Hamburgo; Portão para o mundo. Revista BRASIL-EUROPA. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

Considerando o histórico da institucionalização dos estudos culturais dedicados aos países de língua portuguesa na Alemanha, no contexto de sua inserção na política dos anos 30 (Ver "Tema em debate", nesta edição), o pesquisador percebe a existência de uma certa concorrência entre instituições.

Essa situação interna na Alemanha não é sempre considerada pelo estudioso português ou brasileiro. Exige do observador, de forma quase que etnológica, que procure focalizar as ocorrências a partir de uma perspectiva interna alemã e a da própria competição institucional no próprio país, ou seja, deslocar-se ínteriormente.

Os estudos culturais no âmbito das relações Alemanha-Portugal-Brasil surgem, aqui, não apenas relacionados com questões de poder sob o aspecto da política externa, mas sim também com problemas de poder internos, de instituições, personalidades e grupos. Trata-se de uma questão de renomes, de prioridades, de representação de uma área disciplinar no contexto universitário em geral do país, de uma certa concorrência por posições de liderança e condução, possivelmente também de seus representantes.

Significativo para de tais situações foi quando, em 1934, época em que ocorria a oficialização do instituto de estudos portugueses e brasileiros de Colonia, o Seminário de Línguas e Cultura Românicas de Hamburgo ter publicado um artigo com o claro objetivo de salientar a sua prioridade histórica, os trabalhos que já desenvolvera, a riqueza dos seus acervos e a rêde de contatos que dispunha.

O artigo foi publicado pelo jornal nacionalsocialista de Hamburgo, o Hamburger Tageblatt, o que indica que a política interna da disciplina e suas instituições manteve-se mesmo sob condições políticas que exigiam de todas alinhamento partidário ("Hamburgs Seminar für romanische Sprachen und Kultur", Hamburger Tageblatt, 3 de junho de 1934).

Hamburgo: "Portão para o mundo"

Um argumento de importância para ambos os institutos, o de Colonia e o de Hamburgo, foi o de natureza geo-política. Condições determinadas pela localização das referidas cidades eram vistas como explicativas do respectivo significado no desenvolvimento de estudos dirigidos ao Exterior, no caso, dos países de língua portuguesa.

Se Colonia surgia como "Ponte para o Ocidente" (veja texto nesta edição), Hamburgo lembrava que, devido a seu porto e à tradição do comércio hanseático que sempre o vinculara a outros povos, possuía uma predisposição que justificava a sua já longa história de estudos nessa área.

A argumentação de ambas as cidades apresentava conotações diversas. A de Hamburgo chamava a atenção a rêdes globais, tecidas através de muitas décadas e explicáveis pela vocação da cidade portuária como portão de entrada e saída da Alemanha. A de Colonia, que poderia em princípio basear-se no fato de ser grande centro do Catolicismo e do cosmopolitismo, - motivos entretanto que não convinham às tendências ideológicas de momento -, salientava a sua posição geográfica próxima à área de encontro do mundo de língua alemã e o latino: "ponte ao Ocidente", aqui, poderia ser compreendida como uma ponte por cima da França, levando ao Extremo Ocidente, ou seja, a Portugal. (Veja texto a respeito nesta edição)

O artigo referente ao Seminário de Hamburgo parte de pressupostos geo-políticos para salientar que ocupava uma posição exponente no rol das universidades alemãs. Teria uma rêde de contatos mais densa do que as demais e o seu significado não seria apenas cultural e econômico, mas também político.

"Não é por acaso que em Hamburgo praticou-se o estudo das línguas ibero-românicas, da cultura, dos costumes populares e da situação econômicas dos respectivos países já muito antes da Universidade ter sido criada. Justamente com os territórios de língua espanhola e portuguesa, a cidade da Hansa une-se por diversificadas relações. Por isso, é compreensível que justamente em Hamburgo os fios com os respectivos países estejam tecidos de forma mais estreita e firme do que em outras escolas superiores alemãs. Assim, o seminário romanístico, durante o tempo de sua existência, assumiu um lugar de pêso no intercâmbio cultural, econômico e, em última instância também político entre os povos íbero-românicos e a Alemanha."

                        

Competição quanto a fontes de estudo e informação

Na especificação da rêde de contatos do Seminário, o artigo parte daquela resultante do intercâmbio literário, fato natural por tratar-se, em primeiro lugar, de um seminário de línguas. Entretanto, descrevendo a riqueza bibliográfica de seus acervos, menciona que o instituto possuía, na sua biblioteca, obras das mais diversas áreas disciplinares, sobretudo de natureza cultural. Essas obras não se restringiam aos países ibéricos, mas também às colonias e, em particular, aos países da América Latina. Os acervos do Instituto não se limitavam a publicações, mas incluiam também fotografias tiradas por pesquisadores da instituição nas diferentes partes do mundo e, sobretudo, o que era bastante avançado para a época, uma considerável coleção de diapositivos.

"Múltiplos e intrincados são os fios que partem do Instituto hamburguês para o vasto mundo. Tem-se aqui de um lado o intercâmbio literário, que a partir daqui é praticado com organizações e institutos estrangeiros. Na Biblioteca do Seminário, que abrange mais de 18000 volumes, a literatura íbero-americana, com 11000 volumes, ocupa uma posição considerável. Obras sobre Folclore, Linguística, História da Literatura, publicações na área da Filosofia, Religião, Arte, História, Antropologia, Geografia, Economia e Direito da Espanha e de Portugal, das colonias espanholas e portuguesas, assim como da América Latina oferecem uma imagem abrangente dos respectivos países.

Além disso, os diretores do Seminário tomaram o cuidado de complementar a biblioteca através de coleções valiosas, que são raridades mesmo nos acervos dos países íbero-românicos. Um arquivo de imagens com 4000 fotos originais, tomadas por colaboradores do Seminário em viagens de pesquisas, uma coleção de 1200 diapositivos, assim como um arquivo de desenhos especializados representam um auxílio valioso para a demonstração e para a compreensão da România ao sul."

Intercâmbio de periódicos. A revista Volkstum und Kultur der Romanen

Essa descrição relativa à já existente riqueza bibliográfica do Seminário de Hamburgo incentivava esforços do secretário-geral do instituto de Colonia, Ivo Dane, no sentido de aumentar sua biblioteca, sobretudo através de seus contatos com Portugal. Uma particular atenção dele mereceu a informação do Seminário de Hamburgo relativamente ao grande número de periódicos que recebia, o que o de Colonia não podia ainda registrar. 

O Seminário hamburguês, porém, tinha a importante precedência de já possuir, para intercâmbio, uma publicação periódica dedicada às tradições culturais populares e à cultura em geral dos povos românicos. O Seminário demonstrava, com essa revista, uma orientação muito mais ampla do ponto de vista cultural do que o ainda modesto curso de português de Ivo Dane, em Colonia.

"O Instituto adquire as revistas científicas mais importantes do país e do Exterior pelo caminho do intercâmbio; regularmente entram ca. de 170 revistas em língua estrangeira (das quais, só em português, 30). Para a troca, o Seminário envia a revista "Volkstum und Kultur der Romanen", por êle publicada. A biblioteca é enriquecida além do mais com os livros solicitados para resenhas e que, após feito o comentário, são incorporados na biblioteca do Seminário, assim como pelo fato de que autores do país e do Exterior oferecem as suas obras ao Seminário. Significado especial adquire a revista publicada pelo Seminário romanístico, pois através das contribuições redigidas em língua espanhola ou portuguesa estabelece-se um contato direto com os países maternos dessas línguas. Não pode surpreender, assim, que até mesmo estudiosos estrangeiros têm procurado literatura especializada na coleção de livros do instituto de Hamburgo."

Cursos de especialização na Alemanha e no Exterior

O Instituto de Hamburgo chama a atenção ao fato de já desenvolver há anos cursos de difusão cultural na Alemanha e mesmo fora da Europa.

"Para que o trabalho desenvolvimento na área íbero-românica seja acessível a círculos mais amplos, o Seminário realiza cursos regulares de especialização na área, na Europa e no Ultramar. A esses cursos, nos quais tomam parte docentes e estudantes do país e do Exterior, encontra-se anexa, entre os recursos auxiliares do ensino, uma exposição da língua e da cultura dos países espanhóis. No ano passado, por ocasião da exposição do livro espanhol, foram colocados à disposição do instituto 500 valiosas publicações recentes por parte de editoras e intitutos do país e do Exterior (em especial da Espanha e da América do Sul)."

Viagens de pesquisas para o cultivo de vínculos

Outro aspecto importante salientado pelo Instituto de Hamburgo para lembrar da intensidade de seus elos com o Estrangeiro disse respeito à organização e realização de viagens de pesquisas e estudos. Um número considerável de viagens de contatos e estudos já havia sido realizado por membros do Instituto aos países ibéricos. Muitas delas serviram às pesquisas de doutorandos, que apresentaram posteriormente dissertações a respeito de temas ibéricos.

"É óbvio que as relações entre o "Seminário de línguas e cultura românicas" e o Estrangeiro românico não podem limitar-se apenas ao intercâmbio de colaborações literárias; através de viagens de estudos e de pesquisas mantém-se estreito contato com os respectivos círculos e institutos. No todo, realizaram-se 28 viagens de diretores e de colaboradores do Instituto em países ibero-românicos. Uma atenção especial deu-se a viagens de estudantes, pois somente desse modo se desperta a compreensão pelos modos e pelas características dos habitantes e se ganha impressões e vivências na fonte. Na Espanha e em Portugal, em viagens como essas, desenvolveu-se um número considerável de pesquisas, que tiveram a sua repercussão em valiosas dissertações em área totalmente nova. Além dos trabalhos dos diretores e dos colaboradores do Instituto, apresentaram-se desde 1927 27 dissertações na área iberoromânica e 16 da área franco-italiana, referentes, a saber, à cultura popular, à língua e à literatura."

Função político-cultural dos docentes enviados pelo Seminário ao Exterior

O escopo central do artigo, e que sugere, como mencionado, a existência de uma certa concorrência institucional, manifesta-se na frase em que o jornal salienta a posição central da instituição no intercâmbio cultural e científico com os países ibéricos. Essa posição saliente fundamentar-se-ia na rêde de docentes e pesquisadores atuantes nesses países e que tinham recebido a sua formação em Hamburgo.

"Assim, o Seminário de Hamburgo tornou-se um ponto central do tráfego intelectual e científico entre a Alemanha e os povos íbero-românicos, de cujas repercussões podem ser aqui apenas citados alguns exemplos. Em diversas revistas de importância da Espanha e de Portugal foram publicados trabalhos de Hamburgo em língua alemã, espanhola e portuguesa. Ao lado das viagens dos estudantes, esses trabalhos contribuem a que o Seminário se torne conhecido no Exterior. Os elos com o Exterior do Seminário são facilitados, quando se trata da Península Ibérica, pelo fato de que na totalidade dos institutos da Espanha e de Portugal (Madrid, Barcelona, Murcia, Coimbra) que servem ao intercâmbio teuto-ibérico, atuam como diretores ou colaboradores contratados estudiosos saídos do Seminário. O Seminário fêz há pouco a sugestão de se erigir um cargo para docente alemão em Santiago de Compostela, já que já há muito tempo atuam antigos alunos do Seminário como docentes em Murcia e Barcelona."

                      

Trabalho a favor do "Deutschtum" no Exterior

Por fim, o artigo menciona que o intenso trabalho desenvolvido pelo Seminário teria servido também a fins da difusão e da propaganda da cultura de "essência" alemã, do "Deutschtum" no mundo.

"O renome que o "Seminário de línguas e cultura românicas" ganhou no decorrer dos anos para além das fronteiras de Hamburgo é devido em primeiro lugar a seu incansável e constantemente ativo diretor, Professor Dr. F. Krüger. Êle e seus colaboradores realizaram, em silêncio, trabalhos a favor do Deutschtum, do qual apenas poucos sabem. Por essa razão, cumpre aqui expressar uma palavra de reconhecimento de agradecimento a êle, a seus assistentes e discípulos. Nós esperamos, para o Professor Krüger e para aqueles a seu redor ainda muitos anos produtivos de criação e atuação na nossa Universidade de Hamburgo."

                      

(...)

(Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo)


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 124/3 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
órgão da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos interculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência

e institutos integrados

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2562




"Portão para o mundo"
A questão da justificativa de Hamburgo como centro de estudos luso-brasileiros
Argumentação político-cultural da década de 30


Ciclo "Berlim à luz" - Ano da Ciência 2010. Reflexões após 75 anos da oficialização de centros de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha. Retomada de trabalhos do Seminário sobre Estudos Culturais da América Latina e Política, realizado na Universidade de Colonia (2008)
sob a direção de A.A.Bispo

 








Imagens - Título: Berlim. Coluna: estátua de Vasco da Gama no porto de Hamburgo, Museu de Etnologia de Hamburgo e artigo citado.
Fotos A.A.Bispo
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