Siegfried Schütze no Brasil nos anos 30. Revista BRASIL-EUROPA. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

A viagem que o ciclista Siegfried Schütze, vencedor do circuito Rund um Berlin, de 1926, realizou pela América do Sul, de 1929 a 1934, incluiu o Brasil na sua primeira parte. O relato dessa viagem foi publicado em 1935 ("Auf dem Stahlroß durch Südamerika 2. Brasilien", Durch alle Welt 19,1935,13-19).

Com apenas 23 anos, deu início à sua viagem ao desembarcar em Montevideo (Veja artigo a respeito nesta edição). O seu plano foi o de entrar no Brasil pelo ponto culminante de suas belezas naturais, as cataratas do Iguaçú, prosseguir a sua viagem em direção norte até o Rio de Janeiro, subir o Corcovado de bicicleta, para depois retornar ao sul pelo litoral.

Na segunda parte de sua viagem, partiu então de Buenos Aires, atravessou a Argentina, entrou no Chile vencendo os Andes e atingiu o Pacífico. Fêz, assim, de bicicleta, a ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Daqui subiu as cordilheiras, atingindo o ponto alto de sua viagem nos monumentos arqueológicos indígenas da Bolívia e do Peru. De retorno, saiu de navio do Chile, em direção à Alemanha.

Essa sua longa viagem demonstra um cuidadoso preparo por meio de leituras e informações várias. O ciclista visitou regiões de colonização alemã em vários países, sendo que a sua visita, como atleta premiado em importante circuito, adquiriu significado para muitas dessas comunidades. Atuando como conferencista e divulgando as suas impressões por meio de impressos nas várias colonias, colaborou para o conhecimento mútuo entre os imigrantes e seus descendentes, além de trazer novidades da Alemanha.

A sua viagem, assim, estabelecendo contato de perto com as regiões e seus habitantes, adquiriu uma relevância político-cultural segundo as tendências políticas de aproximação dos alemães dispersos em todas as partes do mundo.

A viagem de Siegfried Schütze assume um interesse por atravessar fronteiras nacionais, interligando regiões. Considerando-se as recentes tendências a uma aproximação dos países do sul do continente no âmbito do Mercosul, a viagem de bicicleta de Siegfried Schütze surge até mesmo como singularmente moderna.

Foz do Iguaçú. De bicicleta pelas florestas

Ao entrar no Brasil, Siegfried Schütze já trazia experiências ganhas no Uruguai, na Argentina e no Paraguai. Segundo as suas próprias palavras, nem todos os conselhos que recebera de compatriotas que viviam nesses países tinham sido úteis. (Veja relato anterior nesta edição)

Esses colonos, em geral, viam a região de fronteira com o Brasil como uma zona de difícil e perigosa travessia, pelas grandes florestas que ainda cobriam o território. Parecia ser impossível chegar às cataratas de bicicleta e, de fato, Siegfried Schütze teve o veículo deteriorado, tendo que continuar a viagem a pé e de navio.

"Foz de Iguaçu, a primeira localidade brasileira, estava alcançada. Os órgãos oficiais receberam-me - o viajante ciclista - também aqui muito bem, assim como havia sido no Paraguai. Os meus livros de controle com os quilômetros rodados foram sempre assinados e carimbados da forma mais rápida possível. Frequentemente, até mesmo uma ou outra autoridade policial comprou de mim uma brochura sôbre a viagem de bicicleta.

Na manhã seguinte quis visitar as mais belas cachoeiras do mundo, na fronteira dos três países - Argentina, Paraguai e Brasil. Lá, porém, de manhã, ao encher de ar os pneus, escutou-se um forte estouro: com a pressão do ar, rompeu-se o aro da roda traseira. Que surprêsa! Ao redor, apenas floresta - onde poderia achar um aro substituto? Nesse dia, jurei nunca mais comprar outra bicicleta com estrutura de roda de madeira, porque não aguentam a humidade e o calor dos trópicos. Bem ou mal precisei ir a pé até às cataratas do Iguaçú, distantes de muitos quilômetros.

Durante todo o caminho pela floresta escutava agora o trovejar das cataratas. Aqui, a minha máquina fotográfica teve muito o que fazer. O rio, numa largura de dois mil metros, se lança em degraus de 40 metros de altura burbulhantemente às profundezas. Ali estive contemplando, cheio de admiração, embora infelizmente os mosquitos muito prejudicavam o prazer.

Ao atravessar florestas, ví frequentemente diante de mim, no caminho, cobras venenosas, grandes e pequenas, mas sempre elas haviam fugido perante a minha bicicleta, pois nunca tinham visto, certamente, um tal veículo de arame, luzindo. Quando retornei a pé de Iguaçú, porém, elevou-se de repente uma jararaca, esticando, com silvos, a sua cabeça na minha direção. Devido ao mato fechado, não pude mais desviar-me desse impedimento no caminho. Por fim, tirei o revólver do cinto. Mas o que era aquilo? Tinham-me enganado na barganha feita no Paraguai com o revólver? O tiro não saiu. Por alguns momentos mexi na arma, consegui, finalmente, pôr o gatilho a funcionar, mas, para a minha surprêsa, a cobra desaparecera. Mais tarde fiquei sabendo que a visão do olhar humano excita a cobra, e que ela se retira tão logo sente não haver mais o perigo de um ataque.

Também a onça passou em boa proximidade. Esse rapino tem o costume principalmente de saltar de um galho sobre a sua vítima. Se expedições pela floresta viajam com cães, a onça ataca primeiramente esses acompanhantes quadrúpedes. Se colonos achavam um pedaço estraçalhado de cão, então já ficavam atentos, com a espingarda, para atirar na onça pela retaguarda. Só em casos muito raros é que a onça deixa a sua vítima canina para os corvos sul-americanos, os urubús. Esses animais selvagens não são em geral perigosos, enquanto não se sente a vontade de vê-los como objeto de caça. Na sua maioria, têm mêdo do homem e o evitam." (op.cit.)


         


Viagem de navio pelo Paraná

O viajante-jornalista, que foi assim obrigado a interromper a sua viagem de bicicleta em Foz do Iguaçú, prosseguindo-a de navio pelo rio Paraná e de trem de Presidente Epitácio até São Paulo, oferece várias impressões dessa viagem e que documentam aspectos da vida do quotidiano e dos meios de transporte da época.

O seu relato registra a gradativa destruição das florestas ao redor do rio Paraná devido ao corte de madeira para a alimentação das caldeiras dos vapores fluviais. Menciona a existência de uma verdadeira rêde de clareiras com lenhadores empregados pela companhia de navegação, situadas respectivamente à distância de um dia de viagem. Registra também práticas de pesca e caça depredatórias, praticadas pelos viajantes e trabalhadores da companhia. Os navios chegavam a parar quando se avistavam bandos de pássaros para que, de bordo, estes fossem caçados, por diversão ou para a preparação de comida.

Apesar da constituir alimentação pesada demais devido às condições climáticas, como o atleta salienta, o seu relato documenta que o consumo de aves selvagens muito contribuiu para a destruição da fauna da região, no passado caracterizada por riqueza de espécies e diversidade. Dentre os pormenores da vida a obra, cita a prática de banhos no rio por ocasião das paradas para abastecimento, e informa os leitores alemães a respeito dos perigos representados pelas piranhas.

"A minha viagem prosseguiu a partir daqui com o vapor, subindo o rio Paraná, pois não era possível alcançar a cidade de São Paulo a pé; a minha bicicleta estava quebrada e tinha que levar comigo 20 quilos de bagagem. Esse vapor, de uma pequena emprêsa de navegação, precisa de cinco dias para nos levar até o mais próximo povoamento de maiores dimensões. Às vezes, é maçante a viagem, bastante monótona, nas correntes de côr marrom sujo, pois as matas fechadas das costas, com bambus e grandes samambaias, oferecem pouca variedade.

Como material de combustão, o vapor utiliza grandes carregamentos de madeira. Para completar o depósito, aportavam todos os dias em períodos iguais de tempo em clareira aberta na floresta. Aqui mantinham-se alguns funcionários da companhia, que deviam cortar na floresta a lenha necessária para a navegação fluvial. Nesses carregamentos diários, à tarde, carregava-se madeira por mais de 3 horas para alimentar a máquina do navio para uma viagem corrente acima de 24 horas.

Nesses primitivos locais de carregamento, os viajantes tinham pelo menos uma vez ao dia possibilidade de fugir dos mosquitos nas águas marrons do Paraná. O banho, porém, era sempre de curta duração, já de mêdo de piranhas, sobre as quais sempre se falava que aparecem em grande número nessas águas tropicais e que deixam do banhista apenas o esqueleto e uma poça de sangue. Alguns desses rios tropicais do Brasil são habitados por essas perigosas piranhas (peixes do diabo), de mandíbulas enormes, que sempre atacam as suas vítimas às centenas e a destroem totalmente. Embora tenham apenas de 10 a 25 centímetros de comprimento, representam enorme perigo para o homem e para o animal. Para que se constate se águas desconhecidas possuem ou não esse peixe de dentes afiados como faca, os viajantes lançam uma caça na água. Dessa prova torna-se claro se há a possibilidade de atravessar o rio ou se há a necessidade de se construir uma canoa.

Na sequência da viagem, deparamos no outro dia patos selvagens bem alimentados nas costas do Paraná. Como comandados, todos tiraram os revólveres. E o capitão parou o vapor, para que os marujos pudessem ir buscar a caça. Para os passageiros, o gordo assado de pato foi um petisco, após o qual sofreram ainda mais com o calor dos trópicos. Como era o único vegetariano a bordo, muitas vezes ridicularizado, alimentando-me com o simples arroz e feijão brasileiro, estava sempre em bom estado físico e aguentava bem o clima."

Da sua produção fotográfica dessa região, salientam-se uma imagem das cataratas do Iguaçú e do carregamento de um navio com mate num dos braços do Paraná. Nesta última foto, deixa registrado o processo de transporte do mate através de pequenos vagões que, em trilhos, desciam os barrancos do rio.

"Comunhão de vivências" na colonia alemã paulistana

A parte do relato de viagem de S. Schuetze referente a São Paulo oferece interesse para os estudos interculturais pelo fato de documentar a prática de tradições natalinas alemãs na colonia da capital paulista.

O ciclista menciona uma palestra que realizou a respeito de sua viagem por ocasião de uma festa em sociedade esportitva de alemães residentes em São Paulo. Cita a prática tradicional da vinda do  "Weihnachtsmann" com o seu servidor Ruprecht, assim como das dificuldades de se praticar costumes tradicionais natalinos da Alemanha em pleno verão brasileiro.

"A partir do porto Presidente Epitácio, precisei ainda tomar o trem até a cidade de São Paulo. Apitando e bufando, à noite com faróis acesos para manter afastados dos trilhos pessoas, reses e cavalos, a ferrovia corria através das plantações de café recentes. Ofuscado pelo brilho das luzes de São Paulo, andei pela cidade com a minha bicicleta às costas e consegui arranjar um alojamento para a noite após difíceis tratos com os atrevidos boys de hotéis. A primeira tarefa do dia seguinte foi colocar de novo em ordem a minha bicicleta. Infelizmente, porém, começou também aqui a época das chuvas.

Na América do Sul, festejei junto com colonos alemães a primeira festa de natal sob o sol tropical. Em lugar de longas noites de inverno e brilhante céu estrelado, o dezembro do verão brasileiro traz uma época de chuvas com fortes aguaceiros. Como o pinheiro de Natal e uma árvore do hemisfério norte, a festa cristã dos alemães de São Paulo é enfeitada com um vaso de um ramos de pinheiro e que são muito caros. Uma palestra que fiz sobre a minha viagem divertiu muito os meus compatriotas. Também aqui surgiu o Weihnachtsmann segundo o costume da terra natal, mas o verão no Natal era estranho para mim, um estrangeiro. Fui saudado por êle com palavras em que dizia que vinha da longínqua Alemanha, onde haveria agora gêlo e neve, e agora encontrava com a maior surprêsa chuva quente e rios transbordantes. O seu ajudante - Knecht Ruprecht - distribuiu os seus presentes então às crianças e aos adultos, e cobriu a todos com uma chuva de bombons. Também a vara do compatriota tão viajado fustigou aqui diligentemente os afoitos. Além do mais, admoestou os membros da sociedade que deveriam pagar as suas mensalidades, pois senão a força e o renome da sociedade esportiva alemã iriam sofrer.

O brasileiro não conhece a festa de Natal do hemisfério norte, à luz de velas e com a alegre troca de presentes. Os nascidos na terra festejam a festa do Natal com jogos e dança, e com grande consumo de bebidas alcoólicas. Um carnaval do mais louco formato." (loc.cit.)

De São Paulo, a única foto que S. Schuetze incluiu no seu texto foi a do antigo Trianon, na Avenida Paulista. Com essa escolha, o fotógrafo testemunha o significado desse local como belvedere, como ponto de onde se gozava um panorama privilegiado da cidade, função perdida com a edificação de edifícios pelo vale da Avenida 9 de julho e por nele ter-se construído posteriormente o Museu de Arte de São Paulo. O Trianon surgia, na Alemanha, como o demonstra a fotografia de Schuetze, como um dos pontos mais atraentes da cidade, privilegiado paisagisticamente por unir o grande parque à Avenida Paulista (Siqueira Campos) à vista que deixava descortinar, ao fundo, com a moldura criada pelas serras.

No Rio de Janeiro: Fotojornalismo e medicina natural

O episódio de sua viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro, para além das impressões entusiásticas que transmite a respeito das condições da viagem e da beleza das paisagens, indica a preocupação de Schuetze em realizar boas fotografias de reportagem sob as especiais condições impostas pelo clima tropical. O atleta correspondia aqui aos interesses da Alemanha na época pelo desenvolvimento da técnica fotográfica e pelo fotojornalismo.

No contexto da descrição de sua subida ao Corcovado de bicicleta para a realização de fotos, relata o acidente que sofreu ao tentar atravessar as pontes do trem, salientando a sua decisão em recuperar-se exclusivamente através da ginástica, de banhos do mar e de alimentação saudável, ou seja, sem remédios. As suas peripécias no Rio de Janeiro servem, assim, para demonstrar a eficácia de suas convicções naturistas referentes à saúde. Também na capital brasileira sustentou-se com o que recebia da venda de suas brochuras com a reportagem da viagem, o que fazia em cafés e bares.

"Que viajar agradável sentindo de novo, após tão longo tempo, uma rodovia sob os pneus da bicicleta! Os 365 quilômetros da estrada montanhosa entre São Paulo e o Rio de Janeiro foram feitos em uma semana. A primeira noite na capital brasileira - calor sufocante, iluminação de ruas das mais claras, vida noturna agitada até às três horas da manhã - sempre permanecerá na minha memória.

Por causa dos troncos húmidos, apodrecidos, o ar dos trópicos contém muito fósforo, por isso parece ser brilhante e surge na chapa fotográfica muito mais claro. Fiz uma das minhas mais bonitas fotos noturnas do Rio de Janeiro tendo a cidade maravilhosa aos meus pés, com as suas luzes de pérola. O panorama da baía com as suas ilhas montanhosas e até mesmo o cabo do bondinho do Pão de Açúcar brilhavam à luz da lua.

Durante o dia, pude subir ainda ao Corcovado, de 700 metros de altura, a mais bela plataforma do Rio, embora tendo usado o caminho dos trilhos do trem de cremalheira, que sobe de duas em duas horas.

Muitas pontes precisaram ser transpostas, podendo, durante o dia, passar bem sobre os dormentes. Na descida, porém, quando o luar era escondido pelas grandes árvores, sofri um acidente. Escorreguei em uma ponte inclinada e caí com o lado esquerdo do peito sobre uma trave de ferro. Paguei a minha falta de cuidado com duas costelas quebradas. Assim prostrado, meio pendurado e apertado, quase mais sem conseguir respirar, senti-me à beira de perder a consciência. Embaixo de mim, porém, escancarava-se um abismo de 500 metros sobre um riacho que corria entre as pedras à luz da lua. Com as minhas últimas forças arrastei-me em quatro sobre a ponte do acidente, e somente quando tive de novo a certeza de ter chão abaixo de meu corpo é que perdi por momentos a consciência. Recuperando de novo os sentidos, e sofrendo com as dores, lembrei-me da minha ginástica matinal e dos exercícios de respiração, que me trouxeram aos poucos o ar de novo, recuperando gradualmente o poder sobre os meus membros. Ofegando, pois cada passo dava-me novas dores, arrastei-me para baixo, em direção à cidade. Na minha pensão, todos já dormiam profundamente, e, doente com febre, virei-me toda a noite na minha cama. - Em Rio de Janeiro toma-se no verão limonada gelada com um canudinho. Nesses dias de doente, sofrendo muito com a sêde, deixei-me tentar a tomar essa bebida fresca, tive uma decaída forte e passei dias arrastando-me encurvado como um ancião. Embora todos tenham me aconselhado a procurar um médico, procurei o meu refrigério apenas com banhos de mar e com a ginástica usual; vendia brochuras sobre a minha viagem em cafés e subi de novo as montanhas, para fotografar." (loc.cit.)

Entre alemães e seus descendentes no Sul do Brasil

O círculo ciclista de S. Schuetze pelo Brasil, que o conduzira do Uruguai ao Brasil, passando pela Argentina, o levou de volta ao Sul, a partir do Rio de Janeiro. Atravessou assim novamente o Estado de São Paulo, passando pelo Paraná e por Santa Catarina, até alcançar o Rio Grande do Sul. A sua viagem deu-se pelo litoral, por estradas então difíceis para ciclistas.

No seu relato, essas dificuldades são salientadas ainda pelo fato de descrever o seu péssimo estado de saúde, resultante do acidente sofrido no Corcovado. Foi até mesmo obrigado a interromper o seu trajeto no Paraná, para recuperar forças. Manteve-se, porém, sempre fiel a seus princípios de alimentação e a suas convicções do poder curador da própria natureza.

A sua reportagem exerce uma crítica, ainda que não explícita, aos modos de vida dos colonos alemães do Sul do Brasil. Esses teriam costumes alimentares prejudiciais à saúde, estavam porém tão convencidos de seus hábitos que ridicularizavam o modo de vida do atleta. O relato de S. Schuetze, dirigido aos leitores alemães, demonstrava assim o problema alimentício dos descendentes de alemães no Brasil e que estava em contradição com os movimentos mais saudáveis e sensatos de re-descobrimento da vida natural então populares na Alemanha, mais recentes, porém, do que o modo de vida que os imigrantes haviam conhecido no passado.

"14 dias mais tarde, ainda com fortes dores nas costas, dei prosseguimento à minha viagem - por caminhos costeiros de terra, sofrendo com a minha bicicleta. Tinha porém de cerrar os dentes e aguentar. Ananás e outras frutas aromáticas davam-me sempre novas forças, e o melhor tonificante para mim foi sempre um chá de mate quente.

No Estado do Paraná, precisei porém parar por uma semana com o andar de bicicleta e com a ginástica. Nas proximidades da cidade de Curitiba passei dias na piscina, tomando sol, e veja, a grande mãe-natureza foi misericordiosa e curou as minhas costelas.

A picada na floresta ainda soltava vapores quente-húmidos após a chuva de ontem. Muitas cobras deitavam-se no caminho para esquentar-se ao sol. Eram na maioria muito venenosas, cascavéis, cobras-coral e outras, cujos nomes esqueci. Nunca tive mêdo, embora estivesse só. O revólver, de grande calibre, e a munição necessária, carreguei à toa através das florestas do Brasil. Nunca tive nem um só caso no qual tivesse sido atacado por um animal selvagem ou cobra venenosa. O puma e a onça pude sentí-los frequentemente a meu lado no matagal, mas nunca os vi. Os únicos que tornaram difícil a minha vida foram os mosquitos, contra os quais logo não houve outra solução do que a êles me acostumar. Tomava diariamente os meus banhos de sol. Os colonos alemães ridicularizavam-me: 'Jovem, deixe-se picar pelos mosquitos; vai ter febre, apesar da sua alimentação vegetariana.'

Aos colonos alemães, que muitas vezes são muito pálidos e na sua maior parte também febrís, aconselhei que seguissem o meu modo de vida. Retrucaram-me dizendo que aqui nessa terra deve-se comer carne para que se possa aguentar o trabalho árduo da roça. Também seria necessário tomar álcool para se não ficar doente nos trópicos. Nos seus jardins crescem todas essas belas frutas tropicais, que possuem a maior força curativa, mas deixam-nas apodrecer e se alimentam com os porcos que engordam, e gastam muito dinheiro com remédios. Ouvi frequentemente de colonos que o ananás produz febre e que não se pode viver apenas de frutas. Na prática, porém, constatei que aquele que se alimenta de frutas pode tolerar muito melhor os diferentes climas e que a carne é de grande prejuízo para a força de trabalho, especialmente aqui nos trópicos. Embora tenha sido picado por muitos mosquitos e nunca ter tomado álcool, nunca tive febre, nem febre amarela ou malária, reumatismo ou outras moléstias.

Os colonos diziam, porém: "Bem, o Sr., sendo jovem, pode aguentar algo; quando porém ficar mais velho, não poderá mais. Então, sentirá os resultados de seu modo de vida atual". (loc.cit.)

O relato de S. Schuetze não oferece descrições mais pormenorizadas de sua rota pelos estados do Sul, das cidades que visitou e de suas impressões. O material fotográfico que inclui na sua reportagem, porém, permite reconstruções. Se a publicação de seu relato não inclui singularmente nenhuma fotografia do Rio de Janeiro, oferece várias imagens de Santa Catarina. Sobretudo Blumenau é representado na revista com fotos que demonstram as suas belezas naturais e os seu jardins. Como fotografias de Joinville o demonstram, o viajante registrou não só imagens idílicas mas também testemunhos da energia empreendedora dos colonos, demonstrada aqui no moinho de trigo local. Esteve também em Florianópolis, sendo que uma das fotos que inseriu no seu texto precisou ser complementada, na revista, por meio de desenho, uma vez que os cimos da estrutura da ponte Hercílio Luz haviam sido cortados.

Visitou também colonias ainda em fase de implantação, deixando fotografias de interesse para a documentação histórica local e regional do Rio Grande do Sul. Schuetze esteve aqui também aqui sobretudo regiões de colonização alemã, entre outras cidades, na Colonia Hanse Humboldt e Nova Hamburgo.

A caminho da capital do Rio Grande do Sul, o ciclista esteve na região de Gramado e Canela, como o demonstram as impressionantes fotos que deixou de suas belezas naturais. De Porto Alegre, transmitiu a seus leitores alemães uma excelente vista do centro da cidade, marcada de forma harmoniosa pela disposição arquitetônica de seus edifícios e do jardim.

Uma particular atenção merecem as imagens que S. Schütze deixou da vida popular. Uma delas mostra carregadores e vendedores de frutas e verduras num mercado, designada como "mulatos", possivelmente numa das cidades do seu trajeto pelo litoral de São Paulo e do Paraná, outra registra o trabalho de uma família de colonos alemães produzindo doce de amendoim.

(...)


(Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo)


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa:
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  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 124/20 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
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Doc. N° 2579




"Sempre em frente!"
Cultura Física e o
Triunfo da Vontade:
Turismo esportivo-cultural na difusão de visões do mundo

Siegfried Schütze: De "corcel de aço" (bicicleta) pela América do Sul - 75 anos

II: Brasil


Ciclo "Berlim à luz" - Ano da Ciência 2010. Reflexões após 75 anos da oficialização de centros de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha. Retomada de trabalhos de seminário sobre Estudos Culturais e Política realizado na Universidade de Colonia (2008)
Do programa da Academia Brasil-Europa de atualização dos estudos culturais transatlânticos e interamericanos
sob a direção de A.A.Bispo

 



Fotos A.A.Bispo©
Título: Berlim. Coluna: Imagens do Rio de Janeiro

 

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