Babassú: uma mina vegetal.. Revista BRASIL-EUROPA. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 

Um dos problemas que mais marcam o debate universitário do presente diz respeito à "economização" dos estudos, das pesquisas e do ensino superior. A questão da utilidade prática de pesquisas e da formação acadêmica para a sociedade levou sempre, em maior ou menor grau, à necessidade de justificativas e a direcionamentos mais pragmáticos da procura de alcance de conhecimentos. Àquelas vozes que defendem uma maior proximidade da ciência à indústria e ao comércio contrapoem-se aquelas que apontam os problemas daí resultantes, sobretudo de uma perda da liberdade da pesquisa.

Esse problema não é recente, e um exame de experiências do passado pode contribuir a elucidações e, sobretudo, ao aguçamento da sensibilidade para determinadas questões não imediatamente levadas em consideração.

Em algumas disciplinas, a distância entre a pesquisa propriamente dita e aquela voltada a seu emprêgo prático não é tão grande quanto em outras. Que os cientistas se preocupem com o emprêgo e com a "utilidade" de seus esforços é legítimo e mesmo necessário, e em áreas de maior proximidade com a vida econômica podem surgir cooperações particularmente produtivas. Deve-se aqui porém emprestar particular atenção à adequada relação entre a ciência e a economia, e aquela não deve tornar-se subserviente.

Orientação utilitarista dos estudos e a Botânica

Uma situação particularmente sensível manifesta-se no campo da Botânica. O estudioso de história cultural em contextos globais constata que, no passado, a pesquisa botânica desenvolveu-se em estreito relacionamento com intenções utilitaristas e político-pragmáticas, e muitos hortos e jardins botânicos surgiram com o escopo de fomentar o cultivo e a difusão de plantas úteis e a agricultura, contribuindo à independência de nações com relação a importações e, assim, ao desenvolvimento econômico.

Sob essas condições, compreende-se que cientistas que trabalharam nessa área dedicaram-se de forma mais intensa a temas relativos ao emprêgo do resultado das pesquisas do que aqueles de outras áreas, em particular das Ciências Humanas.

Riscos da instrumentalização da pesquisa

Questionável, porém, torna-se a situação quando a pesquisa passa a ser instrumentalizada para fins políticos. Sabe-se, do passado recente, que assuntos em princípio de natureza botânica serviram como pretensa justificativa científica para as mais lamentáveis ações de destruição de florestas e de sensíveis configurações ambientais.

Essa instrumentalização de resultados de pesquisas, de reflexões em andamento, de hipóteses e teses da pesquisa torna-se possível através de simplificações de complexidades e de perda de diferenciações a serviço de uma difusão de idéias a serviço de uma influenciação da opinião pública.

Nesse processo, a imprensa e outros meios de comunicação desempenham importante papel. O sentido jornalístico dirigido a atualidades, novidades e sensações pode levar também à reinserção de estudos originados em outras situações e com outros escopos em contextos de interesse político de momento. O estudo teórico-cultural de processos de difusão deve levar em consideração o problema da reutilização de resultados de pesquisas em contextos estranhos com a finalidade de sugerir uma fundamentação científica a edifícios de concepções e a ações pragmáticas.

Von Falkenberg

Um exemplo que poderia ser aqui considerado é o da publicação de um texto de von Falkenberg, em 1936, em Durch alle Welt, revista de ampla divulgação, dedicada a questões culturais ("Die Babassúpalme: eine vegetabilische Goldgrube", Durch alle Welt  15, Abril 1936,24-25).

O artigo foi ilustrado com fotografias de Franz Otto Koch, fotógrafo presente em outros artigos referentes a temas botânicos e à América do Sul nessa revista, devendo-se salientar também a sua atuação como autor, por exemplo em artigo referente aos bambús em Java. Uma das fotografias taz a indicação explícita de Marabá, o que faz supor que que o fotógrafo esteve nessa cidade brasileira.

O nome do autor levanta dúvidas. Parece primeiramente tratar-se de uma publicação póstuma de trabalho do botânico alemão Paul von Falkenberg, então já falecido. O nome de Paul von Falkenberg tem sido relembrado nos últimos anos em diferentes contextos. Surge no catálogo de professores da Universidade de Rostock, que vem sendo publicado pelo seu departamento de pesquisa de história universal, juntamente com a biblioteca e o arquivo da universidade (Catalogus Professorum Rostochiensium).

O Prof. Dr. Paul von Falkenberg havia sido diretor do Jardim Botânico e do Instituto de Botânica da Universidade de Rostock, distinguindo-se com trabalhos sobre anatomia e morfologia das plantas (e.o. Vergleichende Untersuchungen der Vegetationsorgane der Monocotyledonien, Stuttgart, 1876). Estudara pormenorizadamente o grupo de algae Rhodomelaceae (Engler & Prantl, Die natürlichen Pflanzenfamilien, Leipzig 1897). Como reitor da Universidade, havia proferido alocuções de significado para a sua disciplina e para a universidade em geral, tais como a sua preleção para a solenidade de 18 de fevereiro de 1898, quando tratou do desenvolvimento da Botânica no século XIX. No ano seguinte, para a mesma data, realizou uma conferência sobre o tema "O Jardim e o seu desenvolvimento" (Der Garten und seine Entwicklung). É possível que o nome de von Falkenberg permanecesse lembrado na época, sobretudo devido ao significado dos estudos botânicos para a pesquisa das gorduras ("Fettforschung").

Entretanto, há um outro autor representado com outros artigos na revista Durch alle Welt. Trata-se do Dr. F. von Falkenberg, em cujo texto sobre o Labrador (N° 9, 1936, 11-12) também surgem fotografias de Franz Otto Koch. Tudo faz supor que tenha sido êle o autor do texto sobre a palmeira.

Babassú como "representante típico" do Brasil

No texto, a palmeira de babassú é apresentada como um representante típico do Brasil. O leitor de hoje pergunta-se naturalmente qual o sentido que essa afirmação poderia ter. Tudo indica tratar-se aqui de uma associação com riqueza natural, prodigalidade da natureza, mas insuficiente cultura.

"A palmeira de babassú é um representante típico do Brasil, onde se encontram milhões dessas árvores, das quais apenas uma parte foi aproveitada. A exportação de côcos de babassú é calculada em ca. de 30.000 toneladas, sem considerar-se do seu extraordinário uso no próprio país.

Alguns dados interessantes: A palmeira de babassú é uma árvore com tronco liso, de até 20 metros de altura, cujas fôlhas, largas de 15 a 20 centímetros, alcançam um comprimento de 6 metros. Semelhantemente aos grãos de espigas de milho, os frutos assentam-se em espigas longas, para baixo pendentes, cachos de frutos dos quais a palmeira fornece anualmente dois ou três de diferentes tamanhos, cujo pêso varia entre 80 a 150 quilos. Os côcos são de até 12 centímetros de comprimento e possuem um diâmetro de sete a 9 centimetros. Distinguem-se em geral duas formas de tipos de frutos, uma alongada, mais ou menos em forma de pêra, e uma outra de forma oval simétrica. Como se encontram nas palmeiras simultâneamente cachos de frutos maduros e verdes, assim como ramos florescidos, há côcos maduros durante todo o ano. Em geral, a palmeira de babassú dá frutos duas vezes por ano, sendo que a colheira de verão é maior do que a de inverno, mas os frutos de inverno são melhores do que os de verão.

Uma parte da casca dos frutos é comestível, sendo consumida de diferentes formas pelos nativos. Atualmente, é utilizada como ração para engordar porcos. A camada mais inferior é constituída por uma casca rígida, dura como pedra, bastante espessa, na qual se encontram envoltos as sementes, que conteem muito óleo.

A palmeira de babassú cresce lentamente e começa a produzir ao redor dos quinze anos. Na cultura, ainda não foi iniciada no Brasil, uma vez que não se pensa provisoriamente numa exaustão das reservas.

A colheita dos frutos de babassú é muito simples em comparação com a de outros côcos, pois não precisam ser colhidos das árvores, caindo à terra tão logo estejam maduros. Mais difícil é conseguir as sementes, que se encontram envolvidas no interior da casca dura como pedra. Os plantadores e os nativos quebram as nozes com um machado. A produção diária maior de um trabalhador normal é de 12 a 15 quilos de sementes. Para um ganho em dimensões maiores tornam-se necessárias naturalmente máquinas de quebra." (op.cit.)

Significado econômico do babassú

O escopo do artigo é salientar o significado econômico da palmeira de babassú, da qual quase todas as partes são aproveitadas. O autor, explicando o próprio título da sua exposição, que designa a palmeira como uma "mina vegetal", salienta que dessa planta, em cujo cultivo nada precisava ser investido, podia-se tirar uma considerável quantia. Ela oferecia um lucro livre de gastos de plantação e, não necessitando trabalho demasiado, representava uma riqueza quase que inacreditável para os alemães, embora não suficientemente valorizada pelos brasileiros.

"Quanto ao emprêgo das palmeiras de babassú, pode-se dizer que todas as partes são valiosas. As folhas frescas, os nativos empregam na cobertura de suas cabanas; em estado sêco, faz-se chapéus, cestas e esteiras. Os caules dos frutos são empregados como postes. A camada exterior, esfiapada da noz de babassú pode ser empregada para a produção de malhas e escovas. A camada inferior, a "Fouba", serve, como já mencionado, à alimentação humana, quando em estado fresco, especialmente como raçnao para suínos quando sêca.

A camada dura que envolve as sementes pode ser trabalhada para a confecção de botões, ponteiras de cigarros e outros objetos. Pode ser usada tanto como material combustível quanto para a distilação sêca.

As sementes de babassú constituem ca. de 8 por cento do pêso total da noz. O óleo, que dela se tira, é amarelado e solidifica-se aos 20 ou 22 graus. O conteúdo em óleo das sementes é considerável.

O óleo é utilizado na perfumaria, na fabricação de sabões, além de óleo alimentar, em particular na indústria de margarina; não limpo como óleo de máquinas e óleo para combustão e aquecimento. As massas ou bôlos de óleo são muito ricos em valores alimentícios.

De uma árvore, cuja cultura nada custa, pode-se tirar anualmente ca. de 119 marcos imperiais." (op.cit.)

(....)

(Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo)


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


  2. Brasil-Europa é organização exclusivamente de natureza científica, dedicada a estudos teóricos de processos interculturais e a estudos culturais nas relações internacionais. Não tem, expressamente, finalidades jornalísticas ou literárias e não considera nos seus textos dados divulgados por agências de notícias e emissoras. É, na sua orientação culturológica, a primeira do gênero, pioneira no seu escopo, independente, não-governamental, sem elos políticos ou religiosos, não vinculada a nenhuma fundação de partido político europeu ou brasileiro e originada de iniciativa brasileira. Foi registrada em 1968, sendo continuamente atualizada. A A.B.E. insere-se em antiga tradição que remonta ao século XIX.


  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.



 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 124/14 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2573




O interêsse econômico no aproveitamento de resultados da pesquisa científica pelo jornalismo cultural


Von Falkenberg: A palmeira Babassu, uma mina vegetal - 75 anos



Ciclo "Berlim à luz" - Ano da Ciência 2010. Reflexões após 75 anos da oficialização de centros de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha. Retomada de trabalhos de seminário sobre as relações entre Estudos Culturais e Política realizado na Universidade de Colonia (2008)
sob a direção de A.A.Bispo

 

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