Sinergia e poder de grupos. Revista BRASIL-EUROPA. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

Constata-se, com certa frequência, o emprêgo do termo sinergia para a justificação de atividades de natureza cultural no âmbito das relações internacionais. O termo sugere intenções, conotadas positivamente, de fomento da dinâmica entre instituições, grupos e correntes, possibilitando que as suas interações não se dispersem na pluralidade, servindo a realizações maiores. Entretanto, o estudo histórico-cultural mostra a necessidade que se considere mais cuidadosamente processos sinergéticos e empreendimentos que se utilizam do termo, uma vez que podem servir subrepticiamente como subterfúgio e método para o fortalecimento de grupos e tendências.

Os exames de processos difusivos de idéias e visões do mundo e do homem no âmbito dos estudos culturais dedicados aos países de língua portuguesa da Alemanha dos anos 30 permitem constatar mecanismos de construção, manutenção e fortalecimento de rêdes com elos políticos através do interrelacionamento de ações e reações, de citações e valorizações recíprocas.

Dentro de um grupo de protagonistas relativamente restrito, os vínculos da vida intelectual e cultural com o jornalismo permitiram o engrandecimento de fatos e ocorrências, a eles conferindo uma importância e uma força condutora do desenvolvimento muito maiores do que a elas deveria caber. A sinergia de forças significou aqui aumento de poder de determinada rêde que procurava tomar posse de uma área dedicada às relações entre a Alemanha e o mundo lusófono.

Um exemplo desse mecanismo de auto-afirmação e auto-valorização de rêdes pode ser visto nas relações recíprocas de artigos publicados em jornal de Colonia e de Lisboa, em 1933.


Esses artigos demonstram, de forma expressiva, o ressoar segundo ressonâncias, ecos de ecos, até mesmo ecos de ecos de ecos.

O autor, o secretário-geral do Instituto Português-Brasileiro, procurou trazer à consciência dos alemães a ressonância positiva que a transformação nacionalsocialista da Alemanha estaria recebendo em Portugal. Aproveitou essa oportunidade para louvar a transformação política de Portugal, ou seja, a instauração do govêrno ditatorial (Ivo Dane, "Deutschfreundliches Portugal, Kölner Zeitung, 8 de dezembro de 1933).

O seu artigo, por sua vez, foi citado pelo Diário da Manhã de Lisboa, na sua edição de 5 de janeiro de 1934, que o tomou como exemplo da ressonância que estaria tendo, na Alemanha, a transformação política de Portugal.

"O sr. dr. Ivo Dane, secretario do recem-criado Instituto de Estudos Portugueses na Universidade de Colonia, Alemanha, e grande admirador do nosso País, publicou, com data de 8 de Dezembro ultimo, no maior orgão jornalistico daquela cidade do Rheno, Koelnische Zeitung, um longo artigo a que deu o titulo "Portugal amigo da Alemanha" e em que se ocupa de um modo geral, do eco que na opinião publica portuguesa encontrou a revolução renovadora por que está passando a Alemanha de Hitler, mas aproveitando a ocasião para dizer tambem muitas coisas justas e lisonjeiras acerca de Portugal.

É deveras louvavel este empreendimento que só devemos acolher com a mais franca e sincera simpatia, pois além de ser sumamente interessante ouvirmos a opinião leal de um alemão culto da categoria intelectual e profissional do dr. Ivo Dane, opinião baseada nas impressões que ele próprio colheu no seu contacto directo com as varias camadas sociais e intelectuais do nosso País, ha ainda que pôr em justo relevo o seu proposito de, com o seu artigo, informar e elucidar os numerosissimos leitores do grande matutino de Colonia sobre o sentido fundamental e os aspectos mais salientes da formidavel obra de renovação que o Governo da Ditadura Nacional em feliz hora empreendeu e está levando a cabo com a segurança metodica e a energia insuperavel de quem sabe o que quer e sabe tambem o que deve fazer para atingir o objectivo em vista." (loc.cit.)


O objetivo dessa troca de referências, de ecos de ecos, era o de mostrar aos portugueses que registrava-se na Alemanha, por personalidades competentes na área dos estudos portugueses, o fato de Portugal não dar ouvidos a críticas do regime nacional-socialista. O Diario tomava o artigo de Colonia para propagar entre os portugueses a convicção de que o regime constitucional da República de Weimar teria sido uma época de desmandos. O objetivo foi, aqui, traçar um paralelo com a situação portuguesa antes da instauração da Ditadura. Dessa forma, nesse intricado conjunto de citações recíprocas de ressonâncias, o escopo do artigo publicado pelo secretário-geral do Instituto de Estudos Portugueses da Universidade de Colonia se manifesta como sendo, na realidade, de interesse político interno.


"Começa o sr.dr.- Ivo Dane por dizer que apesar de toda a enorme e escandalosamente peçonhenta propaganda da mentira que nestes ultimos meses se tem feito contra a Alemanha nova, Portugal soube, ao contrario da visinha Espanha, conservar galhardamente o sangue frio de quem pensa por si proprio e não pelas cabeças alheias, não tendo por isso pêjo em afirmar claramente a sua simpatia pela energica reacção da Alemanha hitleriana contra os criminosos desmandos e a vesanica loucura da orgia parlamentar, socialisante, suicida e partidarista que durante os escassos catorze anos da vigencia do regime constitucional de Weimar conseguiu levar aquele país da ordem modelar á beira do precipicio sovietico-comunista." (loc.cit.)


             



"Comunhão de destino" entre Portugal e a Alemanha


O aspecto mais teórico do texto do secretário-geral do Instituto Português e Brasileiro de Colonia dizia respeito à idéia de uma comunhão de destino entre Portugal e a Alemanha. Nas suas interpretações, não se tratava apenas de uma certa paralelidade, mas sim de uma sintonia causada pela similaridade da evolução política dos dois países. A idéia, portanto, girava em torno de um vibrar em simpatia.


"'Como se explica - pregunta o articulista - esta atitude mental de simpatia para connosco, observada pelo povo português em tão lisonjeiro contraste com a quasi totalidade dos paises estranjeiros, exceptuando a Italia de Mussolini e alguns sectores da opinião publica de varios outros países?' E responde dizendo que a causa fundamental desta profunda compreensão dos portugueses do verdadeiro significado nacional da revolução alemã deve certamente procurar-se na 'comunhão de destino' entre Portugal e a Alemanha.


'No caso português - diz - não se trata só da influencia mais ou menos passageira e mais ou menos profunda que alguns homens notaveis na vida politica, cultural e social portuguesa e sinceramente amigos do nosso País possam ter exercido ou exerçam ainda sobre a opinião pública daquele belissimo País que é Portugal, no sentido de a orientarem conforme nós desejariamos que ela fosse orientada em todos os paises nossos inimigos de antanho ou de hoje. Não, é o paralelismo do destino, é a semelhança da evolução politica dos dois paises que faz com que Portugal nos compreenda e nos conserve a sua para nós tão lisonjeira como valiosa simpatia'." (loc.cit.)


Se o comentarista português utilizou-se do texto de Ivo Dane para salientar aos portuguêses o caos que teria sido a época constitucional da República de Weimar anterior à tomada de poder nacionalsocialista, o autor coloniense havia feito o mesmo com relação a Portugal da época anterior ao regime ditatorial. Essa visão é caracterizada por associações de cunho antropológico, de imagens do "verdadeiro homem", másculo, enérgico, capaz de por fim à desordem e garantir o progresso. Seguia-se, assim, a imagem já exposta pelo jornal do partido nacionalsocialista por ocasião da fundação oficial do Instituto de Colonia: devia-se proceder através de grupos, guiados por verdadeiros homens, em trabalho de "homem para homem", independentemente de estruturas legítimas (Veja artigo sobre a inauguração do instituto, nesta edição).


Haveria, assim, em Portugal, correspondências ao "Homem alemão". Portugal transformava-se em país que seguia o lema do Brasil: "Ordem e Progresso".


"Para fundamentar essa asserção aos olhos dos seus leitores, o sr.dr. Ivo Dane apresenta-lhes a seguir um breve mas exacto resumo do caos ideativo, politico, social, economico e financeiro em que o nosso País se debateu nos langos anos que precederam a revolução redentora de 28 de Maio. 'A Guerra esgotara as energias medulares da nação portuguesa; ideologias marxistas e comunistas imbuiram e impregnaram toda a vida publica e semearam a anarquia na vida privada; as revoluções seguiam-se umas ás outras, quais sincopes de agonia prenunciadorasa do desenlace fatal. Sete anos durou este cáos. Até que surgiram dois Homens, no verdadeiro sentido deste termo: o General Carmona e o dr. Oliveira Salazar. É a estes dois Homens que Portugal deve o milagre de se ter transformado, nos sete anos da Ditadura Nacional, num Estado da Ordem e do Progresso. A paz interna foi restabelecida pela supressão radical da politiquice partidista e da propaganda subversiva. O Parlamento foi fechado e o seu lugar há-de ser ocupado por Camaras corporativas, representativas dos interesses de sindicatos profissionais. As finanças foram magistralmente saneadas e em quasi todos os dominios da vida publica está sendo levada a cabo energica e sistematicamente a reconstrução nacional, de modo que o cancro do desemprego quasi não existe." (loc.cit.)


Dando continuidade à troca de referências e à reciprocidade de ressonâncias, o comentarista português reproduz o desejo do autor alemão de que os portugueses soubessem avaliar justamente o processo político renovador da Alemanha.


"Depois de enumerar sucintamente varias outras medidas administrativas adoptadas pelo Governo Carmona-Salazar e de realçar os seus formidaveis resultados, o sr.dr. Ivo Dane fala ainda do significado verdadeiro que teve o plebiscito realizado na primavera passada, que considera como 'a mais unanime consagração nacional da politica da Ditadura, seguida até então, bem como a dois dos seus propositos politicos futuros', e remata: 'É facilmente compreensivel que Portugal, depois de, graças á acção energica e ao saber politico destes dois Homens, ter passado do cáos interno á ordem perfeita, do desmoronar fatídico do País á pujante reconstrução nacional, sinta e saiba apreciar no seu justo valor a ansia renovadora da Alemanha dos nossos dias'." (loc.cit.)


              


O jornalista português procura dar pêso à opinião do autor alemão salientando a sua posição acadêmica. Apesar do secretário-geral do instituto coloniense estar agindo aqui como jornalista político, as suas palavras deveriam ser entendidas como a de um especialista.


Mostrando assim compreensão pelo fato de ter Ivo Dane considerado sobretudo assuntos relativos à educação e à cultura em Portugal, dá continuidade à troca de ecos, salientando que o autor alemão citara Gustavo Cordeiro Ramos como um dos principais protagonistas do estreitamento de laços entre os dois países. O articulista passa então a aclamar as qualidades de Cordeiro Ramos como profundo conhecedor da cultura alemã, lembrando que havia sido homenageado pela Universidade de Colonia, e que ocupava, assim, com razão, uma cátedra na Universidade de Lisboa. Com as suas interpretações, o jornal português conseguiu, assim, transformar o texto do secretário-geral do instituto coloniense em matéria de finalidades político-internas e político-universitárias de Portugal.


"O sr. dr. Ivo Dane é professor na Universidade de Colonia. Portanto um homem que se interessa especialmente pelos problemas culturais. Nada mais natural, pois, do que a circunstancia de uma grande parte do seu magistral artigo se referir de um modo muito particular á vasta obra já realizada pela Ditadura Nacional no extenso e complexo dominio da instrução publica. E como falar desta obra é falar da acção do sr. dr. Cordeiro Ramos, que durante mais de quatro anos foi colaborador incansavel do sr. dr. Oliveira Salazar, é logico que no artigo que estamos comentando se preste sincera e justa homenagem ás numerosas e valiosas medidas e reformas deste antigo e ilustre titular da pasta da Instrução Publica. 'Um dos maiores e melhores amigos da aproximação cultural entre Portugal e a Alemanha -. diz pois o sr. dr. Ivo Dane - é sem duvida alguma o sr. dr. Gustavo Cordeiro Ramos que pelo seu vasto saber e profunda compreensão da ciencia alemã e da nossa maneira de ser e de sentir e ainda pela sua elevada categoria social está como que predestinado a patrocinar e a dar novos impulsos á alevantada missão espiritual do estreitamento dos laços culturais que unem os nossos dois paises.'


Vêm a seguir os principais dados biograficos do cidado ex-ministro da Ditadura Nacional que são de facto um verdadeiro hino ao incansavel e sistematico trabalho cientifico de um estudioso português que graças ao seu invulgar talento, sua extraordinaria curiosidade intelectual e seus persistentes esforços conquista um lugar de catedratico na Universidade de Lisboa e chega a ocupar o lugar de inconfundivel destaque na elite cultural portuguesa que hoje incontestavelmente ocupa.


O sr. dr. Ivo Dane refere-se largamente á acção desenvolvida pelo sr.dr. Cordeiro Ramos como ministro da Instrução Pública e afirma que 'a Alemanha intelectual, em face desta acção, nada mais fez do que cumprir o seu dever quando por intermedio da Universidade de Colonia resolveu conferir-lhe a maxima distinção que uma Universidade alemã pode conceder, nomeando-o seu senador honorario, em público testemunho do grande apreço em que a intelectualidade alemã tem a obra cultural da Ditadura Nacional, obra esta de que o homenageado foi durante longos anos o impulsor, feliz e o expoente perfeito.'"


Necessidade de criar amigos no mundo


"Dando a seguir um breve resumo da cerimonia da entrega, ao sr.dr. Cordeiro Ramos, das insignias e do diploma de senador honorario da Universidade de Colonia, cerimonia que se realizou em Setembro passado com a maior solenidade na Legação da Alemanha, em presença de três delegados da citada Universidade, o sr. dr. Ivo Dane conclui: 'A Alemanha precisa hoje em dia mais do que nunca criar amigos no Mundo. Por isso não devemos nunca esquecer-nos de Portugal que, vivendo um destino semelhante ao nosso, sabe compreender-nos e dar-nos o calor da sua simpatia.'" (ibidem)


(O debate terá continuidade em outra edição desta revista)


(Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo)

(com agradecimentos à família Dane)


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa:
    http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 124/6 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos interculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

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Doc. N° 2565





Sinergia e/ou fortalecimento de rêdes com elos políticos
no âmbito das relações entre a Alemanha e os países de língua portuguesa
nos anos 30

Ciclo "Berlim à luz" - Ano da Ciência 2010. Reflexões após 75 anos da oficialização de centros de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha. Retomada de trabalhos do Seminário sobre Estudos Culturais e Política relacionados com a América Latina realizado na Universidade de Colonia (2008)
sob a direção de A.A.Bispo

 




Imagens - Título: Berlim.
Foto A.A.Bispo
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Coluna e texto: artigos citados.

 

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