Cultura e Natureza em relações Brasil- Sudeste da Ásia. Revista BRASIL-EUROPA 127/6.  Bispo, A.A. (Ed.). Organização de estudos culturais em relações internacionais





Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

Pelos 25 da oficialização alemã do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS), a A.B.E. desenvolveu, em março de 2010, trabalhos em a Singapura motivados pela passagem dos 500 anos da conquista de Goa e de Málaca pelos portugueses e que foram conduzidos sob a perspectiva das relações entre os Direitos Humanos e os Estudos Culturais, com particular consideração da História Diplomático-Cultural e da Ética nas relações internacionais. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/127/Singapura-Brasil.html)


O seu objetivo foi sobretudo o de observar situações culturais referentes à comunidade de ascendência portuguesa ou de significado para estudos culturais desenvolvidos sob a perspectiva de contextos portugueses e brasileiros, detectar tendências e procurar in loco caminhos para um tratamento teórico-cultural atualizado dos processos globais colocados em vigência desde a conquista de Málaca há 500 anos.


Os estudos das relações entre a Europa e o Sudeste da Ásia confrontam-se com a necessidade de uma consideração da história cultural nos seus elos com a natureza.


A procura da fonte do comércio de especiairias, em particular do cravo e da noz moscada, com a correspondente tomada de poder e o contrôle dos caminhos marítimos para esse comêrcio foram fatores fundamentais das atividades dos portugueses na região e da conquista de Málaca no século XVI.


A fase inaugurada com a fundação de Singapura no século XIX também foi marcada pelo comércio de produtos naturais e por transformações ambientais causadas pela exploração dos recursos naturais, pela introdução de novas espécies e pelo fomento da agricultura.


O Jardim Botânico de Singapura, de significado reconhecido internacionalmente, chama a atenção à necessidade de consideração da Botânica e sua história nos estudos culturais relacionados com processos globais marcados pelos desenvolvimento da colonia nos Estreitos malaios. 



História científico-cultural e Direitos Humanos: Alfred Russel Wallace (1823-1913)


Os elos entre a História Cultural, a História Natural e a história do pensamento científico no século XIX têm sido considerados em diferentes ocasiões e sob diferentes aspectos nos trabalhos da A.B.E.. Conduzidos no âmbito do seu programa de estudos „Cultura e Natureza“, vários relatos desses estudos foram publicados em números anteriores dessa revista. Neles salientaram-se aspectos culturais em contextos globais que elucidam o desenvolvimento do pensamento científico-natural, sobretudo da teoria da Evolução e do papel do Brasil nele desempenhado.


Um nome que estabelece de forma mais evidente a ponte entre o Brasil e o Sudeste da Ásia na história das relações entre a pesquisa científico-natural e a história da cultura e do pensamento do século XIX é o de Alfred Russel Wallace.


Após ter realizado estudos no Amazonas, em particular no Rio Negro, cujos resultados foram publicados em relatos e estudos baseados nas suas observações (e.o. On the Monkeys of the Amazon, 1853; Palm trees of the Amazon and their uses,1853; Travels on the Amazon and Rio Negro, 1889), Wallace deu prosseguimento, entre 1854 e 1862, às suas explorações nas Índias Orientais, percorrendo a região da península malaia e a Indonésia.


O seu nome é perenezido geográficamente na denominação da Linha de Wallace, marcando limites zoológicos por êle constatados e que é uma das justificativas de ser considerado como pai da biogeografia.


Foi no Sudeste asiático que Wallace desenvolveu as suas idéias relativas à evolução e à seleção natural, cuja comunicação a Darwin, em 1858, levou a que esse publicasse a sua própria teoria. Relatos de suas experiências na região foram publicadas em 1869 no livro The Malay Archipelago, obra de larga difusão.


O nome de Wallace merece ser considerado também pela atenção que dedicou a problemas humanos e sociais relacionados com o sistema econômico da sociedade britânica. A sua crítica dizia respeito, entre outros aspectos, à política do livre comércio, ou seja, a um liberalismo econômico de negativas consequências para os trabalhadores.


Ao mesmo tempo, o seu pensamento foi determinado pelo Espiritualismo, coadunando-o com a Evolução e com as suas convicções relativas aos problemas sociais. Entre 1873 e 1879, participou ativamente nos debates relativos a questões de propriedade de solo e reforma territorial; tornando-se primeiro presidente, em 1881, da Sociedade de Nacionalização da Terra. Publicou Land Nationalisation: Its Necessity and Its Aims, em 1882.  Em 1889, manifestou expressamente ser socialista.


José d'Almeida Carvalho e Silva no estudo cultural de rêdes do Este asiático


Se Wallace e sua obra demonstram os vínculos entre o Brasil e o Sudeste da Ásia na história das ciências e suas relações com a crítica social, o estudo contextualizado do desenvolvimento de seu pensamento exige a consideração de nomes e de tendências nas regiões por êle visitadas.


Dos portugueses que se transferiram e viveram em Singapura, um nome surge cada vez mais como chave para os estudos da história cultural da cidade e mesmo do Sudeste Asiático: José d‘Almeida Carvalho e Silva.


O seu nome é já há muito conhecido no âmbito dos estudos dedicados a questões da história missionária, sobretudo após a publicação de M. Teixeira sobre as missões portuguesa em Málaca e Singapura (As Missões Portuguesas em Malaca e Singapura - 1511-1958 -, Lisboa: Agência Geral do Ultramar, III, 29 ss.).

O significado de sua vida e suas atividades foi salientado na publicação de Fr. F. Bata, Um português em Singapura: Dr. Jose D‘Almeida, Macau: Imprensa Nacional, 1984. Já o local de edição dessa obra chama a atenção para os elos da vida e das atividades de José d‘Almeida e seus descendentes para Macau, e, em geral, o significado de José d‘Almeida para uma história cultural da esfera portuguesa do Oriente.


O pesquisador se defronta, em pesquisas em Macau, com indicações que podem ser antes de particular relêvo para Singapura ou outras regiões, e, em Singapura, nomes que abrem caminhos para estudos mais específicos em Macau. Assim, estudos e encontros anteriormente realizados em Macau pouco trouxeram à consciência o significado do nome de José d‘Almeida Carvalho e Silva e os seus elos com a cidade, o que apenas tornou-se evidente a partir de Singapura.  


Como salientado em eventos anteriores do ISMPS, em particular naqueles realizados por ocasião da passagem de Macau à China, os estudos relacionados com os processos desencadeados pelos portugueses no Oriente, e nos quais se inseriram, exigem reflexões teóricas quanto a delimitações regionais e locais. Devido aos estreitos relacionamentos entre os vários pontos de presença portuguesa no Oriente, devido ao intenso intercâmbio entre Goa e outras cidades da Índia com Macau, Timor e outras comunidades portuguesas dispersas em regiões não administradas pelos portugueses, torna-se praticamente impossível delimitar de antemão estudos da história cultural a uma determinada cidade ou colonia.


Antes de poder fazê-lo, a pesquisa deve ser antes orientada ao estudo de rêdes amplas de contatos sociais e dos intercâmbios e interações que dentro delas se passaram e as suas transformações com o entrelaçamento com outras rêdes.


As características de um modo de vida e de expansão marcadas pela mobilidade baseada na navegação, pelo comércio marítimo e pelas viagens missionárias criou um espaço especial para análises históricas. Seria pouco adequado tratar da história cultural ou musical de localidades sob enfoques limitados geográficamente que podem ser adequados para a história de outras nações. Apenas quando os conhecimentos e as visões possibilitados pelos estudos das várias regiões permitirem a criação de um mosaico como todo é que se poderá, desenvolver com mais propriedade estudos específicos, voltados a ancoramento locais de rêdes e às análises internas de suas estruturas e caminhos difusivos.


Questão da lusofonia nos estudos culturais de condução lusológica


Nesse intento, seria também delimitador e inadequado proceder-se segundo critérios de língua, ou seja, restringir de início o campo de estudos às comunidades lusófonas. Nas suas atividades comerciais com outros povos e, sobretudo, na realidade de vida daqueles portugueses e seus descendentes residentes em locais e regiões não administradas pelos portugueses, o uso de outros idiomas foi um imperativo e resultado das próprias circunstâncias. Os descendentes de portugueses, nascidos nos respectivos contextos culturais, ali visitando escolas e integrando-se, passaram a utilizar-se do idioma dominante.


Esse desenvolvimento, que deve ser considerado de forma diferenciada quanto a gerações da imigração, dos elos culturais criados por casamentos - se com europeus de outras nações ou com asiáticos -, além de outros fatores, constitui um dos objetivos da análise cultural em relações internacionais.


O estudo da manutenção do português, de suas transformações, de sua recuperação e das circunstâncias de seu cultivo surge aqui como um dos aspectos - ainda que particularmente significativo - de uma pesquisa de objetivos mais amplos, voltada à análise de transformações, também sob o aspecto da língua.


Repete-se aqui, no caso de Singapura, uma situação que já foi salientada com relação ao Havaí na edição anterior desta revista e elucida mais uma vez a linha de orientação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa I.S.M.P.S. e.V. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/126/Havai-Portugal-Brasil.html)


José d‘Almeida na memória de Singapura


Sob essas condições da pesquisa, o nome de José d‘Almeida adquire uma projeção especial no contexto do Sudeste da Ásia e mesmo das relações culturais globais.


Essa projeção pode apenas ser percebida a partir de Singapura. Alí, o seu nome é perenizado em nome de rua central da cidade (D'Almeida Street), a do seu filho mais novo, também José d‘Almeida, em via de similar designação (Almeida Road). Esses fatos foram estudados em obra dedicada à toponímia de ruas de Singapura (V. Savage e B.S.A. Yeoh, Toponymics: A study of Singapore street names, Singapore: Eaastern University Press, 2003, 107-8).


A importândia de José d‘Almeida para Singapura ficou gravada na memória local pela pompa fúnebre com que foi sepultado no histórico cemitério do Fort Canning, hoje um dos principais parques, centros recreacionais e culturais de Singapura.


Esse cemitério se encontra na elevação que domina o centro da cidade e em área que hoje abriga o jardim botânico e o National Museum.


Trata-se de um local do mais alto significado histórico e simbólico de Singapura. A colina era denominada de Bukit Larangan antes da chegada dos inglêses, em 1819, um nome que sugere que ali se encontrava uma antiga colina sagrada, respeitada por ter sido local de antigas residências de soberanos ancestrais. Ao pé da colina acredita-se que se encontra o local de descanso do último rei malaio da ilha, venerado pelos muçulmanos.


Thomas S. B. Raffles (1781-1826) ali construiu a sua residência, em 1822, criando também o primeiro jardim botânico. A colina passou a ser conhecida como nome de Government Hill, por abrigar a residência que passou a ser usada pelos governadores.


Somente em 1859, ou seja, após o sepultamento de José d‘Almeida, foi dado ao local uma função militar de defesa, ali construindo-se um forte, depósito de armas e hospital. O forte recebeu o nome do Visconde Charles John Canning (1812-1862), então Governador-Geral (1837-1859) e que tornou-se o Primeiro Vice-Rei da Índia (1858).




Significado de José d‘Almeida para a história de Singapura


Nascido em São Pedro do Sul, Portugal, e falecido em Singapura, José d‘Almeida Carvalho e Silva é lembrado por ter sido um dos primeiros residentes europeus e proprietários de Singapura, integrante do grupo de pioneiros que perceberam o interesse estratégico do local, tendo sido um daqueles que mais acreditaram no seu futuro, ali adquirindo terras, ali criando família e ali falecendo.


O seu significado histórico para Singapura é visto sobretudo na sua intensa participação no desenvolvimento comercial e econômico em geral da localidade. Vindo inialmente como cirurgião atuante na marinha, passando por Singapura a caminho de Macau, e reconhecendo as possibilidades daquele posto comercial recém estabelecido, José d‘Almeida encarregou o genro do Tenente-coronel William Farquhar (1774-1839), primeiro residente britânico e comandante de Singapura (1819-1823) a adquirir área em seu nome e ali construir uma residência. Nessa casa, situada à Beach Road, passou a morar com a sua família, vindo de Macau, a partir de 1825.


O seu nome ficou marcado na história de Singapura sobretudo pela importante firma comercial que fundou, a José d‘Almeida & Co., posteriormente denominada de José d'Almeida & Sons, na qual também participou o seu irmão mais novo, Joaquim. A firma, que cresceu rapidamente, alcançou um período de apogeu em meados do século, falindo, porém, no contexto de uma crise econômica, em 1865. Em 1878, a sua residência foi ocupada por uma escola e, mais tarde, adquirida pelo rei do Sião.


O período áureo das atividades comerciais de José d‘Almeida coincide, assim, com a decisiva fase de implantação, de crescimento e de florescimento de Singapura no seu caminho que vai de primitivo posto comercial aos assentamentos do Estreito e ao status de colônia da Côroa Britânica.


Historiografia local e os estudos da memória dos euroasiáticos em geral


José d‘Almeida é citado no dicionário histórico de Singapura (K. Mulliner e L. The-Mulliner, Historical dictionary of Singapore, Metuchen, NJ: Scarecrow Press 1991,49).


O seu nome é considerado em estudos de contextos históricos, entre elas na já quase clássica obra de D. Moore e J. Moore (The first 150 years of Singapore, Singapura: Donald Moore Press, 1969) e  a de C. B. Buckley, esta com numerosas referências (An anecdotal history of old times in Singapore: from the foundation of the settlement (... ) to the transfer to the Colonial Office ..., Singapura: Oxford University Press, 1984).

Da literatura historiográfica relevante para os estudos de José d‘Almeida, cumpre salientar a história de Singapore de C.M. Turnbull (
A history of Singapore, 1819-1988, Singapura: Oxford University Press, 1989), e a obra publicada por W. Makepeace, G. E. Brooke e R. St. J.  Braddell sobre os primeiros anos da cidade (One hundred years of Singapore, 2 vols., Singapura: Oxford University Press).


Mais recentemente, José d‘Almeida tem sido considerado no contexto do novo interesse pelo papel dos eurasiáticos e de suas memórias no Extremo Oriente, do qual é um exemplo, para Singapura, a publicação de M. Braga-Blake e A. Ebert-Ohlers (Singapore Eurasians: memories and hopes, Singapura: Eurasian Association Singapore e Times, 1992).


Ao estudo e à difusão de conhecimentos sobre José d‘Almeida tem-se dedicado em especial um pesquisador do National Library Board de Singapura, Ong Eng Chuan.


Residência de José d'Almeida como centro da vida musical e elos com Macau


A casa de José d'Almeida tornou-se um centro da vida sócio-cultural de Singapura, não apenas dos portugueses. Estes ali se reuniam para celebrar missas em português nos anos iniciais da decada de vinte, quando ainda não havia igreja na localidade. Pelas suas festas e saraus, a casa de José d'Almeida tornou-se um centro de cultivo das artes e de intercâmbio de conhecimentos de significado para a vida cultural da população européia.

O vínculo mais estreito com a cultura de Macau foi criado pelo seu casamento, ali realizado, com a sua primeira esposa, Rosália. A música desempenhava importante papel na vida doméstica da família de José d'Almeida, e alguns de seus membros eram musicistas de formação, capazes de formar conjuntos orquestrais, juntamente com outros músicos residentes na localidade.

Através de José d'Almeida, Singapura se insere na história do desenvolvimento da música instrumental não religiosa e que levou à formação de sociedades de amadores e de público de concertos em várias regiões, sobretudo também em Goa e Macau. Alguns de seus muitos filhos retornaram a Macau, onde passaram a exercer posições influentes.

José d‘Almeida na História Diplomático-Cultural


A posição influente e os méritos locais e regionais de José d'Almeida foram reconhecidos na Europa. Em 1842, durante uma visita a Portugal, foi honrado pela rainha e nomeado Consul Geral para os Assentamentos do Estreito. Também foi honrado pelo rei da Espanha. O renome que gozou em Portugal é  testemunhado pelo fato de ter sido nomeado membro do Conselho real.

Devido à formação de seus filhos em ambiente britânico de Singapura, criaram-se elos com centros do império britânico, em particular com a Índia, também com a Índia Britânica, ou seja, para além do contexto propriamente da Índia Portuguesa. Assim, o seu filho Joaquim d'Almeida (+1870) casou-se em Calcutá, em 1838, com a filha do Captain W. Barrington, dando, porém, continuidade à tradição e aos negócios de seu pai em Singapura e mantendo a função de Consul Geral de Portugal no Estreito.

Significativo para os elos entre o mundo português e o britânico é o fato de Joaquim d'Almeida, casado em segundas núpcias com Isidora Cotter, ter defendido a passagem das Colonias do Estreito do Govêrno da Índia ao Colonial Office.

O seu filho, Joaquim Isidoro, desenvolveu esses laços entre os mundos lusitano e britânico, intensificando os vínculos com Macau, onde também residiu e atuou, retornando, porém, a Singapura.

Alguns dos filhos de José d'Almeida tiveram nomes inglêses, como Edward e William. O grau de relacionamento com o universo colonial britânico teve a sua maior expressão no fato do seu filho mais novo, José d'Almeida, nascido em Macau, ter-se casado em Sydney, Austrália, em 1845, com uma protestante, Augusta Grylle, filha de um missionário.

Os elos entre os filhos de José d'Almeida nascidos e crescidos em Singapura com os inglêses tiveram também influência na comunidade católica da Missão Portuguesa. A sua filha Marianne d'Almeida casou-se com Thomas Owen Crane, agente das propriedades da Missão Portuguesa. Uma de suas netas, também chamada Eva d'Almeida, filha de Maria Isabel d'Almeida, casou-se, em 1870, com Crombie Glass, da influente firma Guthrie & Co. A sua irmã, também chamada Eva, casou-se com A.P.Tailor, atuante na administração colonial britânica.



Relações entre Botânica aplicada, cultura agrícola e economia


Dentre as diversificadas atividades de José d'Almeida devem ser também mencionadas aquelas relativas à agricultura. A sua ação como plantador o insere não apenas no rol daqueles que contribuiram ao desenvolvimento agrícola do povoamento, mas sim também no contexto global da história da agricultura e botânica aplicada em época na qual em várias regiões - inclusive no Brasil - se fomentava a criação de jardins botânicos e de aclimatação de plantas. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/123/Pamplemousses.html e http://www.revista.brasil-europa.eu/123/Palmeira_imperial.html)


Thomas S.B. Raffles, pesquisador da cultura e da natureza da região), implantou, ao chegar, o primeiro jardim botânico na principal colina de Singapura.


José d'Almeida introduziu espécimes de outras regiões, árvores de frutas, algodão e baunilha, e fêz tentativas no sentido de implantar o cultivo sistemático de açúcar, do café e do côco. Algumas das mudas vieram do continente americano, entre elas de algodão do Brasil. Foi um dos iniciadores da Sociedade de Agricultura e Horticultura de Singapura, fundada em 1837.


A descoberta da utilidade e da importância econômica da gutta


Para os estudos relacionados com o Brasil, cumpre salientar que foi êle, juntamente com o cirurgião Dr. William Montgomerie (1874-1961), um dos responsáveis pela descoberta da utilidade e do valor econômico do leite extraído da árvore malaia Gutta percha, ou seja, da árvore de Gutta (Palaquium gutta ou Isonandra gutta, e Dichopsis oblongifolia).


Essa árvore, nativa do arquipélago malaio, ocorrente em países da esfera do Pacífico, é encontrada, entre outros locais, nas Filipinas, na Indochina e na Nova Guinea, tendo-se difundido a outras regiões, entre elas ao Ceilão e à costa ocidental africana. A Gutta percha (getah taban) é produzida através da coagulação do latex.


A William Montgomerie atribui-se em geral a introdução da Gutta percha no Ocidente, em 1843.  Supõe-se, porém, já ter sido conhecida muito antes, lembrando-se de uma menção de John Tradescant, de 1656 a respeito de um mazer wood. Teria sido Montgomerie que observara o uso da gutta percha em Singapura, em 1822, constatando a sua utilidade no uso dela feito pelos trabalhadores na feitura de instrumentos de trabalho e de seu emprêgo a serviço médico. Em 1843, tratou da sua „descoberta“ no Medical Board of Calcutta, na Índia, e no The Royal Society of Arts, em Londres.

Difusão de conhecimentos sobre a gutta e o caucho na Europa


Em meados do século XIX, a utilidade da gutta e do caucho, assim como o seu interesse econômico, passaram a ser discutidas mais intensamente na Europa, também na Alemanha. Para o reconhecimento das possibilidades do uso desses materiais contribuiu o seu emprêgo para a cobertura de fios elétricos, em 1846, e invenções de Werner von Siemens, em 1847, com a fundação da indústria de construção de telégrafos Siemens & Halske, em 1847. Em 1848, W. Brandt publicou, em Quedlinburg, o seu estudo Die Gewinnung, Zubereitung und Verarbeitung des Kautschuks.


Em 1853, publicou-se um tratado dedicado a ambos, à gutta-percha e ao caucho, tratando-os quanto à sua proveniência, utilidade e métodos de tratamento. Essa obra foi incluída numa série dedicada a novos desenvolvimentos nas artes e nas técnicas, com especial consideração de recentes invenções, publicada por uma sociedade de artistas, técnicos e professionais de diferentes ramos (Friedrich Harzer, Gutta-Percha und Kaguttautschuk: Ihr Vorkommen, ihre Eigenschaften und ihre Verarbeitung (...), in: Neuer Schauplatz der Künste und Handwerke// Mit Berücksichtigung der neuesten Erfindungen//herausgegeben von einer Gesellschaft von Künstlern, Technologen und Professionisten, Bd. 22, Weimar: B. Fr. Voigt, 1853).


Nessa obra, tratou-se das múltiplas aplicações da gutta-percha e do caucho, entre elas em fios, cordas, placas, sapatos, botas, solas em geral, canos, baldes para incêndios, capas, bombas, molas, assoalhos, elementos para a mecânica de órgãos e pianos, para aparelhos auditivos, óleos de máquinas, isolação de cabos telegráficos, encadernações de livros e gasômetros.


O leite da Isonandra gutta não havia chegado à Europa nessa época. Havia, em Londres, uma sociedade para a industrialização da gutta percha que, após ter-se constatado o insucesso de introdução do leito do Ficus elastica, decidiu renunciar ao intento de importação do líquido, permitindo apenas a de produtos prontos.

Na colonia holandesa de Sumatra também havia uma certa quantidade de árvores e uma produção de gutta, mas a produção local não podia concorrer com aquela dos produtos vindos de Singapura.

Esse comércio de gutta-percha era controlado sobretudo pelos chineses de Singapura. Estes também misturavam ao sumo da árvore o de uma outra, menos valiosa, a Getah Malebedya. Os produtos assim resultados, de menor qualidade, eram menos caros do que os originais.

Problemas do método depredatório da exploração da gutta e do caucho

O seu autor salienta, introdutoriamente, o problema causado pelo método depredatório para a obtenção da gutta. Esse modo de agir levaria à extinção da espécie, por maior que fossem as reservas. Além do mais, elas não cresciam muito rapidamente e o material apenas poderia ser obtido com vantagem em árvores bem crescidas.

As árvores, de 40 a 60 pés de altura e de 3 a 6 pés de diâmetro, eram cortadas à base, descascadas e o leite que dela corria coletado em canos de bambú, cascas de côco e outros vasilhames, sendo o líquido cozido e coagulado, ou simplesmente sêco ao ar. A quantidade de sumo que uma árvore produzia variava muito; em média, para a obtenção de um picol ( 61,513 quilos), precisava-se sacrificar dez árvores! De 1845 a 1847, só de Singapura havia-se importado 6918 picols, para o qual, portanto, tiveram que ser destruídas 69180 árvores. (op.cit. 1 e 2)

O caúcho, como o autor salienta, era coletado com mais cuidado. Assim, menciona um observador que constatara que um seringueiro teria ganho 2 galões de leite de caucho de 120 árvores, o que podia ser repetido durante mêses, uma quantidade que daria para produzir 10 pares de sapatos.

No jardim botânico de Kew, na Inglaterra, havia exemplares de gutta-percha, que, pelo que se sabia, ainda era cultivada em outros jardins europeus. Um botânico conseguira, no jardim botânico de Utrecht, numa espécie de Ficus elastica, da qual também se obtinha caucho, revitalizar a planta após a coleta do leite, conseguindo que não morresse. Esse processo consistia em obter o leite através da imersão de um ramo ou de um caule de folha num pequeno recipiente até que nele corresse uma certa quantidade de líquido.

Devastação das florestas no Sudeste da Ásia e consequências para o Brasil

Como essa publicação testemunha, já se reconhecia, em meados do século, os problemas causados pelos métodos depredatórios de obtenção da gutta, a destruição das florestas do Sudeste asiático e mesmo os problemas sociais relacionados com essa exploração, como sugerido na menção relativa ao predomínio de chineses no contrôle do seu comércio.

O enriquecimento rápido de alguns daqueles envolvidos nesse comércio e  boom desenvolvimentista de Singapura antecedeu, assim, aquele que o Brasil experimentaria à época do apogeu da borracha e que manifestou-se sobretudo no florescimento de Belém do Pará e de Manaus nas últimas décadas do século XIX.

Foi a consciência da irresponsabilidade dos métodos depredatórios empregados e, consequentemente, da extinção da gutta que levou às tentativas de plantação sistemática e de obtenção de leite sem o sacrifício de árvores na Europa (J. Winkelmann, Kautschuk und Guttapercha, Berlim 1875).

Têm-se, aqui, pressupostos para estudos mais diferenciados da transferência de mudas de seringueiras do Brasil para as colônias inglêsas da Ásia que, cultivadas sistematicamente, condicionariam, posteriormente, o fim do período marcado pela borracha na história econômica e cultural do Brasil.

Com o envio clandestino de grande quantidade de sementes da Hevea Brasiliensis à Inglaterra, em 1876, por Henry Wickham, - após ter o Govêrno Imperial brasileiro negado o envio legal - e seu cultivo no orquidário do Jardim Botânico de Kew, ca. de 2000 mudas puderam ser transferidas para o Jardim Botânico do Ceilão e, dali, em 1882, para Singapura e outras regiões (Calcutá, Heneratgoda e Surabaja).

Nesse ano, o Cônsul-Geral inglês de Penang, na costa ocidental de Málaca, criou plantagens com outras mudas que haviam permanecido no Jardim Botânico de Kew. Assim, lançou-se o fundamento da plantação asiática e o Brasil perdeu o monopólio da borracha.

Pela passagem do século, preparando e acompanhando a grande crise do Amazonas, várias publicações consideraram o sucesso das plantações asiáticas, entre elas: R. Henriques, Der Kautschuk und seine Quellen, Dresden 1899; W. Brannt, India-Rubber, Guttapercha, Balata, Londres 1900; A. Slingervoegt-Ramondt, Zur Geschichte der Kautschukforschung, Dresden 1907, H. Wickham, On the plantation, cultivation and curing of Para India Rubber, Londres 1908; W, Asimont, Hevea brasiliensis, or Para Rubber in the Malay-Peninsula, Londres 1908; R. Hoffer, Kautschuk und Guttapercha, Viena 1908; R. Lock, Rubber and Rubber planting, Cambridge 1913.


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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. (ed.) "Cultura/Natureza e questões de Direito nas relações Brasil-Sudeste da Ásia: 1) Alfred Russel Wallace (1823-1913) e 2) José d‘Ameida Carvalho e Silva (1784-1850). Antecedentes à introdução da Hevea brasiliensis nas colonias britânicas em desrespeito a normas de procedimento nas relações internacionais". Revista Brasil-Europa 127/10 (2010:5). www.revista.brasil-europa.eu/127/Brasil-Singapura-Cultura-Natureza.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 127/10 (2010:5)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2643




Cultura/Natureza e questões de Direito nas relações Brasil-Sudeste da Ásia
1) Alfred Russel Wallace (1823-1913)
2) José d‘Almeida Carvalho e Silva (1784-1850)
Antecedentes à introdução da Hevea brasiliensis nas colonias britânicas
em desrespeito a normas de procedimento nas relações internacionais




Ciclo „Direitos Humanos, Estudos Culturais e História Diplomático-Cultural“ da A.B.E.
Preparatórias à passagem dos 500 anos da tomada de Goa e de Málaca pelos portugueses
25 anos de fundação alemã do
Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
Jardim botânico de
Fort Canning e National Museum de Singapura

 






  1. Singapura
    Fotos A.A.Bispo 2010
    ©Arquivo A.B.E.

 

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