Portugueses no Havaí. Revista BRASIL-EUROPA 126. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 














Honolulu: imagens do largo com o Padrão e catedral (titulo, coluna e placas no texto); fachada da firma Mendonça (texto)
Mauí: sepultura de Antonio Dias Furtado
Fotos A.A.Bispo e H. Hülskath
©




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 126/2 (2010:4)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2609




Problemas teóricos dos estudos lusológicos em situações de perda da lusofonia:
prioridade da língua?

Memória, continuidades e transformações culturais

Trabalhos do ISMPS em Honolulu pelos 25 anos da oficialização alemã
do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa
(Institut für Studien der Musikkultur des Portugiesischen Sprachraumes - ISMPS e.V.)

 
O principal vínculo entre a esfera cultural do Atlântico e o universo polinésio-norteamericano é a presença portuguesa e seus descendentes na história e na atualidade do Havaí.

Essa presença justifica de forma particularmente expressiva a necessidade de estudos que relacionem processos transatlânticos e interamericanos entre si e com o Pacífico.

A emigração portuguesa em maiores dimensões ao Havaíi iniciou-se em 1878, quando para ali vieram, a bordo da nave Priscilla, 120 colonos provenientes dos Açores, da Madeira e de Portugal continental. Seguiram-se, até 1913, vários outros contingentes. Transferiram-se, para o arquipélago, mais de 20.000 portugueses.



Padrão português em Honolulu

O principal símbolo da presença portuguesa em Honolulu é o padrão levantado no centro da cidade, junto à igreja católica, por ocasião do centenário da imigração (1978).

O padrão foi oferecido por Portugal à comunidade de Honolulu, erigindo-o em meio a um largo pavimentado em mosaico português e ornamentado com motivos e símbolos da história das Descobertas.

Criou-se, assim, no centro da capital do Havaí, um pequeno espaço sugestivo, que transporta o visitante mental e afetivamente não apenas a Portugal, mas também a outras regiões do mundo, onde se elevam similares marcos históricos. O visitante brasileiro sente-se transportado a Santos, São Vicente ou a outras localidades históricas do Brasil.

"The Portuguese in Hawaii"

O pedestal sobre o qual se ergue o padrão apresenta dizeres que relembram as dimensões da emigração portuguesa para o Havaí, manifestadas no número daqueles que para ali vieram. A placa salienta a atuação dos imigrantes na agricultura açucareira, a sua ascensão social e econômica e o papel que seus descendentes passaram a exercer no comércio, na administração e em diferentes outras áreas profissionais.

Salienta-se, nesse monumento, a laboriosidade dos portuguêses e a sua co-atuação na construção do país, tanto no seu sentido mais literal, lembrando do trabalho de pedreiros e mestres-de obras que para ali vieram, como no sentido mais amplo e figurado do termo.

Na sua chegada em Honolulu, a maior parte dos portugueses pioneiros eram trabalhadores por contratos para as plantações de cana de açúcar. Vários portugueses avançaram para posições de supervisão. Um número considerável teve sucesso como fazendeiros independentes e proprietários de ranchos. Os colonos portugueses tornaram-se conhecidos nas ilhas pelos sua capacidade de trabalho e seu amor pelo país.

Grande maioria dos homens e mulheres do Havaí de ascendência portuguesa estabeleceram as suas famílias em Honolulu, Hilo e outras cidades. Pedreiros portugueses e outros operários e artesãos construiram muitos dos edifícios, pontes e moradias de Havaí. Homens e mulheres de ascendência portuguesa serviram ao Havaí diligentemente no comércio, no govêrno, nas profissões e nas artes. Os portugueses do Havaí são orgulhosos de viver e trabalhar com o povo do Havaí como membros perfeitamente participantes da sua comunidade insular.

"The Journay to Hawaii"

Em outra placa do memorial, são salientadas aas agruras da viagem das ilhas atlânticas e de Portugal ao Havaí, de seus perigos e incertezas. O visitante é transportado para a situação emocional daqueles que se sentiram impelidos a abandonar as suas terras, dirigindo-se à região distante, sem vínculos mais próximos com Portugal, com população de outros hábitos, idioma e religião.

Diferentemente do Brasil, o emigrante aqui não se dirigia a um país onde se podia fazer compreender e que possuia a mesma formação católica. Necessitava superar uma distância de mais de 15.000 milhas, o que exigia mais de cinco meses de viagem marítima. Devido ao exíguo espaço nas naves, pouco podia trazer de pertences. À dor da separação de seus familiares e amigos, pressentida como definitiva, somava-se o receio de perda de vida devido às intempéries durante a travessia e às doenças a bordo.

Como o texto porém relembra, esses aspectos negativos da situação existencial e emocional dos emigrantes eram superados pelos positivos da decisão tomada, da consciência da própria coragem e da confiança no futuro. Essa segurança interna, que, como expresso no memorial, fundamentava-se na religiosidade dos emigrados, na força de sua fé, seria a responsável pela fibra dos trabalhadores em terra estranha e pelo sucesso de suas vidas.

Esses dizeres chama a atenção, assim, as condições psíquicas dos colonos, determinadas em parte pela sua formação, em parte pelas circunstâncias que levaram à emigração.


À luz dessas palavras do memorial, o visitante lê os diferentes símbolos do mosaico sob os seus pés de forma mais profunda. É levado a meditar sobre a simbologia da cruz, presente no padrão e nos motivos do mosaico, do signo da Ordem de Cristo, da nave como símbolo da Igreja no mar do mundo, dos cravos de Cristo nas armas de Portugal.

Dá-se conta, assim, do significado religioso, ou antes teológico-filosófico desse pequeno largo criado ao lado da igreja de Nossa Senhora da Paz, de Honolulu, a segunda mais antiga catedral católica em uso nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, toma-se consciência que nesse monumento interagem de modo particularmente estreito concepções cristãs do mundo, do Homem e simbólica de Estado, e isso em complexo contexto cultural estranho, polinésio-norteamericano.

O próprio "Padrão" surge como de significado em si, sugerido pela sua designação, e o conjunto memoral como expressão de uma determinada fase da cultura comemorativa portuguesa.

Apresenta-se, assim, antes como marco a ser visto da perspectiva de Portugal, da terra que foi deixada pelos emigrantes.

Percebe-se, aqui, que muitas questões se colocam sob o ponto de vista teórico-cultural, e que os dizeres da placa comemorativa, "Os Portugueses no Havaí", não correspondem bem à situação após mais de um século da imigração, ou pelo menos que não consideram todos aqueles envolvidos no processo cultural desencadeado pela vinda dos portugueses.

Descendentes de portugueses, de gerações mais jovens, nascidos no Havaí, consideram-se americanos. Muitos são nascidos de casamentos mixtos, outros possuem ascendência portuguesa dos mais diversos graus. Essa complexidade dos elos com Portugal e sua cultura, varíáveis na sua intensidade e qualidade segundo gerações, merece a atenção dos estudos culturais que se voltam a processos de integração e diferenciação.

Nomes como indicativos de complexidade e rêdes sociais

Já os nomes perenizados nas placas comemorativas do monumento indicam que a maioria daqueles que se empenharam por esse memorial possuiam nomes inglêses ou reveladores das mais diversas proveniências.

Os nomes manifestam também formas singulares de escrita de nomes portugueses (Caracoes, Jardin, Cravalho, Perreira, Boteilho), em parte explicáveis pela dificuldade de escrita encontrada pelas autoridades locais no registro dos recém-chegados, muitos de pouca escolaridade, pela ausência do til e da cedilha, e que levou à criação de formas que se perpetuaram.

A menção de nomes inglêses não significa, necessariamente, que a referida pessoa não tivesse ou não tenha ascendência portuguesa ou mesmo que não se empenhe de forma particular à conservação da memória e de elos afetivos com a cultura lusa de seus antepassados.

Assim, a Comissão Portuguêsa do Centenário, criada para as comemorações que levaram à ereção do padrão, foi presidida honorificamente por John Henry Felix, Consul de Portugal, sendo subsidiado por Jack de Mello, Vice-Consul de Portugal, Edna Rebello Ryan e Audrey Rocha Reed, este último secretário.

No empreendimento, a cidade de Honolulu foi representada por Antone D. Caracoes, Merril J. Freitas, Georgia Silva Jardin, Randolph Lee, Ernest De Sousa Morgado, Anthony J. Ramos, Wendell P. K. Silva, Hannibal Tavares, Dr. A. Leslie Vasconcellos e Linda Boteilho Cravalho. Em nome do County of Hawai, atuaram Herbert Deluz e Marie Perreira; em nome do County of Kauai, Louie Gonsalves Jr., Herman Texeira; em nome do County of Maui, Alfred "Fiako" Boteilho, Linda Rocha Boteilho e John M. Fernandez.

Essas comemorações apenas tornaram-se possíveis graças ao apoio financeiro de determinadas entidades, em particular da Portuguese Chamber of Commerce of Hawaii e da Portuguese Pioneer Civic Association, assim como firmas, como Nova Esperança e aquelas empresas que trazem nomes de seus proprietários.

Os nomes perenizados indicam as principais famílias portuguesas representadas no Havaí. Assim, ao lado do já citado Dr. John Henry Felix e espôsa, são mencionados: L. Robert Allen, Camoes Players, Antone De Carmo Caraçoes, William & Anne Cutter, Robert F. De Mello, Leona Di Mauro, Walter A. Dods, Jr., Gabriel Gomes Figueira, Q. William Kim, Jr., Manuel & Ludvina Sylvester, Felismina Santos Moniz, Manuel & Maria de Souza, Joseph P. Medeiros, Augusto Dias, João Melim, George & Lucilie Mikacs; Joseph & Lyda Rapoza, Frank & Anita Redondo; Paul Roger Warford; John M. & Helen P. Fernandez, Thomas G. & Patricia J. Cabrinha, Alfred "Fiako" Medeiros & Laura Rocha Boteilho, Antone Frances Duponte & Marcelina De Cambra Cravalho; Mariano Felix & Amelia V. Felix; Henry Mariano Feliy & Marjorie K.J. Felix; Caroline E. Aflaque Haneberg George; Francisco & Marie de Sousa Morgado. George R. Rodrigues, Sr. & Emilia de Motta Rodrigues, Henry B & Edna Robello Ryan; Jacinto Rego Souza & Augosta Goes Souza, Manuel R & Margaret M. Sylvester, Francis C. JK. Tom & Aslene K.N.Tom, Dr. & Mrs. A. Leslie Vasconcellos.

A partir desses nomes, o pesquisador pode tomar pontos de partida para a reconstrução de rêdes. Para possibilitar análises mais profundas relativamente a questões de integração e diferenciação,  esse trabalho reconstrutivo necessita ser conduzido tanto cronologicamente a partir das fontes documentais, dos registros de entrada, como retrospectivamente a partir daqueles que, depois de um século, continuaram vinculados à cultura lusa de seus antepassados.


Do ponto de vista genealógico, o pesquisador constata nomes conhecidos de várias famílias portuguesas, também representadas no Brasil, entre elas Gomes Figueira, Santos Moniz, Souza, Dias, Medeiros, Melim, Fernandes, Botelho, Sousa Morgado, Rodrigues, Rego e Vasconcelos. Comparando com os nomes mais conhecidos de outros contextos, por exemplo daqueles da história judaico-portuguesa de determinadas ilhas do Caribe, o pesquisador pode constatar diferenças que podem sugerir e fundamentar estudos mais aprofundados (Veja artigo sobre Curaçao em número anterior desta revista).

As rêdes sociais necessitam também ser estudadas na sua inserção regional nas diferentes ilhas do arquipélago. O próprio monumento indica determinados nomes para Oahu (Pereira, Ramos, Sousa Morgado, Silva, Tavares, Vasconcelos), para Kauai (Gonçalves e Teixeira) e para Maui (Botelho, Fernandes). Surge como singular não se encontrar a Big Island, considerando-se o significado da emigração portuguesa à cidade e região de Hilo.


Uma das tarefas da pesquisa regional na reconstrução e análise de rêdes diz respeito à cultura de memória mortuária. Cemitérios de algumas ilhas do Havaí apresentam túmulos com nomes portugueses, alguns de dimensões consideráveis e em locais que indicam a posição social alcançada. Assim, na cidade principal da ilha de Maui, a lápide de Antonio Dias Furtado (1878-1952) encontra-se não distante dos túmulos monumentais de membros da família real havaiana.

Lusofonia? A perspectiva culturológica

A emigração portuguesa para o Havaí representa um fenômeno de relevância para os estudos das migrações em geral e da história do trabalho em dimensões globais.

O estudo dessa migração, das circunstâncias da adaptação e da integração dos portugueses na sociedade e na cultura do Havaí levanta questões de relevância teórico-cultural para a renovação dos estudos lusitanos e luso-brasileiros.

Transferidos para um universo cultural de língua inglêsa, inseridos em processo de grande força aglutinadora norte-americana em fase de decisiva americanização do Havaí, o idioma português perdeu, com o passar das gerações, o seu significado fundamental na manutenção de elos de identidade com Portugal e com as ilhas atlânticas.

No caso do Brasil e de outras regiões de língua portuguesa, a integração dos imigrantes portugueses, ou melhor, o processo oscilatório de integrações e reconscientizações não teve que passar pelo aprendizado de um novo idioma, de uma nova, totalmente diversa maneira de pensar e de expressão, exigindo somente adaptações quanto à pronúncia, acentos ou a determinadas expressões características.

O pesquisador cultural tem, assim, a tendência a sobrevalorizar o papel do idioma no processo de manutenção da identidade e de suas transformações. Fala-se, assim, de lusofonia, de estudos lusófonos, de comunidades lusófonas, de países de língua portuguesa. (Veja "Tema em debate", nesta edição)

O Havaí - entre várias outras regiões do mundo - chama a atenção do pesquisador, porém, para o fato de que essa orientação dos estudos culturais segundo a lusofonia deveria ser refletida de modo mais diferenciado.

A constatação de que grupos que já não dominam o português, que mesmo já não conhecem uma única palavra do idioma continuam a sentir-se vinculados cultural e afetivamente ao universo do Atlântico, demonstra que não é o idioma, mas sim outros fatores, sobretudo aqueles relacionados com a linguagem visual de cunho simbólico de expressões tradicionais que desempenham papel mais relevante nos processos que regem manutenções e transformações culturais.

Esta discussão, desenvolvida quando da fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS), em 1985, leva à necessária distinção entre o uso pragmático da orientação segundo o idioma, por favorecer e fomentar a comunicação entre pesquisadores do mesmo idioma dos diferentes países, e a orientação metodológica da pesquisa.

Assim, o ISMPS, entendendo-se como instituição internacional de países lusófonos e que emprega o português nos seus trabalhos, defende a necessidade de uma orientação culturológica dos estudos respectivos, com todas as suas consequências disciplinares quanto à sua inserção no quadro universitário.

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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. "Problemas teóricos dos estudos lusológicos em situações de perda da lusofonia:
prioridade da língua? Memória, continuidades e transformações culturais"
. Revista Brasil-Europa 126/2 (2010:4). www.revista.brasil-europa.eu/126/Portugueses-no-Havai.html



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