Budismo em situações multiculturais: Singapura. Revista BRASIL-EUROPA 127/8.  Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 




Pelos 25 anos da oficialização alemã do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS), a A.B.E. desenvolveu trabalhos relacionados com Singapura, uma das metrópoles consideradas como de maior grau de multiculturalidade e globalização da terra.


Os estudos foram conduzidos sob a particular perspectiva do relacionamento entre os Direitos Humanos e os Estudos Culturais em contextos internacionais, um ciclo de estudos que considerou também questões sobre o relacionamento entre a Diplomacia e a Ética. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Singapura-Brasil.html)


A escolha de Singapura fundamentou-se no fato de ter sido essa cidade, sob muitos aspectos, sucessora de Málaca como centro de processos que relacionam a Europa e o Sudeste da Ásia na era moderna. Esses processos foram iniciados pelos portugueses, no século XVI, e muitos de seus descendentes transferiram-se para Singapura no século XIX. Além do mais, os elos de Singapura com a Índia Portuguesa e com Macau foram estreitos. A passagem dos 500 anos da tomada de Goa (1510) e de Málaca (1511) pelos portuguêses oferece uma oportunidade para a consideração especial dessas relações.


A história e a análise cultural da atualidade do Sudeste da Ásia, focalizando de forma privilegiada Málaca e Singapura, surge como de relevância para todos os países que tiveram a sua formação cultural marcada pelos portugueses.


Chineses em Singapura e no Brasil


Um dos aspectos que revelam esse significado, em particular para o Brasil, diz respeito à imigração chinesa. A não desprezível porcentagem de chineses na população de algumas cidades do Brasil e as questões que dizem respeito a processos de manutenção ou transformação de identidades e expressões culturais exigem perspectivas e procedimentos adequados para serem tratadas.


Devido sobretudo à presença portuguesa em Macau durante séculos, os elos do Brasil com a China podem ser tratados com grande profundidade histórica. Assim, sob essse aspecto da inserção do Brasil numa configuração político-cultural global do mundo português tem-se considerado a vinda de chineses ao Brasil à época do Reino Unido.


Entretanto, a imigração chinesa que marcou de forma mais intensa o Brasil no século XX necessita ser considerada também e sobretudo a partir de suas inserções em outros contextos. Ela faz parte da história geral das emigrações chinesas a partir do século XIX e que levou à presença de chineses em regiões do mundo então em desenvolvimento colonial. Essas correntes emigratórias eram origem aos bairros chineses que constituem, hoje, característica de várias metrópoles em diferentes continentes.




Questões de focalização adequada das comunidades chinesas fora da China


A configuração geográfico-cultural dessas regiões da presença chinesa fora da China exige um posicionamento adequado do observador e de suas perspectivas. Questões culturais referentes aos chineses no Brasil não podem, assim, ser tratadas exclusivamente a partir de um sistema referencial determinado pela história luso-brasileira. Necessita considerar a questão da emigração a partir da China, a partir de seus pressupostos, e procurar, a seguir, alcançar enfoques próprios da área da expansão emigratória chinesa e que atravessa fronteiras e continentes.


Entre os diversos centros de imigração, e que unem também as Américas à Ásia e à Oceânia, que interlaçam as esferas do Atlântico ao do Pacífico, estabeleceram-se elos e desenvolveram-se contextos próprios marcados por intercâmbios e história comum.


Nesse sentido, o ISMPS e a Academia Brasil-Europa (ABE) têm procurado considerar questões relativas à cultura chinesa e à identidade cultural de habitantes de ascendência chinesa em bairros chineses de várias metrópoles do mundo. Assim, a última edição desta revista considerou a imigração chinesa no Havaí, em particular em Lahaina (Mauí) e em Honolulu.



Esses estudos, ainda que preocupados em considerar adequadamente a perspectiva dos contextos de saída, da emigração, no caso da China, e procurar coordenadas adequadas à configuração criada, supra-nacional da imigração, não podem deixar de analisar os complexos culturais constituídos e os seus desenvolvimentos a partir dos contextos de entrada dos imigrantes. Reflexões sobre os próprios referenciais que orientam e determinam os estudos devem acompanhar, assim, necessariamente, as análises das transformações multilaterais e interações mútuas.




Estudos da imigração chinesa em Singapura


Singapura oferece possibilidades especiais para o desenvolvimento de estudos da imigração chinesa. Dentre as instituições que promovem esses estudos salienta-se o Heritage Centre Chinatown.



Esse centro contribui à manutenção da memória da comunidade de ascendência chinesa através de pesquisas da história oral a serviço da informação dos próprios imigrantes e seus descendentes. Oferece esclarecimentos a respeito do passado imigratório e da sua posição na sociedade atual, fomentando ao mesmo tempo a difusão de conhecimentos entre outros grupos da população.



O Heritage Centre Chinatown desempenha também um papel significativo na valorização urbana dessa zona da cidade, um dos maiores bairros chineses fora da China no mundo. Ainda que marcada pela presença cultural chinesa, essa parte da cidade possui importantes templos hinduístas e mesquitas, ou seja, representa um microcosmo da imigração de povos da esfera asiática, uma diversidade em singular unidade, em muitos casos compreensível, em outros paradoxal.


A passagem de cortejos de hindús que, em grande número, se dirigem às festas brilhantes de seus templos pelas ruas de Chinatown desperta a atenção do observador não apenas para a convivência de diferentes culturas religiosas nesse espaço urbano, para mundos paralelos, mas sim também para aproximações e interrelacionamentos, para a familiarização mútua com diferentes formas de expressão visual, de imagens e de práticas, para descobrimentos, por parte dos membros das várias culturas, de similaridades e bases comuns, para além das diferenças.


Compreende-se, aqui, o significado que assumem expressões inter-e transreligiosas em Singapura, o que é reconhecido tanto na pesquisa cultural como nos próprios grupos religiosos.




Significado expressões do Budismo em Singapura


Como registrado em levantamentos oficiais, o Budismo é a religião de maior número de adeptos em Singapura. É representado por numerosos templos de relevância histórico-cultural, instituições de estudos e associações várias, entre elas a União Budista de Singapura. Essa importância do Budismo explica-se em grande parte pelo grande contingente chinês na população, uma vez que a maior parte de seus adeptos são chineses, havendo também minorias de sinhaleses e siameses.


Compreensivelmente, a maior parte dos budistas de Singapura seguem a corrente chinesa Mahayana do Budismo. Ao lado de grupos que seguem o Budismo tibetano, é a corrente Theravada, - a mais antiga escola -, que registra maior crescimento nas últimas décadas. O seu maior centro é o Wat Ananda Metyarama.


O Budismo em Singapura adquire sob diferentes aspectos um significado maior do que na própria China. Essa situação pode ser vista como mais um exemplo de fenômenos culturais próprios de situações imigratórias, onde frequentemente se constata a permanência, o fortalecimento e mesmo a reconstrução de expressões culturais dos países de origem. No caso do Budismo em Singapura, esse fenômeno mostra-se relacionado com o interrelacionamento de concepções e práticas no presente e que é justificado como permanência e recuperação de uma antiga situação da China, em parte perdida.


Em Singapura coexistem diferentes correntes de pensamento e da prática budista que se relacionam com diversas formas de expressões culturais chinesas, algumas de antiga tradição. Observa-se comunicação cultural e religiosa entre o Taoísmo, o Confucionismo e o Budismo.


Práticas e expressões sugerem elos com complexos religiosos de remotas origens, assimilados pelas grandes correntes do pensamento e do culto no decorrer dos séculos, mantidos na tradição popular e revitalizados no contexto da imigração. O observador sente-se tentado a tecer paralelos com situações do Ocidente, onde elementos do edifício de concepções e expressões da Antiguidade passaram por uma metamorfose resignificativa com a Cristianização, mantiveram-se através dos séculos, sobretudo em expressões tradicionais populares para, em época já marcada pela secularização, serem revalorizados como expressões culturais e reinterpretados segundo outras perspectivas teóricas.


Assim, como no Ocidente, onde religiosos preocupados com uma pureza doutrinária cristã procuraram reformar práticas e concepções na tentativa de restauração de supostas situações originais, e onde pesquisadores combateram e combatem o sincretismo com o intuito de recuperação de supostas religiões autênticas não-cristãs, também no Budismo há aqueles que preconizam renovações com bases em expurgos de expressões vistas como resultado de misturas.


Esses intentos intervencionistas de fundamentação ideológica não têm sufocado a consciência da riqueza que representa esse patrimônio religioso-cultural em toda a sua complexidade.


Constata-se a existência de tendências à sua valorização, ainda que sob diferentes pontos de vista. Um deles, o mais superficial, diz respeito ao papel que o sincretismo desempenha na manutenção da harmonia na convivência dos vários grupos da sociedade multicultural e na formação de uma identidade marcada pela unidade na diversidade.


Uma das mais singulares argumentações é a de que a sobrevivência de remotos elementos religiosos - o que corresponderia, no Ocidente, a elementos de um antigo „paganismo“ - seria propícia para o aumento do bem estar e do sucesso na existência, correspondendo ao ethos desenvolvimentista de Singapura. Indiretamente, sugere-se que substratos religioso-culturais remotos mantidos no sincretismo do meio imigratório seria um dos fatores do extraordinário crescimento econômico vivenciado pela antiga colonia.


O processo transformatório do Budismo em Singapura não é, porém, devido apenas a mecanismos internos de resignificações. Ali ensinam monges e monjas budistas de diferentes tradições, provenientes de Sri Lanka, da Tailândia e de outros países do Sudeste Asiático. 


A língua inglêsa em Singapura favorece também a internacionalização do Budismo. Publicações, gravações musicais e vídeos contribuem para a sua larga difusão, sobretudo também na geração mais jovem da população de passado imigratório. Centros de estudos budistas oferecem cursos para europeus e americanos desejados no aprendizado (Dharma).


A expansão de concepções e expressões do Budismo Tibetano ocorre em grande parte por intermédio do Ocidente, onde é particularmente difundido, sobretudo também pela irradiação da personalidade do Dalai Lama. A passagem ou a relação do Budismo de feição Mahayana chinesa àquela tibetana em Singapura não deixa de ter significado relevante sob o ponto de vista político-cultural em contextos globais.


O observador surpreende-se em constatar o alto grau organizativo dos budistas em Singapura, não apenas no que diz respeito a estruturas e instituições locais, mas sim também quanto às suas inserções em rêdes internacionais. Representantes de grupos estrangeiros em Singapura, que contribuem ao ensino e à difusão do Budismo, surgem como mediadores de contatos com os mais diversos países, entre êles com a China, com Taiwan, com a Tailândia, com Sri Lanka, com a Índia, assim como com nações européias, sobretudo com a Alemanha e a Grã-Bretanha. assim como com os Estados Unidos.


Dentre os muitos templos de Singapura, o maior centro da tradição Mahayana chinesa é o mosteiro Kong Meng San Phor Kark. Dos muitos outros templos, salientam-se o Siong Lim, Palelai e Thekchen Choling (tibetano). Um particular significado, pela relíquia que guarda, é o The Buddha Tooth Relic Temple, dedicado ao Buda Maitreya.


Dentre os mais importantes templos budistas de Singapura deve-se salientar o  Sakya Muni Buddha Gaya, conhecido como templo das mil luzes. Fundado em 1927 pelo monge Vutthisarem, com arquitetura influenciada pela tradição tailandesa, abriga uma monumental estátua de Buda com ca. de 15 metros de altura. O interior do edifício é ornamentado com pinturas murais e quadros que representam a vida do Buda Sakyamuni.



Templo da Divindade da Graça (Goddess of Mercy Temple)


Um dos templos que mais dirige a atenção do observador à complexidade religioso-cultural que caracteriza o Budismo de Singapura é aquele dedicado à Divindade da Graça, Guanyin ou Kuan Yin (观音). Conhecido como Kwan Im Thong Hood Cho (音堂佛祖庙), foi construído em 1884.


Devido à sua crescente importância, procurado por grande quantidade de fiéis, em particular por ocasião da festa do Ano Novo, passou por ampliações, ainda no século XIX (1895) e, mais recentemente, em 1982.



O templo é situado ao lado de grande e muito concorrido templo hindú Sri Krishnan, e próximo à igreja de São Pedro e São Paulo, à sinagoga Maghain Aboth e à mesquita Malabar Jama-ath domina como centro religioso a rua (Waterloo Street)e o bairro em que se situa. Toda a área é marcada por vendedores de dádivas, flores e palitos de incenso que os fiéis oferecem antes de entrar na área do templo. Como exemplo da intercomunicabilidade religiosa, cumpre salientar que o templo hindú vizinho possui uma imagem correspondente quanto ao significado àquela do Budismo, sendo esta venerada por muitos chineses antes de se dirigirem ao templo budista.



A área central do templo possui um altar a Kuan Yin, um para o fundador do Zenbudismo, Bodhidharma e outro a Hua Tuo, padroeiro da medicina e da cura. Numa das salas venera-se a imagem do Buda Sakyamuni.


Devido ao extraordinário aumento do número de fieis, o templo foi ampliado em 1982. As imagens foram colocadas sobre um único altar na sala de orações, com uma imagem elevada do Buda Sakyamuni ao lado de Kuan Yin. A decoração do templo apresenta-se em exuberantes cores, sobretudo dourado, vermelho, azul e verde. Nas calhas do telhado, vêem-se suásticas budistas, em amarelo.


Com o culto a Kwan Yin Bodhisattva, procura-se alcançar felicidade e sorte na vida. Somente a interrelação de concepções e imagens no âmbito de um processo de resignificações que determinou a feição própria do Budismo de Singapura é que possibilita compreender os elos com crescimento econômico, evidenciado no comércio das circunvizinhanças.


O Templo da Divindade da Graça desempenha um significativo papel no fomento de atiidades caritativas, sobretudo hospitalares. Singularmente, subsidia a pesquisa, tendo feito substancial doação para a instituição de uma cátedra professoral em ciências da computação na Universidade Nacional de Singapura. Surge também como mecenas de projetos artístico-culturais.




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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. "Memória da imigração chinesa e a potencialidade integradora do Budismo em situações multiculturais". Revista Brasil-Europa 127/8 (2010:5). www.revista.brasil-europa.eu/127/Budismo-em-Singapura.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 127/8 (2010:7)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2641




Memória da imigração chinesa
e a potencialidade integradora do Budismo em situações multiculturais
- o Templo da Divindade da Graça de Singapura -


Ciclo „Direitos Humanos, Estudos Culturais e História Diplomático-Cultural“ da A.B.E.
Preparatórias à passagem dos 500 anos da tomada de Goa e de Málaca pelos portugueses

Chinatown Heritage Centre e Templo Thian Hock Ken
25 anos de fundação alemã do Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.

 















  1. Singapura
    Fotos A.A.Bispo 2010
    ©Arquivo A.B.E.


 

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