Cultura física e triunfo da vontade: Siegfried Schütze. Revista BRASIL-EUROPA. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 


Os esportes, a sua história, o seu sentido e a sua função fazem parte da história cultural do homem, podendo dar margens a análises sob diversificados aspectos. Cumpre lembrar que os estudos teórico-culturais vêm considerando jogos e determinadas representações lúdicas de natureza atlética e de cunho competitivo sob a perspectiva de sua simbologia e da função que desempenharam e desempenham em processos de formação e transformação cultural.

Muitos aspectos desse complexo de questões já foram examinados no âmbito da A.B.E., em particular aqueles referentes ao papel dos folguedos à época colonial e na sua inserção em edifícios de fundamentação teológica. Pouco se tem considerado, porém, o papel dos jogos e dos esportes em geral em edifícios de concepções não-religiosas, sobretudo políticas.

Jogos e questões de identidade

Eventos dedicados a competições esportivas forneceram e fornecem oportunidades para encontros de diferentes grupos da sociedade e de nações. São, frequentemente, até mesmo propagados como ocasiões por excelência para o congraçamento de povos e de aproximação de culturas. Isso, apesar de inerente tendência dos eventos em fomentar sentimentos nacionais.

Atletas que neles participam transformam-se por assim dizer em representantes de nações, são acompanhados por manifestações culturais consideradas típicas seus países, ganham impressões de outros países e sentem em si muitas vezes o despertar de interesses pela cultura dos países que os hospedam. Passam até mesmo a ser considerados como mediadores culturais, ainda que as suas perspectivas sejam necessariamente condicionadas pelas situações especiais que experimentam e que são marcadas pela demonstração de qualidades de condições e destreza físicas e de competição entre nações.

Os riscos de instrumentalização dos esportes para fins políticos tornam-se assim evidentes. A encenação dos encontros segundo nações não favorece apenas uma concepção de concerto e convivência pacífica de países e culturas. Pode contribuir subrepticiamente a edifícios de idéias políticas contrárias ao cosmopolitismo, ao internacionalismo, à mistura cultural e étnica, a amálgamas, a processos sincréticos e sincretísticos, favorecendo a concepção de um relacionamento entre países marcados por fortes identidades nacionais. Essas concepções mostram-se questionáveis em casos de particular complexidade étnica, social e cultural e que deveriam exigir diferenciações quanto a processos identificatórios.

Significado dos esportes na década de 30. Olimpíada de 1936

Pode-se compreender, sob o pano de fundo das reflexões acima esboçadas, que as Olimpíadas realizadas na Alemanha nos anos trinta tenham sido de extraordinária importância para o regime nacionalsocialista.

Elas necessitam ser consideradas sob a perspectiva de uma ideologia que também possibilitava um interesse por outras nações, por viagens, pela etnografia e por jornalismo cultural.

Esportistas, turismo e jornalismo

Nesse contexto, torna-se evidente o quanto é sensível quando atletas unem o esporte ao turismo e ao jornalismo cultural. Os resultados de suas observações e experiências necessitam ser considerados sob perspectivas mais amplas, representam antes objeto de estudos culturais do que propriamente contribuições aos estudos culturais.

Exemplo de atleta-jornalista. O ciclista Siegfried Schütze

Um caso excepcional para os estudos culturais voltados às relações entre a Alemanha e o Brasil é o de Siegfried Schütze, ciclista que, gozando de popularidade por ter sido o vencedor do circuito Rund um Berlin, de 1926, realizou uma longa viagem de bicicleta pela América do Sul, visitando vários países.

Schütze escreveu as suas observações durante a viagem, vendendo-as pelo caminho. Também atuou como conferencista, dando palestras a respeito das regiões visitadas. Em 1935, publicou, na revista Durch alle Welt, um longo relato de sua viagem, fornecendo impressões e imagens de interesse para os estudos histórico-culturais da América Latina nas suas relações com a Alemanha. Publicado em várias partes, em diferentes números da revista, os textos se salientam pela profusão e qualidade das fotografias, tiradas pelo próprio autor.

A rota de Schütze teve início em Montevideo. Do Uruguai, passou à Argentina, alcançando o Brasil na Foz do Iguaçú. Forçado a utilizar-se do navio e do trem, dirigiu-se a São Paulo. Passou ao Rio de Janeiro, retornando ao Sul, viajando pelo Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A seguir, visitou Buenos Aires, o interior da Argentina, atravessou os Andes em direção ao Chile, visitou as regiões de colonização alemã desse país, subiu aos altiplanos da Bolíveia e do Peru, terminando a sua viagem simbólicamente no Machu Pichu.

Pressupostos para a leitura: o movimento ciclista na Alemanha

O seu relato adquire interesse histórico-cultural sob diferentes aspectos, uma vez que atravessou regiões que sofreram consideráveis transformações nas décadas posteriores. Além de ter valor documental como testemunho de época e de situações, talvez o seu maior significado resida no fato de Siegfried Schütze ser êle próprio inserido em determinado contexto histórico-cultural alemão, tendo constatado durante a sua viagem problemas decorrentes de encontros de concepções, costumes e tendências culturais.

Essa especial inserção cultural de Schütze pode ser compreendida a partir da situação do movimento ciclista na Alemanha de fins do século XIX e início do XX. Assim, no circuito de Berlim participavam membros de várias outras associações alemãs de ciclismo, entre elas: Brandenburger Touren-Radfahrer-Verein, Berliner Radsport-Club Zugvogel 1901, Friedenauer RV, RV Sport 1888 Berlin, Berliner Radsport-Club Sturmvogel 1900, Sport Bergedorf, RV Fidelitas Trebbin, Askania Dassau, Triumph Leipzig-Schönefeld, SC Sperber 1900 Wilmersdorf, RC Tempo 1908 Berlin, Berliner Radsport-Club Concordia, RC Adler Lichtenberg, RV Union Hannover, Berliner Radsport-Club von 1889, Berliner Radsport-Club Borussia 1886,  e RC Diamant Chemnitz . Siegfried Schütze pertencia à associação RC Frohes Ziel Berlin.

O circuito Rund um Berlin, um dos mais tradicionais eventos ciclistas da Alemanha, foi iniciado em 1896 por Ernst Louis, membro do Berliner Bicycle Club Germania, de 1883. Essa sociedade integrou posteriormente as associações RC Pfeil e RSC Falke de Charlottenburg, formando a RC Charlottenburg.

Movimentos de aproximação à vida natural e a Cultura Física

Como as designações de várias dessas associações deixam perceber (Zugvogel, Sturmvogel, Frohes Ziel), havia em muitos casos quase que um ideário, uma por assim dizer filosofia do ciclismo, assim como uma certa proximidade a movimentos de retorno à Natureza, à alegria de uma vida natural, à observação de regimes alimentares naturais, de andanças ao ar livre, tais como representadas, ainda que de forma diversa, pela Jugendbewegung, pela Reformnahrung, pelos Wandervogel, e pela cultura dos corpos livres, ou seja, pelo nudismo (FKK).

Nada, no relato de S. Schütze, indica explicitamente convicções políticas do seu autor. Ele se prendia a uma corrente mais antiga de concepções relacionadas com uma vida mais próxima à natureza. Entretanto, não se pode esquecer que também os ideais desse diversificado movimento foram colocados à serviço da política nacionalsocialista. Nesse sentido, poder-se-ia dizer que a reportagem de S. Schuetze, de forma indireta, contribuiu ou pelo menos veio de encontro às tendências da época, fortalecendo visões de seus leitores, o que também correspondia à orientação oficial da imprensa periódica (Veja artigo a respeito nesta edição).

Reclame turístico da Alemanha como "país da saúde" e "salvífico"

A instância central da ferrovia alemã para viagens (Reichsbahnzentrale für den Deutschen Reiseverkehr, RDV), publicou, na época, quatro cadernos que deviam fazer reclame para a Alemanha no Exterior como país de turismo. O empreendimento foi acompanhado pela edição de um mapa turístico em 12 línguas, também em português.

A publicação com dados para o turista (Deutsches Reisemerkbuch) era ilustrada com uma imagem que mostrava um par da época do Biedermeier sentado numa mala voadora sobre uma ampla paisagem onde se viam modernos trens, aviões e belezas naturais. A Alemanha surgia, assim como um país que unia mitos e lendas (Andersen), beleza natural e a moderna tecnologia. (Veja artigo sobre Arthur Rehbein, nesta edição)

Um segundo caderno era dedicado sobretudo à Alemanha como país de saúde, de fontes de água mineral, de estações de tratamento e de vida social ao redor de seus balneários. O título desse caderno, porém, era ambivalente, pois designava a Alemanha tanto como país de saúde como nação salvadora ou salvífica ( "Deutschland: Das heilende Land"). Esse título havia sido idealizado por um Ministro de Estado, o segundo presidente da comissão para o turismo estrangeiro, no sentido de servir como moto do verão de 1935.

Choque cultural no Uruguai

             

Siegfried Schütze deixa manifesto, na primeira parte do seu relato ("Auf dem Stahlroß durch Südamerika 1. Uruguay und Paraguay", Durch alle Welt 18,1935, 13-16), que procurou fazer a sua viagem em espírito de alegria saudável e de bom humor descontraído, e que o seu principal interesse era o mundo da natureza, a liberdade dos caminhos pelo interior do continente.

Pretendia realizar a sua viagem de calças curtas, o que porém foi impedido logo de início pelos diferentes costumes nos países que percorreu e onde tal traje era visto como pouco decente. Também dava especial atenção a hábitos saldáveis de alimentação, e o seu vegetarismo encontrou logo de início pouca compreensão no Uruguai.

"Terra à vista: América do Sul! O nosso gigante do oceano, o "Antonio Delfino", deve chegar hoje a Montevideo. Depois de 21 dias de viagem pelo Atlântico trata-se de novo de montar o corcel de aço. Alegro-me vivamente desde já, pois numa viagem marítima como essa se descansa demais. Com uma das mãos prensada, lembrança de uma luta com um cozinheiro de bordo, abandonei o vapor após o controle de passaporte.

Nas docas do porto do centro da cidade fui chamado muitas vezes de louco. A razão desses xingamentos soube logo. Os costumes não conhecem lá o hábito de usar calças curtas, considera-se isso até mesmo como indecente. Muitas vezes também sorria para mim o belo sexo: 'Olá, veja o grande jovem com calças de crianças!' Por causa da peste dos mosquitos em Montevideo, adquiri um par de calças, protegendo-me assim de picadas humanas e de animais.  - Vendedores de rua oferecem bolos de milhos fritos, a comida predileta dos uruguaios. O sol de outono ri ainda com calor sobre o pampa sulamericano. Em vastas estepes, cercadas, pastam milhares de bois e carneiros. - Os primeiros dias da minha viagem no novo continente deram-me dores de assento, também dores no estômago e nas costas. Da época barracenta de chuvas, as marcas das ferraduras de cavalos assentavam-se fundo nos caminhos, e custava forças passar por cima delas com a bicicleta. Também me estorvavam alguns bois que tinham-se solto de seus cercados para comer a grama fresca e que, assustados com a minha aparência, corriam como loucos à minha frente. Por algum tempo aguentei o pó e o barulho das hordas de quadrúpedes; pedalando porém de forma mais enérgica, deixava para trás um boi após o outro. So um não quis, em persistência tola, deixar-se ultrapassar. E - que susto - de repente virou-se e veio contra mim com chifres abaixados. Consegui, porém, desviar com uma rápida curva.

'Mas que pessoa estranha!' admiravam os gaúchos no Uruguai. 'Êle não come carne, não toma mate e é, apesar disso, grande e forte.' Numa estancia, fui recebido de noite ao fogo do acampamento de forma muito cordial. Enquanto renunciei ao churrasco, por motivo de saúde, aos outros apetecia muito comer os pedaços quentes de carne, que pingavam gordura. Depois, a cuia de mate, com a colher, passeava pelo círculo.'

Toda a noite desabou um temporal e quando, de manhã, quis prosseguir com a minha viagem, estavam à minha espera dificuldades inimagináveis. A bicicleta nem podia ser empurrada na terra lamacenta. Frequentemente imerso até os joelhos na lama, trazendo a bicicleta nas costas, além de 20 quilos de trouxa, arrastei-me sofrendo pelos caminhos. Chegando a um rio, não tinha outra solução do que a de tirar a roupa e, com a bicicleta por cima da cabeça, entrar na água até o peito. Pontes são uma raridade no Uruguai.

Trapp, trapp, trapp, trapp, ainda hoje anda o bonde a burros nas ruas calçadas irregularmente com paralelepípedos da cidade de Salto, às margens do Uruguai. A sete quilômetros dessa localidade consegui por sorte trabalho numa plantação e não precisei assim matar-me com a bicicleta durante o período de chuvas do inverno. A alegria, porém, não deixou de ser turvada. No meu dormitório havia uma multidão de ratos. Ainda que colocasse o saco com os meus alimentos bem ao alto, êles tudo comiam. Mesmo pão cheio de arsênico foi resistido pelos seus estômagos acostumados a tudo. Dois meses aguentei nessa fazenda de ratos; subi novamente ao meu corcel de aço, após ter conseguido, não sem dificuldades, os meus papéis de permissão de entrada na Argentina." ("Auf dem Stahlroß durch Südamerika 1. Uruguay und Paraguay", op.cit.)

As fotografias de S. Schuetze do Uruguai são de interesse histórico-documental. Registra o centro de Montevideo, com o edifício Salvo, o porto de Salto, dirigido por empresários alemães, o bonde de tração animal dessa cidade e uma vista geral da cidade e palmeiras reais às margens do Rio Paissandu.

Passagem pela Argentina

Nesse primeiro artigo referente à sua viagem, S. Schütze dedica apenas poucas linhas à passagem que teve que fazer pela Argentina para alcançar o Paraguai e o Brasil. Retornaria a esse país, considerado com mais pormenores em outra parte do seu relato. De suas primeiras impressões ao cortar a Argentina, salienta-se, pelo seu interesse documental, aquelas relativas a Corrientes. S. Schütze menciona ser essa região, na época, de má fama devido a bandos de pistoleiros que atacavam fazendas e passantes. Pelos perigos de tal banditismo, fora aconselhado a trazer sempre consigo uma arma por alemães que encontrara no Uruguai.

"Após o inverno molhado e frio, tinha-se agora de novo o sol. Passei por tantas fazendas de avestruzes, o que é aqui um negócio lucrativo, admirando os tipos de homem de Corrientes, com as suas bandagens de algodão na cintura, sobre a aqual carregam um cinto de couro com balas, seguro por seis ou oito fivelas.

Também eu andava com um pesado revolver 38 pelo país. Essa pedaço de ferro me pesava muito ao andar de bicicleta, mas os meus compatriotas alemães, com as melhores intenções, me haviam previnido a respeito dos bandidos que faziam a região muito insegura. Além do mais, o revólver poderia servir de defesa contra animais selvagens quando iria atravessar mais tarde as florestas brasileiras.

Primeiramente, porém, precisava atravessar o rio Paraná, que nesse local deve alcançar 3500 metros. Isso me pareceu pouco acreditável, pois as casas da cidade Encarnación, no Paraguai, podiam ser vistas claramente da fronteira argentina. "Pode acreditar em nós, jovem, o barco a motor leva meia hora daqui à outra margem", afirmavam um certo número de mulheres de côr escura, que cuspiam na água em giros elegantes e que fumavam grossos charutos à moda dos homens." (loc.cit.)

Colonos alemães e suíços no Paraguai e o cultivo do mate

Também no Paraguai, S. Schütze procurou sobretudo pelos seus compatriotas, dirigindo-se a Encarnación, onde viviam colonos de língua alemã. O seu interesse de jornalista, dirigido a atualidades e sensações, era despertado aqui pelo fato de ter sido a região assolada por um ciclone, há alguns anos atrás. S. Schütze desejava aqui constatar a situação dos alemães na colonia e registrar os esforços e os sucessos de sua reconstrução. Tem o cuidado de salientar a fertilidade do solo paraguaio, adequado ao cultivo de todos os tipos de frutas. O seu texto surge sobretudo como documento do papel desempenhado por alemães e suíços na plantação e no aproveitamento econômico do mate.

"A pequena cidade de Encarnación, habitada por colonos alemães e suíços, foi destruída por um ciclone há alguns anos, custando o sacrifício de muitas vidas humanas e causando grandes prejuízos materiais. A terra vermelha paraguaia é considerada como sendo bastante fértil. Por todo o lado os colonos plantam o 'ouro verde', a Yerba Maté. Também todas as outras frutas tropicais crescem bem nessa terra abençoada. A mim, porém, pobre ciclista, oferecia-se o mesmo destino que no Uruguai. A terra vermelha, ainda pegajosa da época das chuvas, colava-se acima da armação da bicicleta e no garfo da roda dianteira, de modo que apenas podia avançar com dificuldades. A partir daí, usei como caminho a via férrea; quando havia rios tinha pelo menos a vantagem de poder carregar a minha bicicleta por cima de pontes. Mesmo assim, quebras de rodas dianteiras e traseiras continuaram na ordem do dia." (loc.cit.)

Bicicleta ou mula para atravessar florestas?

Como sempre nos textos de jornalismo de viagem alemães, de acordo com os preceitos político-culturais dos periódicos da época, o autor teve o cuidado de inserir episódios divertidos na sua narração. Desse seu primeiro capítulo, salienta-se o fato de ter-se deixado convencer, no Paraguai, em trocar a sua bicicleta por uma mula. Teria sido aqui mal aconselhado, como procura demonstrar no seu texto. Também em outras ocasiões menciona que os conselhos que recebera daqueles que viviam na região nem sem deviam ser levados a sério. Assim, cita várias vezes que era exagerado o mêdo de colonos quanto a banditismo e ao perigo representado por animais selvagens, e que nunca precisara utilizar da arma que consigo levava.

"Assim, supus ter feito um bom negócio em Villa-Rica, quando troquei a minha bicicleta por uma mula, que o comerciante de cavalos me garantiu ser melhor para a viagem pelas florestas do Paraguai e do Brasil. Eu teria preferido um cavalo, que se deixa controlar melhor do que uma mula de cabeça dura e temperamental, mas o comerciante recomendou a mula como o animal de carga que mais pacientemente tolera as dificuldades e é o mais comedido quanto à ração. Assim, o ciclista viajante saiu da cidade orgulhosamente com a sua mula, contente por não ter mais que sofrer com rios e pântanos. Mas o que aconteceu? Com um puxão, a mula parou e quis voltar à cidade. Puxei os arreios - a mula arrastou-me para uma cêrca de arames farpados, e o meu saco de proviantes rasgou-se. Finalmente, com um pouco de ajuda das esporas, conseguimos ir à frente. Alcançamos porém o primeiro riacho, sobre o qual haviam posto dois troncos. O meu meio de cavalgadura, de vontade própria, não quis nem passar por sobre essa ponte improvisada nem atravessar a água. Sempre que usava das esporas, levantava-se e eu escorregava. O que fazer? Sendo mais inteligente, dei o braço a torcer, deixando que a minha mula voltasse a Villa-Rica. Tive que aceitar que o comerciante ridicularizasse a minha arte hípica, uma vez que, por fim, ainda que contrariado, devolveu-me a minha querida bicicleta.

Como fiquei feliz ao sentar-me de novo no meu corcel de aço. Ele andava para todo o lugar para o qual o dirigia. A viagem prosseguia em direção ao norte, entre os trilhos da Estrada Central do Paraguai. O sol queimava agora dia por dia, e a sêde me fazia sofrer. A água dos rios era barrenta, impossível de ser bebida. Assim, recompensava-me à noite, ao chegar a alguma localidade, com o suco de ca. 40 tangerinas, o que era sempre uma delícia para a minha gargante sêca de ciclista. Aqui no interior, não se precisa gastar dinheiro para comprar essas nobres frutas; elas se encontram sob as árvores, e até mesmo os porcos se alimentam com elas. De resto, tive também a impressão de que os paraguaios são muito hospitaleiros. Em todo o lugar me ofereciam mandioca, uma raíz farinhenta mas de grande poder alimentício, da qual se sabe fazer até mesmo pão e roscas." (loc.cit.)

Entre alemães de San Bernardino

Siegfried Schütze procurou novamente os seus compatriotas em San Bernardino. A forma com que foi recebido testemunha a importância que os colonos davam à visita de alemães, uma vez que traziam notícias do país de origem. Entretanto, a continuação da viagem pelo Paraguai não foi vista como aconselhável, devido aos riscos apresentados em época de tensões políticas com a Bolívia.

"Boliviano! Boliviano" gritavam aqueles que se encontravam excitados pelo conflito do Chaco, mas eu saudava amigavelmente a todos, e apresentava-me como alemão, sendo assim sempre recebido de forma muito amável. Famoso é o orgulho nacional desses paraguaios. Mesmo o mais pobre morador de um rancho fazem coletas para a ajuda contra a invasão boliviana.

Em San Bernardino, uma estação balneária a caminho, onde moram muitos colonos alemães, fui hospedado de forma muito amiga pelos meus compatriotas no melhor hotel da localidade. Apenas queria ter um pouco de sossego e festejar os meus 24 anos. Se não fosse a praga dos mosquitos!

Uma vez, estava no grande lago de pedras, para tomar um banho e fazer um pouco de ginástica. De repente, aproximou-se um homenzinho de longos cabelos, dois olhos inteligentes na cara, saudando-me de forma amiga em alemão: 'Ei, jovem, o Sr. não é certamente um paraguaio, pois faz os seus exercícios de forma tão exata!' Tratava-se de um astrólogo suíço. Quando descobriu que era justamente o dia do meu aniversário, fêz para mim um horóscopo, de graça. Êle aconselhou-me a sair imediatamente do país, pois aqui o destino não me seria favorável. Disse-me que era um homem de Virgem, e no aspecto astrológico apenas poderia haver progresso no Brasil e no sul da Suíça. Afirmou ainda que o Paraguai se encontra sob o signo do Câncer, a nação não teria mais nenhum futuro favorável. Com o verão que se aproximava, porém, dificilmente conseguiria fazer o trajeto pela floresta.

Assim, dei prosseguimento logo em seguida á minha viagem, para poder visitar a capital do país, Asunción." (loc.cit.)

(...)

(Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo)


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa:
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  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 124/19 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
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e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2578





"Sempre em frente!"
Cultura Física e o
Triunfo da Vontade:
Turismo esportivo-cultural na difusão de visões do mundo

Siegfried Schütze: De "corcel de aço" (bicicleta) pela América do Sul - 75 anos

I: Uruguai, Argentina, Paraguai



Ciclo "Berlim à luz" - Ano da Ciência 2010. Reflexões após 75 anos da oficialização de centros de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha. Retomada de trabalhos de seminário sobre Estudos Culturais e Política realizado na  Universidade de Colonia (2008)
no âmbito do programa da Academia Brasil-Europa dedicado aos estudos culturais transatlânticos e interamericanos

sob a direção de A.A.Bispo


 













Fotos A.A.Bispo©
Título: Berlim. Coluna: Imagens de Montevideo

 

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