Ananás no Taiti. Revista BRASIL-EUROPA 125. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

As relações entre a história cultural em contextos globais e a história dos vegetais nas suas transplantações e difusões em diferentes regiões são múltiplas. O cultivo de plantas de regiões distantes tem como uma de suas consequências a transformação da paisagem, de hábitos alimentares de populações e de expressões culturais. A viagem das plantas pode ocorrer de forma espontânea, sem a interferência do homem, foi, porém, em muitos casos, por êle promovida no âmbito de projetos de colonização.

No estudo das relações entre a região do Pacífico e o continente americano, mais em particular entre a Polinésia e o Brasil, a consideração dos elos do mundo vegetal entre regiões tão distantes entre si assume particular significado. Ela contribui a elucidar similaridades quanto a paisagens e modos de vida.

A transferência e o cultivo de plantas do Oriente ao continente americano marcaram a história da ação dos europeus nos últimos séculos. (Veja a respeito de determinados transplantes números anteriores desta revista). O exemplo mais expressivo dos elos entre a transferência de plantas da Oceânia e a história colonial é o da fruta-pão, trazida da Polinésia ao Caribe e daqui se expandindo pelo continente americano e à África (Ver artigo a respeito nesta edição). Já anteriormente, porém, a vinda do coco e do coqueiro, de muito provável origem polinésia ao Brasil, trazida da Índia pelos portugueses, levara a uma transformação do meio natural de vastas regiões do país, aproximando a paisagem de parte do litoral brasileiro àquela das ilhas da Polinésia (Veja artigo a respeito nesta edição).

Em direção contrária, o ananás foi do Brasil a outras regiões do mundo, entre elas às ilhas da Polinésia, onde o seu cultivo adquiriu e possui ainda hoje importância relevante na agricultura e na economia. O exemplo mais expressivo da expansão, do cultivo e da industrialização do ananás encontra-se no Hawai (produtos Dole).

A cultura do ananás levou também à transformação da natureza de vastas regiões de outras ilhas, em particular na Polinésia Francesa. Se os coqueiros levaram a uma "polineização" de consideráveis extensões da costa brasileira, sobretudo do Nordeste, um dos fatores principais da "brasileirização" de regiões do Taiti foi o abacaxi.

Introdução de plantas no Taiti após o contato com europeus

Com a chegada dos europeus no Taiti, os seus habitantes tomaram contato com alimentos e, assim, com frutos até então desconhecidos . Foi, porém, com o estabelecimento dos estrangeiros, sobretudo também com a vinda de missionários e suas famílias que intensificou-se o cultivo de plantas conhecidas na Europa e de outras regiões do mundo. Já na segunda década do século XIX, procurou-se desenvolver o cultivo da cana-de-açúcar, entre outras plantas de interesse colonial. O Taiti, porém, não se transformou em ilha açucareira como aquelas anteriormente colonizadas pelos portugueses e holandeses, entre elas Maurício (Veja artigo em número anterior desta revista).

Centro de Formação Profissional e de Promoção Agrícolas, Moorea CFPPA

Na atualidade, um dos principais centros de pesquisa agrícola de aclimatação e cultivo, assim como de formação de agricultores da Polinésia Francesa se encontra em Mooreia, no vale do Opunohu.

Como instituição de ensino, ali recebem formação jovens da Polinésia francesa maiores de 16 anos. Entre aqueles que são admitidos, encontram-se, além de agricultores já estabelecidos, jovens que pretendem dedicar-se à exploração agrícola ou criar uma empresa artesanal na área rural. O centro oferece também possibilidades de especialização a profissionais e empresas e a todas as pessoas que desejam atuar profissionalmente no mundo rural.

O centro promove estágios de curta duração sobre temas variados, nas várias ilhas do arquipélago, entre outros sobre a cultura da baunilha. Há estágios destinados à preparação em assuntos de jardinagem, de espaços verdes, de manejo florestal e em técnicas de pinheirais. Oferece também cursos que levam a obtenção de diplomas, também em horticultura, constituintes de aulas teóricas, trabalhos práticos agrícolas, estágios e visitas a empreendimentos.

Ali crescem árvores provenientes de diferentes regiões do mundo, também do Brasil. Devidamente identificadas quanto à classificação botânica e à proveniência servem de material educativo aos polinésios, que ali aprendem também o cultivo de plantas úteis, entre elas o ananás. A paisagem das terras desse centro de aclimatação, emolduradas pelas montanhas de Mooreia, diferencia-se daquelas de regiões com vegetação natural da ilha, aproximando-se porém muito da natureza conhecida em várias regiões do Brasil.

O Centro de Formação Profissional e de Promoção Agrícolas em  Moorea possui plantações de ananás em áreas abertas no centro da floresta que cobrem as montanhas que caracterizam o cenário da ilha. O ananás não é, porém, apenas objeto de estudo e da formação de agricultores. Faz parte, hoje, da imagem de Moorea, sendo as plantações alvo do roteiro de turistas provenientes das mais diversas nações. Nessas paradas no interior da ilha, os visitantes são informados a respeito das características do fruto e do seu cultivo no arquipélago. A ilha de Moorea é particularmente marcada pelo seu ananás, decantado como particularmente doce.

O abacaxi na história cultural: difusão interamericana e na área sul-européia

A opinião predominante na pesquisa especializada é a de que o ananás teve a sua origem no Brasil, onde ocorre ainda em estado silvestre. Do Brasil ter-se-ia expandido a outras regiões da América tropical, seja espontâneamente, seja através de contatos entre os indígenas. Foi encontrado pela primeira vez por Cristóvão Colombo, a 4 de Novembro de 1493, em Guadalupe, conforme o Diário de Pedro Martin D'Anghara (cit. J. E. Mendes Ferrão, A Aventura das Plantas e os Descobrimentos Portugueses, Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, CNCDP, Fundação Berardo 1992, 55).

O descobrimento da América ter-se-ia processado concomitantemente com o descobrimento do abacaxí pelos europeus. Assim, curiosamente, o abacaxí brasileiro teria sido descoberto antes do que Brasil.

A primeira referência histórica ao ananás no Brasil foi feita por Pigaffeta, em 1519.  No seu relato sobre a primeira viagem ao redor do globo, menciona que os viajantes fizeram parada no Brasil, levando, entre outros mantimentos, o ananás. Sabe-se, assim, que os europeus desfrutaram de abacaxís na viagem de circumnavegação de Fernando de Magalhães, sendo assim os primeiros conhecedores do fruto que penetraram no Pacífico.

"O Brasil - Depois de passar a linha equinocial, ao nos aproximarmos do polo antártico, perdemos de vista a estrela polar. Deixamos o cabo entre o Sul e Sudoeste e dirigimos a proa em direção à Terra do Verzino (o Brasil), nos 23° 30' de latitude meridional. Essa terra é uma continuacão daquela em que está o cabo de Santo Agostinho, aos 8°30' da mesma latitude.

(...) Aqui nos aprovisionamos abundantemente de galinhas, de batatas, de uma espécie de fruto parecido com a pinha do pinheiro, porém que é doce em extremo e de um sabor exquisito, de canas doces, de carne de anta, a qual é parecida com a da vaca, etc. "(A. Pigafetta, Primer viaje en torno del Globo, Madrid: Espasa Calpe 1999, 45)

Uma primeira descrição conhecida do ananás, com uma imagem, foi publicada na Europa em 1535, na História general y natural de las Indias, de Fernandez de Oviedo y Valdez, em 1535 (cit.J.E.Mendes Ferrão, loc.cit.).

"Há nesta Isla Española uns cardos, que cada um deles traz uma pinha (ou melhor dizendo alcachofra), posto que porque parece pinha as chamam os cristãos pinhas, sem o ser. Esta é uma das mais belas frutas que tenho visto em todo o mundo que tenho andado... Disse que essas pinhas são de diversos gêneros e assim é verdade, em especial de três maneiras. A umas chamam yayama, a outras dizem boniama, e a outras yayagua." (Lib. VII, Cap. XIV, págs. 280-283)

Dos portugueses que fizeram referência ao ananás tem-se citado, entre outros, P.M. Gandavo, Frei Cristóvão de Lisboa, S. da Rocha Pita e G. Piso. Como os demais europeus, para descrever o ananás, Gandavo faz comparações com o cardo, com a alcachofra, com a pinha, menciona a sua plantação em roças no Brasil e o fato de ser levado a Portugal em forma de conserva. Piso o compara com a pinha de Portugal, com a erva babosa, cita as suas qualidades medicinais e menciona a produção de conservas. Louva sobretudo o seu aspecto, cuja cabeça teria sido galanteada pela natureza com um penacho ou grinalda de cores aprazíveis. (cit. J.E.Mendes Ferrão, loc.cit.)

Na obra Plantas y Animales de la Nueva España (1615),  Francisco Hernández faz referência ao ananas como "planta peregrina" e à sua origem brasileira segundo a própria tradição indígena. Esse indicação repete-se na literatura, indicando ser uma planta que viaja, vinda de fora.

"Essa planta peregrina, que os índios chamam matzatli, cuja origem dizem ser do Brasil, de onde a trouxeram e que aqui se há comunicado às ilhas, e ainda às Índias Orientais, nas quais o chamam ananas, e os espanhóis que vivem neste Novo Mundo, pinha, pela semelhança que este fruto tem com as pinhas, é uma planta que produz as folhas como as do lírio, porém espinhosas a modo das do cardo, a raiz, grossa, a qual planta produz só uma pinha, rodeada de muitos pimpolhos nascidos ao redor e no dito fruto, os quais tirados e semeados cada um pimpolho de por si deitam logo muitas e novas raízes, e nasce outra pinha em extremo, semelhante a nossas pinhas como havemos dito, rodeada dos mesmos pimpolhos (...)"

Gosto indígena e o gosto francês: "a mais excelente fruta da América" (Jean de Léry)

Não apenas na esfera do mundo ibérico e do Mediterrâneo difundiu-se o conhecimento do ananásí na Europa. Os franceses também o encontraram nos seus contatos e nas suas tentativas de estabelecimento no Brasil. Se o próprio termo, do Tupi-Guarani na'na, indicava ser o fruto excelente e doce, essas qualificações se repetem nas referências francesas. Assim como o termo ananas, também o termo abacaxi é de origem indígena, remontando a iua-ka'ti, designativo de sua fragrância.

André Thevet, descrevendo a fruta ao mundo francês, oferecendo também uma imagem, indica que era utilizado para fins medicinais pelos indígenas. Compara-o na sua forma com a pinha e exalta a sua excelência quanto ao sabor e ao aroma, salientando a sua amorosa doçura. Pela primeira vez surge aqui o elo do ananás com imagens do amor que seriam posteriormente particularmente significativas em contextos polinésios.

"A fruta que mais comumente usam nas suas moléstias é denominada de Nana, é grande como uma abóbora média, feita no todo como um fruto do pinheiro, como podeis ver da presente figura. Esse fruto torna-se amarelo quando amadurece, o qual é maravilhosamente excelente, tanto pela sua doçura como pelo sabor, tão amoroso (...)" (A. Thévet, Singularitez de la France antarctique [...], 1558, 89)

Uma descrição pormenorizada e imagens do fruto forneceu Jean de Léry. Através da tradução da obra, o ananás também tornou-se conhecido na Alemanha (Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil, autrement dite Amérique; 1a. ed. al. Brasilianisches Tagebuch 1557; Unter Menschenfressern am Amazonas: brasilian. Tagebuch 1556-1558, 2a. ed., Tübingen: Erdmann 1977, 245).

"O que diz respeito às plantas e às ervas, que também desejo mencionar, começarei com aquelas que me parecem mais merecedoras de serem citadas devido às suas frutas e pela sua aparência. Em primeiro lugar, seria a planta que produz o fruto denominado de Ananas pelos selvagens. A sua imagem parecem à da gladiola, as suas folhas, por fora um pouco curvas e com franjas espinhentas, lembram porém às da Aloe. A planta cresce - similarmente aos grandes cardos - em touças, e a sua fruta tem o tamanho de um melão médio e a aparência de uma pinha de pinheiro. Ela cresce do mesmo modo como as nossas alcachofras - sem penderem oder tenderem para um lado ou para o outro.

Quando o ananás está maduro, têm uma cor amarelo-azul e cheiram intensamente a morangos. Quando se caminha pelas florestas ou em outros locais onde crescem, sente-se o seu odor já à distância. Eles diluem-se na boca e são por natureza tão doces que não são suplantados por nenhum de nossos doces usuais. Eu os considero, assim como a mais excelente fruta da América. Quando lá estava, exprimi dessas frutas quase um copo de suco, e a bebida não me pareceu de forma alguma ruim. As mulheres dos selvagens nos trouxerem grandes cestos, que chamam de Panakons, cheios de ananazes e Pakos, que já mencionei, assim como outras frutas. Tudo conseguimos em troca de um pente ou de um espelho."

Digno de nota é uma imagem na obra de Jean de Léry que indica o ananás como um dos atributos característicos do homem brasileiro. Uma família é representada com arco e flecha, rêde, e, entre os frutos, de forma saliente, ao é direito do indígena, o ananás.

Que o fruto passou a ser altamente considerado pelos franceses nos séculos seguintes, isso o testemunha a obra de R. P. du Tertre (Histoire générale des Antilhes habitées par les français, Paris 1667). O autor o considera como sendo o "rei dos frutos", designando-o como "o mais belo fruto e o melhor de todos os que existem sobre a terra". Seria por esse motivo que Deus, como Rei dos Reis, teria colocado sobre a cabeça dessa planta uma coroa, marca essencial da realeza (cit. J. E. Mendes Ferrão, loc.cit.)

O ananás e os holandêses: semelhança com o umbigo humano (G. Marcgrave)

Também os holandeses manifestaram interesse especial pelo ananás, tanto no Ocidente quanto no Oriente. A obra de John Huighen van Lischoten, que se refere a viagens às Índias ocidentais e orientais, de 1598, testemunha que, nas ilhas Canárias, o termo ananás já era empregado, enquando que os brasileiros utilizavam-se da palavra indígena nana, os do Caribe Iaiama, e os espanhóis de pinas brasileiras, devido à sua semelhança com o fruto da pinha. (Iohn Huighen van Lischoten, discours of voyages into ye Easte & West Indies, 1598, 90).

Uma descrição expressiva do ananás encontra-se na obra de um dos membros da comitiva de cientistas e artistas que acompanhou João Maurício de Nassau ao Brasil, George Marcgrave de Liebstad, alemão da Mísnia (Historia Naturalis Brasiliae [...], Lugun. Batavorum apud Franciscum Hackium et Amstelodami, apud Lud. Elzevirium, 1648; História Natural do Brasil, trad. J. Procopio de Magalhães, S. Paulo: Museu Paulista/Imprensa Oficial 1942, 33). O capítulo XVI, na "Historia das Plantas", livro I, é dedicado em primeiro lugar ao Nana ou Ananas, incluindo referências bibliográficas:

"Nana (têrmo indígena), Ananas (têrmo português), Iajama Oviedi Car. Clus. Rar. Hist. lib. II, cap. IX. Strobilus ou noz de pinho, Monard, cap. LXIII. De uma raiz procedem quinze ou mais fôlhas do Aloés, do comprimento de dous ou três dedos, de largura (onde é maior) de um dedo ou de dedo e meio, em direção à extremidade tornam-se um pouco mais estreitas e acuminadas, grossas, de um verde carregado, guarnecidas de dentinhos no bordo, semelhantes aos dentes do Lúcio. No meio delas brota um capítulo, semelhante ao fruto da alcachofra (Cinara), composta de folíolos agudos, da côr carregada do cinábrio; com o decorrer do tempo, aumenta, com a figura (aspecto) de Strobylo e enquanto cresce, brotam, entre as fôlhas, umas florzinhas cerúleas, formadas cada uma de três folíolos. As fôlhas grandes desta planta, na parte interna, onde está depositado o fruto, têm uma côr vermelha viva. O fruto maduro atinge o tamanho de um melão maior comum, de figura oval, formada externamente por protuberâncias, semelhantes ao umbigo humano; estas protuberâncias são de côr amarela, mas nas orlas é encarnada; cada um possue, no meio, um folíolo triangular, dentado, griséu. O fruto é de suavíssimo odor, de agradabilíssimo sabor, como os morangos, muitíssimo suculento. Tira-se a casca, divide-se o fruto em partes no sentido longitudinal e depois se come, sendo também muito apreciada a parte central, que fica, depois de dividido em partes, como se fosse uma coluneta quadrada; possue, no meio, uma medula dura, que se lança fora com a pastinaca; o fruto contém os grãos da semente. O fruto maduro tem sôbre si uma planta mais nova, que é arrancada e lançada à terra, sem raiz (não existe raiz); no ano seguinte ela dá fruto. Cada planta só dá um fruto e uma só vez, no espaço de um ano. O fruto dá nova planta, que sendo lançada à terra, tira-se a antiga por ser inútil." (loc.cit.)

Para além da descrição, Marcgrave oferece dados a respeito do seu uso, mencionando o medicinal:

"Dêste fruto tira-se o suco que misturado com água é dado aos doentes, entre os indígenas, como fazemos uso do hidromel; também se tempera com açúcar e se deixa conservar. O ananás amadurecido pela fôrça do calor não é bom; chama-se entre os indígenas Nana cacaba; nos meses de dezembro e janeiro, tem-se grande abundância dele. Existe também o Nana brava; isto é, silvestre, cujo fruto de notável tamanho de uma cidra, oval, formado por partes cilíndricas quadrangulares, na extremidade por pirâmides quadradas, que podem ser separadas umas das outras; são de côr amarela, quando maduras. São ocos estes frutos como o osso da cabeça dos bezerros, a que damos o nome de Den Mitzahn; contêm inúmeros grânulos ovais amarelos-pálidos, maiores do que a semente da papoula maior, suaves impregnados de um dulcíssimo orvalho como mel. Cada corpo cilíndrico, separado, se lança à bôca, expremendo-se com os dedos e são absorvidos os grânulos com o mel; é de agradabilíssimo sabor; o fruto também se divide transversalmente em talhadas." (loc.cit.)

O hino ao ananás em Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711)

O primeiro elogio poético ao abacaxí encontra-se na obra de Manuel Botelho de Oliveira. Nascido na Bahia, realizou estudos em Coimbra, onde travou conhecimento com o brasileiro Gregório de Matos Guerra. Na Bahia, atuou como advogado, publicando, em 1705, a obra Música do Parnaso, dividida em quatro coros, de Rimas Portuguesas, Castelhanas e Latinos, com seu descante cômico reduzido em duas comédias

No seu poema "Frutas do Brasil", onde decanta o ananás, confirmando que era amplamente apreciado, considerando-o como mais excelente do que o pêssego. Manuel Botelho dá sobretudo atenção à imagem do ananás como rei coroado. Digno de atenção é que o poeta tira lições dos espinhos da fruta. O ananás surge com um símbolo das agruras por que passam os reis, para o fato de que, na vida, toda a coroa tem os seus espinhos.

salientando-se aqui as suas conotações com a realeza:

"Vereis os ananases,
Que para reis das frutas são capazes,
Vestem-se de escarlata,
Com majestade grata,
Que para ter do império a gravidade,
Logram da verde c'roa a majestade;
Mas, como têm a c'roa levantada,
De picantes espinhos rodeada,
Nos mostram que entre reis, entre rainhas,
Não há c'roa no mundo sem espinhas,
Este pomo celebra tôda a gente,
É muito mais que o pêssego excelente
Pois lhe leva vantagem, gracioso,
Por maior, por mais doce, e mais cheiroso"


Difusão do ananás em regiões não-européias

O ananás, identificado com o homem americano, tão cedo exaltado e apreciado na Europa na forma de conserva, atingiu também cedo a África e o Oriente.

Do Brasil, foi introduzido nas ilhas atlânticas - em Santa Helena já em 1505 (!).

Em 1549, já havia ananás em Madagascar, talvez um indício de que tenha sido plantado em pontos intermediários da rota para a Índia, possibilitando assim o provimento de navios.

Na Índia, há referência de meados do século XVI. D. Luis Fernandes de Vasconcelos teria levado do Brasil os primeiros ananazes ao redor de 1552. No século XVII, já era amplamente cultivado na Índia, Malaca e ilhas da Oceânia (J.E. Mendes Ferrão, loc.cit.)

Independentemente do transporte de ananazes ao Oriente também pelos espanhóis, a partir da costa do Pacífico, na rota do México à Manila, levanta-se a hipótese de ter havido uma propagação espontânea da planta, através da Polinésia, de ilha a ilha.

Se a difusão espontânea do coqueiro pode ser bem explicada pelo fato de o coco poder superar grandes distâncias levado pelas correntezas, conservando a sua fertilidade, o mesmo não pode ser dito do ananás. Mesmo o transporte em navios apresentava o problema de sua conservação, o que talvez haja condicionado o cultivo da planta em estações intermediárias da rota.

A rota da difusão do ananás na África tem sido discutida de forma controversa, assim como complexa é a história de sua propagação. Assim, existem na Madeira duas variedades de ananases, uma de fôlhas de poucos espinhos e outras de fortes espinhos, sendo a primeira correspondente ao ananás açoreano, conhecido na Inglaterra como Smooth-leaved Cayenne, e a segunda vinda da África mas correspondente à do Brasil. (F. A. da Silva e C. Azevedo de Meneses, Elucidário Madeirense I [1946], Funchal 1984, 65).

O interesse pelo ananás em fins do século XVI e no século XVII reflete-se na literatura botânica. Lobel, em Icones Stirpium (1581), designa-o como planta exótica (375) Clusius, em Exoticorum libri decem (1605), dedica um capítulo ao ananás (De Ananas, Cap. XLIV, 284-285); C. Bauhin, em Pinax (1623), fala de "cardo brasileiro com folhas de aloé" (Lib. X/VI, 384); John Parkinson, em Theatrum Botanicum (1640), trata do "Anana seu Pina" no Volume II (Cap. LXXXV, 1626), J. Bauhin, em Historiae plantarum universalis (1650), o localiza, excepcionalmente, no Peru ("Nana sive Strobilus Peruvianus", T 3, Lib. XXV, 94).

Tem-se notícia do cultivo do ananás em Orangerias européias a partir de 1690.

O ananás na Nouvelle Cythère

A obra enciclopédica do geógrafo francês Grégoire Louis Domeny de Rienzi (1789-1843), publicada em 1836 e traduzida em várias línguas em dois volumes, registra o ananás na Polinésia (Oceanie ou cinquième partie du monde: revue geographique et ethnographique de la Malaisie, de la Micronesie, de la Polynesie, et de la Melanesie, Paris: Firmin Didot Frères,1836-38); Oceanien oder Der Fünfte Welttheil. Welt-Gemälde-Gallerie oder Geschichte und Beschreibung aller Länder und Völker, ihrer Gebräuche, Religionen, Sitten u.s.w. (...) Aus dem Französischen. Oceanien 2. Band. Polynesien, Stuttgart : E. Schweitzerbart's Verlagshandlung, 1837-1839). O autor indica ter sido a fruta introduzida nas Carolinas pelos espanhóis, que trouxeram também a granadina, a romã, a uva, o algodão, o indigo e o açúcar.(pág. 65) No arquipélago de Nukahiva, cuja vegetação correspondia àquela das demais ilhas, tendo também o chão vulcânico, com a camada superior de terra constituída por restos vegetais, crescia bem o ananás, ao lado da bananeira e do coqueiro (pág. 339).

A imagem do ananás, pela sua beleza e pelo seu aroma associado ao amor e a Venus, correspondia à imagem do Taiti como La Nouvelle Cythère. (Veja artigo a respeito nesta edição) A elucidação dessa associação leva tambem a Ovídio, quando diz que Venus ofereceu a Hippomenes três pomos de ouro (Metamorfoses, 648-651). O abacaxí surge, assim, na sua cor dourada, como símbolo do amor. Se o ananás sempre foi visto como doce, amoroso, aromático, adquiriu, assim, pela associação do Taiti com a ilha dos amores da mitologia, um significado transcendente. Como imagem contextualizada do mundo tropical do "pomo de ouro" da Antiguidade, leva às mais singulares consequências lógicas. Assim, o fruto de ouro que Paris deu à Aphrodite na escolha que deveria fazer entre as três grandes deusas, uma escolha que daria nada menos origem à Guerra de Troia, surge como um abacaxí, ou melhor, a escolha de Paris teria sido um abacaxí...

Bromeliáceas? Charles de Ribeyrolles a Victor Hugo

A tendência a interpretações mitológicas da cultura humanística dos países latinos manifesta-se, assim, de forma particularmente expressiva no ananás. Essa tendência, menos acentuada nos inglêses, de orientação mais pragmática e científico-natural, foi reconhecida por Charles Ribeyrolles (1812-1861), escritor e político francês, falecido no Rio de Janeiro. Em capítulo onde descreve a sua viagem de ida ao Brasil, entre Pernambuco e o Rio de Janeiro, e que dedica a Victor Hugo (1802-1885), utiliza-se justamente do abacaxí para mostrar a diferença entre duas culturas do saber e defender a formação humanística dos povos latinos.

"Ananás de Pernambuco? Primeira qualidade e o primeiro perfume, senhor. Polpa tenra, deliciosa, sem fibras. Não sei de mais curiosa bromeliácea na América do Sul. - Bromeliácea? °Ele disse bromeliácea? - volveu o nosso compatriota. Agora, já não sei o que estou comendo.
O certo é que o nosso inglês abusava um pouco das denominações científicas e das classificações oficiais. Sua conversação tinha, porém, interrompido minhas cogitações, e eu já não olhava para a cortina de florestas. O infinito que elas ocultam me encantava e infundia pavor. Teria podido dizer, como Homero, o que havia de deuses e de deusas nos festins do Olimpo, incluindo nêles Ganimede, sucessor de Hebe. Teria podido contar, como Horácio, os convivas recostados no triclínio de Mecenas. Mas os monocotiledôneos, os cotiledôneos, os hemípteros, os cactus nopal, as bromeliáceas, etc., eram sêres desconhecidos para mim, pequenos vagabundos sem ato civil nem passaporte. Eu estava como nas trevas.
Não te parece, grande poeta das almas e das flôres, que a nossa educação de França, a nossa cultura universitária transborda um pouco em abstrações mortas e não se amolda aos estudos do tempo?
No Brasil, na Espanha, em Portugal, os programas das escolas são mais ou menos como os nossos. Tôdas as raças latinas cultivam, como em Paris, a flor grega e o loureiro romano.
Será um mal? Não. Platnato e Sófocles, Tácito e Juvenal são grandes mestres do pensamento, das artes e da vida.(...)"
(Charles Ribeyrolles, Brasil Pitoresco I, trad. G. Penalva, São Paulo: Martins, 1941,  pág.139)




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Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. (Ed.)."O abacaxi como contribuição do Brasil ao Taiti. Da amorosa planta peregrina dos indígenas ao pomo de ouro da ilha de Venus". Revista Brasil-Europa 125/16 (2010:3). www.revista.brasil-europa.eu/125/Brasil-Taiti_e_Ananas.html



  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa:
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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.






 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 125/16 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2603


©


O abacaxí como contribuição do Brasil ao Taiti
Da amorosa planta peregrina dos indígenas ao pomo de ouro da ilha de Venus




Do ciclo de estudos Atlântico-Pacífico da A.B.E. no âmbito da renovação dos estudos transatlânticos e interamericanos. Centro de Formação Profissional e de Promoção Agrícola da Polinésia Francesa, Moorea (2010), em sequência a trabalhos no Jardim Botânico de Pamplemousses (Maurício, 2009)
sob a direção de A.A.Bispo

 





  1. N
    Fotos

 




















Fotos: H. Hülskath© , Moorea 2010.
No texto: imagens das obras citadas de Léry (2) e Marcgrave.




 

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