-l'oeil e multiculturalismo canadense. O africano-português Mathieu da Costa em construções históricas". Revista Brasil-Europa 128/6 (2010:6). www.revista.brasil-europa.eu/128/Mathieu-da-Costa.html




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________