Polinésia: arqueologia. Revista BRASIL-EUROPA 125. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

Os estudos arqueológicos e etnohistóricos relativos à Polinésia poderiam parecer, à primeira vista, de significado secundário para os estudos brasileiros e aqueles referentes às relações entre a Europa e o Brasil. Que esse não é o caso, isso o demonstra mais evidentemente o significado de conceitos provenientes do universo religioso-cultural da antiga Polinésia em diversos idiomas, também em português, como é o caso da palavra tabu e seus derivados.

Para além da difusão de termos e conceitos a partir da descoberta européia das ilhas do Pacífico nos séculos XVIII e XIX, há a questão mais complexa de possíveis relações histórico-culturais entre regiões distantes entre si do Hemisfério Sul. Trata-se aqui de possíveis elos entre os povos da Polinésia e indígenas do continente americano. Independentemente de relações diretas, o estudo arqueológico-cultural da Polinésia surge como de relevância para os estudos culturais relativos aos indígenas e vice-versa, uma vez que abrem reciprocamente novas perspectivas de interpretação e aguçam a sensibilidade para a percepção de fenômenos.

Dimensões inter- e transculturais de conceitos polinésios

Vários conceitos ligavam-se com a vida religiosa da antiga Polinésia, entre eles os de ra'a, noa, tapu e mana. Ra'a designava o sagrado ou sacralizado, os espíritos e tudo o que se encontrava com êles relacionado, os ornamentos, os ari'o e as pessoas portadoras de funções sacerdotais e sacrificiais. Ao contrário, No'a designiva todo o profano, tudo o que não era sagrado, as mulheres em si e os homens no quotidiano. Para êles, tornava-se perigoso aproximar-se de uma entidade de maior carga sagrada. Assim, essa aproximação era impedida por uma interdição, o tapu. O mana era uma força que emanava dos deuses, propícia à prosperidade dos homens e da comunidade.

Questões de origem e transformações da concepção de tabu

A contribuição mais evidente da antiga cultura polinésia ao pensamento ocidental manifesta- no conceito de tabu. O termo entrou na linguagem quotidiana em vários idiomas e diferentes países, foi considerado sobretudo na Psicologia e na Sociologia, e é empregado frequentemente em estudos culturais voltados aos mais diversos contextos culturais. A difusão do termo polinésio é, em si, um fenômeno a ser estudado culturalmente. Experimentou, nessa difusão, transformações de sentido, assimilou conteúdos já existentes em outros contextos culturais, foi reinterpretado e passou a ser usado corriqueiramente de forma irrefletida. Há o risco que essa transformação do termo repercuta na própria pesquisa da antiga cultura polinésia, transportando anacrônicamente ao passado cargas de sentido adquiridas posteriormente ao contato com os europeus. O estudo diferenciado do complexo de concepções relacionado com o termo tabu surge como uma exigência também para os próprios polinésios.

O termo tabu tornou-se conhecido na Europa apenas nas últimas décadas do século XVIII através dos relatos de viajantes. James Cook constatou, na sua estadia em Tonga, em 1777, que os nativos rejeitavam tocar ou comer determinados alimentos. O termo tapu surgia assim, no seu sentido mais superficial, que algo não poderia ser comido ou usado, sendo evitado, ou seja, que era sujeito a uma proibição ou preceito. Já nessa menção surge, porém, a referência à complexidade das concepções subjacentes ao termo.

A transformação experimentada pelo termo apenas pode ser estudada considerando-se a sua menção e elucidações pelos diferentes viajantes e autores que se ocuparam com a cultura da Polinésia. Uma das obras que trataram do assunto de forma mais ampla foi a do geógrafo francês Grégoire Louis Domeny de Rienzi (1789-1843), publicada em francês, em 1836, e traduzida em várias línguas (Oceanie ou cinquième partie du monde: revue geographique et ethnographique de la Malaisie, de la Micronesie, de la Polynesie, et de la Melanesie, Paris: Firmin Didot Frères,1836-38); Oceanien oder Der Fünfte Welttheil. Welt-Gemälde-Gallerie oder Geschichte und Beschreibung aller Länder und Völker, ihrer Gebräuche, Religionen, Sitten u.s.w. (...) Aus dem Französischen. Oceanien 2. Band. Polynesien, Stuttgart : E. Schweitzerbart's Verlagshandlung, 1837-1839).

Se hoje procura-se sobretudo conhecer de onde se originou o termo tabu na própria Polinésia, se de Tonga, do idioma Fidschi ou das ilhas Salomão, onde o termo ocorre, Rienzi procura antes mostrar que o fenômeno podia ser constatado nos mais diversos contextos, mesmo sob diferentes denominações.

"Como já mencionamos, o Tabu é conhecido nas Carolinas sob o nome Penaut, nas ilhas Radak sob o nome Emo, na ilha Buk sob o nome Tabui, em Ombai sob o nome Pamale; também existe nas Celebes e em outros locais, assim como, ainda que de outra forma, no Hindostão, China e outros países asiáticos." (pág. 25)

Desse procedimento, baseado antes no fato cultural e não no termo, o autor chega a uma teoria da difusão do fenômeno e, a partir daí, tenta explicar a origem da própria palavra. Para êle, as respectivas práticas teriam sido trazidas de fora, por viajantes vindos de outras regiões da Ásia e assimiladas pelos insulanos; nas ilhas, devido à pouca refletividade dos seus habitantes, teriam assumido uma importância extraordinária, constituindo um sistema de características extraordinariamente limitadoras e opressivas.

"Nas ilhas Sunda e sobretudo em Borneo pode ter sido trazido pelos Hindus que colonizaram essa grande ilha, e cremos que os Bugis de Borne os trouxeram a Celebes e de lá às Carolinas e às outras ilhas da Polinésia, ali implantando-os, onde, com a ignorância dos selvagens, tomaram um caráter horrível. Também existe em algumas ilhas da Melanesia. Além do mais, os árabes, chineses, japoneses e talvez também os hindús visitam em parte as ilhas que existem em diferentes partes da Oceania." (pág. 25)


Com base nessa visão, o autor defende a difusão do próprio termo tabu, justificando assim o fato de o ter encontrado no Corão:


"(...) a palavra Tabu segundo a nossa opinião deriva-se da palavra árabe Taubù ou Taubun, satisfação ou penitência. Encontra-se no capítulo IX do Alcorão." (pág. 25)


O autor não sugere, com essa sua hipótese, que houvesse ocorrido uma influência islâmica nas ilhas, mas sim que navegadores, em particular comerciantes árabes tivessem trazido consigo práticas de remotas origens e de diferentes contextos que já se encontravam emancipadas de suas inserções em complexos de concepções que as originaram, no caso árabe pré-islâmicas, mantidas porém como observâncias não mais refletidas por marinheiros expostos aos riscos do oceano e a colonos vivendo isolados, distantes de seus centros culturais. Os insulanos da Polinésia, no decorrer de séculos de contatos, teriam recebido tais observâncias, também de forma não refletida, construindo um edifício nelas baseado.


A menção ao Corão de Rienzi diz respeito à Sure 9, 11 nas suas relações com 9, 5, em particular  ao passo  "fa-in tabu wa-aqamu s_salata" (Der Koran: Kommentar und Konkordanz von Rudi Paret, Stuttgart; Berlin; Colonia: Kohlhammer, 4. ed. 1989, 196). Esse passo surge em um contexto, no qual se trata dos infiéis que não respeitam vínculos, pactos ou deveres. Mesmo que com as suas palavras digam algo diverso, aqueles que quebram o pacto de fidelidade tomam, no fundo do coração, uma atitude de negação, e são, em grande parte, injuriosos ou sacrílegos. Desprezaram os sinais divinos e prejudicaram os demais no seu caminho. O que fazem é péssimo. São aqueles que praticam transgressões. Não conservam perante um fiel nem vínculos nem deveres. Se quebrarem uma promessa após terem tomado a si um dever, ofendendo a religião, devem ser combatidos como prototipos da falta de fé/infidelidade. Não devem servir nos locais de culto. Os fiéis devem combater os que não proibem o que foi declarado como proibido. Possuem a autoridade de perseguí-los onde os encontrem, apanhá-los, cercá-los e matá-los. Os fiéis tiveram como promessa divina jardins com córregos e boas moradias no jardim de Edem, devem porém fazer guerra aos falsos e hipócritas (Der Koran, trad. Rudi Paret, Stuttgart: Berlin; Colonia: Kohlhammer, 6. ed. 1993, Sure 9, pág. 132-145)


Ainda que a teoria de derivação do termo de Rienzi seja negada e considerada como infundada, a sua menção ao Corão indica ter encontrado na Sure 9 um contexto similar àquele do mundo polinésio. Ele sugere, assim, que o universo cultural local. independentemente de seus elos com a escritura e com a tradição muçulmana, seria baseado na concepção de pacto, contrato ou aliança, de elos de fidelidade ou lealdade, de respeito a deveres, proibições, preceitos e sinais, de combate àqueles que quebraram alianças e o seu severo castigo, até à morte, e da autoridade e do dever dos que eram tementes às observâncias de o fazer.


Rienzi não mede palavras, no seu texto, para salientar as características terríficas do sistema assim baseado em estreitas observâncias a preceitos e sinais, cuja transgressão significava quebra de vínculos de natureza contratual.


Para descrever a ordenação da sociedade polinésia segundo esse sistema de observâncias, da autoridade daqueles de punir os transgressores e o do mêdo constante daí resultante, Rienzi cita referências de viajantes, em especial de Jules-Sébastien-César Dumont d'Urville (1790-1842) navegador e cientista natural, que realizou uma expedição ao Sul do Pacífico, de 1826 a 1829, à procura da nave Astrolabe de Jean-François de la Pérouse (1741-1788)  (Voyage de la corvette l'Astrolabe, 12 volumes, Paris 1830-39; "Notice sur les îles du Grand Ocean et sur l'origine des peuples qui les habitent"Bulletin de la Societé de Géographie de Paris, 17/1, 1832, 1-21).


"A proibição do Tabu. A terrível superstição do Tabu, que coloca sobre os polinésios uma massa de privações e que já custou a vida a inocentes, ainda existe em muitas partes dessa parte da Oceania. (...) Esse uso terrível, que caracteriza tão bem os polinésios e cuja existência também constatamos entre os carolinos ou polinésios ocidentais e entre os povos malaios, por exemplo os calamantanos e celebos, exige uma explicação.


O Tabu domina de forma ilimitada em Nukahiva; diz respeito aos melhores alimentos (...), que são destinados às classes privilegiadas, e deixa aos demais insulanos apenas os alimentos mais comuns, o fruto da árvore de fruta-pão, os cocos, inhames e peixes. Os primeiros são proibidos a todo o indivíduo de outras classes e também às próprias mulheres, a quem são reservadas moradias separadas. Os indivíduos tabuisados, pelo contrário, podem ir a todo o lugar e comer de tudo. São sobretudo pessoas sacralizadas; não se pode colocar nada sobre as suas cabeças, e tudo o que se encontra em oposição a esse preceito não pode ser mais usado para o uso profano. A vingança da pessoa, cujo tabu foi quebrado, persegue o pecador até à morte; e esse mêdo perante a lei, assim como o costume a partir da infância, mantém por todo o lado a rígida observância. (...) Se um tabuisado coloca as suas mãos sobre uma esteira, não pode esta mais ser usada para dormir, mas deve-se dela fazer uma peça de roupa ou uma vela para uma piroga. Inventou-se facilitações para diminuir a rigidez do tabu; deve-se também supor, ainda que não se ouça nada a respeito, que se possa pedir remissão da quebra de um tabu ou de se resgatar, pois senão poder-se-ia a toda hora correr o risco de quebra de tabus, por desatenção, ou, como dizem, de tornar-se um kikino, e todo o kikino é destinado a ser sacrificado ou comido, mais cedo ou mais tarde. (...) As pessoas tabuisadas têm também as suas restrições; não podem dançar, nem untar o corpo, visitar as suas mulheres, nem mesmo entrar nas cabanas em que elas moram. Esses grandes tabus, ordenados por ocasião da morte de algum chefe famoso, têm como objetivo desarmar o espírito do morto. - Certos locais são permanentemente tabu para o povo, por exemplo onde as comidas são colocadas e as salas destinadas para as festas. - Essas salas, diz Porter, constituíam antes grandes edifícios, de 6 a 8 pés de altura, sobre uma plataforma de pedras bem dispostas. (...)" (op.cit. pág. 11)


De todas as ilhas da Polinésia, segundo Rienzi, sobretudo o Taiti era caracterizado pela dominância de um sistema social marcado por tabus.


"Taiti podia chamar-se capital do Tabu: em nenhum lugar do arquipélago polinésio estendia-se essa limitação e essa proibição de forma mais larga, era ali mais estreita, tirânica e cruel. Do nascimento até à morte existia para os taitianos uma segregação ameaçadora de alimentos permitidos e proibidos. Por todo o lado deparava-se com esse veto, em dias de doença e de saúde, nos templos e fora deles, no litoral e no interior, nas casas e nos campos, às refeições e ao dormir, na guerra, no meio do mer, nas cabanas, na caça, na pesca, ou seja, por todo o lado. Os homens e em particular aqueles que estavam a serviço da religião, de forma próxima ou distante, eram vistos como ras ou santificados; êles podiam como tais desfrutar de todos os alimentos que se davam aos deuses." (pág. 465)


O papel da mulher no sistema social determinado por tabus


Com base sobretudo nos dados de d'Urville, Rienzi refere-se repetidas vezes à situação da mulher na sociedade marcada por tabus da Polinésia. Os europeus observaram, como já mencionado, que a elas era vedado o uso de alimentos reservados aos tabuisados, eram segregadas, inclusive quanto a moradias, nas quais aqueles homens relacionados com a religião não entravam.


"Sob pena de morte a mulher não pode comer carne de porco, bananas e cocos, nem usar o fogo aceso por homens, nem entrar em recintos onde estes comem. (...) Se uma mulher esquece e passa por um objeto tornado tabu pelo toque de um indivíduo tabuisado, ou nele se senta, esse objeto é tirado do uso comum e a mulher deve pagar o seu crime com a morte. (pág. 11)

"Os homens e em particular aqueles que estavam a serviço da religião, de forma próxima ou distante, eram vistos como ras ou santificados; êles podiam como tais desfrutar de todos os alimentos que se davam aos deuses; ao contrário, as mulheres comuns (noas) não podiam tocar nesses alimentos privilegiados sob pena de morte. O fogo dos homens não podia ser usado para a preparação da comida das mulheres; da mesma forma ocorria com os cestos e outros utensílios de cozinha." (pág. 465)


O papel da mulher na transformação cultural


A mulher polinésia - segundo o quadro que se obtém dessas referências - vivia assim em constante temor de transgredir preceitos, de desrespeitar observâncias, mesmo por desatenção ou descuido. Tornava-se a principal mantenedora do sistema, perpetuando mandamentos através das gerações. Os europeus ficaram surpreendidos por essa situação de subordinação da mulher, o que indica ter sido muito mais acentuada do que aquela da Europa na época.


Nessas condições, a transformação do sistema apenas podia ter sido iniciada por homens, e isso por aqueles em posição de autoridade, os tabuisados e tabuisadores.


"A dignidade sacerdotal era hereditária. Os sacerdotes tinham uma posição de chefe. O rei era às vezes sacerdote do templo nacional, e a dignidade do sumo-sacerdote era sempre dada a um dos membros da família que regia, sem dúvida com a intenção de evitar colisões entre o poder espiritual e o mundano. O serviço de culto consistia em orações ou Abu's, ofertas e sacrifícios." (pág. 466)


Compreende-se, assim que os missionários dirigiram-se a esses líderes, demonstrando o risco que representaria se tornassem público que o desrespeito a locais e objetos tabuisados não tinha consequências, ou seja, que eram inócuos e que o temor era em vão. Por interesse próprio de resguarde de poder e das vantagens do apoio dos europeus, tomaram a si a iniciativa da transgressão de tabus. Como é conhecido do Hawai, essa transgressão disse respeito sobretudo aos tabus relacionados com a mulher. Foi a autoridade masculina tabuisada que levou por si comidas vedadas às mulheres e com elas se sentou para o comer em conjunto, um ato de absoluta transgressão aos preceitos consuetudinários. Sabe-se que foram mulheres que, como as principais mantenedoras de observâncias, as que mais se revoltaram com atos como esse de desrespeito ao tabu, escandalizadas pelo fato de verem a transgressão vinda de cima, destruindo, assim, todo o sistema. A constatação da ausência de punição à infração levou à perda do temor ao tabuisado, ao descrédito de locais e objetos antes respeitados, à destruição dos mesmos e à erosão do edifício religioso. Assim, apenas a partir do exemplo de mulheres ligadas à família real é que se desencadeou ondas de batismo na população do Hawai. (op.cit. 126)


Como as descrições da época indicam, houve porém apenas uma transformação, mantendo-se basicamente posições de autoridade e subordinação na sociedade, ou seja, uma nova situação de pacto, de aliança ou de contrato social. Os antigos tabuisados tomaram agora posições condutoras ao lado dos missionários, e as mulheres passaram a ser as principais seguidoras e mantenedoras de mandamentos, preceitos e observâncias da vida cristã. Como Rienzi sugere, a libertação dos antigos tabus foi acompanhada por novas restrições. Estas disseram respeito sobretudo à nudez e à liberdade sexual. Anteriormente, apesar das inúmeras proibições, as mulheres da Polinésia gozavam de uma liberdade sexual incomparavelmente maior do que aquela das européias, além de divertimentos e danças, como os viajantes registraram. Agora, sob a ação da moral protestante de evangélicos de tradição britânica, submeteram-se às normas de uma moral pré-vitoriana e vitoriana, tornando-se também aqui as principais mantenedoras dos assimilados preceitos de severo recato e rigidez de costumes.


"Esse desprezo com relação ao sexo fraco, essas proibições, essa posição subordinada não foram os últimos motivos que levaram as mulheres ao Cristianismo, à religião que as colocou no seu pleno direito. Talvez as taitianas, sem esse benefício, não teriam perdoado à nova religião ter condenado os divertimentos e as alegrias a que eram tão apaixonadamente devotadas." (op. cit. 465)



Destruição das Marae e dados da memória local


Quando Rienzi escreveu a sua obra, as Marae da Polinésia já haviam sido destruídas, consequência necessária da erosão do sistema baseado em tabus. Por todo o lado, porém, ainda podiam ser encontrados os seus restos. Os registros dos viajantes adquirem aqui particular relevância para a pesquisa, pois oferecem dados à relativa curta distância temporal das concepções a elas relacionadas em passado ainda recente.

Agora, os Morai's foram postos ao chão; em todos os pontos do arquipélago encontram-se as ruínas dos mesmos, nos vales internos, ao lado dos povoados, nas colinas e nas gargantas das montanhas. As árvores que nasciam nas suas proximidades eram sagradas, em geral eram casuarinas, com as suas copas de melancólicas folhas, calofilas, tespesias e cordias, intranspassáveis ao sol." (pág. 466)


"As Morai's ou locais de sepultura, 'diz d'Urville,' eram tabu mesmo em tempos de guerra; às vezes, porém, os vencedores não os respeitavam; desacralizavam os túmulos, roubavam os altares, tomavam as imagens de deuses, desenterravam os ossos, para deles fazerem pontas de armas, o que era uma grande ofensa aos vencidos. Entretanto, esses sacrilégios eram raros. Em tempos comuns, os templos e os seus serviçais eram respeitados. Também se respeitava os guardas dos tupapau's, pessoas que eram também tabu."
(pág. 465)



Já no século XIX houve, com base nas informações obtidas de informações orais, tentativas de reconhecimento dos diferentes tipos de marae, ou seja, tentativas de classificação desses locais. Dessa época é a distinção segundo áreas de abrangência ou irradiação, reconhecendo-se a existência de marae destinadas à toda a ilha, outras apenas de significado local e outras, ainda, de significado familiar.

"Distingue-se três tipos de Morais, aqueles que eram destinados para toda a ilha e que se chamavam frequentemente de tabu-tabu-atea (local muito sagrado), aqueles que serviam apenas a um distrito, e aqueles que eram dedicados apenas aos deuses de uma família. Em geral tinham a forma de um retângulo, cuja dimensão dependendo das posses do indivíduo e da influência do deus. Eram fechados por dois lados por altos muros de pedras; o lado fronteiro tinha uma cerca baixa, e defronte a ela se levantava frequentemente uma construção massiça de forma piramidal, sobre a qual colocavam-se as imagens dos deuses. No grande Morai de Ata-huru, essa pirâmida não tinha menos de 250 pés de comprimentos e na base 90 pés de largura e 50 de altura. A superfície superior media 170 de comprimento e quase 6 pés de largura; degraus de 6 pés de altura levavam ao cimo. As pedras do exterior das pirâmides, em parte pedras-corais, em parte basalto, eram enfileiradas de forma muito cuidadosa e cortadas bem quadradas, em particular nos ângulos, o que deve ter custado indizível trabalho aos nativos." (pág. 465)


As marae como monumentos arqueológicos na atualidade

Hoje, os marae são considerados como principais monumentos da arqueologia polinésia.

As duas grandes maraes de Raiatea e Bora Bora encontram-se no centro de duas zonas de influência nas ilhas da Sociedade. as de Raiatea exerciam influência nas respectivas ilhas associadas (Tahaa, Bora Bora, Huahiune, Tahiti, Mai'ao, Austrais, Rarotonga, Rotuma, Nova Zelândia), repartidas em dois grupos, a dos países claros de aliança amiga e a dos países escuros. Uma outra rêde de relações vinculava-se com a marae de Bora Bora (Vavau), ligada a Raiatea, Tahiti, Tuamotu, Raortonga, Nova Zelândia e Hawaii,

Da pesquisa arqueológica

Em 1925, K. P. Emory investigou as Ilhas da Sociedade, revelando mais de 200 fundos. Propôs, em 1933, uma classificação das áreas em três categorias, as marae do interior, da costa e intermediárias. A classificação se baseia em razões geográficas e cronológicas, refletindo um povoamento sucessivo das ilhas. Nos anos 60, trabalhos de R. Green e Jose Garanger mostraram que essa classificação não coincidia com as três principais classes da estrutura social, devendo ser mais diferenciada.

Uma preocupação dos arqueólogos foi, no passado, a de idenficar tipologicamente as diferentes marae, classificando-as. Partindo das pesquisas de J.M. Orsmond, no século XIX, o seu neto, T. Henry, distinguiram-se seis classes de marae, três de interesse público e três de interesse particular. De interesse público seria em primeiro lugar o de Taputapuateia, em Raiateia, centro religioso e culturai de toda a Polinésia. Ali se cultuava o deus 'Oro. Também aqui trata-se de uma construção datada ao redor de 1400, mas que teria origens mais remotas. Haveria também marae nacionais, relacionadas com um ari'i importante, além de marae locais, localizadas em espaços de significado numinoso, em vales e em florestas. Os marae de interesse particular seriam aquelas familiares, as sociais, dedicadas a deuses das camadas mais elevadas da sociedade, e aquelas de "especialistas", ou seja, de guerreiros, artesãos, construtores, pescadores e outros.

Na preocupação de elucidar os elos entre as diferentes marae e a estrutura social e de poder da Polinésia, os estudiosos idenficaram três classes sociais, a dos manahune, gente do povo, a dos ra'atira, detentores de funções culturais, e a dos ari'i, chefes, reis e príncipes. A questão do poder manifestava-se aqui da forma mais evidente, colocando-se porém a questão se era o cunho numinoso do espaço que concedia o poder ou vice-versa, o vínculo com a classe detentora do poder que concedia poder religioso ao espaço. Para aqueles que privilegiam uma explicação social, seriam as marae familiares que teriam conduzido às comunitárias e essas às superiores através de elos matrimoniais e resultados de guerras. Segundo a tradição, seria a própria origem divina da marae a base de todo o poder. Os ari,i, descendentes de Ta'aroa, teriam chegado à Raiateia, o Havai original dos polinésios, instituindo o culto de Oro que se estenderia ao Tahiti e à toda a Polinésia.

As investigações arqueológicas indicam que as grandes maraes foram edificadas entre 1300 e 1400, ou seja, às vésperas da época da expansão européia em fins da Idade Média. Entretanto, segundo a trasmissão oral de genealogias, as maraes remontariam aos primórdios do mundo.

Pode-se supor que os grandes monumentos que restaram foram precedidos por outros mais simples, ainda que a sua função e concepção fossem as mesmas. Segundo estudiosos que salientam o aspecto social, esses espaços seriam inicialmente áreas destinadas às reuniões de chefes de família, nas quais estabeleciam vínculos com os antepassados. Somente a plataforma elevada, o ahu, seria propriamente um espaço sacral. Esse tipo de explicação sugere que a função social das marae seria anterior à sua função religiosa.e supõe também a existência de um espaço sagrado anterior, vinculado à memória dos ancestrais.

Quanto ao aspecto arquitetônico os pesquisadores constataram diferenças entre as várias ilhas, sobretudo entre aquelas do Vento e do Sotavento, marcando distinções culturais. Para além dos elementos comuns - o pátio da marae e a plataforma ahu destina aos ancestrais e deuses, Em geral, as marae do Sotavento não possuiam muros de pedras, alguns monolitos dispersos na área ou enfileirados numa das faces, eram dedicados à descida dos deuses e dos ancestrais. Construções de madeira de diferentes tipos abrigavam imagens dos deuses, de antepassados ou defuntos.

Os unu eram pranchas de madeira com imagens antropomorficas ou zoomorfas que representavam os guardiões dos ancestrais. e os espíritos guardiães da família. Alguns pesquisadores aproximam essas pranchas aos totens indígenas, destinadas aos taura ou espíritos guardiães da família ou de uma tribo, representados forma de peixe, pássaro, cão ou outros. Eram levantados no espaço interno do ahu.

Ao alto da prancha colova-se uma figura indivual e humana, um galo, um navio ou uma cão. As pranchas mais complexas eram pintadas com motivos geométricos coloridos. Uma forma simples era aquela em forma de garfo ou conservando a forma da árvore original. Os unu sem decoração eram aqueles que marcavam locais de sacrifícios humanos, sendo elevados entre os crâneos das vítimas.

O edifício mais importante das marae nacionais era a Fare ia manaha, onde se depositavam as imagens e os objetos sagrados. Devia ser construído em um só dia. A vítima sacrificada era colocada sob o pilar central. Era situado na proximidade do ahu. O Fare atua era uma estrutura que continha as imagens to'o dos deuses, diferentes daquelas de antepassados divinizados, representados por imagens antropomórficas.

(...)



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.
Indicação bibliográfica para citações e referências:

Bispo, A.A. (Ed.)."Arqueologia cultural da Polinésia e dimensões inter- e transcultural do tabu. O espaço de suprema tabuização de Taputapuatea". Revista Brasil-Europa 125/14 (2010:3). www.revista.brasil-europa.eu/125/Tabu.html


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa:
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  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 125/14 (2010:3)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter-e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg.1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2601


©


Arqueologia cultural da Polinésia e dimensões inter-e transcultural do tabu

O espaço de suprema tabuização de Taputapuatea




Reflexões no marae de Taputapuatea na ilha de Raiatea (arquipélago Sociedade) em retomada dos debates do seminário Música e Religião/Estudos Culturais e Ciências da Religião (Univ. de Bonn) e do curso dedicado à Austrália e a Oceânia em contextos globais (Univ. de Colonia) no âmbito dos trabalhos Atlântico/Pacífico do programa de renovação dos estudos transatlântico-interamericanos da A.B.E.
sob a direção de A.A.Bispo

 





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