Essen: Capital da Cultura Ruhr. Revista BRASIL-EUROPA 125. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 
Sob o pano de fundo da temática geral deste número da Revista Brasil-Europa, dedicado aos Estudos da Polinésia nas suas relações com os Estudos Euro-Brasileiros, merece particular atenção um dos projetos da "Capital Européia da Cultura" de 2010: trata-se do "Atol Ruhr" no lago Baldeney, na cidade alemã de Essen, no âmbito do qual apresenta-se uma obra que dá continuidade a projeto relacionado com o Brasil.

Características sui generis da Capital Européia da Cultura Ruhr

A singularidade da escolha da região do Ruhr para Capital Européia da Cultura 2010 (ao lado de Istambul) reside no fato de aqui não se tratar de uma única cidade, mas sim um conjunto de cidades que passam a ser consideradas como uma metrópole. Toda a região encontra-se em profundo processo transformatório. Marcada que foi pela mineração e pela indústria, o término dessa fase de extração e de produção foi acompanhado por profundas mudanças econômicas, sociais e urbanas. Todo um processo de reorientação, refuncionalização e resignificação das cidades envolvidas tornou-se necessário para evitar a decadência e mesmo o colapso, e o motor da transformação foi em grande parte o desenvolvimento da região sob a égide da cultura e da ciência. É compreensível, pelo passado da região e pelas suas edificações, que a cultura industrial assuma papel relevante. Usinas e construções técnicas e fabrís de todo o tipo passaram a ser utilizadas como museus e centros culturais. Esses novos focos de atividades e reflexões vieram complementar as múltiplas instituições culturais já existentes nas cidades da região, criando um complexo altamente diversificado de centros de criação artística e intelectual.


Correspondendo a essa multiplicidade de cidades sob o teto de um todo concebido como metrópole, a Capital Européia da Cultura Ruhr foi marcada pela decentralização.Das muitas cidades da região, escolheram-se cinco como polos de descobrimentos de areais  (Essen, Bochum, Dortmund, Duisburg, Oberhausen, sendo que para ponto de partida geral designou-se o de Essen. A sua programática orientou-se segundo os motivos condutores "Mito Ruhr", "descobrir Metrópole" e "descobrir Europa". Do ponto de vista artístico, surgem como noções chaves: "descobrir imagens", "ousar teatro", "viver música", "vivenciar língua", "fortalecer a economia criativa" e "celebrar festas". Procura-se, assim, dar feição a uma nova metrópole através dos meios da arte e da cultura.


Essen


A cidade de Essen integra-se na Capital Européia da Cultura através de seus numerosos teatros e museus, entre êles o novo Museum Folkwang - designado como o mais belo do mundo -, o museu alemão de cartazes, o museu de Design, o tesouro da catedral, a Filarmonia da cidade de Essen e, entre os monumentos e edifícios históricos da era industrial, a antiga sinagoga, a Villa Hügel, o bairro de Margarethenhöhe e a cidade antiga de Essen-Kettwig.




Museu Ruhr da Cultura Industrial - Zollverein


Como ponto de partida para a "imersão na metrópole Ruhr" escolheu-se a antiga mina denominada de Zollverein, mais especialmente a da lavagem de carvão, Schacht XII (A 14), o maior edifício do complexo que foi a maior usina de produção de carvão de pedra do globo, hoje declarado como patrimônio da humanidade. Nesse edifício instituiu-se o Museu regional do Ruhr, onde apresenta-se a história natural e cultural da região como uma espécie de vitrine da nova metrópole. Remontando a 1834, a Zollverein corporificou o espírito pioneiro do século XIX como uma das primeiras minas de profundidade (1851), recebendo, em 1932, a Schacht XII, a mais produtiva - e bela - do mundo. Em 1986, o trabalho terminou, e a mina foi colocada sob proteção patrimonial como testemunho da história arquitetônica e técnica. Gradualmente, foi transformada em centro de arte e cultura. Em 2001, foi declarada pela UNESCO a patrimônio da humanidade. Hoje, o areal procura definir-se como centro de alta cultura e como local de lazer, como uma forja de creatividade e de design na passagem de uma metrópole industrial a metrópole cultural.



Projeto Atol do Ruhr - "Atol da Arte e da Ciência"

A concepção desse projeto parte da noção e da imagem dos atóis, estabelecendo uma relação com a região do Ruhr. O elo seria aqui o da energia. Os atóis, sendo ilhas originadas de energia vulcânica do mar, permitem a aproximação com um complexo de associações vinculado com o lago de Baldeney, que represa o rio Ruhr e com a Companhia de Energia Elétrica RWE que subsidia os projetos, uma das empresas energéticas líderes na Europa. Essa empresa, atuante desde 1898, acompanhou a transformação da região em área de mineração e industrial, acompanhando-a agora na sua mudança a metrópole marcada pela cultura e ciência.  Sob o lema "Arte é energia - energia é movimento", um grupo de artistas e cientistas dedicou-se à concepção do projeto sob a direção do artista conceptualista Norbert Bauer, com o objetivo de estabelecimento de um diálogo entre a Arte e a Ciência, Energia e Ecologia.
No lago de Baldeney, no passado criado para a purificação da água, hoje local de lazer e de relevância ecológica, construiram-se quatro ilhas artificiais e uma "ação artística" (MARKING Time - ilha-maçã), criando-se um aro "salva-vidas" com a paisagem envolvente. O visitante, para vivenciar as ilhas-objetos, pode a êles ir pedalando em barcos, participando assim dos projetos "com a própria energia". Também aqueles distantes do universo da arte contemporânea devem ser integrados no debate intencionado.
O "Projeto de conservação dos recursos naturais" de Ilya e Emilia Kabakov traz à consciência as falhas da ambição humana e da técnica mostrando um artefato monstruoso e enferrujado que leva a água do lago de um lugar para o outro.
O projeto do "Submarino: Eu posso por que eu quero o que devo", de Andreas M. Kaufmann e Hans-Ulrich Reck, estabelece relações em diferentes níveis de percepção: por fora um veículo de guerra, por dentro uma capela com vitrais mostrando imagens da CNN.


O projeto "Iceberg", de Andreas Kaiser e o pesquisador polar Lars Kindermann, transporta o visitante a uma estação do Polo Sul, tematizando o tipo de percepção determinado pelos dados técnicos. O pneu salva-vidas "Local/Global", da artista C.U. Frank, cerca a várzea abaixo da represa do Ruhr, tematizando a fragilidade dos sistemas. A ação "Mariking Time", de Norbert Francis Attard, constituido por um tapete de maçãs verdes e vermelhas flutuando sobre o lago, fomenta a reflexão sobre as "maçãs do pecado original" continuamente existentes na forma com que o homem se comporta perante a natureza.

Projeto de Kazuo Katase e Michael Wilkens


O projeto que se relaciona com o Brasil entende-se como um diálogo entre o Ocidente e o Oriente sobre o como morar no planeta. Cria, na serenidade das águas do lago, um objeto artístico em forma de casa de chá japonesa estilizada. Essa casa de chá sugere a residência como local de introspecção, marcada com um símbolo da presença do homem, tendo uma horta de verduras por detrás. Uma bomba solar enche um tanque colocado no centro da casa e que, por meio da gravidade, serve os 10 canteiros de verduras da ilha.

Kazuo Katase procura, com esse objeto, atualizar o seu projeto denominado de "Apocalipse Amazonas", realizado na exposição "Arte Amazonas", em 1992, ocasião da Conferência do Meio Ambiente, no Rio de Janeiro. Esse trabalho, relativo ao homem e à natureza, é prosseguido em "diálogo insular sapo e mestre de chá", um projeto que diz respeito à energia fóssil e humana, com referências ao futuro. Tem a sua origem e a sua explicação em convite a diálogo criativo feito por Kazuo Katase ao arquiteto Michael Wilkens, conhecido como "sapo construtor" por ocupar-se desde 1978 de construção da "perspectiva de sapos" (perspectiva de baixo, "frog"). Essa orientação diz respeito a uma concepção do "morar total". Segundo ela, toda residência, mesmo todo o apartamento, ainda que em andares elevados, é incompleta se não possuir ao menos um pequeno jardim ou uma pequena horta. Juntamente com a sua mulher, a planejadora paisagística Heidrun Hubenthal, esse arquiteto dedica-se à paisagem urbana e à possibilitação de "jardins coletivos interculturais". O projeto, de natureza contemplativa, lembra das necessidades básicas do homem, ou seja, um terreno onde pisar, um teto, água e alimentação.

Projeto Mus-E Labor da Fundação Yehudi Menuhin


Esse projeto, realizado com a colaboração da Faculdade de Física da Universidade de Duisburg-Essen, sob a direção artística de Diemut Schilling, procura criar um laboratório como espaço de experiência da arte e do conhecimento e que fala a todos os sentidos. Parte da constatação de que Ciência também é cultura e que sem creatividade a pesquisa não pode ser desenvolvida. Nele participam ca. de 1200 crianças e jovens de 44 escolas. Levou à criação de um parque de esculturas de oito estações de energia.


Do debate da A.B.E.


A Capital Européia da Cultura Ruhr 2010, com o seu ponto de partida em Essen, oferece um grande espectro temático e uma programação altamente diversificada. Os seus principais impulsos podem ser vistos sob o aspecto urbanístico, uma vez que se relaciona com a transformação de uma grande área urbana exposta ao risco de degradação pelo término de uma fase marcada pela industrialização. A mudança de funções, de imagens e de identidades através da cultura e da ciência e, ao mesmo tempo os projetos de conservação de testemunhos desse passado industrial surgem como intuitos modelares para muitas outras regiões metropolitanas do mundo marcadas pelo fim de atividades de fabrís. A singularidade do conceito de metrópole, no caso, é que aqui não se trata de uma grande cidade que assimila regiões periféricas, mas sim um grande número de cidades, com passado histórico-cultural próprio e bem definido, que são dirigidas a um projeto de metrópole.


Particularmente relevante é o impulso que o a Capital Européia da Cultura Ruhr transmite com relação à preservação dos edifícios da era industrial e o fomento de instituições museais e de pesquisa da cultura dessa época.


Entretanto, a decentralização e a distribuição em grande espaço dos objetos e projetos trazem dificuldades e o risco da dispersão. Muitos dos edifícios ainda não foram terminados. Alguns dos conceitos e intuitos programáticos surgem como por demais placativos, arbitrários, presos a modismos intelectuais e de estilo verbal, sugerindo uso de lugares comuns e diletantismo. Corre-se o risco de um intelectualismo superficial e do uso inflacionário de concepções teórico-culturais, em parte até mesmo ridículo como é o caso do andar de botes-pedalinho para fazer com que o visitante participe com a própria energia de projetos. O diálogo entre Arte e Ciência, entre Cultura e Natureza corre o risco de cair em questionável superficialidade, com o dispêndio de recursos que poderiam ser utilizados de forma mais eficiente.



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. (Ed.)."Atol da Arte e da Ciência e a continuidade do projeto Apocalipse do Amazonas. Capital Européia da Cultura Ruhr 1: Essen." Revista Brasil-Europa 125/17 (2010:3). www.revista.brasil-europa.eu/125/Essen_Capital_da_Cultura.html


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa:
    http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.





 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 125/17 (2010:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2010 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2604


©


Eventos em destaque


Atol da Arte e da Ciência e a continuidade do projeto Apocalipse do Amazonas

Capital Européia da Cultura Ruhr 1: Essen




Trabalhos da A.B.E. 2010
sob a direção de A.A.Bispo



 
















Zeche Zollverein Essen, Folkwang Museum  e projetos no lago Baldeney.

Fotos H. Hülskath 2010© . Arquivo A.B.E.

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________