Jornalismo e Zeppelins: A. Rehbein. Revista BRASIL-EUROPA. ACADEMIA BRASIL-EUROPA. Bispo, A.A. (Ed.) e Conselho Especializado. Organização de estudos culturais em relações internacionais

 
 
O estudo de processos de difusão, propagação e recepção de idéias, visões, edifícios de concepções e caminhos de ação faz parte integrante da história cultural. Segundo o escopo da organização Brasil-Europa e de sua Academia, formulado já em 1968, esse estudo histórico-cultural não pode ser realizado independentemente daquele das respectivas rêdes sociais envolvidas.

O tecimento de rêdes, a sua ampliação, fortalecimento e manutenção são apenas alguns dos aspectos que podem ser considerados. A atenção assim dirigida revela que motivos relacionados com questões de poder de grupos, sociedades, órgãos, partidos, fundações e outras instâncias podem desempenhar um papel relevante em processos de difusão, interrelacionando-se muitas vezes de forma complexa com as próprias finalidades do ideário e das visões propagadas.

Pode haver até mesmo uma inversão de pêsos: estruturas sociais criadas e desenvolvidas em torno de idéias e visões passam a adquirir prioridade, e seus envolvidos tornam-se adeptos ou veículos a partir da sua inserção na rêde, não primordialmente devido às idéias e visões representadas.

Um pesquisador que procure proceder de forma consciente e refletida sente-se obrigado a dar atenção a esses complexos elos e influências mútuas.

Um dos fatores que têm sido salientados diz respeito ao papel desempenhado por agentes na formação de rêdes, sub-rêdes e na sua interligação. Podem agir como mediadores, informantes recíprocos, multiplicadores, vasos comunicantes. Apesar de serem instrumentos de um determinado grupo, desempenham como agentes êles próprios posições de poder e que podem marcar até mesmo a sua auto-imagem. Tornam-se assim dependentes da própria estrutura a que servem e que é aquela que garante a sua situação de preeminência. Grupos e rêdes podem saber utilizar-se dessa dependência e dessa fraqueza humana, valorizando os seus agentes, que em geral possuem deficiente legitimidade de formação com relação ao assunto que representam.

Esse complexo de questões, ainda que sensível, impõe-se como necessário objeto de estudos sobretudo quando se considera situações marcadas pela propagação de edifícios de idéías e visões do mundo de explícita fundamentação ou orientação política. Representa, assim, uma necessidade quando se estuda a história cultural das idéias e suas repercussões em épocas que revelam de forma especial a força de ideologias e de ações propagandísticas. Este é o caso, por excelência, da década de 30 do século XX.

Esses estudos, porém, não possuem apenas significado histórico. Podem servir para aguçar a sensibilidade na percepção de mecanismos porventura similares que atuam no presente.

Arthur Rehbein. Jornalismo a serviço de grupos com elos políticos

Como expressivo e impressionante exemplo da situação aqui esboçada pode ser considerada a ação de um jornalista alemão, o hoje esquecido Arthur Rehbein, que em agosto de 1933 foi convidado a fazer uma viagem ao Brasil de Zeppelin. Veio com a viagem financiada ou possibilitada por grupos que levantaram verbas junto a firmas, em particular a própria emprêsa aérea, para a realização de uma viagem de reclame, de propaganda em diferentes sentidos. Um deles era o de servir à implantação de sub-rêdes no Brasil, sendo mesmo recebido oficialmente por representantes de seu país e do partido nos vários locais que visitou. De forma impressionante evidencia-se aqui elos existentes entre determinados grupos alemães, teuto-brasileiros e instâncias dirigidas às relações exteriores.

Chegando "de paraquedas", vinha como entusiástico informante e transmissor de novidades, procurando empolgar os seus compatriotas e agir a favor de uma arregimentação de alemães e seus descendentes, muitos deles já há décadas integrados na sociedade brasileira.

Uma outra função propagandística era interna. Como jornalista, deveria trazer informações, materiais e fotografias para serem impressas em revistas alemãs voltadas às relações com outros povos e culturas e que se impunham pela sua excelente qualidade gráfica. Essas publicações, por sua vez, serviam para demonstrar a atualidade e a amplidão dos conhecimentos dos respectivos grupos, emprestando-lhes uma relevância que deveria caber em princípio àqueles devidamente formados em disciplinas especializadas. Vinha de encontro a intuitos oficiais da época, quando o regime procurava apresentar-se como especialmente aberto ao diálogo com outras culturas e ao estreitamento de amizades.

Do comércio ao jornalismo

Arthur Rehbein, com o seu artigo publicado em 1935, em duas partes ("Übern Sonntag nach Brasilien", Durch alle Welt 15, 1935, 13-14; 16, 1935, 13-16) pode ser visto assim quase que como um paradigma do emissário e mensageiro, como exemplo dos problemas que se criam com a atuação de jornalistas como agentes a serviço de determinadas rêdes e de estruturas de poder.

Nascido em Remscheid (Reno do Norte/Vestfália) e falecido em Berlim, foi jornalista, escritor e autor de novelas radiofônicas. Usando também de pseudônimos  (Atz vom Rhyn, Atz vom Rheyn ou Rehlauf), alcançou certa projeção no período anterior ao término da Segunda Guerra.

A sua formação, como a de muitos outros jornalistas e escritores que se dedicaram a assuntos culturais e históricos de larga divulgação popular da época, não foi especificamente em área das Ciências Humanas. Teve uma formação em escola de comércio, chegando a atuar no ramo. Assim, foi um dos muitos representantes de um diletantismo de escritores vindos do comércio, da técnica ou de outras áreas práticas do conhecimento que passaram para o jornalismo e para uma literatura de divulgação popular.

A sua carreira jornalística decorreu em várias regiões da Alemanha, mantendo-se porém sempre particularmente vinculado à sua região natal. Em 1893, tornou-se escritor do jornal Arnstadter Tageblatt, da Turíngia. Em 1899, tornou-se redator-chefe do Krefelder General-Anzeiger. A partir de 1901, transferiu-se para Colonia, onde, desde 1903, passou a trabalhar no Kölner Tageblatt.

Nesse jornal, a sua atuação coincidiu com uma época em que se passou a dar particular importância à fotografia no noticiário de atualidades, reportagens e em matérias destinadas ao fomento dos elos com a região, as suas paisagens e os seus monumentos. Tornou-se editor do encarte "Renânia em Palavra e Imagem" (Rheinland in Wort und Bild).

O seu trabalho jornalístico com fotografias e imagens parece ter nele despertado o desejo de adquirir mais conhecimentos para tratar das obras de arte, paisagens e monumentos sobre os quais escrevia. Assim, a partir de 1904, matriculou-se na Universidade de Bonn para estudar História da Arte e Ciências Naturais. A sua trajetória foi, portanto, similar à de outros jornalistas de sua época: a do comércio para o jornalismo, do jornalismo para o jornalismo de imagens, deste tendo a sua vontade despertada para o estudo especializado por necessitar uma legitimação concedida pela formação universitária. Não foi, portanto, um especialista devidamente qualificado que passou à difusão ampla de seus conhecimentos através de órgãos de alta divulgação. Permaneceu um jornalista, como o demonstra a sua vida profissional, desenvolvida a seguir em Strassburg, Halle/Saale e, a partir de 1907, em Stuttgart, onde passou a atuar na Württemberger Zeitung. Alcançou uma posição influente no panorama jornalístico alemão, chegando a obter o cargo de redator da Norddeutscher Allgemeine Zeitung.

Do amor à terra a orientações nacionalistas

O seu amor pela região em que nasceu, porém, a sua mentalidade renana marcaram a sua imagem. Em 1907, recebeu o prêmio da cidade de Remscheid por uma poesia relativa à região de Berg, apresentada nos jogos florais de Colonia. Pelos seus méritos, recebeu o título de Geheimer Hofrat.

Como jornalista, a sua atenção era dirigida naturalmente mais aos acontecimentos do dia, às atualidades e às novidades, o que ajuda a compreender o seu envolvimento com correntes políticas. Primeiramente de tendências teuto-nacionais, passou a ser partidário do Nacionalsocialismo. Em outubro de 1933, assinou, juntamente com 88 outros autores, um juramento de lealdade a Adolf Hitler. Escreveu obras engajadas, de promoção do sistema e de propagação ideológica, tais como "Pela Alemanha à morte" (Für Deutschland in den Tod), já em 1933, e "Jovem, abra os olhos" (Junge, mach' die Augen auf!), em 1935.

Por esse envolvimento político de seus escritos, os seus livros foram, após a Guerra, indiciados na lista de obras a serem afastadas das bibliotecas na zona soviética, assim também na antiga República Democrática Alemã (DDR).

"Fantástico !": O fator entusiástico na reportagem

O texto publicado no Durch alle Welt pode ser considerado como característico do jornalismo cultural da época. (Veja texto a respeito nesta edição). Trata-se de um escrito marcado pela atualidade, pela novidade, pelo olhar de cima, pairando no ar, sem entrar em pormenores, versado em estilo entusiástico e empolgante, de fácil e amena leitura, irradiando bom humor. O moto de sua narrativa é a expressão "Fantástico". Surge como a primeira e a última exclamação, perpassa o texto como motivo condutor.

"'Fantástico' - gritou ou sussurou ca. de 100 vezes, se bem avalio, uma de minhas companheiras de viagem no Graf Zeppelin entre Friedrichshafen e Rio de Janeiro, dependendo se a exclamação era de excitação ou de contemplação. Pensado, todos nos os fizemos, mais do que cem vezes.

Não é fantástico? Ao meio-dia de sábado, à uma hora, sobe-se no campo de Tempelhof em Berlin no avião da Deutsche Lufthansa; na noite do mesmo dia, às nove horas, levanta aos ares o Zeppelin no Lago de Constança, e já no dia seguinte, às cinco horas, vê-se sob si o litoral sul da França. E, em casa, em Zehlendorf, os nossos queridos, dos quais se despediu ontem ao meio dia, recebem pelo café da manhã um rádio-telegrama intitulado 'Saudação dominical do Mediterrâneo'. No domingo à tarde, à hora do café, aparece a África, e na terça-feira à tarde surge o grupo de ilhas brasileiras de Fernando de Noronha como posto avançado da América do Sul, cujo chão pisaremos na mesma tarde às sete e meia!" (op.cit.)

"Mala de viagens voadora"

O autor critica no seu texto a falta de capacidade de entusiasmo de alguns viajantes, no caso de uma americana. Salienta a importância da emoção, o do saber valorizar e apreciar a magnitude e a grandiosidade de situações seguras, Segundo êle, a emoção não poderia apenas ser procurada na excitação proporcionada pelo risco. O Zeppelin proporcionava essa sensação de absoluta tranquilidade, e a visão grandiosa, e ambas correspondiam a uma situação interna do homem, de sua alma.

Rehbein utiliza aqui uma figura que hoje já não pode ser imediatamente compreendida pelos leitores do texto. Compara a viagem de Zeppelin com uma mala voadora, onde aquele que contempla se encontra sentado. Essa comparação apenas pode ser entendida se levar-se em consideração que, nessa época, a Alemanha, através de seus órgãos oficiais de turismo e propaganda, lançara publicações de fomento às viagens utilizando-se dessa imagem tirada de estórias. Nela, um casal, trajando roupas de tempos do Biedermeier, sentado numa mala aberta, sobrevoava uma ampla paisagem, acima de aviões, casas e trens. A viagem de Rehbein surgia assim como uma nova edição dessa imagem, agora adaptada à viagem da Alemanha ao Brasil, sendo êle próprio um representante do Biedermeier sentado na mala voadora.

"Fantástico! E apesar disso, numa outra viagem, uma americana lamentou que a viagem não oferecia nenhuma sensação. Como é que se explica?

A filha do Uncle Sam entende sob sensação pelo que tudo indica perigo ou, pelo menos, o sentimento de perigo. Este não se tem, de fato, na gôndola do Zeppelin. Ao contrário, a viagem procede com uma tal tranquilidade e naturalidade que a sua grandiosidade apenas se percebe com consciência acordada. Honra a minha camarada de viagem o seu Fantástico, pronunciado cem vezes, o ter percebido a magnitude da experiência. Quem, de forma obtusa, senta-se na cabina de sonhos, quem não pensa, quem tem a felicidade de sentir a realização da lenda da mala voadora no próprio corpo, a quem nada diz o fato de em três dias poder-se ver três continentes, a esse o deslizar do carro das nuvens pode parecer pouco excitante.

Mas não, não, não, a americana pode me dar pena por não ter-se emocionado do mais profundo da alma por ter sido levada pelo enorme cisne com inacreditável velocidade e de forma tão segura através de países e mares. Mesmo sem a sensação excitante do que se pode dizer a atração esportista da viagem, o seu lucro visual e para a alma é grandioso. Mais a respeito depois! Nos 66 anos de meu tempo na terra, vi, sabe Deus, tanta coisa de belo e empolgante, mas devo dizer: a viagem com o Zeppelin sobre o oceano atlântico foi o máximo, e sou muito grato ao destino de ter-me proporcionado tal aventura na minha sétima década." (op.cit.)

Significado da solidez e segurança

O motivo da sensação de segurança perpassa grande parte da narrativa de Rehbein. Compara a solidez e a segurança do Zeppelin com outros meios de locomoção, acentuando que essa nave aérea seria muito menos perigosa do que trens e automóveis. Salienta que compreendeu, no seu íntimo, como seriam grandes os riscos de todo o tipo de viagem por terra em comparação com o navegar pelos ares. Sem, naturalmente, saber o desastre que levaria em poucos anos ao término do projeto Zeppelin, Rehbein menciona que a sensação de segurança era tal que os passageiros se sentiam em casa, gozando de espaço e conforto doméstico. A normalidade pequeno-burguesa nas alturas é por êle retratada com palavras expressivas.

"O ar não tem traves - por sorte que não. A nossa nave aérea viaja livre na amplidão, ao alto de rochedos e bancos de area e tempestades. Quando, na terceira noite, estavamos sobre o mar e dirigiamo-nos ao equador, um temporal de força 10 de vento chicoteava as ondas. Navios que então cavalgavam as ondas, assim pensamos no nosso leito, tem os seus problemas com a correnteza. Mas o nosso albatrós? Ele sobe simplesmente de sua altura usual de 300 metros a 700 metros e desliza em frente. Três vezes vimos durante a nossa viagem navios avariados sob nós - foi como se se quisesse mostrar a ousadia de nosso veículo supraterreno. E quando menciono a palavra veículo, surge em mim uma nova fantasia: vejo os inumeráveis perigos que todo o veículo terrestre passa por todo o momento, auto, ferrovia e qualquer outro que seja.

No Zeppelin, o nosso sentimento de segurança é tão grande que, quando se reflete, o resultado era estranho: com130 quilômetros de velocidade voa-se algumas centenas de metros acima dos abismos e desertos de água como se em casa ou em um albergue se olhasse da janela do quarto a lavanderia, tem-se maior conforto do que no vagão dormitório, e pronto para o dia, entra-se com um alegre Bom Dia! o salão de estar e o restaurante e encomenda-se do garção Kubis o café da manhã do geito como se costuma fazer em casa. Eu já viagei em vagão Pullmann no passado lá na América e agora também várias vezes e lembrei-me com satisfação que foi um homem de sangue alemão que criou esse cume do confôrto ferroviário. No nosso salão do carro aéreo, porém, é muito mais aconchegante. A gente movimenta-se totalmente livre no espaço, que tem o tamanho de uma sala de visitas média, vai a uma janela de um lado, depois do outro, para apreciar sentado ou de pé a gratificante vista ao longe e para baixo, desloca-se a sua poltrona para onde se quer, conversa com o vizinho que, se se quer, muda-se, escreve, lê. - Não, lí pouco não lemos e escrever, apenas cartões postais e um par de cartas rápidas de Zeppelin. O tempo era para nós por demais precioso." (loc.cit.)

Reclame do Zeppelin

A narrativa de Rehbein preenche assim em grande parte a tarefa de fazer reclame do Zeppelin. Além da segurança, salienta sobretudo o fascínio da viagem, que fazia com que o tempo passasse rápido, ainda que a nave se locomovesse de forma tão tranquila. É significativo que o jornalista lembre, nesse contexto, o papel que sempre desempenhara na história do Zeppelin, tendo sempre nele acreditado desde as suas origens nos anos anteriores à Primeira Guerra. Fora um dos homens da imprensa que mais se haviam empenhado na divulgação e na valorização do seu desenvolvimento, a tal ponto de ter sido já em 1909 convidado pelos empresários a realizar uma viagem pela nave voadora.

"Após o meu retorno, fui perguntado, entre outros pontos: Com o tempo não é maçante, ficar-se fechado primeiramente três dias (de Friedrichshafen a Pernambuco) e depois mais 24 horas (de Pernambuco ao Rio de Janeiro)? Oh, céus! Quase que invejei os três companheiros de viagem que no Rio de Janeiro, sem colocar um pé em terra, retornaram após meia-hora com a mesma nave aérea que os tinha aqui trazido da Europa, à Alemanha, a Friedrichshafen. Teria sido é verdade difícil de tal como um Moisés apenas dar uma vista de olhos na terra prometida, que é para mim o Brasil. Ainda mais difícil, por que já o primeiro olhar do Rio revela o encanto inesquecível dessa metrópole entre mar e floresta, entre cadeias de montanhas e correntes de ilhas. Maçante - assim pode-se falar com respeito a uma viagem de trem de vários dias, por exemplo de Nova Iorque a San Francisco, ou na ferrovia transiberiana. Nós, pássaros migratórios, que pairamos sobre o globo e não precisamos exclamar "Pare um pouco!", porque apesar de toda a velocidade do nosso viajar toda a imagem permanece por tempo suficiente para poder ser assimilada devido ao amplo panorama, - como é que poderíamos aborrecer-nos? Nem uma única vez alguém de nós sentiu um vazio durante os quatro dias de viagem. Quando, na noite tropical, a escuridão desceu cedo e repentinamente, a noite não pareceu ser demasiadamente longa, porque estávamos cansados de contemplar e por isso logo fomos para a cabina. Já ao redor das quatro ou cinco horas, porém, a curiosidade nos levou para fora, e procuramos o luminar da América.

Ei, eu já estive lá na América. E queria descrever a extravasão dourada, não, tentar esboçar aquilo que embriagou de tal forma os nossos olhos que as pálpebras pouco podiam aguentar. E dos sentimentos que em nós foram despertados por essa plenitude de fenômenos.

Para mim, a alegria começou com uma lembrança instrutiva. Nos anos de 1908 e 1909, como jornalista - era então primeiro diretor da redação do Württemberger Zeitung, vivenciei o nascimento da obra genial do velho Conde Zeppelin. No outono de 1909, pude subir pela primeira vez sob os seus olhos na sua nave aérea e ser recompensado com uma viagem sobre Frankfurt am Main pelo fato de ter usado todos os meus meios como jornalista a serviço da obra do conquistador do reino do ar. Eu era então um muito grande crente do Zeppelin. Teria porém ousado esperar que dentro de um quarto de século haveria um tráfego regular, segundo um plano de viagem da Europa à América, e mesmo que um Zeppelin ousasse a viagem ao redor do mundo e retornasse incólume?" (loc.cit.)

(...)


Fernando de Noronha e o Zeppelin como símbolo da liberdade e da visão ampla

As primeiras impressões transmitidas por Rehbein do Brasil giram em torno da comparação entre a falta de liberdade e a liberdade. Motivado por Fernando de Noronha nas suas funções penitenciárias e pela visão de barcos encalhados, o repórter retorna às suas reflexões sobre a vida terrena e a vida nas alturas.

"Terça-feira à tarde, às duas e meia, sobrevoamos o arquipélago de Fernando de Noronha e vimos assim pela primeira vez terra brasileira, com palmeiras e bananas. Ficamos um pouco melancólicos ao pensar que o nosso aparecimento deveria fazer sofrer aos habitantes desse rasgo de pedra no oceano, uma vez que se trata de uma colonia de penitenciários. Com que sentimentos devem os prisioneiros no destêrro cercado pelo mar olhar ao alto para o nosso símbolo da liberdade e da amplidão do mundo! Não surpreende que chamam o pico que se eleva 305 metros da margem ocidental, de 50 metros, de Dedo do Diabo, em lembrança de dias mais felizes sob o Dedo de Deus, que se mostra aos céus de modo parecido na Serra dos Orgãos acerca de Teresópolis, a procurada estância de veraneio do Rio de Janeiro. A vista de um vapor encalhado, o segundo que sobrevoamos, deveria também nos dar pena, seremos desculpados - também pelo fato de o acidente já ter-se passado há anos- que fizemos antes de novo comparações entre a segurança em baixo e em cima e nos alegremos do nosso privilégio?

É precioso o brilhar das ondas verdes, o espumar na praia. Numerosos pássaros passavam voando, ao lado das triviais gaivotas os pássaros fregata, que só ocorrem nos trópicos, com as suas asas esbeltas e compridas e o belo voar, e os urubus, parecidos na sua frequência com os nossos corvos, mas do tamanho de galinhas." (loc.cit.)

Imaginando a sensação dos pernambucanos

O trecho da viagem de Fernando de Noronha às costas brasileiras serve mais uma vez ao jornalista para lembrar-se de estórias, nesse caso das muito difundidas de Karl May (1842-1912). Com base assim nas suas recordações do que lera de aventuras em países distantes, Rehbein procura imaginar o que estariam sentido os nativos que viviam nas matas do litoral brasileiro ao avistarem o Zeppelin pairando sobre as suas cabeças. Compara essa imaginada sensação com a de mongóis que, segundo informações fidedignas, teriam suposto ser o Zeppelin um monstro sobrenatural ou mesmo uma divindade ao observá-lo pela primeira vez.

"Apenas 200 milhas marítimas, ca. 370 quilômetros é a distância entre Fernando de Noronha e a costa sul-americana. Para uma nave rápida como a nossa não é um longo caminho. Mas nós não voamos a ocidente, direto à costa, mas a sudoeste, em direção a Pernambuco. E assim será naturalmente noite antes de alcançarmos o continente, uma vez que nos trópicos, como já lembrei, a escuridão desce cedo e rápidamente. Mas também agora ou precisamente agora o meu companheiro de viagem sanguíneo exclama mais de uma vez 'Fantástico!', e êle tem razão. Nós passamos sobre a margem da floresta que cobre e emoldura as montanhas costeiras de quase toda a praia brasileira. Ei, se agora aqui estivesse comigo o meu menino! Como se emocionaria o seu poder de sentimento alimentado por Karl May se visse na mata o fogo dos nativos e as sombras dos homens ali se movimentando! Como devem ter-se excitado os próprios homens de cor com o volumoso ruído das alturas e com a curta série de luzes sob a proa imensa da nave aérea, que êles porém já vivenciaram várias vezes! Um dos senhores da direção da nave nos contou como na viagem ao redor do mundo o nosso Conde Zeppelin no interior mais profundo da Ásia os mongóis, que certamente nunca tiveram tido antes o menor contato com o mundo civilizado fugiram para as suas cabanas com todos os sinais de terror ou se lançavam à terra, escondendo a face perante o terrível monstro. Talvez tivesem nesse meio tempo construído um templo para o deus desconhecido e contam da sua caçada selvagem sobre as suas cabeças.

Pouco depois das sete horas da noite aparece ao sul o brilho de estrelas terrenas que conhecemos das primeiras horas da nossa viagem. Como um diadema irradiam as luzes de Pernambuco através da noitinha e como um fêcho de brilhantes o mosteiro de Olinda no monte. Uma febre de expectativa, de alegria, de entusiasmo alastra-se pelo nosso pequeno grupo. Ali não havia nenhum que não sentiu o seu coração esquentar. 'Fantástico! Fantástico!' mumurava o fotógrafo, como uma lenda!"sussurrava a companheira de bordo. Meu Deus, que corvo obtuso de sentidos deve ser a novaiorquina que não sentiu nenhuma sensação no Zeppelin! Não, agora torna-se claro para mim: ela quis seguramente de forma particularmente marcante designar a sensação de segurança que teve durante a viagem. E não falou das maravilhas vivenciadas por não encontrar possibilidades de expressá-las." (op.cit.)

Recepção pelo cônsul alemão. Remscheid em Recife

O primeiro indício de que a sua viagem não era simplesmente de passeio, mas que tinha sido preparada e anunciada oficialmente, pode ser visto no fato de ter sido recebido pelo cônsul alemão em Recife, ainda que de surprêsa. Dando continuidade ao tom bem humorado e aliciante que procura dar ao seu relato, intercala uma anedota na narrativa, onde salienta o espírito de comércio que caracterizaria os habitantes de sua região natal e que os levaria às mais distantes regiões. Já aqui o jornalista alia o entusiasmo da sua viagem pelos céus ao entusiasmo pelo desenvolvimento da Alemanha, o país onde se decidiria "o destino da raça branca", convicção que se teria tornado ainda mais forte em todos os passageiros que haviam pairado sobre as águas, viajando no Zeppelin.

"Estamos sobre o recife de corais ao qual deve a capital de Pernambuco o seu nome. Já sobre o porto, já sobre a cidade. Sabemos agora, porque é chamada de Veneza brasileira. Sempre brilha o Rio Capiberibe, que não é por menos é chamado de ponto de interrogação, porque se encurva como este. E ainda mais há o Rio Beberibe.

A cidade toda é um júbilo. Exclamação de mil vozes e assobios como expressão da alegria. Escutamos bem, pois os nossos motores silenciaram. Que estamos nos trópicos, isso nos mostra não só as magníficas palmeiras por todo lugar entre as casas e cabanas, mas também ainda mais o branco das roupas de todos aqueles que nos observam.

Tranquilo como um elevador a nave aérea desce e já agora se ancora em chão americano, sem que tivessemos percebido o menor golpe. Olhamos da janela do salão nos olhos brilhantes de entusiasmo dos prêtos que seguram o nosso corredor até que esteja suficientemente prêso.

O meu primeiro passo em chão sulamericano traz-me uma bela surprêsa: sou saudado em sotaque indisfarçável renano-vestfálico da minha cidade natal de Remscheid. É o cônsul alemão em Pernambuco, Sr. Karl von den Steinen, que saúda o seu compatriota. Ocorreu-me uma anedota, que todo o de Remscheid sabe. Quando em 1492 Colombo descobriu a América e atracou em Guanahani, encontrou ali antes dos nativos um de Remscheid, que ali vendia limas, alicates, furadoras e todos os outros produtos de metal do famoso trabalho diligente e do comércio de Berg, que comercia com todo o mundo. Enquanto eu e meus companheiros de viagem conversavam com o Sr. von den Steinen, fomos cercados por prêtos, mulatos e brancos que, com curiosidade e certamente não sem inveja admiravam as pessoas que há apenas três dias ainda estavam na Alemanha, do país, de onde agora, - isso sente mais ou menos de forma clara qualquer um mesmo sobre o mar, onde se decide o destino da raça branca." (op.cit.)

Encontro com a colonia alemã. Zeppelin e a auto-estima

A estadia de Rehbein em Recife, embora sendo apenas de um noite, foi utilizada para encontros com alemães ali residentes. O autor apresenta-se aqui claramente como transmissor de notícias, como informante, mas ao mesmo tempo como representante entusiástico do regime político. De forma significativa, estabelece um vínculo entre o reclame que fazia do Zeppelin e a propaganda do "Deutschtum". O Zeppelin estaria realizando uma obra inestimável para a auto-estima dos alemães em todo o mundo. À sua chegada, sentiam-se novamente orgulhosos de sua pátria, de sua capacidade técnica.

Rehbein comunica a seus leitores que também em Pernambuco os alemães cultivavam os seus hábitos e desenvolviam os seus negócios com sucesso, ali produzindo uma excelente cerveja, apesar de ser todo o ambiente exótico e singular na sua mistura "índio-negra" com descendentes de europeus.

"Como passei a primeira noite em terra estranha? Num boliche alemão. Após breve estadia no Hotel Central, onde iria passar a noite, fui levado pelo meu gentil compatriota ao clube alemão, e lá jogamos boliche até a meia-noite. O boliche não era a principal coisa nessa noite, não, era antes que cada um apenas abandonava indeciso o seu lugar para fazer o seu jôgo, que ainda da pista escutava a conversação e após trabalho feito retornava da forma mais rápida. Todos estavam naturalmente com fome das mais novas notícias da pátria. Com que orgulho contei a êles do despertar da Alemanha, com que alegria escutei também deles o forte eco de nossa confissão pela honra alemã! 'Agora podemos de novo sem pudor dizer-nos alemães', diziam. Ao mesmo tempo sempre me asseguravam que enorme serviço prestava a rota americana do "Conde Zeppelin" à Germanidade no mundo. 'Nos dias de uma visita do Zeppelin andamos de cabeça ainda mais erguida'.

Em boliche alemão. Sim. Mas é um prêto nos enche os copos com cerveja, de resto uma cerveja excelente, produzida por uma cervejaria alemã, nas paredes sentam-se pequenas lagartixas que se fazem bem quistas como diligentes pegadoras de mosquitos, árvores e flores estranhas vêem e exalam na sala aberta, vozes naturais estranhas entram da noite tropical. Sem esquecer o calor inusual apesar da hora noturna. O meu vizinho me conta, que em certos dias precisa trocar de roupa quatro vezes. Fico feliz por ter trocado acima do Equador a minha roupa de tecido por um terno de linho.

A minha primeira noite brasileira foi curta demais. Já para as 4 e quinze tinha colocado o despertador, e tínhamos ainda depois do boliche feito uma excursão pela cidade. Que pena que não podemos ficar aqui alguns dias! Pois percemos já nesse passeio de automóvei e vemos na manhã seguinte no caminho ao ancoradouro e então mais ainda durante a nossa volta após a subida que Recife é um cidade muito singular, singular sobretudo pela sua mistura de originalidade índio-negra com civilização de imigração européia. Construções públicas, celeiros, casas comerciais na região do porto, palácios (como o do arcebispo de Olinda), vilas distintas, parques e jardins luxuriantes na Boa Vista, cabanas de zinco de latas velhas e cobertas de palha ou de trançado de taboa no bairro dos nativos.

Não posso porém permanecer demasiadamente longo em Pernambuco, porque a plenitude do que deve ser comunicado é grande demais. Devo colocar-me rédeas, para não esgotar a paciência de meus leitores." (op.cit.)

Observações do alto e atualidades

Do seu trajeto entre Pernambuco e o Rio de Janeiro, Rehbein deixou registradas observações de interesse documental para os estudos culturais, mescladas com o seu interesse jornalístico por atualidades. Relatando técnicas de pesca e de navegação, descreve a jangada a seus leitores alemães, lembrando de uma audaciosa viagem de jangadeiros ao Rio de Janeiro, em 1922, e que parecia querer ser repetida por esportistas.

"Vinte e quatro horas sôbre a costa brasileira - de Pernambuco até o Rio de Janeiro. O dia todo as espumas brancas das ondas do Oceano Atlântico quebrando contra a praia. Quer olhemos para o sul ou para o norte - sem fim parece ser a barra rendada do manto verde que cobre as montanhas e que cai até o mar. Só raramente percebe-se a ação de mãos humanas na natureza que cresce luxuriantemente. Então surgem as palmeiras sós, não unidas à intranspassabilidade com cem ou cem outras espécies de árvores, em tecido criado por um entremeado louco de plantas trepadeiras. Modestos povoados de nativos encontram-se em terrenos conquistados da floresta. Homens de côr olham para nós no alto: vacas, cabras, porcos e carneiros fogem.

É singular que nós, da perspectiva elevada, possamos reconhecer claramente de que modo a pesca é praticada: uma barreira de rêde vai da praia ao mar adentro. Quando os peixes chegam a esse obstáculo, nadam a seu longo em direção do mar. Assim, caem num cesto colocado no fim da barra e  se encontram prêsos.

Em Pernambuco - quero aqui repetir - conhecemos um outro tipo de pesca ou pelo menos o veículo para tal. É a jangada, uma pequena balsa de cinco troncos, com uma vela muito simples, um banco e um cesto para o que for apanhado. Além disso também um remo e dois ou três aparelhos de madeira, cujo objetivo não me ficou imediatamente claro. Com esse bote bem primitivo os homens ousam se atirar em mar aberto; no ano de 1922 alguns mais corajosos realizaram em jangada até mesmo uma viagem de Recife ao Rio de Janeiro. Contaram-me que atualmente alguns jovens esportistas estão procurando repetir essa viagem audaciosa.

Se nos aborrecemos nesse último dia? Nem idéia! Não abandonamos a janela quase que nem para comer, embora tivéssemos, como disse, um apetite abençoado. Tomei por isso o café no banco da janela. Se voávamos sobre o mar, víamos sob nós multidões de peixes voadores sôbre o azul celeste brilhante, levemente trêmulo, se pairávamos sobre a terra, podíamos ver papagaios verdes sós ou em bandos imergirem nas cristas das ondas. Para nós, gente das alturas, vinha a calhar que a floresta desenvolve toda a sua magnificência para o alto. Dentro intransponível, escura, mofa, procura a luz com elevada variedade. Na plenitude de cores destacou-se um amarelo brilhante, que muitas vezes predominava: o nosso erudito de bordo esclareceu que a planta era uma espécie de bromélia, o que pouco me disse, mesmo quando ajuntou que se tratava de um parete do ananás. Mais entendemos quando fêz a constatação de que essas plantas que parecem arbustos seriam tipos de mirtas, às quais se juntavam muitas leguminosas. Consolou-nos por fim dizendo que poderíamos estudar no Rio bem de perto toda uma floresta." (op.cit.)

Comparações: Recife e Veneza, Salvador e Nápoles

Seguindo os preceitos do jornalismo cultural da época (Veja artigo a respeito, nesta edição), autor utiliza-se frequentemente de comparações na sua narrativa, seja relativamente a pássaros e animais, seja relativamente a situações e, sobretudo, a cidades. Alguns de seus cotejos refletem designações tradicionais, transmitindo a seus leitores, por exemplo, a imagem de Recife como sendo uma Veneza brasileira. A partir daí, passa a comparar Salvador com Colonia, devido ao número de suas igrejas, ou a Nápoles, devido a sua situação paisagística.

Não é verdade que sempre tivéssemos visto a mesma imagem: floresta e praia e água. Sobrevoamos também uma série de cidades. Para andar mais rápido, quero apenas citar a Bahia, a cidade de todos os santos, a cidade que, como Colonia, possui muitas centenas, ou pelo menos muitas dúzias de capelas e igrejas. Se se compara Recife com Veneza, lembra-se em Bahia de Nápoles, porque se acosta tão pitorescamente na ampla baía e é ornada com uma corrente de ilhas aprazíveis. Lisboa também vem à mente, que é também a cidade materna de São Salvador de Todos os Santos, como batizou de modo circunstancioso a Bahia.

Deus sabe, já nos tornamos frios em três dias, senão precisaríamos dar gritos de felicidade quando o nosso Pégaso, numa grande volta, sobrevoa a bela cidade praiana. Ah, se se pudesse distribuir a inascedível abundância dessa viagem relâmpago por um par de anos! O quarto de hora ou a meia hora sobre a Bahia - não tive tempo de olhar no relógio - deu-nos impressões que ainda hoje nos tira a respiração quando emerge em nossa mente." (op.cit.)

Impressões fotojornalísticas do Rio de Janeiro

Apenas no trecho final de sua narrativa é que Rehbein revela que o seu acompanhante que continuamente murmurava "Fantástico!" era um fotógrafo. Toma-se conhecimento, assim, que a viagem do pequeno grupo, proporcionada pela própria emprêsa dos Zeppelins, incluia um fotógrafo profissional. A viagem correspondia assim ao interesse então existente na Alemanha pelo fotojornalismo, sendo que artigos a respeito de uma "filosofia da fotografia" seriam publicados pelo mesmo órgão que editou a reportagem de Rehbein.

"E há ainda uma intensificação: Rio na Baía da Guanabara. Que a capital do Brasil conta entre os lugares mais belos do mundo, todos já ouviram falar. Assim, ninguém conseguiu repousar na passada última noite. Na véspera foi como se fôssemos introduzidos na obra mestra por uma abertura. O céu nos presenteou com um descer do sol magnífico, inebriante, e quase que ainda mais emocionante foi a ação do quarto de hora após o rei dos céus ter desaparecido. Pôs-se sobre o tom dourado escuro um marron sépia tenebroso e acima do todo um florão negro de leve suavidade, até que, de repente, o jogo macabro de cores mergulhou no mais negro dos negros. Esse nada, porém, não foi o fim: brilhando surgiu no manto da noite o perfil dourado da face da lua, aberta para o alto e, mais acima, Venus, com o mesmo brilho. Então realizou-se um desejo acalentado por anos: pela primeira vez saudei o Cruzeiro do Sul.

Já às quatro horas da manhã, a maior parte dos passageiros encontrava-se na sala de estar. Também os oito brasileiros, que subiram em Recife, e que duplicaram o nosso número. Teríamos podido aterrisar no Rio, mas como o Zeppelin faz questão de cumprir exatamente os horários, sobre passeamos voando por um par de horas pelo nosso objetivo. Percebemos isso, porque passamos várias vezes pelas luzes que piscavam dos quatro braços, que fazem que um raio vermelho e três brancos girem na escuridão na forma de uma cruz dos Joanitas. Agora vemos uma barra de luzes aos pés de enormes rochedos, os brasileiros nos mostram o Pão-de-Açúcar, o emblema monumental de toda a cidade; nós nos aproximamos, a magnífica coroa de rochas torna-se mais clara, e em poucos minutos esvai-se a noite, e perante nós esprai-se o Rio de Janeiro à luz nascente.

Seria uma ousadia tentar pôr em palavras a imagem incomparável dessa abençoada metrópole. Mesmo um pintor deve desesperar-se na grandeza de um tal projeto. Ainda mais se se contempla do carro da Aurora. Sinto perfeitamente como você, meu prezado discípulo de Daguerres, que sempre murmura 'Fantástico', como uma prece." (op.cit.)

Contatos oficiais no Rio de Janeiro

Se Rehbein foi recebido em Pernambuco pelo cônsul alemão, foi também esperado no campo de pouso por autoridade alemã. Como menciona explicitamente, teria sido esse representante que atuara junto ao Govêrno brasileiro para que se construísse um novo aeroporto para Zeppelins em Santa Cruz. O relato de Rehbein termina, assim, com revelação de que o jornalista conhecia pessoalmente o colega de partido e de que a sua viagem possuia um caráter oficioso.

"Bem longe da cidade situa-se o campo de parada do Zeppelin, no Campo dos Affonsos, o aeroporto da Escola Militar. O edifício da nave aérea, cujo projeto de construção foi finalmente implantado através da persistência do Dr. Eckener junto ao govêrno brasileiro, irá ainda mais longe: para Santa Cruz. Esse lugar pode ser alcançado diretamente do mar, e o Zepp não será atrapalhado pela neblina que frequentemente surge na Baia da Guanabara. Que o novo porto da nave aérea se localiza ca. de 60 quilômetros do centro da cidade, isso será compensado com a construção de uma linha ferroviária própria, que levará os passageiros da nave aérea em carros especiais logo após a aterrisagem à cidade.

Ei, quem é aquele envolto num casaco que lá está, solitário e discreto, assim que saímos da gôndola? Não é - sim, verdade, é o Dr. Eckener. É quase que simbólico o seu parecer nessa hora tão cedo em terra estrangeira, que conquistou espiritualmente para a Alemanha. Como uma rocha de bronze ali está, esperando pela sua obra como herdeiro designado do Conde, após ter conquistado mais uma vitória. Chego-me a êle, quero-lhe dizer algo simpático e alegre, mas veja, estou tão emocionado nesse momento que apenas posso apertar-lhe fortemente a mão e, com dificuldade, apenas dar de mim uma palavra: 'Fantástico!'"

Se pouco se sabe a respeito das atividades de Rehbein no Rio de Janeiro, devido à exiguidade do texto impresso, pode-se tirar algumas conclusões a partir das fotografias inseridas na publicação. O artigo inclui não apenas impressionantes vistas da Baía da Guanabara, do Cristo Redentor e do Pão de Açúcar, que podem ser consideradas como exemplos excepcionais da arte fotográfica, como também de uma gigantesca árvore numa das ruas da cidade. Os visitantes realizaram também provavelmente uma excursão à ilha de Paquetá, o que foi registrado fotograficamente pelo próprio Rehbein. Essa fotografia demonstra o interesse técnico da época por procedimentos que permitiam a captação de reflexos na água. Dentre os fotógrafos de nomes conhecidos, tem-se viajantes A. Eisenstaedt (fotografia do autor escrevendo, e do café da manhã), e H. Schonger (Na cozinha da nave; navio encalhado; convento de Olinda; jangada; rastro de um vapor), e além daqueles da própria emprêsa Zeppelin (Tanger; veleiro; Fernando de Noronha; Graf Zeppelin em Pernambuco).

(...)

(Grupo redatorial sob a direção de A.A.Bispo)


  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 124/16 (2010:2)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho
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Doc. N° 2575





"Fantástico!"
Jornalistas e Zeppelins a serviço da propaganda e da arregimentação de imigrantes


Arthur Rehbein (1867-1952): Em três dias no Brasil - 75 anos




Ciclo "Berlim à luz" - Ano da Ciência 2010. Reflexões após 75 anos da oficialização de centros de estudos portugueses e brasileiros na Alemanha. Retomada de trabalhos de seminário sobre as relações entre Estudos Culturais e Política realizado na Universidade de Colonia (2008)
sob a direção de A.A.Bispo

 

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