K. Watzinger, Viagem ao Mato Grosso. Revista BRASIL-EUROPA. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

Na consideração teórico-cultural de textos publicados em revistas e jornais em estudos de processos de difusão, merecem atenção não apenas os artigos em si, mas sim o contexto em que se inserem e a orientação do órgão em que foram publicados.

Os textos e seus autores podem não revelar intenções outras do que aquelas especificamente referentes aos temas tratados, nem sentidos políticos ou propagandísticos; a sua inserção no conjunto dos demais artigos, refletindo um procedimento do órgão de imprensa e da sua orientação, faz com que surja como uma colaboração a um todo. (Veja, a respeito, o texto referente a periódicos, nesta edição)

O exame de sentido da disposição de artigos, da organização de uma revista, de seu ideário poderia ser comparado àquele da leitura de um portal, quando se considera o programa do conjunto no qual se inserem as diferentes figuras. A história, o escopo,a orientação,  a política do próprio órgão difusor necessitam ser consideradas.

Karl Watzinger: Viagem ao Mato Grosso

Como um exercício para a percepção de uma dramaturgia interna em revista que incluiu vários textos referentes ao Brasil, pode-se escolher o número 5 da revista Durch alle Welt. Essa revista publicou, em 1935, um relato de viagem de São Paulo ao Mato Grosso de Karl Watzinger ("Fahrt nach Matto Grosso", Durch alle Welt, 5, 1935, 11-12).

Este relato, aparentemente sem maior interesse históricocultural, surge como significativo sob muitos aspectos. Testemunha o continuado interesse pelo Mato Grosso na Alemanha dos anos 30, originado já há décadas pelas expedições científicas ao Brasil Central, agora tomando um aspecto de difusão popular de informações segundo o jornalismo cultural de viagens da época. (Veja artigo a respeito nesta edição)

O leitor que não apenas folheia arbitrariamente o caderno, mas que segue o caminho proposto pela ordem das matérias, encontra esse artigo referente ao Brasil após outro referente à Alemanha.

Aparentemente sem elos evidentes, a sequência de artigos e de suas ilustrações fotográficas revelam porém uma encenação, que faz com que as respectivas matérias surjam sob luz especial, adquirindo qualidades não expressas nos próprios textos. Ambos os artigos referem-se a vias de comunicação - tema de particular atualidade na época (Veja artigo a respeito nesta edição) - desta vez ferroviário, ou melhor, de trilhos.

Via suspensa de Wuppertal e Noroeste do Brasil

O leitor alemão é lembrado primeiramente do avançado sistema da via urbana suspensa da cidade de Wuppertal, gravando-se na sua mente as expressivas fotos que mostram os vagões de passageiros trafegando sob a via aérea sobre rios e ruas. Passa, a seguir, a tomar conhecimento da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e das regiões por ela atravessadas no Mato Grosso. O cotejo de situações e a preparação psicológica do leitor não pode deixar de influenciar a recepção das informações contidas no relato da viagem ao Mato Grosso.

"Grande preocupação foi, já ha 30 anos, a questão do tráfego na cidade que crescia; o vale estreito não possibilitava mais a expansão das possibilidades de trafego. Aqui encontrou-se uma solução genial, decidiu-se por um projeto ousado, a via suspensa, a única dessa espécie em todo o mundo. De Oberbarmen quase até Vohlwinkel, apenas a última parte do trecho passa diretamente sobre uma rua, foi simplesmente construída sobre o Wupper. Sobre trilhos dependeurados, mantidos por grandes estruturas e sustentáculos, o trem suspenso corre como vento sobre o leito do Wupper. Assim, também hoje tornou-se o pequeno rio uma parte da vida da produtiva cidade." (Hans Iske, "In der Stadt der Wiskottens", Durch Alle Welt 5, 9-10).

Exposição "Deutschland". Atualidade e significado ideológico da locomotiva

O exame do programa dessa revista, porém, apenas pode ser efetuado considerando-se a sua inserção nas correntes de pensamento da época e do seu direcionamento, como órgão jornalístico, à atualidade e às novidades.

A atualidade do transporte ferroviário em meados da década de trinta refletir-se-ia sobretudo na Exposição "Alemanha", que teria lugar em 1936, em Berlim, um evento de gigantescas proporções e que deveria oferecer ao povo uma visão da capacidade alemã.

Essa exposição, por sua vez, inseria-se no conjunto de eventos do ano dos jogos olímpicos que se realizavam na capital da Alemanha. Ela sucedeu à exposição "A comunidade alemã" (Die deutsche Gemeinde), sendo aberta a 18 de julho de 1936. 

A exposição "Alemanha" não era porém apenas uma mostra de produtos e conquistas técnicas e industriais, mas obedecia a um programa, consistuindo explicitamente a sua expressão. Possuía um escopo propagandístico e de formação da visão do mundo e solidificação da consciência nacional. Significativamente, a exposição era aberta por um pavilhão de honra (Ehrenhalle), sob o patrocínio de instâncias e organizações nacionalsocialistas e cuja construção exigiu a maior estrutura até então levantada em Berlim para um edifício de finalidades decorativas.

Locomotiva modêlo 03 da Reichsbahn como monumento e emblema

Atrás do pavilhão oficial, que introduzia o visitante no edifício das concepções políticas e político-culturais do partido, instalou-se uma das maiores locomotivas da ferrovia do Reich, para o qual tornou-se necessário colocar trilhos especiais, levantá-la ao nível do terreno da exposição e transportá-la sobre um veículo de carga com 48 rodas, sendo este puxado por outros dois carros de tração, respectivamente com 12 rodas.

Essa locomotiva devia representar, como o projeto proclamava, uma prova evidente da capacidade técnica do trabalho alemão. Essa máquina de modêlo 03 tinha, com o reboque, um comprimento de 25 metros. Era construída para alcançar uma velocidade regular de 140 quilômetros por hora. Ao lado dessa locomotiva, instalou-se uma outra, a Pfalz, reconstrução de uma construída em 1853 e que foi a primeira de um trem rápido e a primeira que indicava a presença de uma cabina para o motorneiro, podendo alcançar a velocidade de 70 quilômetros por hora. O visitante podia assim, comparando as duas máquinas, constatar o grande desenvolvimento técnico-industrial ocorrido.

Da locomotiva à Exposição Olímpica de Arte

As locomotivas expostas pertenciam assim ao conjunto político-cultural de transmissão de visões nacionalsocialistas e adquiriam um significado emblemático e simbólico. A grande mostra econômica das criações mais avançadas da técnica vinham após a exposição da ferrovia do Reich, ocupando os demais pavilhões da área.

O pavilhão VI foi dedicado a uma Exposição Olímpica de Arte. As obras ali expostas foram resultado de um concurso entre as nações representadas nos Jogos Olímpicos. O projeto arquitetônico desse pavilhão previra, no seu centro, uma área de honra aos artistas. Era ornamentada, de um lado, com a águia olímpica e, de outro, com a suástica. Ao comprido, apareciam as armas das diferentes nações participantes, num total de 24 símbolos.

Ainda que essa Exposição Olímpica de Arte não se inserisse oficialmente na Exposição "Alemanha", oferecia-se ao visitante no seu contexto. Este era preparado interiormente nos pavilhões anteriores. Havia sido recebido na sala de honra do partido, e, depois, impressionado pela imagem da monumental locomotiva, percorrera as demais salas dedicadas às conquistas técnicas. Elevado na sua consciência e no seu orgulho nacional, encontrava-se apto a assimilar as informações e as imagens da sala olímpica com as obras de arte das diferentes nações.

Nesse conjunto programático de preparação interior do visitante, a locomotiva surgia como elemento-chave. A contemplação dessa gigantesca e potente obra devia introduzir o homem num estado estético, marcado por impulsos entusiásticos de crescimento, de expansão, de ousadia, de competição, não apenas material, mas também lúdica, esportista.

Sob o pano de fundo dessas considerações do contexto em que se situou a publicação contendo o artigo sobre a Noroeste do Brasil, a leitura de seu texto adquire novo significado, para além das informações que literalmente transmite.

Questões relativas ao jornalista

O autor do relato, aquele que realizou a viagem ao Mato Grosso, levanta dúvidas quanto à sua identificação. Segundo alguns, poderia tratar-se de Carl Hans Watzinger (1908-1994), escritor austriaco de contos e obras teatrais, de novelas radiofônicas e de ensaios, nascido em Steyr. Era um técnico que passara a atuar como jornalista em Linz. Foi um dos representantes de uma corrente da história cultural alemã que unia um entusiasmo de diletante por questões culturais ao jornalismo, alcançando popularidade com livros cujo teor correspondiam a tendências políticas da época, no caso, teuto-nacionais (Wachet auf und rühmet!, 1937). Escreveu, entre outras, obras voltadas a costumes e figuras de sua região natal, Die Bauernhochzeit, 1941; o Neue Steyrer Krippenspiel), e Ich bleibe in der Eisenstadt, uma biografia de Michael Blümelhuber (1865-1936). Alguns dos romances de cunho histórico de Watzinger chegaram a alcançar considerável popularidade, sobretudo aquele sobre Lutero, de título Mensch aus Gottes Hand (1938). Depois da Guerra, escreveu Kaiser, Kurfürst, Herr und Bauer (1952), Die Trennung (1957), Mit den Augen eines Vaters (1957). Ainda em 1962 alcançou popularidade com Der unheilige Turm. Watzinger foi um homem do rádio, colaborador por muitas décadas da Rádio da Áustria Superior, aqui também oferecendo histórias de vida de personalidades da região, em estilo de difusão popular.

Entretanto, somente pesquisas mais pormenorizadas poderão trazer maiores e mais fidedignos esclarecimentos sobre o autor do artigo.

          

Documento da história ferroviária e econômica de São Paulo

O relato de viagem de Karl Watzinger tem interesse como um documento da história ferroviária em São Paulo e da situação do interior do Estado em meados da década de 30. Revela sobretudo uma dramaturgia interna, de concepções e imagens, que corresponde ao trajeto que o levou da grande cidade e da área de expansão econômica aos territórios então ainda bastante ermos do Mato Grosso. Esse caminho sugere uma viagem de uma situação urbana atual, marcada pela técnica, a um mundo primitivo e rude. Uma situação de ambivalência pode ser percebida, uma vez que o autor deixa transparecer uma certo sufocamento pela cidade marcada pela técnica e uma nostalgia pelo vasto interior, uma procura de espaço. A descrição da qualidade técnica, de atendimento e da limpeza dos trens da Companhia Paulista de Estrada de Ferro servem como preparação à descrição dos trens da Noroeste no fim da viagem.

"11 horas e 50 minutos na Estação da Luz em São Paulo. Sobre a cidade se espraia um calor que queima e que faz cansar. Nas ruas banhadas pelo sol, muitas pessoas se movimentam agitadamente, buzinas de automóveis soam estridentemente, o bonde faz barulho, vendedores de jornais gritam. Arranha-céus, autos, toda a parafernália da técnica moderna se apresenta mais uma vez, finalmente, porém, podemos deixar para traz todas essas bençãos do século XX e o amplo país pode-nos receber.

Os bairros periféricos com as suas fábricas, prédios de aluguel, depósitos ficam para trás e surge a planície.

Nós viajamos na Paulista, a melhor ferrovia do Brasil. Ela possui trens confortáveis, modernos, imperando a maior limpeza.

Agora não se vê, por horas, nada mais do que árvores de café, enfileiradas. Café até o horizonte. Um deserto, que faz sonolência.

Prossegue-se em tempo acelerado. Jundiaí, Campinas, Rio Claro. Às 22 horas, estamos em Baurú. Aqui faz-se baldeação e agora prosseguimos a viagem com a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Desce a noite. Monotonamente, as rodas entoam o seu eterno canto; um tranco e outro tira-nos do sono. Passamos por Cafelândia, Penápolis, estamos em Araçatuba pontualmente às 8 horas da  manhã.

Araçatuba é um dos novos centros de café, uma localidade progressista, que, porém, com a crise do café, teve brecado o seu desenvolvimento." (op.cit.)

Documento da transformação paisagística e destruição natural do Estado de São Paulo

Sob o aspecto mais propriamente de testemunho documental, o relato oferece uma imagem do estado da expansão do cultivo do café no interior do Estado de São Paulo, com a correspondente destruição das grandes florestas que cobriam ainda grande parte da zona oeste do interior do Estado.

Nos estudos paulistas, nem sempre tem-se presente com a necessária intensidade as dimensões desse desenvolvimento de deflorestamento do Estado ocorrido na primeira metade do século XX, ou seja, em período relativamente recente. Não se tem presente hoje que a imagem do Estado de São Paulo, até as primeiras décadas do século XX, foi marcada pelas suas florestas. À época da viagem de Watzinger, a fronteira do café se encontrava logo após Araçatuba. O autor descreve o gradativo afastamento da região transformada pelo homem, a entrada na floresta, acompanhando a sua descrição com o relato do estado ainda rudimentar da ferrovia, apresentado de forma expressiva através de um descarrilhamento que vivenciou e que, para êle, representava fato comum.

"Logo após Araçatuba muda a paisagem. Chegamos à fronteira do café. Começa então a floresta. Árvores que se dirigem ao céu, cobertas com trepadeiras, em baixo mato fechado, intransponível, um inferno verde. Entre elas, muito pântano. Área de inundações.

É a baixada do Tietê, uma região bastante insalubre do Estado de São Paulo.

Ao redor de Aracangua revemos pela primeira vez o Rio Tietê. Aqui é diferente do que em São Paulo. Muito mais largo, correndo preguiçosamente, como uma verdadeira corrente. Mas nem sempre êle é tão calmo como agora quando o vemos. É perigoso, devido às suas corredeiras e redemoinhos.

O Rio Tietê, que desemboca no Rio Paraná, um pouco mais ao norte da ferrovia e não muito longe de nós, é um fenômeno único na geografia. Ele se origina cerca de 30 quilômetros do Oceano Atlântico, mas em lugar de tomar o caminho direto ao mar, atravessa todo o Estado de São Paulo em direção do noroeste, desembocando no Rio Paraná; corre com este muitas milhares de quilômetros em direção do Sul, envia as suas águas por fim ao Oceano Atlântico que se encontra tão próximo de suas fontes.

Abandonamos agora o rio e entramos na floresta. De repente, há um tranco nada macio e o trem para em meio do caminho. Quando procuramos descobrir a causa, vemos que um vagão descarrilhou. Por sorte, a parada imprevista não dura muito; após marchas-a-ré e com o auxílio de calços de madeira e dormentes o vagão encontra-se logo em cima dos trilhos. Os homens parecem já estar com prática em situações como essa.

O calor aumenta, o pó sobe, somos envolvidos por um ar que sufoca."

Documento da natureza sofrida de Mato Grosso

Do relato de Watzinger pelo Mato Grosso do Sul, merece particular atenção as impressões que oferece relativamente à mudança da paisagem. O autor salienta a diferença entre um São Paulo ainda em parte coberto de florestas e a vegetação mais esparsa de Mato Grosso. Transmite também de forma expressiva circunstâncias da viagem de trem nessa região, o aumento de calor e, sobretudo, o pó. Após oferecer essa imagem de uma terra árida e pobre, menciona a existência de uma colonia alemã pouco além de Campo Grande: Terenos. A sua descrição da paisagem permite que o leitor alemão perceba a situação desolada de seus compatriotas abandonados nessa região de Mato Grosso.

"Finalmente alcançamos a grande ponte ferroviária que, com 1200 metros de comprimento, atravessa o Rio Paraná numa de suas maiores partes. Aqui situam-se também os limites. Sôbre a ponte tem-se o Estado do Mato Grosso, o nosso objetivo.

10 quilômetros após a ponte chega-se a Três Lagoas, a primeira localidade um pouco maior.

Afastando-se do Rio Paraná, a paisagem muda de novo. Se no Estado de São Paulo via-se apenas floresta que se estendia infinitamente, impedindo uma visão panorâmica, aqui tem-se justamente o contrário. O terreno torna-se mais aberto, tanto mais se viaja, aparecem amplas áreas livres, os olhos podem passear nas distâncias, sem obstáculos. Terreno arenoso, campo, capoeira se alternam rapidamente. Ao redor dos rios há vegetação mais densa, floresta mais fechada. As estações são cada vez mais distantes umas das outras, tanto mais se penetra no interior. Em cada 10 quilômetros á uma Turma (uma casa de trabalhadores da ferrovia). De resto, quase que não se vê povoados.

A terra parece ser vazia de gente. O trem corre dentro de uma densa nuvem de pó. Em todo o lugar que se pegue pó de largura de um dedo. Mesmo com as janelas fechadas, o pó entra pelas menores frestas. O sol queima de um céu sem nuvens, impera um calor como num forno. As gargantas das pessoas e dos animais secam-se, a língua cola no céu da boca. Tudo pede chuva. Chuva! Chuva!

Mais uma vez o dia chega a seu fim, mais uma vez passa-se uma noite martirizante, de sono pesado, que pouco refresca. Ao rair do dia, estamos em Campo Grande.

Campo Grande é uma localidade com ca. 5000 habitantes, uma cidade de significado comercial, a mais importante e maior no caminho da ferrovia.

Duas estações mais à frente situa-se Terenos, com uma colonia alemã. Como o chão é arenoso e cheio de pedras, os colonos encontram muitas dificuldades". (op.cit.)

Observações da configuração populacional. Serra de Maracaju e região de Piraputanga

O trecho do relato referente à viagem pela Serra de Maracaju e o caminho até Aquidauana adquire significado pelas observações que o autor faz a respeito da população. Salienta a diversidade dos tipos humanos, reconhecendo descendentes de imigrantes europeus, de africanos e, sobretudo, da crescente presença de indígenas. A descrição negativa que dá a respeito da deterioração de comportamento e de higiene situa-se no contexto dessa observação depreciativa de misturas raciais.

"E agora levantam-se as montanhas à distância. Nós nos dirigimos em direção delas. É a Serra de Maracaju, também chamada de Serra de Piraputanga.

A viagem pelo mundo montanhoso é maravilhosa. As rochas se elevam íngrimes da floresta luxuriante; a ferrovia serpenteia ao longo de um rio que no decorrer do tempo cavou o seu leito nas pedras. Por todo o lado tem-se floresta densa, sempre verde, que alcança as maiores alturas. Apenas ao redor de Piraputanga é que a paisagem readquire a sua fisionomia usual, alternando campo e capoeira, o que se mantém até o fim da linha.

Nos vagões impera um quadro colorido. Vaqueiros - os cowboys brasileiros - sentam-se por todo lado, na sua maioria descalços, com faces rudes, às vezes estúpidas, que não podem desmentir a ascendência italiana. Uma mulher de cor, de idade, puxa com prazer evidente um cachimbo, não se pode reconhecer os seus traços devido a tantas rugas. Crianças barulhentas, uma mãe dá o seu peito ao bebê que grita, uma outra, por sua vez, procura carrapatos no cabelo de lã de seu queridinho. Já se escuta muito falar guarani, um idioma indígena bastante difundido no Paraguai. (A maior parte dos nativos de lá são de ascendências indígena. Pouco se vê negros). Todos fumam cigarros de palha enrolados à mão, cospe-se com toda a força, de modo que o vagão, que no início da viagem era tão limpo e asseado, tem agora uma aparência bastante diferente. Cascas de frutas, restos de comida, ou seja, tudo que não é utilizável é jogado no chão. O vagão parece um chiqueiro de porcos! E o calor sufocante e o pó...essa longa viagem não é de forma alguma um divertimento." (op.cit.)

Ao redor do nome de "Esperança"

O fim de seu texto representa também o ponto culminante da sua reportagem jornalística, escrita segundo os parâmetros de retórica literária popularizante da época. Todas as idéias giram ao redor do termo "Esperança", designação da estação final da ferrovia.

"Passamos por Aquidauana, Miranda, cada vez mais nos dirigimos ao Noroeste. Depois de um dia cheio de pó e calor chega de novo a noite. Todos respiram fundo quando nos aproximamos do nosso objetivo, Porto Esperança. As luzes da cidade nos saúdam através da escuridão. De fato: Esperança, uma esperança! Ao som de sinos e muito barulho por parte daqueles que esperam entramos lentamente na estação. Todo Porto Esperança encontra-se reunido na estação.

Bem perto à estação murmurinham as ondas do Rio Paraguai. O vapor para Corumbá já espera.

Após quase 60 horas de viagem de trem estamos por fim redentos e podemos sair do vagão empoeirado e sujo. Uma cama de verdade, um banho nos espera! Viajamos ca. de 1700 quilômetros desde São Paulo.

O que nos pode fazer os mosquitos, que aqui - região de pântanos - são particularmente perigosos? Uma cama! Um banho! Toma-se uma rêde e se deita por debaixo. Já se sabia, antes da viagem, que também no Mato Grosso nem sempre tudo é agradável." (op.cit.)

(...)

(Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo)


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 124/18 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos interculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2577




"A todo o vapor!"
Locomotiva como símbolo político-cultural
e vias férreas de penetração do Ocidente na literatura de viagens dos anos 30


Karl Watzinger: Viagem ao Mato Grosso - 75 anos



Ciclo "Berlim à luz" - Ano da Ciência 2010. Reflexões após 75 anos da oficialização de centros de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha. Retomada de trabalhos de seminário sobre as relações entre Éstudos Culturais e Política realizado em cooperação com a Universidade de Colonia (2008)
sob a direção de A.A.Bispo

 







Antiga Estação Júlio Prestes, São Paulo. Trecho da Noroeste do Brasil em Miranda, Mato Grosso.
Fotos A.A.Bispo.
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